A mediatização da dengue na imprensa portuguesa: Os casos do Público, Expresso,
Jornal de Notícias e Diário de Notícias
Introdução
Em outubro de 2012, o país foi surpreendido por notícias que davam conta de um
surto de dengue na ilha da Madeira. Os primeiros textos jornalísticos começaram
a ser publicadas pelos media no dia 4 de outubro de 2012, com a confirmação de
dois casos de febre de dengue e 22 casos suspeitos. A cobertura mediática
prolongou-se durante todo o mês de outubro até dezembro de 2012, transmitindo
discursos tranquilizadores veiculados por fontes oficiais, como o Diretor-Geral
da Saúde ou o Ministro da Saúde, e discursos explicativos transmitidos por
fontes especializadas, como médicos ou investigadores. As fontes oficiais são,
aliás, as mais citadas nos textos jornalísticos portugueses sobre a dengue. As
fontes documentais, de que são exemplo os comunicados de imprensa, têm também
bastante destaque, de acordo com a nossa análise, facto que pode ser atribuído
à frequência e importância dos comunicados da Direção-Geral da Saúde e do
Centro Europeu para a Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) num contexto de
risco de saúde. Não há, no entanto, uma grande diversidade de fontes de
informação, sendo que os jornalistas acabam por recorrer às mesmas fontes e por
replicar informação plasmada em comunicados de imprensa oficiais.
Neste artigo, estudamos a mediatização do surto do vírus de dengue na imprensa
portuguesa, através da leitura de quatro jornais nacionais com diferentes
periodicidades e linhas editoriais ' Público, Expresso, Jornal de Notícias e
Diário de Notícias ' no período entre 4 de outubro, que corresponde ao início
do surto, e 31 de dezembro de 2012. Este estudo ' que integra um corpus de 39
artigos ' desenvolve-se em dois eixos principais:
- a análise dos textos publicados
- a análise das fontes de informação neles citadas.
Este caminho de investigação tem subjacente a si um quadro teórico que se
debruça sobre a comunicação da saúde, atendendo aí de modo especial à
comunicação de risco e de crise e à problemática da sociologia das fontes de
fontes de informação, nomeadamente à relação que estas mantêm com os
jornalistas.
O quadro teórico que norteia a nossa investigação situa-se no âmbito da
Comunicação na Saúde, campo multidisciplinar dentro das Ciências da Comunicação
que compreende também a comunicação de crise e de risco.
Os media desempenham um papel fundamental na sociedade, uma vez que,
atualmente, são uma fonte importante de informação de saúde. De facto, a
disseminação de notícias de saúde foi uma indústria em explosão nos anos 1990
(Schwitzer, 1992) e a tendência parece continuar à medida que o novo milénio
avança (in Tanner, 2004: 351). Por vezes, os meios de comunicação social são a
única fonte de informação para muita gente (Luhmann, 1995: 9 in Schäfer, 2012:
650), e esta situação é especialmente verdadeira em temas científicos. Besley e
Tanner referem que uma grande quantidade de informação sobre ciência e saúde é
disponibilizada ao público através dos media, e a interação entre os
cientistas, os media e o público está a tornar-se comum (Besley & Tanner,
2011: 240). A comunicação é uma das ferramentas mais valiosas para que a
interação entre estes três vetores seja eficaz, nomeadamente em situações de
risco e crise ' como o surto de dengue que atingiu a Madeira e, posteriormente,
se alastrou à Europa.
Os jornalistas ocupam uma posição importante na sua relação com o público, uma
vez que o jornalismo de saúde e de ciência produz um quadro de expetativas
(Nelkin, 1995 inAmend & Secko, 2012: 242) que dá sentido a algumas questões
científicas que, de outro modo, não seriam abordadas. De facto, os jornalistas
informam, explicam e enquadram temas de saúde que podem ajudar o cidadão na
tomada de decisões sobre a sua própria saúde. Isto mesmo aconteceu durante a
cobertura do surto de dengue, em que os jornalistas explicaram quais os
sintomas da infeção pelo vírus e as formas de prevenção da doença. A cobertura
de saúde deve, pois, ser precisa, equilibrada e completa, para que o público
esteja adequadamente informado e pronto a participar na tomada de decisões
sobre os seus cuidados de saúde. Se a cobertura for errada, desequilibrada ou
incompleta, as pessoas podem ficar com expetativas irreais e exigir dos médicos
cuidados de saúde de que não precisem ou que sejam prejudiciais (Schwitzer,
2008).
As notícias de saúde têm, portanto, um grande impacto na vida das pessoas, uma
vez que estas contam com os media para lhes explicarem e enquadrarem temas que,
de outro modo, lhes seriam desconhecidos.
Enquadramento Teórico
A comunicação na saúde, a comunicação de risco e a comunicação de crise
O quadro teórico que norteia a nossa investigação centra-se nos estudos da
comunicação na saúde, campo muito vasto dentro das ciências da comunicação que
inclui a comunicação de risco e de crise. A comunicação na saúde é uma área de
estudos multidisciplinar que olha para diferentes níveis e canais de
comunicação em vários contextos sociais (Kreps et al., 1998). Em termos de
percurso histórico, a criação de um campo da comunicação na saúde está
enraizada na investigação norte-americana e remonta à década de 1970 (Schulz
& Hartung, 2010).
Quanto à comunicação de risco e à comunicação de crise, a literatura propõe a
distinção entre as duas áreas, atendendo, no entanto, à sua complementaridade.
A comunicação de risco está geralmente associada à comunicação e promoção da
saúde, enquanto a comunicação de crise está mais ligada às atividades de
relações públicas de uma organização e à sua atuação durante ou após uma
situação de crise (Reynolds & Seeger, 2005).
A junção destas duas formas de comunicação deu origem ao modelo de Crisis and
Emergency Risk Communication (CERC), proposto pelos investigadores Barbara
Reynolds e Matthey Seeger (2005). Esta é uma forma híbrida de comunicação que
se preocupa com as caraterísticas da crise e as exigências dos públicos no que
toca à comunicação, juntando, no entendimento dos autores, o melhor da gestão
de comunicação do risco e da crise. Entendemos que este modelo, desenvolvido em
cinco fases, pode ser aplicado no contexto de uma emergência de saúde pública
como o surto de dengue. Aplicado à saúde, este modelo apresenta aquelas que
podem ser as fases de uma situação de risco para a saúde pública. O risco em
saúde pode, deste modo, resultar numa situação de crise ' se o risco não for
dominado, está instalada uma crise de saúde pública. É sobre estas questões
que nos vamos debruçar neste ponto.
Deste modo, comunicação na saúde compreende um conjunto de processos e
mensagens de comunicação que se constituem à volta de temas de saúde (Zoller
& Dutta, 2008: 3). É um campo de estudos importante, que se preocupa com os
papéis de poder da comunicação humana e mediada nos cuidados e na promoção da
saúde (Kreps et al., 1998). Num livro inteiramente dedicado às perspetivas
emergentes na comunicação na saúde, Zoller e Dutta afirmam que os académicos
desta área podem dividir-se em duas grandes categorias, tendo em conta o seu
enfoque de estudos. Temos, assim, uma perspetiva baseada nos processos e uma
perspetiva baseada nas mensagens. A primeira refere-se à forma como os
significados de saúde são constituídos, interpretados e postos a circular, e
preocupa-se com os processos de interação simbólica e de estruturação
relacionados com a saúde, e a segunda perspetiva está relacionada com a criação
de mensagens eficientes sobre saúde (Zoller & Dutta, 2008: 3).
Gary Kreps, Ellen Bonaguro e Jim Query também distinguem duas grandes áreas
dentro da comunicação de saúde, embora as exponham de forma diferente dos
autores anteriormente citados. Falam, assim, em estudos de health care
delivery e health promotion, sendo que os investigadores do primeiro grupo
analisam a influência da comunicação na prestação de cuidados de saúde e os do
segundo estudam o uso persuasivo de mensagens comunicativas e dos media como
forma de promover a saúde pública (Kreps et al., 1998). Zoller e Dutta destacam
a relação com a prática como uma das caraterísticas desta área de investigação,
para além do seu caráter interdisciplinar. De facto, caraterizada pela sua
multidisciplinaridade, a comunicação na saúde é uma área de estudos muito
alargada, que investiga diferentes níveis e canais de comunicação em diversos
contextos sociais. Relativamente a esta questão, Gary Kreps e os seus colegas
definiram os níveis primários para a análise da comunicação na saúde, que
incluem a comunicação intrapessoal, interpessoal, de grupo, organizacional e
social (Kreps et al., 1998). Enquanto os académicos dos primeiros anos desta
disciplina se focaram nos aspetos interpessoais da comunicação na saúde, as
investigações atuais compreendem questões organizacionais; elementos
relacionados com as comunidades; e questões dos media populares e campanhas no
contexto da saúde pública e medicina (Zoller & Dutta, 2008: 3). Para além
da diversidade de investigação no âmbito da comunicação na saúde, começa também
a haver maior diversidade de perspetivas aplicadas a esses estudos.
Uma das áreas de estudo da comunicação na saúde é precisamente a comunicação de
risco e crise. De forma a compreender a noticiabilidade do surto de dengue,
iremos analisar os processos de comunicação de risco e de crise inerentes à
mediatização desta doença.
A comunicação de risco está, geralmente, associada às mensagens veiculadas
pelos profissionais de saúde. Dentro deste grupo incluem-se os profissionais
mais ligados à comunicação e que têm em mente a possibilidade de situações de
risco para a saúde pública (Covello, 1992; Freimuth, Linnan, & Potter,
2000; Heath, 1994; Sandman, 2002; Witte, Meyer, & Martel, 2000 in Reynolds
& Seeger, 2005: 43). Nos últimos 20 anos, a investigação sobre a
comunicação de risco tem vindo a evoluir de forma assinalável. Fischhoff (1995)
define várias fases do processo de comunicação de risco, que progrediram no
sentido de adquirir novas capacidades. O autor refere que, muitas vezes, a
comunicação de risco começa de forma errada, porque as potenciais fontes de
informação não têm intenção de fornecer informação.
A comunicação de risco está intimamente ligada à perceção e avaliação de uma
ameaça. Na prática, envolve a produção de mensagens públicas tendo em vista
riscos para a saúde e ameaças ambientais (Reynolds & Seeger, 2005: 45). A
comunicação de risco baseia-se ainda na convicção de que o público tem o
direito de conhecer os riscos e ameaças que o rodeiam. É facilitadora da tomada
de decisões e da partilha do risco, uma vez que a disponibilidade da informação
permite ao público tomar decisões informadas (Reynolds & Seeger, 2005: 45).
Este tipo de comunicação visa identificar as estratégias persuasivas para que o
público possa convencer-se de determinada ideia relativamente a um risco, sendo
que as estratégias mais comuns englobam o recurso a especialistas e outras
fontes que tenham muita credibilidade, para além de serem capazes de traduzir
informação científica para as audiências leigas (Reynolds & Seeger, 2005:
47). Alguns autores definem a comunicação de risco como um tipo de comunicação
que tem em vista dar ao público a informação de que este necessita para tomar
decisões informais e independentes sobre riscos para a saúde, segurança e
ambiente (Fischhoff, 1990; Gibson, 1985; Gow and Otway, 1990 in Morgan et al.,
2002: 4).
A comunicação de crise, por seu turno, é geralmente aplicada no contexto das
organizações (Barton, 2001; Coombs, 1995; Seeger, Sellnow, & Ulmer, 1998,
2001 in Reynolds & Seeger, 2005: 43). Este tipo de comunicação visa
explicar um evento específico, identificar as possíveis consequências e
resultados, e fornecer informação que reduza a ameaça às populações afetadas de
uma forma honesta, rápida, precisa e completa (Reynolds & Seeger, 2005:
45).
Alguns autores (Lundgren, 1994 in Reynolds & Seeger, 2005: 47) sugerem que
a comunicação de crise é uma forma limitada de comunicação de risco. No
entanto, ambas as formas de comunicação envolvem a produção de mensagens
públicas desenhadas para gerar respostas específicas da parte do público.
Apesar de, em termos teóricos, ser comum fazer-se uma distinção entre a
comunicação de risco e a comunicação de crise, estas duas áreas são
complementares. Aliás, Barbara Reynolds e Matthew Seeger (2005: 44) propõem uma
abordagem da saúde pública que junta a comunicação de risco e a comunicação de
crise numa forma híbrida chamada Crisis and Emergency Risk Communication
(CERC). Esta forma de comunicação sublinha as caraterísticas da crise e as
necessidades e exigências comunicativas das audiências em diversos pontos do
desenvolvimento de um evento (Reynolds & Seeger, 2005: 49). Este modelo tem
cinco fases, que assumem que a crise se vai desenvolver de forma previsível e
sistemática: risco; erupção; limpeza; recuperação; e avaliação. De uma forma
aplicada à saúde, as fases deste modelo podem ser as fases de uma situação de
risco para a saúde pública. Entende-se que o risco, se não for debelado, pode
dar origem a uma situação de crise ' neste caso, de crise de saúde pública.
De facto, as emergências de saúde pública geralmente estão relacionadas com o
surto de uma doença ou a identificação de riscos específicos, ambientais ou
ligados aos estilos de vida (Reynolds & Seeger, 2005: 44). Os mesmos
autores dão o exemplo do surto do vírus do Nilo, durante o qual as agências de
saúde pública difundiram informação sobre a natureza e frequência da doença e o
nível de risco associado, bem como regras para que a população pudesse evitar
as picadas dos mosquitos. Geralmente, estas entidades confiam nos media e nas
campanhas de educação do público para ajudar a difundir as mensagens (Reynolds
& Seeger, 2005: 44). Os mass media são, aliás, importantes na comunicação
de alguns fatores de risco à população em geral (Atkin & Wallack, 1990: 7).
Durante o surto de febre de dengue, as autoridades de saúde portuguesas, de que
é exemplo a Direção-Geral de Saúde, foram transmitindo mensagens ao público
através dos media, de acordo com as notícias veiculadas pela imprensa
portuguesa durante esse período. Os textos noticiosos, muito apoiados nos
comunicados da Direção-Geral da Saúde, foram divulgando informação sobre a
febre de dengue, as formas de propagação da doença e os sintomas provocados
pela infecção com o vírus, ao mesmo tempo que transmitiam as recomendações das
autoridades de saúde ' como o uso de repelentes e roupas largas, ou os cuidados
a ter com a estagnação das águas para evitar as picadas dos mosquitos.
Sandman (2002 in Reynolds & Seeger, 2005: 44) refere que alguns riscos são
novos para o público e, como tal, não são familiares, são vistos como pouco
naturais e exóticos, e criam altos níveis de incerteza. Em muitos casos,
envolvem organismos que não podem ser vistos e sintomas que não foram ainda
observados na população. O autor defende que esta falta de familiarização vai
muito provavelmente aumentar o risco percebido pelo público em geral. O
discurso veiculado pelos media tenta colmatar estas incertezas, transmitindo
mensagens tranquilizadoras das fontes oficiais e explicações sobre a natureza
do vírus por parte das fontes especializadas. O ministro da Saúde, Paulo
Macedo, anunciou ainda o desenvolvimento de um plano de contingência e de uma
rede de vigilância nacional para atuar em caso de se verificar a presença do
mosquito transmissor da doença no continente.
Tendo em conta os constrangimentos de tempo das pessoas ' e a própria limitação
dos meios de comunicação social, que não podem transmitir toda a informação
sobre um assunto ', a comunicação eficiente deve focar-se nos assuntos que o
público tem mais necessidade de perceber (Morgan et al., 2002: 4).
Em casos de riscos para a saúde pública, a comunicação utilizada deve instruir,
informar e motivar comportamentos auto-protetores; atualizar informação sobre o
risco; fomentar a confiança nas fontes oficiais e afastar os rumores (Vaughan
& Tinker, 2009: S324). Os mesmos autores alertam ainda para a importância
de se saber para quem se fala, ou seja, as estratégias de comunicação eficazes
têm de ir ao encontro dos valores culturais e das percepções de risco das
audiências-alvo (Vaughan & Tinker, 2009: S330).
Com vista a melhorar a capacidade de resposta das populações perante situações
de emergência em saúde pública, têm vindo a ser desenvolvidos modelos de
comunicação como o CERC. Estes modelos procuram melhorar a gestão de riscos e
crises nos desafiantes contextos globalizados, em que os níveis de ameaça e a
constante presença mediática são cada vez maiores (Lopes et al., 2012: 162).
A importância das fontes de informação na produção noticiosa
Se procurarmos a definição de fonte no respetivo étimo latino, descobrimos que
deste vocábulo emergem significados como os de um lugar onde nasce perenemente
água ou de algo onde tudo começa. Também buscámos aqui a herança mitológica que
o conceito encerra, sublinhando que Fonteé o deus das nascentes, parecendo
assegurar, deste modo, uma realidade cristalina em tudo o que se abriga sob
esta raiz etimológica. Puro equívoco, percecionado de imediato quando se
percorre a árvore genealógica da mitologia. Fonteé filho de Jano, o deus das
portas e das passagens, representado simbolicamente com dois rostos que vigiam
a entrada e a saída, cujo templo se encontrava encerrado em tempo de paz e
aberto em tempo de guerra. Afinal, aquilo que parecia correr sem entraves, a
água que se imaginava passar livremente da fonte para qualquer destinatário,
tem subjacente a si comportas que podem neutralizar o seu normal fluir. Assim
acontece com as fontes de informação, uma instância incontornável do processo
informativo que impõe quotidianamente aos jornalistas renovados obstáculos
(Lopes, 1998). Percorrendo a literatura do campo do jornalismo, multiplicam-se
as definições de fonte de informação. Autor de um importante estudo publicado
no livro Deciding what's news: a study of CBS evening news, NBC nightly news,
Newsweek and Time que transportou os estudos sobre o relacionamento entre
fontes e jornalistas para terrenos empíricos, Herbert Gans (1979: 80) define
assim as fontes de informação:
Actores que os jornalistas observam ou entrevistam, incluindo
entrevistados que aparecem na televisão ou são citados em artigos de
revistas, e aqueles que apenas fornecem informação de base ou
sugestões de histórias. Para o meu objectivo, contudo, a
característica mais saliente das fontes é o facto de estas
proporcionarem informação enquanto membros ou representantes de
grupos de interesse organizados ou de sectores ainda mais amplos da
nação e da sociedade.
Na verdade, as fontes de informação constituem inegavelmente um tópico de
fulcral importância para as investigações centradas no processo produtivo
noticioso ou no estatuto profissional dos jornalistas, possibilitando
igualmente estudar a ligação entre o jornalismo e a sociedade, como, aliás, foi
sublinhado por Herbert Gans numa correspondência trocada com Philip Schlesinger
(1990). No entanto, ao longo dos anos, a sociologia dos media não dedicou
grande atenção à relação entre jornalistas e fontes, algo que, nos últimos
tempos, tem vindo a ser invertido com sucessivos estudos que promovem a
reflexão das fontes a partir delas próprias ou que desenvolvem análises
assentes nas opções feitas pelos meios de comunicação social a esse nível.
São múltiplos os caminhos a seguir, podendo-se, no entanto, considerar aqui
duas vias estruturantes para nortear as opções a fazer:
- uma via mediacêntrica, que aborda as questões a partir dos próprios media.
Exemplos: as lógicas de grupo que promovem sinergias entre títulos e impõem aos
jornalistas determinadas fontes; os constrangimentos financeiros que restringem
o campo de autonomia de quem trabalha nas redações; as normas éticas,
deontológicas e legais que impõem/permitem aos jornalistas um determinado
comportamento em relação às fontes; os constrangimentos organizacionais das
redações que impedem/potenciam determinados contactos; a autonomia e as
limitações sentidas pelos jornalistas especializados;
- uma via centrada nas fontes de informação. Exemplos: as estratégias e as
táticas das fontes (oficiais, profissionais, não-profissionais...) para se
tornarem notícia; a perceção das fontes quanto a outras fontes ou jornalistas
do mesmo campo; os recursos financeiros de que dispõem para construir as
respetivas assessorias/comunicação estratégica; o capital simbólico que reúnem;
os agendamentos prioritários, particularmente no que às fontes oficiais de
informação diz respeito.
Neste trabalho, adoptaremos a segunda via e, dentro dela, deter-nos-emos apenas
nas opções feitas pelos jornalistas a este nível, ou seja, procuraremos
perceber quais as fontes escolhidas, traçando um retrato exaustivo daquilo que
os textos nos dão a ver.
Em Portugal, destacamos as definições propostas por dois investigadores e por
dois Livros de Estilo de meios de comunicação social de natureza distinta.
Num artigo que se intitula Fontes jornalísticas: contributos para o mapeamento
do campo, Manuel Pinto (2000) integra aí pessoas, grupos, instituições sociais
ou vestígios ' falas, documentos, dados ' por aqueles preparados, construídos,
deixados. Num capítulo dedicado às fontes de informação, uma matéria central do
seu livro A fonte não quis revelar, Rogério Santos (2006) diz que neste
conceito cabem instituições, organizações, grupos ou indivíduos, seus porta-
vozes ou representantes que prestam informações ou fornecem dados ao
jornalista, planeiam ações ou descrevem factos, avisando o jornalista da
ocorrência de acontecimentos ou relatando deles alguns pormenores. Sublinhando
que o universo das fontes de informação não é idêntico, reconhece que todo o
mundo pode ser fonte, desde que um jornalista a procure e escreva uma notícia
sobre ela (2006: 75).
O Livro de Estilo da Agência de Notícias Lusa dedica um ponto alargado às
fontes de informação, estipulando, logo no início, que a notícia de Agência
deve ter uma fonte clara e explicitamente referida. A identificação das fontes
' que merece aqui grande atenção ' é considerada de maior importância na
elaboração de uma notícia. Considera-se que as fontes identificadas são as
mais seguras, enquanto as fontes não identificadas são fracas em termos de
proteção do jornalista e do nome da Agência. Quanto à informação off the
record, escreve-se que deve ser utilizada como backgroundnuma informação
posterior e nunca imediatamente depois de ter tido conhecimento dela.
O Livro de Estilo do Público considera que a fonte é quem fornece informações
ao jornal, por iniciativa própria ou solicitada nesse sentido, sublinhando
alguns cuidados que elas impõem, exigindo-se dos jornalistas um relacionamento
pautado pela imparcialidade, integridade e independência. Evidencia-se, ao
longo do texto, uma atenção em fazer separar fontes com boa informação daqueles
que procuram manipular:
Governos, empresas, sindicatos e militares; interesses políticos,
comerciais, religiosos, artísticos, desportivos ou meramente
corporativos; lobbies' de toda a ordem e causas de todo o género
socorrem-se hoje das técnicas mais elaboradas (e de quem melhor as
domina, alguns deles experientes profissionais do ramo) para fazer
passar a mensagem mais conveniente. Seja poder ou oposição, para a
guerra ou para a paz, à direita ou à esquerda, por razões comerciais
ou não.
Cruzando diferentes latitudes e tempos diferenciados, evidenciam-se definições
direcionadas para fontes específicas. Salientamos aqui dois grupos:
- Fontes oficiais: são fontes ligadas ao poder, sobretudo político, havendo, a
este nível, variadíssimos estudos. Para além dos clássicos trabalhos de Léon
Sigal (1973) e Herbert Gans (1979), poder-se-á apontar, nos anos 80, a
investigação de Brown, Bybee, Wearden e Straughan (1987) que, por continuidade
daqueles, demonstram que no campo jornalístico as fontes governamentais,
através de canais de rotina, impõem a sua noticiabilidade. No Reino Unido,
Philip Schlesinger (1990) também apresenta estudos importantes sobre este tipo
de fontes.
- Especialistas: são fontes que possuem um saber sábio, apresentando-se mais
ao nível da explicação dos factos. Estudos sobre campos específicos ' por
exemplo, a saúde 'detêm-se com bastante pormenor na natureza destas fontes.
Salientamos aqui os trabalhos de Erik Albæk (2011) que explicam por que razão
os jornalistas usam os especialistas e que tipo de relação estabelecem; e as
investigações de Marjorie Kruvand (2012) que, a partir de um estudo de caso
centrado no diretor do Centro de Bioética da Universidade da Pensilvânia,
Arthur L. Caplan, orienta as fontes especializadas no modo como podem
relacionar-se com eficácia com os jornalistas.
Estudo empírico
Caminhos metodológicos
Este trabalho ' desenvolvido no âmbito de uma tese de doutoramento sobre a
mediatização da saúde na imprensa portuguesa ' pretende estudar a forma como o
surto de febre de dengue foi noticiado nos jornais portugueses, através da
análise das notícias e das fontes de informação.
Queremos, com esta investigação, fazer um mapeamento dessa mediatização, pelo
que se privilegiou a análise quantitativa dos dados, centrada na estatística
descritiva univariada. Em primeiro lugar, fizemos uma análise de conteúdo das
notícias publicadas desde o aparecimento dos primeiros casos de dengue; depois,
analisámos os textos e as fontes de informação neles contidas.
Procedeu-se, então, a uma análise quantitativa dos dados, a partir da
estatística descritiva univariada, recorrendo ao programa de análise
estatística de dados Statistics Package for Social Sciences (SPSS),sendo que se
pretendia examinar um conjunto de dados que nos fornecesse informação relativa
às fontes de informação, a partir das variáveis inicialmente definidas.
Os jornais escolhidos para este estudo foram o Expresso,oPúblico,oDiário de
Notícias e o Jornal de Notícias (um semanário de referência e três diários,
dois de referência e um de cariz mais popular). A escolha destes jornais
justifica-se pelo seu carácter generalista e nacional; a amostra escolhida
(não-probabilística) apresenta ainda diferentes linhas editoriais e
periodicidades, uma vez que não sabemos se estes critérios poderão influenciar
a qualidade da informação prestada em saúde. Deste modo, esta é uma das
hipóteses que queremos testar numa fase posterior do nosso trabalho.
O período selecionado prende-se com o surto em si; entre outubro e dezembro de
2012. Durante estes meses, o Expresso publicou uma notícia sobre o tema; o
Público nove; o Diário de Notícias 17; e o Jornal de Notícias 12. O nosso
corpus de análise é, assim, composto por 39 artigos noticiosos.
A recolha de dados foi efetuada com recurso às versões impressas ' em formato
digital ' dos cadernos principais dos jornais, sendo que foram escolhidas as
versões Lisboa ou Nacional dos periódicos selecionados, quando existam,
excluindo-se as secções de Local (no Público) ou Porto (no JN), de Desporto e
de Cultura.
A análise das notícias de saúde dividiu-se em dois níveis, sendo que o primeiro
nos permite caraterizar o tipo de texto que se publica na imprensa portuguesa
quando se fala de saúde; e o segundo é mais voltado para a análise das fontes
de informação neste campo. O primeiro nível de análise é constituído por 12
variáveis: ano de análise, data, jornal, título, doença, tipo de artigo, motivo
de noticiabilidade, tempo da notícia, tamanho, lugar da notícia, presença e
número de fontes de informação.
O segundo nível de análise é referente às fontes de informação. Queremos saber
quem foi chamado a falar quando se noticiou o surto de dengue. Olhamos as
fontes de informação pelo ponto de vista do leitor, uma vez que nos importa
avaliar se a citação de fontes é feita de forma precisa e percetível ao público
em geral. Importa ainda referir que o investigador não transporta para a
análise dos dados os conhecimentos prévios acerca de determinado indivíduo, de
forma a perceber as falhas existentes na identificação das fontes cometidas
pelo jornalista. As fontes são caraterizadas quanto à sua geografia, tipo de
fonte, identificação, estatuto e especialidade médica (quando aplicável). O
estatuto das fontes de informação é encontrado a partir de uma tipologia por
nós criada que nos permite saber se estamos a lidar com fontes oficiais,
especializadas ou outras.
O surto de dengue e os processos de construção das notícias
No dia 4 de novembro de 2012 a imprensa portuguesa começou a publicar os
primeiros textos sobre aquilo que se viria a configurar como um surto de febre
de dengue na ilha da Madeira. As notícias que foram sendo publicadas nos
jornais nacionais Público, Expresso, JN e DN transmitem, por um lado, as vozes
tranquilizadoras das fontes oficiais, como a Organização Mundial de Saúde ou a
Direção-Geral de Saúde e, por outro, um discurso mais explicativo, e, por
vezes, crítico por parte das fontes especializadas. São estes discursos das
fontes de informação que descrevemos neste ponto, juntamente com a definição e
explicação daquilo que é a doença da dengue.
A Organização Mundial de Saúde (OMS)1 refere que a dengue é transmitida por uma
picada de um mosquito da espécie Aedesinfetado com um dos quatro vírus da
doença. Os sintomas aparecem três a 14 dias após a picada e podem manifestar-se
sob a forma de febre ' que pode ser baixa ou muito alta; dores de cabeça; dores
musculares e das articulações; e prurido. Uma das variantes da doença, a febre
de dengue hemorrágica, pode ser mortal, especialmente nas crianças.
O vírus da dengue compreende quatro serotipos distintos, sendo que o surto
identificado na Madeira pertence ao serotipo menos agressivo (-1).
Depois de infetadas, as pessoas tornam-se portadores do vírus, ou seja,
funcionam como fontes do vírus para os mosquitos que não estão infetados. Uma
vez recuperada da infecção, a pessoa torna-se imune àquele serotipo para toda a
vida, o que significa que não volta a contrair a doença.
Não há um tratamento específico para a febre de dengue, embora os pacientes se
devam manter hidratados e evitar medicamentos como aspirina ou ibuprofeno, uma
vez que estes aumentam o risco de hemorragia.
Os jornais analisados dão explicações sobre a febre de dengue e, muitas vezes,
publicam caixas com informação sobre os sintomas ou forma de protecção contra
picadas. O Diário de Notícias (DN) do dia 10 de outubro recomenda o uso de
roupas largas, de cores claras e que cubram a maior parte do corpo. Alerta
ainda para o uso de repelentes e de redes mosquiteiras nas casas. Já no dia 2
de novembro, lê-se no DN: Além da limpeza de locais com águas paradas, fazem
parte das medidas de prevenção e contenção, promovidas pelas autoridades de
saúde nacionais, a pulverização com inseticidas dos porões dos barcos e dos
aviões que fazem ligações para a ilha.
O Jornal de Notícias (JN) de 4 de outubro, logo no início do surto de dengue,
enuncia os sintomas da doença: Febres, dores articulares e na parte de trás
dos olhos e sensibilidade à luz. [Os sintomas] tendem a ser mais agressivos e
prolongados nos adultos do que nas crianças.
A notícia do Expresso, de 3 de novembro, refere, por exemplo, que é
aconselhado paracetamol para aliviar a febre e dores, repouso e muitos
líquidos. No Diário de Notícias, na sua edição de 5 de outubro, pode ler-se:
Não há tratamento específico para o dengue, mas apenas para os seus sintomas.
Analgésicos e antipiréticos são os mais usados. É importante descansar e beber
líquidos.
No dia 17 de outubro de 2012, a OMS publicou no seu website um alerta2 que dava
conta do surto de febre de dengue na ilha da Madeira. Relatava, assim, que a 10
de outubro havia um total de 18 casos confirmados e 191 casos prováveis. Pode
ler-se que as autoridades de Saúde Pública de Portugal estão a implementar
medidas de controlo para reduzir o risco de transmissão local, para minimizar o
impacto nas populações afetadas e para prevenir que os vetores infetados saiam
da ilha. Não são desaconselhadas viagens para a Madeira, embora a OMS alerte
para as precauções a tomar. A organização de saúde adianta ainda que tem vindo
a apoiar o Ministério da Saúde português no desenvolvimento de medidas de
controlo, com especial atenção para os portos.
Também a Direção-Geral de Saúde (DGS), em Portugal, foi publicando vários
comunicados ao longo do surto de febre de dengue. A primeira nota foi publicada
no website da DGS3 no dia 3 de outubro de 2012 e relatava a ocorrência de casos
de dengue na ilha da Madeira, referindo que a situação descrita pode
configurar um surto decorrente da existência do vetor (mosquito) identificado
naquela região desde há anos. Francisco George, diretor-geral da Saúde,
considera ainda que não há motivo para reações alarmistas e avisa que as
autoridades de saúde estão a seguir o caso com atenção.
A última atualização destes boletins epidemiológicos foi feita a 12 de dezembro
de 2012 e podia ler-se que, desde o dia 3 de outubro, foram hospitalizados,
cumulativamente, 121 doentes, e não foram registados quaisquer óbitos. No mesmo
comunicado pode ler-se que a Direção-Geral da Saúde reforça a indicação de que
não existe risco que justifique qualquer tipo de restrição de viagens para a
Região Autónoma da Madeira.
A primeira notícia publicada no Público é dia 4 de outubro de 2012 e relata a
existência de dois casos autóctones de dengue na ilha da Madeira e 22 casos
suspeitos de infeção. A notícia refere ainda que os casos suspeitos aguardam
confirmação através do resultado das análises solicitadas ao Instituto Nacional
de Saúde Dr. Ricardo Jorge, em Lisboa. No mesmo texto, o diretor-geral da
Saúde, Francisco George, admite que a situação pode configurar um surto,
embora um comunicado da DGS considere que não há motivo para reações
alarmistas. No mesmo dia, mas no Jornal de Notícias, o tom é mais crítico. Lê-
se que a situação era previsível, dado que nunca houve campanhas agressivas
para eliminar o mosquito responsável pela transmissão do vírus, detetado na
ilha desde 2005. Alguns especialistas são chamados a comentar e, de forma
tranquilizadora, afirmam que os casos não são graves. O infeciologista do
hospital Egas Moniz Jaime Nina, no entanto, acusa o Governo regional da
Madeira de ignorar os alertas das autoridades de saúde e ter recusado fazer
campanhas massivas de destruição do mosquito, que poderiam ter evitado este
surto, lê-se. O Diário de Notícias, também no dia 4 de outubro, expressa a
preocupação das autoridades de saúde, que receiam que o vírus possa atingir o
continente e alertam para a necessidade de desinfecção dos aviões provenientes
da Madeira.
Nos dias que se seguem, as notícias transmitem afirmações de diversas fontes de
informação que acusam o Governo Regional da Madeira de ter abandonado o combate
ao vetor da doença há três anos.
Na notícia publicada pelo Expresso no dia 3 de novembro, o entomologista
António Grácio, jubilado do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, afirma:
Foi precisa muita sorte para só agora haver casos, porque o vetor pode
instalar-se e aparecer logo um surto. O especialista alude aqui ao facto de o
mosquito portador do vírus de dengue ter sido identificado na ilha da Madeira
em 2005, demorando sete anos a transmitir o vírus a uma pessoa. No mesmo texto,
Francisco George declara que o problema vai perdurar, mas admite que seja
possível controlar o surto.
Na primeira notícia publicada pelo Diário de Notícias, em 5 de outubro de 2012,
lê-se que os madeirenses compraram vitamina B1 porque acreditam que o seu
consumo poderá produzir efeito de repelente. Não há certezas da sua eficácia,
mas numa situação destas tudo vale. Este texto transmite a sensação de
insegurança das populações (Sente-se na rua que a população está apreensiva),
ancorada nos depoimentos de alguns madeirenses. O alerta soou esta semana
quando se confirmou, pela primeira vez, a existência da dengue ( ), refere o
texto.
Segundo uma notícia publicada no DN a 10 de outubro, o diretor-geral da Saúde,
Francisco George, declarou uma luta sem tréguas ao mosquito vetor da dengue.
Esta fonte oficial, que é, aliás, uma das mais citadas pelos jornalistas
durante a cobertura deste surto, refere que o combate ao vírus passa pelo
envolvimento dos populares, dando ainda indicações para evitar a multiplicação
dos mosquitos. No dia 13 de outubro, Maurício Melim, do Instituto de
Administração da Saúde e Assuntos Sociais da Madeira, afirmou que a situação da
dengue na região está controlada (DN).
As autoridades alertam para a prevenção, eliminando todos os focos de águas
paradas, local privilegiado de propagação do mosquito, lê-se no DN de 26 de
outubro. No mesmo texto, que noticia a transmissão da doença a quatro cidadãos
estrangeiros, Francisco George declara que a confirmação destes casos não
constitui motivo de reacção alarmista e compara a situação na Madeira com o
panorama internacional: Dois em cada cinco cidadãos estão diariamente expostos
à febre de dengue no mundo.
A 10 de dezembro é publicada uma peça no Público que dá conta da visita do
ministro da Saúde, Paulo Macedo, à ilha da Madeira, para avaliar o trabalho de
combate ao surto de dengue. Entretanto, dois meses após as primeiras
notificações, o vírus já afetou quase duas mil pessoas. O DN também antecipa a
visita do ministro, embora adiante ' sem recurso a fontes de informação ' que o
ministério desconhece o plano da Câmara do Funchal para erradicar o mosquito.
No dia seguinte, tanto o DN como o JN publicam notícias sobre a doença, a
propósito da visita de Paulo Macedo à Madeira. O ministro anunciou o
desenvolvimento de um plano de contingência e de uma rede de vigilância
nacional e reafirmou que não há qualquer tipo de restrição em termos de viagens
para o arquipélago.
Resultados: O que diz a imprensa portuguesa?
A nossa análise divide-se em dois eixos: primeiro apresentamos a análise dos
textos propriamente ditos, de seguida focamo-nos nas fontes de informação
contidas em cada notícia. Quanto aos textos, quase 95% da amostra é constituída
por notícias (foram apenas publicadas duas entrevistas breves com
especialistas) e os títulos são maioritariamente negativos (69,2%), o que vai
ao encontro do motivo de noticiabilidade das notícias ' que se insere sempre
nas Situações de Alarme e Risco.
Relativamente ao tempo das notícias, quase metade da amostra reporta-se ao dia
anterior (48,7%) e uma parte significativa faz um ponto de situação (35,9%); em
termos geográficos, a maioria dos textos publicados tem como ponto de
referência as ilhas (71,8%), local de origem do surto; e praticamente metade
dos textos é de tamanho médio (48,7%). Entende-se aqui que os textos grandes
ocupam uma página ou mais; os textos médios ocupam até meia página; e os textos
breves não preenchem meia página.
Na cobertura do surto de febre de dengue, todos os artigos da nossa amostra são
construídos com base em fontes de informação. Esta é, aliás, uma tendência já
confirmada no jornalismo de saúde em Portugal (Lopes et al., 2011), que se faz
com recurso a fontes de informação. Deste modo, o Expresso cita sete fontes; o
Público 31; o Diário de Notícias 42; e o Jornal de Notícias 30. Cada artigo
cita, em média, duas fontes de informação. A maioria das fontes (84,5%) é
identificada, ou seja, geralmente citam-se fontes em relação às quais se
conhece o nome, o cargo e a proveniência (ver tabela_1). O Expresso ' que
publica apenas uma notícia sobre o surto de febre de dengue ' não recorre a
fontes não identificadas.
Não há, no entanto, uma grande variedade de vozes nos textos analisados, sendo
que os jornalistas recorrem mais às fontes oficiais e especializadas (ver
tabela_2). As fontes de informação oficiais citadas pelos jornais analisados
representam 34,5% do conjunto de fontes auscultadas; as fontes especializadas
(institucionais e não-institucionais) ficam-se pelos 20,9%. Nota-se ainda um
predomínio das fontes documentais, nomeadamente no campo da saúde, aqui
explicado pelos comunicados semanais da Direção-Geral da Saúde.
As fontes oficiais dentro do campo da saúde mais citadas pelos jornais são o
diretor-geral da Saúde, Francisco George; o secretário regional da Saúde,
Francisco Ramos; e o presidente do Serviço de Saúde da região autónoma da
Madeira (SESARAM), Miguel Ferreira.
Embora a maioria das fontes a que os jornalistas recorrem pertença ao grupo das
fontes oficiais no campo da saúde, as fontes não pessoais ocupam aqui um grande
espaço. De facto, os comunicados e notas de imprensa na área da saúde ' em que
se inserem os comunicados da DGS e do Centro Europeu de Controlo e Prevenção de
Doenças (ECDC) ' são uma ferramenta muito usada durante a construção noticiosa
do surto de dengue. Vale a pena sublinhar que a DGS emitiu, através do seu
website, comunicados regulares sobre a situação na Madeira, incluindo uma
atualização permanente do número de pessoas infetadas pelo vírus de dengue.
Nota-se também a citação, por parte dos jornais analisados, de outros órgãos de
comunicação social, pelo que se verifica que os próprios media acabam por
marcar a agenda mediática.
Quanto ao género das fontes de informação que constituem o nosso corpus de
análise, são maioritariamente homens (41,82%) e não pessoais (27,27%). As
mulheres representam apenas 16,36% da amostra (ver tabela_3).
Já em relação à geografia das fontes de informação, aqueles a quem os
jornalistas dão voz falam geralmente a um nível Nacional (40%) - como é o caso
do Diretor-Geral da Saúde -, e não a partir de determinado ponto geográfico. As
fontes provenientes das Ilhas ocupam também um lugar de destaque (30,9%), o que
é explicado pela própria origem do surto de febre de dengue (ver tabela_4).
As fontes cuja origem é a região de Lisboa e Vale do Tejo estão menos
representadas, embora a sua presença se situe nos 18,2%.
Notas finais
Pretendíamos, neste artigo, estudar a mediatização da febre de dengue na
imprensa portuguesa, através dos jornais diários Público, Jornal de Notícias e
Diário de Notícias, e do semanário Expresso. Analisámos 39 artigos noticiosos e
as 110 fontes de informação citadas pelos jornalistas. Se quisermos caraterizar
o perfil da fonte a quem os jornalistas recorreram, poder-se-á dizer que esta é
masculina, oficial e fala desenraizada de um lugar geográfico específico '
portanto, à escala Nacional. É o caso do diretor-geral da Saúde, Francisco
George, que é uma fonte recorrente nas notícias por nós analisadas. Há ainda um
predomínio de fontes documentais, atribuído à utilização de comunicados e notas
de imprensa emitidos pela Direção-Geral de Saúde com atualizações
epidemiológicas sobre o surto.
O facto de os jornais analisados construírem as notícias sobre dengue com base
em comunicados de imprensa faz com que haja uma replicação do conteúdo dos
textos noticiosos de um meio de comunicação para outro. A própria falta de
especialização nas redações e a escassez de tempo podem contribuir para a
confiança dos jornalistas em informação pronta a publicar, previamente
preparada por entidades oficiais ou gabinetes de assessoria e relações
públicas.
Durante o surto de febre de dengue que atingiu a ilha da Madeira em inícios de
outubro, os media foram transmitindo informação às populações, como os sintomas
frequentes do vírus ou o que fazer em caso de infecção. Foi através dos meios
de comunicação social que as mensagens de saúde pública foram difundidas,
alertando o público para, por exemplo, os riscos das águas estagnadas.
Pode dizer-se que, em termos de discursos, os jornais analisados transmitem
duas mensagens distintas de acordo com as fontes usadas: as fontes oficiais
mantêm um registo tranquilizador, evitando o alarme social; e as fontes
especializadas dividem-se entre as explicações médicas e científicas e as
críticas reiteradas ao Governo Regional da Madeira, que abandonou o combate ao
mosquito vetor da dengue há vários anos.
Gary Schwitzer defende uma cobertura de saúde precisa, equilibrada e completa
(Schwitzer, 2008), para que as pessoas possam estar alerta e devidamente
informadas sobre as questões relacionadas com o tema. Uma cobertura mediática
errada ou incompleta pode induzir o público em erro, o que é especialmente
grave quando envolve a tomada de decisões (relativas à sua própria saúde) pelas
pessoas. Num caso como o do surto de dengue na ilha da Madeira é fulcral que os
jornalistas apostem numa cobertura equilibrada e precisa, uma vez que o seu
trabalho pode ajudar a evitar uma crise de saúde pública. Os media têm um papel
importante na difusão de assuntos de saúde, explicando e enquadrando temas que
de outro modo seriam desconhecidos para parte da população.
Durante a cobertura mediática deste surto foram utilizadas aquelas que são
referidas pela literatura como as estratégias mais comuns da comunicação de
risco, como o uso de especialistas e de fontes com credibilidade e capacidade
para traduzir para o público em geral informação científica complexa (Reynolds
& Seeger, 2005: 47). Em casos deste tipo, que podem comprometer a saúde
pública, a comunicação deve ainda instruir, informar e motivar comportamentos
auto-protetores, bem como fornecer informação sobre o risco (Vaughan &
Tinker, 2009: S324), recomendações que foram seguidas pelos jornais que
constituem a nossa análise.