KRONOS
O DICIONÁRIO
KRONOS
Raoni Rocha[1]
[1]Curso de Engenharia de Saúde e Segurança Laboratório de Ergonomia
Universidade Federal de Itajubá - Campus Avançado Itabira Rua Irmã Ivone
Drumond, nº 200, Distrito Industrial II Itabira - MG Brasil
raoni.france@gmail.com
DEFINIÇÃO E BREVE HISTÓRICO
Kronos, ou Actogram Kronos, é um software de suporte à análise do trabalho, que
torna visível a evolução de atividades laborais ao longo do tempo, em curtos ou
longos períodos. Através de registros automáticos de data e hora, é possível
obter gráficos e dados estatísticos sobre a duração e as transições de
variáveis previamente definidas por um observador.
O Kronos foi desenvolvido por Alain Kerguelen e lançado oficialmente em 2001,
em versões francesa e inglesa, com o intuito de responder às necessidades de
ergonomistas e psicólogos do trabalho em projetos de análise da atividade
(Kerguelen, 2008). Em 2012, a interface do programa foi inteiramente renovada,
com o acesso às funções realizando-se de formas mais simples e interativa. Em
2014, esta ferramenta ganhou a sua versão em português, tanto para o software,
quanto para o seu manual de utilização.
Mesmo sendo lançado de forma oficial somente em 2001, o software já era
desenvolvido desde o início dos anos 90 (Kerguelen, 1991) e, a partir de então,
foi aplicado de diversas maneiras e em diferentes ocasiões. Duarte (1994), um
dos primeiros a fazê-lo, utiliza o Kronos no desenvolvimento da crônica da
atividade de um operador de sala de controle em uma refinaria de petróleo,
buscando mostrar as regulações e estratégias realizadas por ele em situação
calma e situação perturbada. Assunção (2004), através do Kronos, justifica as
sequências de operações e posturas adotadas por caixas de um hipermercado,
contrapondo abordagens tradicionais que identificam e prescrevem "posturas
corretas" que os trabalhadores devem adotar. Estryn-Behar et al. (2011), no
estudo de agentes de uma instituição de acolhimento para idosos, se apoiam no
Kronos para mostrar como a organização do trabalho determina a maneira na qual
esses agentes podem realizar as suas tarefas. Delgoulet, Weill-Fassina e Mardon
(2011) desenvolveram um estudo que buscou compreender em que medida as
condições de trabalho de agentes de escolas maternais foram fontes de
penosidade para eles (em termos de consequências físicas e psicológicas),
mostrando os resultados por meio do Kronos. Le Bris e Barthe (2013) aplicam o
Kronos para estudar o rodízio de equipes de montagem na indústria aeronáutica,
ilustrando a dinâmica na qual essas equipes realizam rodízios entre si e
propondo princípios para a organização deste rodízio. Rocha, Mollo e Daniellou
(2014), por fim, utilizam o Kronos para avaliar a evolução do discurso sobre a
segurança durante a implantação de um método de desenvolvimento de cultura de
segurança numa empresa francesa de distribuição de energia elétrica e gás.
Baseado nos diferentes objetivos sobre os quais o Kronos foi aplicado, este
artigo busca, além de defini-lo, mostrar sucintamente o seu funcionamento, suas
principais contribuições e limites práticos.
COMO FUNCIONA O KRONOS?
A utilização do Kronos pode ser feita através de observação direta in situ ou a
posteriori. Observações in situ são realizadas por meio do actopalm, vertente
do Kronos desenvolvida especificamente para palmtops ou PDA's (Personal Digital
Assistant), computadores de dimensões reduzidas, que normalmente cabem no bolso
ou na mão do observador. Observações a posteriori são realizadas por meio de
análises de filmes da atividade, que podem ser integradas no Kronos.
In situ ou a posteriori, a utilização do software demanda a compreensão de duas
noções básicas: os "protocolos de descrição" e as "classes de observável". Um
protocolo de descrição é uma tabela de códigos de eventos definidos pelo
observador para ler as suas variáveis (ou observáveis). Este protocolo permite
organizar as observáveis em estruturas hierárquicas, que serão divididas em
subcategorias. O elemento hierarquicamente mais alto do conjunto das
observáveis definidas no protocolo é denominado "classe de observável", função
que permite associar um evento a uma duração: cada evento gera um estado que
será interrompido pela ocorrência de outro evento da mesma classe de
observável.
Por exemplo, se desejamos conhecer os deslocamentos de uma secretária nas
diferentes salas em que ela trabalha, podemos denominar a classe de observável
como "Local" e as subcategorias como "Recepção", "Escritório 1" e "Escritório
2", etc. Durante a observação, o observador registra as mudanças de local e o
momento das mudanças. O período e a duração em cada um dos locais serão
determinados pelo intervalo entre o local atual e o próximo local. Podemos,
assim, ler cronologicamente os deslocamentos dessa secretária, observando
quando e por quanto tempo ela permaneceu em cada um dos locais definidos no
protocolo.
É possível, também, definir mais de uma variável para a observação. Retomando o
exemplo acima, podem ser observados simultaneamente o local com a atividade
realizada pela secretária (ex.: organização da agenda, atendimento ao telefone,
atendimento ao cliente, etc.). Para isso, é necessário definir pelo menos duas
classes de observáveis - como "Local" e "Atividade" - e as subcategorias de
cada uma delas - como "Recepção", "Escritório 1" e "Escritório 2" (para Local)
e "Organização da agenda", "Atendimento ao telefone", "Atendimento ao cliente"
(para Atividade).
Além de local e atividade, outras classes de observáveis (e subcategorias)
comumente utilizadas através do Kronos são "tipos de comunicação" ("verbal",
"gestual", etc.), "direção do olhar" ("para a máquina X", "para o colega Y",
para o aparelho Z") e "postura" ("de pé", "sentado", "inclinado", etc.).
QUAIS AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES E OS PRINCIPAIS LIMITES DO KRONOS?
As principais contribuições deste software se relacionam com a visualização do
trabalho através de gráficos e a obtenção de estatísticas das variáveis.
Os gráficos permitem uma representação do desenvolvimento temporal de
determinada observável. É possível verificar visualmente, por exemplo, quais
atividades foram mais realizadas, em que local um determinado funcionário
esteve, ou qual movimento foi mais solicitado. Esses gráficos são
personalizáveis: podemos escolher o período a ser exibido, o modo de
visualização por classe de observável (linhas, motivos, primeiro plano ou plano
de fundo, etc.) e as propriedades da apresentação por categoria (cores,
espessura das linhas, etc.).
Os elementos do gráfico podem, num segundo momento, ser formalizados através de
indicadores estatísticos de durações de estado. Podemos obter estatísticas
relacionadas tanto com a duração dos estados (ex.: uma secretária passa 30% do
tempo observado na recepção, 40% do tempo observado no escritório 1 e 30% do
tempo observado no escritório 2), quanto com a distribuição dos estados (ex.:
um funcionário de lavanderia realiza a atividade de lavar a roupa poucas vezes,
mas durante muito tempo, e a atividade de passar a roupa muitas vezes durante
pouco tempo). As estatísticas permitem, também, que vejamos as relações de
simultaneidade das observáveis escolhidas, nos casos em que há mais de uma
classe de observável definida (ex.: uma secretária permaneceu 25% do tempo
observado organizando agenda na recepção ou 17% do tempo em atendimento ao
telefone no escritório 1).
O Kronos é, portanto, uma ferramenta extremamente útil na coleta de dados sobre
o trabalho, pois nos permite observar a evolução de variáveis relacionadas à
atividade realizada. Uma evolução que se dá tanto de forma visual, através dos
gráficos, quanto de forma numérica, através das estatísticas fornecidas.
Por outro lado, se o software é eficaz na coleta de dados sobre trabalho,
Kerguelen (2008) nos mostra que ele também apresenta alguns limites e cuidados
que devem ser discutidos.
O primeiro deles se refere à definição das observáveis. Em alguns casos, essa
definição pode ser clara do ponto de vista de índices visuais, mas pode não
corresponder a uma descrição apropriada de acordo com os objetivos do
trabalhador. Imaginemos, por exemplo, uma operadora que trabalha numa máquina
de fabricação de peças de metal. Ela deve alimentar a máquina, separar as peças
produzidas, controlar a qualidade através do descarte de peças defeituosas,
limpar as peças, etc. Cada uma dessas atividades são, então, definidas no
protocolo de descrição como "Alimentação", "Separação", "Controle" e "Limpeza".
Durante as discussões com a operadora verifica-se que a atividade de descarte
das peças (definida como "Controle") não se limita somente ao período de
controle de qualidade, mas ocorre também durante a separação de peças. O risco
reside no fato de que, confiando exclusivamente nas observáveis definidas pelo
observador, representações errôneas do trabalho real da operadora sejam
produzidas. Para evitar esse tipo de situação, principalmente em atividades de
dimensões mais complexas, é interessante que se busque definir observáveis
exclusivas (e excludentes entre si) que permitam responder às exigências de um
referencial temporal não ambíguo.
O segundo desses cuidados se refere à distinção entre categorias descritivas e
interpretativas. Alguns eventos não necessitam de interpretação na definição
das observáveis, pois o evento contém nele mesmo todas as informações
necessárias à codificação. Por exemplo, observáveis relativas a deslocamentos
(localizações), posturas, utilização de ferramentas ou direção do olhar,
permitem facilmente a construção de observáveis exclusivas. Por outro lado,
codificações relativas ao desenvolvimento de uma atividade, geralmente supõe a
inferência dos objetivos buscados pelo ator observado. Um exemplo que ilustra
esse fato é a análise das comunicações verbais. Se algumas de suas
características podem ser codificadas sem que se recorra à interpretação (como
definição do interlocutor ou dos objetos da comunicação), as comunicações
verbais geralmente necessitam do conhecimento do contexto, da tarefa realizada
e da linguagem profissional do coletivo de trabalho analisado. Para superar
esses riscos é necessário que se faça uma distinção entre códigos descritivos e
interpretativos. Os códigos descritivos correspondem a categorias relativas a
indicadores diretos e não ambíguos, como deslocamentos, posturas ou direção do
olhar. Já os códigos interpretativos podem exigir conhecimentos específicos de
um observador, fazendo referência a elementos do contexto, como comportamentos
complexos e comunicações verbais.
Mesmo com limites inerentes a toda ferramenta tecnológica, o Kronos se
apresenta como um suporte que possibilita tornar visível uma parte da
atividade. Não se trata, portanto, de um método que, por si só (e sem
observações do pesquisador ou entrevistas com os trabalhadores), determina um
diagnóstico ergonômico, mas como uma ferramenta que dá sustentação ao primeiro
e principal objetivo de analistas do trabalho: compreender este trabalho, para
então buscar formas de transformá-lo e desenvolvê-lo.