Descontinuidades do audiovisual na segunda geração de conteúdos jornalísticos
para tablets
Introdução
As possibilidades de consumo de conteúdos audiovisuais têm crescido
exponencialmente graças à multiplicação de canais, plataformas e dispositivos
que permitem receber vídeo. Neste cenário é fundamental considerarmos que os
conteúdos, os dispositivos e o contexto interagem entre si para configurar a
atual paisagem de multimedialidade (Courtois, Verdegem e Marez, 2013). Como
refere Valentini (2012), as mudanças nos meios de comunicação não resultam
meramente da evolução tecnológica, mas envolvem uma complexa teia de relações
nascidas das dinâmicas cultural, social, económica e política dos diferentes
media.
Feijóo, Aguado, Barroso e Martínez (2013) sublinham que as hibridizações não
ocorrem apenas em relação à adaptação dos modelos e formatos nos meios mais
tradicionais para distribuição nos dispositivos móveis. A própria televisão
redefiniu algumas de suas premissas, incorporando elementos do ambiente
digital, tais como páginas web, perfis em redes sociais e aplicações
relacionadas com a televisão.
São, e devem ser, segundo Ledo e Castelló (2012), cada vez mais as alternativas
para produção e distribuição de produtos jornalísticos audiovisuais,
favorecendo as possibilidades oferecidas pelo contexto digital, especialmente a
multimedialidade. Uma dessas alternativas está nos dispositivos móveis, cujas
últimas gerações permitem produzir e distribuir conteúdos audiovisuais de
grande qualidade. Não apenas por questões de ordem técnica relacionadas com a
imagem, mas também dos próprios conteúdos, cada vez mais variados, criativos e
experimentais (Drake, 2012).
Neste contexto, o objetivo do artigo é estudar o audiovisual na segunda geração
de produtos jornalísticos exclusivos para tablets. Partimos do princípio que os
conteúdos compostos por imagem em movimento e som se constituem como uma marca
diferenciadora nos dispositivos móveis. Supõe-se que os produtos jornalísticos
exclusivos para tablets, justamente por terem a pretensão de fazer um uso
maximizado da plataforma, explorem as potencialidades do suporte e, portanto,
apresentem experiências mais significativas no âmbito do audiovisual.
Neste trabalho utilizamos o estudo de caso como principal estratégia
metodológica. A amostra é composta por produtos jornalísticos autóctones da
segunda geração, exclusivos para tablets: La Presse + (Canadá), Mail plus
(Reino Unido) e El Mundo de la Tarde (Espanha). Analisamos os conteúdos
produzidos pelos meios, com base na estratégia de amostra não probabilística de
semanas compostas.
Embora as publicações La Presse + e Mail plus também tenham edições de fim-de-
semana, o estudo refere-se apenas às edições de segunda a sexta-feira, uma
opção motivada por três razões: 1) por se tratar de um estudo comparativo com a
1ª geração era necessário estudar o mesmo objeto; 2) dentro da segunda geração,
um dos meios (El Mundo de la Tarde) publica-se apenas de segunda a sexta-feira;
e 3) as edições de fim-de-semana do Mail plus incluem seções específicas e
diferenciadas das que são apresentadas durante a semana.
O primeiro capítulo deste artigo analisa uma das caraterísticas mais
diferenciadoras das publicações jornalísticas online: a multimedialidade.
Seguidamente, e usando as fases do jornalismo digital e do webjornalismo
audiovisual, será estudada a segunda geração de produtos jornalísticos
autóctones para tablets. Por fim, o artigo pretende sistematizar os elementos
de descontinuidade da segunda geração de conteúdos autóctones, quando comparada
com a primeira.
Breve definição de Multimedialidade
Conjuntamente com a hipertextualidade e a interatividade, a multimedialidade é
uma das três principais caraterísticas da linguagem jornalística no ciberespaço
(Salaverría, 2005; Díaz Noci, 2011), sendo igualmente uma das marcas
distintivas da convergência, fenómeno que carateriza os novos meios digitais
(Canavilhas & Santana, 2011).
A multimedialidade é habitualmente definida como a combinação, integração e/ou
convergência dos três grandes sistemas de signos (sons, imagens e letras) ou
códigos (sonoro, icónico e linguístico) num mesmo discurso informativo, ou
seja, na narração do facto jornalístico (Bardoel & Deuze, 2001; Palacios,
2002; Mielniczuk, 2003).
A produção de notícias usando, de forma integrada, conteúdos de diferentes
naturezas é um dos grandes desafios colocados aos jornalistas atuais
(Mielniczuk et al, 2011), não tanto pela complexidade técnica, mas por exigir o
domínio da linguagem multimédia. Sodré (2009) defende que a grande diferença
entre os jornalistas tradicionais e os que trabalham no ciberespaço não se
refere ao mero uso das tecnologias digitais, mas ao estabelecimento de outra
forma de pensar que decorre do emprego adequado da multimedialidade, da
interatividade e da hipertextualidade. A multimedialidade deverá assim ser
vista como uma possibilidade de modificar as relações entre meios, indústrias,
profissionais e utilizadores, bem como alterar a linguagem jornalística no
ciberespaço usando recursos audiovisuais (Viana & França, 2011).
A multimedialidade não representa uma rutura no jornalismo pois já existia na
televisão e, de certa forma, nos jornais, que usam imagens e texto. Ou seja, a
multimedialidade não é uma caraterística inédita, mas é potenciada no
ciberespaço (Bardoel & Deuze, 2001; Palacios, 2002), sendo o vídeo o grande
responsável pelo crescimento exponencial do tráfego na Internet.
Viana e França (2011) defendem que a utilização de recursos audiovisuais é
indispensável para chamar a atenção de um tipo de utilizador que tem mudado a
sua dinâmica de interação com os conteúdos, pois deixa de estar preocupado
apenas com o facto e procura mais informações apresentadas por meio de novos
recursos, nomeadamente o vídeo. Neste cenário, o conteúdo que antes era
considerado secundário passa a ser prioritário para as organizações e
profissionais.
Essa potenciação da multimedialidade no contexto do ciberespaço é ainda mais
expressiva nos dispositivos móveis.
O contexto, que levamos agora na palma da mão, chega até lá
justamente porque a produção jornalística tornou-se convergente e
multiplataforma. No ecossistema midiático contemporâneo terá tanto
mais sucesso na apreensão do contexto aquele que, emulando o que
ocorreu nos albores da nossa espécie no ambiente biológico, tornar-se
onívoro, passando a virtualmente habitar todas as latitudes com igual
poder de adaptação. Onívoros digitais: eis a marca da espécie
dominante na atual ecologia dos media. (Palacios, 2013, p.5).
A multimedialidade é apontada como uma das principais caraterísticas dos
conteúdos jornalísticos produzidos para as plataformas móveis (Canavilhas &
Santana, 2011). As aplicações nativas (apps) exigem uma diferenciação em
relação aos outros dispositivos, o que requer dos jornalistas novas formas de
pensar e elaborar conteúdos, de preferência com base em elementos como a
multimedialidade e a interatividade (Barbosa et al, 2013). Valentini (2012)
destaca que várias experiências realizadas nos tabletsestão associadas à
utilização de recursos audiovisuais, sublinhando assim a importância da
multimedialidade para a autonomização dos dispositivos móveis enquanto
plataformas de consumo de informação.
Duas gerações de Jornalismo Audiovisual para Dispositivos Móveis
O estabelecimento de fases e gerações é uma atividade importante para conhecer
o jornalismo audiovisual produzido para a Web, embora seja importante não
reduzir a questão aos seus aspetos exclusivamente técnicos (Pinto, 2005). É
necessário desenvolver as fases a partir de uma perspetiva social, cultural,
política, económica e, claro, tecnológica, já que os efeitos do jornalismo
audiovisual dependem das diversas formas de apropriação pela sociedade
(Machado, 2000; Piccinin, 2007). Esta delimitação de gerações no campo do
jornalismo na Web é um trabalho complexo porque envolve um fenómeno pouco
consolidado, muito mais efémero e transitório do que perene (Castells, 2003;
Machado, 2000). O facto do impacto das novas tecnologias não ser uniforme em
todos os meios de comunicação, promovendo diferentes efeitos em função da
estrutura de cada organização jornalística (Ursell, 2001), dificulta ainda mais
a tarefa.
Considerando os aspetos apresentados anteriormente, o objetivo deste trabalho
não é propor gerações lineares que remetam para a ideia de um "progresso
contínuo" ou "caminho único de desenvolvimento", porque ele
não existe (Briggs & Burke, 2004; Piccinin, 2007). O objetivo é analisar as
descontinuidades entre gerações, o que permite estabelecer uma diferenciação
entre fases.
A análise das gerações do Jornalismo Audiovisual para Dispositivos Móveis terá
como base as fases do webjornalismo audiovisual1, que coincidem com as três
primeiras etapas de evolução do jornalismo na web.
A primeira fase é marcada pela transposição do conteúdo dos veículos
tradicionais para o ambiente digital, o chamado shovelware. Os produtos
oferecidos são reproduções Web dos meios convencionais que passam por uma mera
transposição das imagens sem qualquer processo de adaptação.
A segunda etapa carateriza-se pelo aparecimento de conteúdos produzidos
especificamente para a Web, com aproveitamento de recursos multimédia, da
hipertextualidade, da interatividade e da personalização das notícias. As
produções da segunda fase do webjornalismo audiovisual são simultaneamente
distribuídas nos meios de comunicação tradicionais, na maioria das vezes devido
à falta de um modelo de negócios que viabilize a sua difusão apenas no online.
Os sites de webjornalismo audiovisual da terceira fase produzem conteúdos
exclusivos para a Web, proporcionando-lhes maior convergência, imediatismo,
contextualização e interatividade. Além disso, se na primeira fase os
proprietários das organizações jornalísticas controlavam o produto
jornalístico, neste terceiro momento o controlo é partilhado e a inovação
desenvolve-se numa parceria entre proprietários, jornalistas e internautas
(Pryor, 2002).
Para além das três fases iniciais do jornalismo digital, sobre as quais se
baseiam as fases do webjornalismo audiovisual, existem a quarta e a quinta
gerações. A quarta é a do jornalismo digital sobre base-de-dados (Manovich,
2001; Machado, 2006; Barbosa, 2007) cujas principais caraterísticas são a sua
base tecnológica ampliada, as ligações em banda larga, as plataformas móveis e
os sistemas de gestão de conteúdos mais complexos. A quinta geração, proposta
por Barbosa (2013), refere-se mais especificamente à interseção do jornalismo
com os media móveis (sobretudo os smartphonese tablets), que surgem como
agentes propulsores de um novo ciclo de inovação marcado pela emergência das
apps para tabletsenquanto produtos paradigmáticos.
Nesse contexto, a lógica não é de dependência, competição ou de
oposição entre os meios e seus conteúdos em diferentes suportes,
caraterística de etapas anteriores do jornalismo, principalmente
quando o examinamos a partir do surgimento das versões de produtos
jornalísticos para a web. O cenário atual é de atuação conjunta,
integrada, entre os meios, conformando processos e produtos, marcado
pela horizontalidade nos fluxos de produção, edição, e distribuição
dos conteúdos, o que resulta num continuummultimídia de cariz
dinâmico. (Barbosa, 2013, p.33)
Pode por isso dizer-se que há um reconhecimento dos meios anteriores e das suas
principais caraterísticas, as quais são aproveitadas para estabelecer um novo
meio num novo suporte. Isso não significa a inexistência de descontinuidades e
ruturas, mas sublinha que elas coexistem. Na quinta geração, os dispositivos
móveis são os novos agentes que reconfiguram todas as etapas - desde a
produção até a receção - dos conteúdos jornalísticos em múltiplas
plataformas. O diferencial dos seus produtos paradigmáticos - os
autóctones - está, portanto, em aspetos como a implementação de novas
rotinas para as produções jornalísticas, o uso de recursos diferenciados para a
construção de narrativas, a integração entre formatos convencionais e formatos
inovadores e o desenvolvimento da multimedialidade, da hipertextualidade, da
interatividade e das caraterísticas mais diretamente associadas aos
dispositivos móveis, como a tactilidade (Barbosa, 2013).
É justamente no âmbito dessa quinta geração do jornalismo digital que se
inserem as duas gerações sistematizadas neste artigo. Para a delimitação dos
casos estudados foram usados dois critérios: 1) ser um produto autóctone,
exclusivo para tablet e 2) disponibilizar recursos ou conteúdos audiovisuais.
Na primeira geração deste tipo de produtos, cujas principais caraterísticas já
foram discutidas em artigos anteriores (Teixeira, 2014a, 2014b), estão
incluídas as revistas Project Week (Reino Unido) e Katachi(Noruega), bem como
os jornais diários La Repubblica Sera (Itália), O Globo a Mais(Brasil -
Rio de Janeiro), Estadão Noite (Brasil - São Paulo) e Diário do Nordeste
Plus (Brasil - Fortaleza), produtos considerados pioneiros no que se
refere aos dois critérios utilizados na delimitação da amostra.
Nesta etapa da investigação incluímos o La Presse + (Canadá), o Mail plus
(Londres) e o El Mundo de la Tarde (Espanha). Todos foram lançados no ano de
2013, mas este factor temporal não foi determinante para a sua incorporação na
amostra, que teve em maior consideração a presença mais expressiva dos dois
critérios antes enunciados.
Em comparação com a primeira geração, esta segunda apresenta algumas
desvantagens, a maior das quais é não ser pioneiro e por isso ter menos
visibilidade. Mas as vantagens superam largamente as desvantagens: 1) as formas
de produção estão testadas, atenuando os riscos da estratégia de tentativa-
erro; 2) a tecnologia é mais estável, o que se reflete em menos problemas
técnicos; 3) as audiências são maiores e mais adaptadas ou habituadas ao uso da
nova plataforma; 4) investigações realizadas com base na primeira geração já
oferecem informações sobre o perfil e os modos de utilização dos utilizadores
dos tablets.
Caraterizando a segunda geração de produtos autóctones
Em trabalhos anteriores (Canavilhas & Teixeira, 2014) foram identificadas
as caraterísticas comuns entre a primeira e a segunda gerações: 1)
preponderância das funções desempenhadas pelo audiovisual na atração dos
utilizadores e na ilustração dos conteúdos jornalísticos; 2) manutenção de
alguns formatos jornalísticos tradicionais; 3) falta de padronização nas formas
de apresentação dos links e nos tipos de janelas para exibição dos conteúdos
audiovisuais; 4) ausência de conteúdos audiovisuais com formatos longos; 5)
vasta utilização do audiovisual nos temas culturais, desportivos e de política;
reduzida utilização em conteúdos relacionados com protestos e conflitos;
inexistência de conteúdos audiovisuais relacionados com desastres naturais.
Verificados os pontos comuns, este artigo parte para a apresentação, descrição
e discussão das quatro caraterísticas que distinguem a segunda geração de
produtos audiovisuais autóctones, ou seja, os elementos que apontam
descontinuidades entre a primeira e a segunda gerações do Jornalismo
Audiovisual para Dispositivos Móveis.
3.1. Horário de distribuição: uma desaceleração na emergência dos vespertinos
Na primeira geração de autóctones, os quatro jornais diários eram vespertinos:
O Globo a Mais, com distribuição às 18h, La Repubblica Sera e Diário do
Nordeste Plus,às 19h, e Estadão Noite, às 20h. Desta forma, as empresas de
comunicação procuravam responder às tendências identificadas nos estudos, que
colocam o consumo de informação em dispositivos móveis no período entre as 18 e
as 23h. Os tablets eram assim considerados plataformas com as quais o
utilizador interage de uma forma mais relaxada a partir de casa (García, 2012;
Lara, 2012; Drake, 2012; Mcathy, 2013).
Esta constatação em relação à primeira geração de autóctones poderia
desconstruir a ideia de que a segunda geração apresenta mais elementos de
adaptação às especificidades dos tablets, todavia deve ser considerado que os
jornais vespertinos não são um fenómeno novo e por isso não estamos perante uma
descontinuidade. Nos últimos anos, os vespertinos quase desapareceram, perdendo
a sua função de atualização das notícias, devido à concorrência da televisão
(Valentini, 2012) e da própria Web. Mas com a emergência dos dispositivos
móveis, os vespertinos regressaram com um posicionamento diferente, optando
pela interpretação em detrimento da atualização dos acontecimentos. Trata-se,
por isso, de um regresso e não de uma descontinuidade.
Por outro, os produtos da segunda geração com maior produção de conteúdos
audiovisuais são matutinos: o La Presse +,distribuído às 5h30, apresentou 128
materiais audiovisuais durante a análise, e o Mail plus, distribuído às 6h,
disponibilizou 100 conteúdos deste tipo. Não é objetivo deste trabalho analisar
o processo de produção e suas consequências sobre os produtos jornalísticos,
contudo essa questão não poderia deixar de ser destacada neste momento porque é
fundamental sublinhar que ser vespertino não favorece necessariamente a
disponibilização de conteúdos audiovisuais.
Resumindo, o facto de dois dos três produtos autóctones de segunda geração
analisados serem matutinos e, simultaneamente, serem os que mais exploram os
recursos audiovisuais, pode revelar que essa desaceleração no lançamento de
vespertinos possa ser benéfica, favorecendo a multimedialidade. Como refere
Valentini (2012), o tablet realmente tem sido mais usado em casa, contudo ainda
é muito cedo para dizer se esta tendência será reforçada ou se - como a
autora acredita ser mais provável - serão estabelecidas práticas relacionadas
com as necessidades de conectividade onipresente. Podemos também aplicar essa
ponderação aos resultados da segunda geração aqui apresentados, os quais
apontam para horários alternativos de distribuição e para a incorporação de
mais elementos multimediáticos, em especial os recursos audiovisuais, nos
produtos matutinos.
3.2. O emprego da orientação horizontal
Com base em trabalhos recentes sobre as formas de uso dos tablets(García, 2012;
Poynter, 2013), podemos estudar a questão da orientação do ecrã, embora, aqui
as considerações sobre a descontinuidade entre gerações de autóctones sejam
diferentes do que se verificou no ponto anterior. Se os autóctones de primeira
geração já exploravam o consumo vespertino dos produtos jornalísticos, no que
concerne à orientação do ecrã apenas a Katachi adotava a orientação horizontal
apontada por Kolodzy (2013) como a mais adequada para o consumo do audiovisual.
É verdade que o tutorial de navegação doEstadão Noite também apresenta a
possibilidade de visualização horizontal, mas os conteúdos são apresentados
quase exclusivamente na orientação vertical. Alguns conteúdos audiovisuais
desta 2ª geração abrem num ecrã vertical, porém ocupam apenas o espaço de um
retângulo, assumindo uma orientação horizontal. Porém, a orientação do tablet
nas mãos do utilizador continua a ser vertical. Esta opção deve ser repensada
uma vez que as investigações apontam para uma preferência dos utilizadores pela
orientação horizontal durante a navegação nos tablets(García, 2012; Poynter,
2013).
Esta questão é explorada em dois dos três meios que integram a segunda geração,
apontando para uma descontinuidade em relação à primeira fase de autóctones,
onde as orientações do ecrã eram maioritariamente verticais. O La Presse +
apresenta todo o seu conteúdo na horizontal, o que influencia a orientação dos
conteúdos audiovisuais, também exibidos nessa estrutura. O El Mundo de la
Tardediferencia-se ainda mais, ao oferecer a possibilidade do utilizador
visualizar o conteúdo na vertical ou na horizontal.
O uso da orientação horizontal é, portanto, uma caraterística que diferencia a
segunda geração de autóctones.
3.3. A reformulação da "edição fechada" a partir da atualização
contínua
A terceira descontinuidade entre as gerações do Jornalismo Audiovisual para
Dispositivos Móveis refere-se à forma como são disponibilizados os conteúdos.
Como esclarece Valentini (2012), os autóctones de segunda geração estão mais
próximos do modelo dos jornais em papel do que das publicações online.
A existência de menus de navegação nos produtos das duas gerações oferece a
possibilidade de navegação nas diferentes seções, permitindo explorar
potencialidades relevantes como a interatividade e a tactilidade. Já a
atualização constante de informações é inexistente porque os conteúdos
disponíveis são "fechados" e "não atualizáveis".
No webjornalismo, a atualização constante é uma das principais especificidades
(Pavlik, 2001; Palacios, 2002; Mielniczuk, 2003; Stovall, 2004; Salaverría,
2005). "A tecnologia digital, somada às tecnologias das redes
telemáticas, proporciona rapidez na atualização das informações, que, por sua
vez, também são recebidas em tempo real pelos utilizadores. As seções chamadas
'últimas notícias' ou 'break news' são decorrentes da
exploração dessa possibilidade" (Mielniczuk, 2003, p.54).
Nas publicações de primeira geração estudadas, a ausência de atualização
contínua é uma constante. A exceção poderia ser o Estadão Noite, que na secção
Últimas Notícias remete para breves relacionadas com acontecimentos recentes.
Porém, ao clicar nos títulos o utilizador é direcionado para o sitedo jornal.
Esta exceção do Estadão Noite, associada à ressalva relacionada com a
orientação vertical-horizontal referida anteriormente, pode indicar que esta
publicação funciona, em certa medida, como um elo de ligação entre primeira e
segunda gerações de produtos exclusivos para tablets. Ou seja, em alguns dos
aspetos aqui analisados, o Estadão Noite aponta caminhos para as
descontinuidades empreendidas pelos autóctones da segunda geração.
A seção "Live News", do Mail plus, ilustra bem esta situação. Pode
aceder-se por meio de um link situado no cabeçalho esquerdo da capa da
publicação e é disponibilizada na última página do caderno "News
Plus", o principal da publicação. Em "Live News" há uma
subdivisão entre três editorias: News, Sport e Video.
La Presse + é outro exemplo da experimentação com a atualização constante. Além
da edição diária distribuída todas as manhãs, há ainda a possibilidade de
atualizar as notícias ao longo do dia, por meio da integração de uma
funcionalidade que permite a publicação de informações de modo contínuo.
Essas novas formas de atualização contínua dos conteúdos revelam, portanto, que
a segunda geração de autóctones procura experimentar as potencialidades dos
tablets e do webjornalismo. Possivelmente este é o caminho para a emergência de
cada vez mais descontinuidades e ruturas no Jornalismo Audiovisual para
Dispositivos Móveis.
3.4. A redução cada vez mais expressiva da presença do jornalista nos conteúdos
audiovisuais: uma inspiração no estilo documental
A primeira geração de produtos autóctones já mostrava a adoção de um estilo
mais documental em determinados conteúdos audiovisuais (Teixeira, 2013). Este
estilo carateriza-se pela presença de sete elementos: 1) permanência do
jornalista atrás das câmaras; 2) destaque para o personagem; 3) narração do
repórter, se utilizada, apresenta o contexto; 4) voz das personagens é usada
para narrar a história; 5) imagens que relatam de maneira cinematográfica; 6)
áudio pensado para ajudar a definir um tom narrativo; 7) o jornalista, em
geral, trabalha sozinho e utiliza a câmara para escrever a história
visualmente.
Neste estilo mais documental, as declarações dos entrevistados e personagens
são priorizadas em detrimento da presença do jornalista. Em vez da voz-off dos
jornalistas, a condução da estória centra-se nas personagens, cujas vozes
oferecem o fio condutor da narrativa, deixando as imagens direcionar a história
de uma maneira mais visual (Lancaster, 2013).
Na primeira geração, a adoção deste estilo mais documental foi identificada de
maneira preponderante nas revistas (Katachi e Project Week), tendo aparecido
num único trabalho ("Vai um cafezinho?") de um dos jornais
analisados, o Diário do Nordeste Plus.
A preponderância do estilo documental nas revistas pode estar relacionada com o
tempo de produção necessário para conteúdos audiovisuais dentro dessa lógica.
Um conteúdo com estética mais cinematográfica requer um prazo mais alargado
para sua elaboração quer na recolha de testemunhos que na sua edição.
Contudo, é neste aspeto que surge a descontinuidade verificada na segunda
geração de produtos autóctones, uma vez que nos diários existem várias
tentativas para experimentar este estilo. Ou seja, a periodicidade diária não
inviabiliza a produção de conteúdos audiovisuais dentro de uma lógica mais
documental, contribuindo para uma cada vez maior redução da presença dos
jornalistas nos conteúdos.
Entre os casos estudados na segunda geração, o meio que explora melhor este
estilo é o La Presse +, apresentando sete conteúdos dentro dessa estética. Para
evitar uma descrição exaustiva destacam-se apenas três exemplos, de três
editorias diferentes (Actualités, Artse Pause), publicados nas edições de 6, 14
e 30 de janeiro de 2014, respetivamente.
O primeiro exemplo intitula-se "Plateau-Mont-Royal - Un nouveau
départ pour la reine du Rapido" e conta a história de uma famosa
funcionária de um restaurante que está prestes a deixar o emprego. O vídeo
apresenta a personagem dando seu depoimento e trabalhando. São intercaladas
imagens sincrónicas da personagem (vivos ou talking heads) com imagens não-
sincrónicas do seu trabalho e a sua voz em fundo, juntando-se ainda imagens do
seu trabalho com o som ambiente. A narrativa é baseada na voz da personagem e a
presença da jornalista acontece apenas quando é necessário incluir a sua
pergunta para compreensão da resposta dada pela personagem.
O segundo caso está inserido na terceira pestana da matéria "Théâtre
- Le souffleur de Verre", que apresenta e comenta uma peça de
teatro. Essa terceira pestana recebe o título: "En vidéo: Le souffle de
Denis Gravereaux". Em nenhum momento do vídeo há qualquer participação de
um jornalista (nem no off, nem em uma passagem). A narrativa é conduzida pela
voz dos entrevistados, por textos escritos no ecrã (acompanhados por fotos) e
por excertos da encenação da peça (com som original). Neste caso é ainda
inserida uma banda sonora que ajuda na definição de um tom diferenciado para a
narrativa (Rezende, 2000; Micó, 2007).
O som como fio condutor é, aliás, uma constante nos três conteúdos audiovisuais
que integram o terceiro exemplo - a página intitulada "Enfants et
alimentation" - cujas três últimas pestanas apresentam materiais
audiovisuais no estilo documental. O primeiro vídeo, da pestana -
"Connaissent-ils les différents aliments?" - apresenta diversas
crianças (identificadas com nome e idade) dando a sua opinião sobre os
diferentes alimentos que lhe foram apresentados (cebola, ovo, achocolatado e
bacon). Os outros dois conteúdos, das pestanas "Cours de cuisine pour
tous" e "Légumes bios au CPE le Sabliet", são estruturados de
maneira semelhante: baseiam-se sobretudo na voz das educadoras, cobertas em
vários momentos por imagens do seu trabalho com as crianças. Em ambos os casos
são apresentadas, ainda, sons de outras pessoas envolvidos nos projetos. Os
dois vídeos terminam com imagens das crianças e som ambiente. A narrativa não
é, por isso, guiada por um offde jornalista, mas sim pelos depoimentos dos
envolvidos no assunto, sejam as crianças ou as educadoras.
A redução da presença do jornalista nos materiais audiovisuais pode ocorrer de
uma forma primária na segunda geração dos produtos autóctones, mas a inspiração
no estilo documental é uma marca evidente que permite falar numa efetiva
descontinuidade em relação à primeira geração. Os casos estudados na segunda
geração conferem periodicidade a um estilo de produção audiovisual que apenas
as revistas conseguiram realizar na primeira geração de produtos exclusivos
para tablets.
Considerações finais
O objetivo central deste trabalho era analisar a configuração do audiovisual na
segunda geração de produtos jornalísticos exclusivos para tablets. Com essa
finalidade, numa fase inicial abordou-se a multimedialidade, um conceito
intrinsecamente ligado à abordagem do audiovisual no ciberespaço. Seguidamente
foram apresentadas as cinco gerações do jornalismo digital e as três fases do
webjornalismo audiovisual, procurando-se desta forma delimitar claramente as
duas gerações propostas para o Jornalismo Audiovisual para Dispositivos Móveis,
ambas inseridas na quinta geração do jornalismo digital.
Posteriormente procurou-se caraterizar a segunda geração dos produtos
autóctones, tendo em consideração o uso dos recursos audiovisuais. Embora se
tenham identificado as continuidades em relação à primeira geração, o objetivo
era colocar o foco do trabalho na sistematização, descrição e discussão das
descontinuidades identificadas: 1) desaceleração na emergência dos vespertinos;
2) uso crescente da orientação horizontal; 3) reformulação da "edição
fechada" a partir da atualização contínua; 4) redução expressiva da
presença do jornalista nos conteúdos audiovisuais, com inspiração no estilo
documental.
Mais do que respostas, os resultados levantam questões. Por exemplo, por que
razão a segunda geração de autóctones é dominada por matutinos quando todos os
estudos indicam que o período de consumo nos tablets ocorre ao final do dia? No
caso da orientação horizontal, os meios respondem à preferência dos
utilizadores, aproximando-se do modelo televisivo. Mas logo a seguir optam por
conteúdos estilo documental, que se afastam do estilo noticioso dessa mesma
televisão. Ou seja, conforme argumentam Feijóo, Aguado, Barroso e Martínez
(2013), a distância entre o interesse da audiência e a efetiva adoção por parte
dos públicos de determinados formatos mediáticos pode estar relacionada com um
conjunto complexo de causas, as quais não conseguimos conhecer por completo, e
provavelmente nunca iremos conseguir.
Experimentar sempre será necessário e recomendável, independentemente das
indicações dos estudos de usabilidade. E uma das grandes marcas destes
primeiros anos do jornalismo para dispositivos móveis é, justamente, a
experimentação (Canavilhas & Satuf, 2013). O jornalismo é muito mais que a
indústria mediática (Castells, 2013) e a prática desta atividade atravessa um
processo de transformação cujas consequências dependem, entre outros factores,
do recurso a formas inovadoras e experimentais de apresentar a informação.