Espacialização de cenários do balanço da água: uma metodologia de apoio à
decisão para a gestão dos recursos hídricos
1. Introdução
Segundo Stewart e Scott (1995), o processo de decisão a nível regional baseia-
se na construção de cenários da aplicação das políticas com influência no uso
do solo. Por cenários de aplicação das políticas deve entender-se a descrição
de um conjunto de potenciais opções de actuação numa determinada região. Os
cenários surgem assim enquanto fase final do processo de decisão. Trata se do
momento de síntese de uma metodologia.
Neste trabalho propõem-se métodos de espacialização dos impactos da
disponibilização dos recursos hídricos, através de uma cartografia das
alternativas políticas às tendências identificadas. Para tal, são criados três
cenários e aventadas as possibilidades de hierarquização das alternativas de
decisão. Estes cenários são elaborados a partir de indicadores construídos
tendo por base um conjunto de variáveis provenientes das mais variadas áreas do
conhecimento.
O uso destas alternativas espacializadas permite verificar e comparar as
possibilidades de actuação e quais os seus efeitos práticos no território. Com
estes cenários pretende se providenciar os decisores com uma série de hipóteses
de actuação dependentes da forma como se colocam os problemas.
Os resultados finais da metodologia são apresentados enquanto mapas de aptidão,
nos quais se conjugam as operações realizadas. Os principais resultados
consubstanciam se assim em mapas de síntese (balanço entre a procura/oferta da
água), através dos quais de representam os cenários propostos e as alternativas
de espacialização. Trata-se de materializar diferentes pontos de vista sobre os
problemas de decisão.
Em cada mapa cartografam-se em Sistemas de Informação Geográfica (SIG) as
propostas de evolução das disponibilidades hídricas num estudo de caso[1],
através da materialização dos índices de evolução das diferentes variáveis
construídos em ambiente de Sistemas de Apoio à Decisão (SAD). Em SAD são
materializados os índices de evolução das diferentes variáveis e é avaliado,
comparativamente, o grau de eficácia das opções de decisão. Por vezes, uma
opção menos eficaz revela-se mais acertada, devido à sua capacidade para
atingir de forma mais abrangente um determinado território alvo. Assim, as
disparidades regionais reforçam a necessidade de integração de uma dimensão
espacial nos cenários para o apoio à decisão. Para alcançar a melhor resposta,
devem combinar-se sempre mapas e índices (Janssen et al., 1998).
A identificação do limiar das pressões permite melhorar a eficácia das
políticas de gestão da água. Assim, a eficácia das respostas constrói-se a
partir de combinações óptimas da intensidade, do padrão espacial e da melhor
conjugação de variáveis. Deve ainda considerar-se a forma como as variáveis e
os limiares da pressão se comportam ao longo do tempo. Por exemplo, tal como
afirma Mariano Feio, referindo-se ao século XIX, a densidade de população dos
concelhos do "Baixo Alentejo é muito elevada em relação à péssima
qualidade dos solos" (Feio, 1996, p. 68) o que viria a provocar impactos
extremamente negativos, sobretudo até à década de 1960. A partir dessa década,
os impactos negativos deixam de ser exercidos pelo elevado volume de população
e os limiares de pressão passam a ser lidos em sentido contrário. Agora, são as
áreas despovoadas, e a ausência de capacidade de atracção de investimento, a
determinar patamares mínimos de pressão da população e oportunidades de emprego
(Roxo, 1994).
Face às considerações apresentadas anteriormente, o presente estudo visa
estabelecer uma metodologia de apoio à decisão, criando condições para a
racionalização da distribuição espacial de recursos hídricos. O SAD que aqui se
apresenta parte de um conjunto de indicadores de pressão para a criação de
modelos de potencial escassez dos recursos hídricos.
Com este estudo pretende-se dar ainda resposta a dois objectivos específicos de
investigação: a criação (desenho) de uma metodologia centrada nas tecnologias
de informação geográfica para o apoio à decisão na gestão dos recursos
hídricos; a elaboração de cenários integrados espacialmente referenciados para
a distribuição do balanço entre a procura e a oferta da água.
Pretende-se com este ensaio de cariz metodológico restringir o conjunto das
alternativas de decisão. Isto é, estabelecem-se hierarquias de actuação
concretas e verificam se os impactos dessas opções. Neste caso concreto, na
perspectiva da gestão dos recursos hídricos, partindo da hierarquia das opções,
deve resultar a valorização dos serviços de oferta da água e a promoção da sua
procura.
No fundo, com esta metodologia, procuram-se resolver as necessidades de
vincular as fases essenciais do processo de tomada de decisão aos problemas
efectivos e à forma como os stakeholders os resolveriam. Com estes cenários
espaciais da disponibilidade da água, estabelecidos fundamentalmente a partir
da opinião dos stakeholders, adapta se o processo de apoio à decisão para a
gestão dos recursos hídricos às necessidades de implementação da Directiva
Quadro da Água (DQA ).
2. Metodologia
Partindo dos conceitos fundamentais de SIG e SAD foi desenvolvida mais
recentemente a mais profícua produção teórica acerca da espacialização do apoio
à decisão nas áreas da gestão ambiental e do território. De acordo com
Malczewski (2006), nos últimos anos ampliou-se significativamente o espectro de
aplicação dos Sistemas Espaciais de Apoio à Decisão (SEAD). Pode afirmar-se que
os SEAD nasceram centrados em estudos de caso na área do ambiente, todavia
perdeu-se essa hegemonia.
Os SEAD para a gestão dos recursos hídricos constituem uma das aplicações mais
relevantes da actualidade. Tal como é referido em Gurnell e Montgomery "o
incremento da complexidade da parametrização espacial não conduz
necessariamente a uma melhoria da capacidade de previsão e resposta. Todavia,
as tecnologias de informação geográfica, enquanto novas ferramentas, permitem
aos hidrólogos criar uma grande variedade de novos problemas" (Gurnell e
Montgomery, 2000, p. 2). Deste modo, contribui-se para a manutenção de uma
forte componente de incerteza associada aos SEAD para a gestão de recursos
hídricos. A componente heurística é, segundo Beven (2008), um dos tópicos
fundamentais para o futuro da investigação em hidrologia. Para este autor,
importa sobretudo concentrar os estudos na determinação da incerteza associada
a cada modelo criado, assim como criar mecanismos para apresentar e usar a
incerteza nas tomadas de decisão.
Apresentam-se agora detalhadamente alguns métodos de avaliação dos efeitos das
medidas tomadas pelos decisores. Para tal, utiliza-se um software de SAD[2] com
o objectivo de se ordenar as opções da decisão em função dos cenários
escolhidos, de acordo com o contributo de cada indicador. Adoptando uma escala
linear de análise, entre o melhor e o pior, estabelecem-se quais as opções
dominantes e quais as opções descartáveis.
A avaliação espacializada das consequências de cada cenário envolve a
utilização de uma grande multiplicidade de modelos espaciais (uns de carácter
biofísico e outros de carácter socioeconómico).
Partindo de um diagnóstico exaustivo da bacia hidrográfica do Rio Guadiana em
Portugal (BHRGP) projecta-se a evolução da disponibilidade da água,
considerando os factores biofísicos e socioeconómicos, aos quais se associam as
diferentes alternativas de intervenção antrópica. Os principais factores de
transformação da realidade, considerados como tal e integrados enquanto
indicadores na análise no SAD, são a força motriz da evolução de cada cenário.
Para tal, desenvolve-se uma metodologia para determinar a coerência ambiental
das propostas, através da avaliação da sua aptidão ou vulnerabilidade ambiental
(IVM, 2010). Pretende-se dessa forma orientar o sentido das decisões com
impacto no balanço da disponibilidade hidrológica.
2.1. Métodos de análise espacial para a criação de indicadores de DPS
A procura da água é um factor essencial para a compreensão da distribuição da
populaçãoNeste ponto, procura-se definir os primeiros três níveis do sistema
DPSIR[3] de indicadores espaciais para a caracterização dos recursos hídricos
- Driving forces (D, forças motrizes), Pressures (P, pressões), State (S,
estado). Com este sistema de indicadores, investigam-se as relações entre a
procura e a oferta da água, os equilíbrios entre a disponibilidade deste
recurso e a distribuição da população.
Em ambiente SAD determina-se um conjunto de opçõesM, de acordo com a prévia
contextualização do problema. O decisor hierarquiza as prioridades de actuação
em função das suas convicções e da obtenção dos melhores resultados. Cada opção
é constituída pela conjugação ponderada de um conjunto de indicadores de Força
Motriz, Pressão e Estado. Com base em indicadores pré-estabelecidos enquanto
critérios decisionais, constroem-se as matrizes de análise. A matriz de análise
divide-se em três níveis de actuação (Lourenço et al., 2002): Definição das
opções; Determinação dos indicadores; Preenchimento da matriz de análise com a
avaliação dos indicadores para cada opção.
As matrizes de decisão permitem ordenar as opções da decisão e estabelecer o
nível de coerência ambiental das propostas. Como a própria designação sugere, a
matriz de análise parte de uma representação em tabela de variáveis, medidas em
unidades e pré-compatibilizadas através de uma uniformização prévia (value
funtion).
Para definir o problema, são calculadas as ponderações dos indicadores
correspondentes a cada opção. Ao decidir de acordo com um critério de actuação,
a resposta a um determinado problema vincula-se a uma determinada estratégia.
Neste caso concreto, para definir o problema foram constituídos dois grupos de
oito critérios e seis opções de decisão. Ao estabelecer dois grupos de oito
critérios decisionais pretende-se obter, em oposição, a pressão da procura da
água e a pressão da oferta da água (Tabela_1).
As seis opções de decisão estabelecidas neste exemplo resultam do esforço para
aproximar o processo de decisão à realidade. Isto é, para chegar a estas seis
opções, e à correspondente classificação dos indicadores, definiram-se as redes
regionais da água[4]. Assim, as opções são listadas nas colunas da Matriz de
Decisão, enquanto os indicadores seleccionados são inscritos nas suas linhas.
As opções consideradas correspondem a apostas concretas no desenvolvimento de
sectores de actividade específicos, tais como[5] (Rodrigues, 2013):
* Agricultura - A agricultura é o maior consumidor de água desta região
e, segundo uma parte substancial dos stakeholders da água, a vitalidade do
sector depende da capacidade para irrigar mais áreas agrícolas;
* Turismo - O turismo depende muito da disponibilização de um serviço de
água potável de qualidade. Existe uma grande sazonalidade na utilização da
água, coincidindo a época de maior procura com a menor disponibilidade de
água nas principais fontes abastecedoras;
* Indústria - A indústria perdeu importância no contexto das actividades
económicas da BHRGP. Apostar no sector industrial significa inverter uma
forte tendência para a sua extinção. Poucos são os stakeholders da água
representando os interesses industriais, no entanto, nota-se, em termos
gerais, uma certa tentativa de dissociação entre a indústria e a deterioração
da qualidade da água;
* Comércio e serviços I&D - O comércio e os serviços de I&D são
uma das apostas mais frequentemente referidas como estando na base das
soluções para o problema da água na BHRGP. As actividades comerciais têm
vindo a assumir cada vez maiores consumos relativos de água;
* Infra-estruturas da água - A criação de novas infra-estruturas para a
retenção/captação de água é uma das decisões enunciadas com frequência pelos
stakeholders da água. Na BHRGP, são vários os exemplos de novas infra-
estruturas programadas ou previstas para os próximos anos;
* Recursos naturais - A aposta nos recursos naturais surge como solução
preconizada pelos stakeholders da água mais ambientalistas. Os mais acérrimos
defensores desta via são sobretudo as ONG e as instituições ligadas ao
Ministério do Ambiente.
Partindo desta abordagem, apresenta-se um esquema analítico alternativo à
clássica definição de áreas de conflito baseadas essencialmente na escassez dos
recursos hídricos. Contrapondo esta perspectiva, os conflitos pelo uso da água
resultam de um conjunto mais abrangente de factores. Para além das
condicionantes físicas, destacam-se nesta metodologia as jurídico-políticas, as
sociodemográficos e até as de carácter cultural, definidas sobretudo pelos
diferentes modos de apropriação da água.
Enquanto momento de reflexão, com esta metodologia, centrada na oposição entre
a procura e a oferta da água, traz-se para a discussão as relações de poder
subjacentes à gestão da água, assim como, as mais recentes disputas
territoriais pela localização de novas actividade agrícola.
Para o cálculo dos indicadores de força motriz, pressão,e estado são utilizados
dezasseis temas. Cada indicador de base é desenvolvido separadamente com o
objectivo de se adaptar as características dos dados de entrada ao contexto da
BHRGP. Os valores de referência levantados ou estimados para os diferentes
parâmetros obtêm-se de modos diferentes e dependem das características e
disponibilidade dos dados.
2.1.1. Indicadores de base
Partindo dos problemas de escassez, irregularidade e falta de qualidade da água
estabelecem-se os critérios de oferta da água considerados nesta metodologia.
Para a construção dos indicadores de base, recorre-se ao ambiente SIG
(modelbuider do ArcGIS), tal como se pode observar na figura_1.
Inicialmente todos os indicadores são construídos utilizando predominantemente
a ferramentas de análise espacial em SIG. Através do uso de uma função de
uniformização, os indicadores são tornados igualmente relevantes e, nessa
medida, comparáveis em igualdade de circunstâncias numa matriz de análise.
Essa uniformização consiste em reduzir os modelos espaciais quantitativos a uma
escala comum, como resultado de uma avaliação da sua importância relativa. Para
tal, recorre-se à reclassificação dos indicadores, da qual resulta uma escala
com valores entre zero e nove. O valor de 1 identifica as áreas da BHRGP sem
expressão do indicador; o valor 9 correspondente às àreas da BHRGP com
intensidade máxima do mesmo.
Como Forças Motrizes identificam-se sobretudo causas de cariz socioeconómico
subjacentes aos problemas ambientais. A estes indicadores associam-se ainda as
mudanças a nível social, económico e demográfico de uma determinada região.
Estas mudanças induzem efeitos directos sobre o consumo de água e a emissão de
poluentes. Como indicadores de Força Motriz destacam-se: o índice populacional
(densidade populacional); o índice de regadio; o índice turístico; o índice de
ocupação do solo; o índice de potencial de regadio Empreendimento de Fins
Múltiplos do Alqueva (EFMA); o índice de disponibilidade de água do EFMA.
Para caracterizar as disponibilidades hídricas, é necessário definir as
pressões às quais a BHRGP está sujeita. Com os indicadores de base de pressão
pretende-se abranger os temas mais directamente relacionados com a emissão de
poluentes, as fontes poluidoras e os riscos de acidentes de poluição. Os
indicadores de pressão selecionados são: índice de qualidade da água; índice da
abrangência das Estações de Tratamento de Água (ETA); índice de emissão de
poluentes orgânicos; índice de cobertura por grandes barra gens[6].
A determinação de indicadores de estado baseia-se num conjunto de parâmetros
para caracterização da disponibilidade hídrica na BHRGP, no momento de partida
dos cenários demográficos. Os indicadores de estado selecionados são: índice de
protecção dos recursos naturais; índice de linhas de água; índice de
disponibilidade de água EFMA; índice de disponibilidade de recursos hídricos
subterrâneos; índice de nascentes de água; índice de ocupação de barragens e
açudes; índice de disponibilidade hídrica subterrâneas.
Indicadores derivados
Para a construção dos indicadores derivados dos indicadores de base, para o
cálculo dos índices de procura e da oferta da água, recorre-se simultaneamente
às ferramentas de análise de SIG e de SAD. Em ambiente SAD os indicadores
relevantes são comparados em oposição através do método da matriz de análise de
par em par(Saaty e Vargas 1991). Valores numéricos compreendidos entre 1 e 9
são utilizados para expressar a importância relativa dos indicadores. O valor
de 1 expressa a inexistência de prevalência de um dos indicadores e o valor 9
corresponde à extrema importância de um elemento sobre o outro (anulando-
o quase por completo).
Nesta metodologia o preenchimento da matriz através da comparação
par a parbaseia-se na opinião dos stakeholders retiradas da identificação das
redes regionais da água (Rodrigues, 2013). As apreciações inscritas para cada
par de indicadores demonstram o seu desempenho relativo de acordo com uma
determinada opção. A relativização da performance das diferentes conjugações
balança entre as seis opções de decisão consideradas (agricultura, indústria,
comércio e serviços, ciência e tecnologia, novas infra estruturas e ambiente),
permitindo dessa forma a identificação de limiares óptimos resultantes da
intervenção dos decisores (Giupponi, Sgobbi, 2008).
O principal resultado é uma medida (weights) para expressar o peso relativo de
cada indicador na construção dos modelos espaciais de pressão da procura e da
oferta (Tabela 2), de acordo com uma determinada situação (de partida ou um
cenário considerado).
Partindo das propostas de modelação de informação em SIG apresentadas nas
figuras 2 e 3 obtêm-se dois resultados essenciais para a elaboração do SEAD: a
pressão da procura da água; a pressão da oferta da água. Numa primeira fase do
modelo são relacionados os indicadores de entrada através de uma operação de
álgebra de mapas tendo como base uma adição dos indicadores ponderados de
acordo com uma proposta resultante da utilização de uma comparação de
"par em par". De seguida é aplicado um filtro de média em redor de
cada pixel (mean focal statistics) para criar o efeito de continuidade dos
resultados, eliminando assim o resultado da discretização, tão abstracto quanto
necessário para o processo de recolha de dados. Por fim, é efectuada uma
uniformização dos resultados através de uma reclassificação, criando-se uma
escala de valores compreendida entre 1 e 9, comum a todos os indicadores
espaciais integrados.
2.1.2. Indicador de síntese - Balanço procura/oferta da água
Nesta secção apresenta-se um indicador de síntese do estado da água[7], sendo
privilegiada a incorporação dos efeitos de mecanismos antrópicos de actuação
sobre o meio. Para este exercício metodológico, parte-se de uma equação
fundamental, segundo a qual a disponibilidade dos recursos hídricos resulta de
uma relação entre a oferta e a procura da água. A determinação de indicadores
de estado para caracterizar a disponibilidade da água na BHRGP efectua-se
partindo dos indicadores temáticos previamente calculados. Para assegurar a
comparabilidade dos sistemas de monitorização, de acordo com as exigências da
DQA, é necessário exprimir os resultados através de rácios desenvolvidos
através do software de SAD. Assim, estes rácios de síntese representam a
relação entre os índices derivados (tornados comparáveis) para a procura e a
oferta da água. As condições de referência são representadas por um estado de
equilíbrio, isto é, quanto mais harmoniosa for a relação entre a procura e a
oferta, mais sustentável é a intervenção antropogénica. (Matthies, 2007)
Após definir um conjunto de indicadores de base e derivados de força motriz,
pressão e estado, calcula-se agora um indicador de síntese sobre a
disponibilidade da água na BHRGP recorrendo essencialmente a operadores de
análise em SIG (Figura_4). No entanto, para determinar a relação entre a
procura e a oferta da água recorre-se novamente ao software de SAD. Neste
primeiro exercício (relativo ao ano de partida dos cenários, 2011), no balanço
proposto a procura tem o mesmo peso da oferta, sendo as diferenças espaciais
marcadas apenas pela expressão geográfica dos dois índices de entrada.
Todavia, quando se projectam os cenários, e quando se simulam variantes às
opções primordiais dos decisores, obtém-se em SAD o peso relativo de cada
indicador. Somando esses dois conjuntos de oito parcelas (dezasseis indicadores
de base) obtém-se a percentagem relativa ao índice de procura e ao índice de
oferta, partindo da qual se chega ao balanço final - disponibilidade
hídrica.
Para completar este indicador de síntese é proposta uma forma alternativa de
representação dos resultados recorrendo a anamorfismos. Sendo a equação do
balanço da procura e da oferta da água realizada através de um operador de
análise matricial, processa-se à transformação dos seus resultados para uma
estrutura de dados vectorial (Figura 5). Neste processo associa-se (intercepta-
se) o balanço da água, numa escala discreta de 0 a 9, às freguesias da BHRGP.
Tendo o balanço da água numa estrutura de dados vectorial é aplicada a
ferramenta de criação de cartogramas[8]. No mesmo processo emprega-se a mesma
deformação espacial aos limites dos concelhos, à posição das sedes dos
municípios e a uma rede de meridianos e paralelos de 10km². O resultado final é
uma representação anamórfica das disponibilidades hídricas, constituída por
quatro cartogramas distintos: balanço procura/oferta; concelhos; sedes dos
concelhos; malha de coordenadas.
2.2. Métodos de análise para a espacialização de indicadores de resposta
Neste capítulo, procura-se definir os dois níveis finais de um sistema de
indicadores espaciais para a caracterização dos recursos hídricos -
Impact (I, impacto), Response (R, resposta). Tendo em consideração as cadeias
de DPS (fase inicial do DPSIR), definem-se os seus impactos e procuram-se as
respostas que permitam mitigar os problemas. Com as respostas, embelecem-se
novas cadeias de DPSIR, pois podem originar alterações em todos os outros
elementos: forças motrizes, pressões, estado e impacto. No modelo DPSIR,
estabelecem-se relações entre um elemento desestabilizador (força motriz), a
sua pressão antropogénicas sobre o ambiente, a condição do ambiente numa
determinada data (estado), o seu impacto e a resposta da sociedade para mitigar
o problema identificado. Nas duas fases finais deste modelo de análise (DPSIR),
é dado um enfoque particular à actuação dos decisores em ambiente SAD e SEAD.
Na leitura proposta para o DPSIR, o modelo é utilizado para a descrição das
relações entre as origens e as consequências dos desequilíbrios espaciais na
disponibilização da água. Contudo, para entender as principais dinâmicas
subjacentes, é necessário estabelecer os vínculos entre os seus elementos, para
a criação de cenários da procura e da oferta da água. Isto é, a relação entre
as fases DPSIR é muito condicionada pelo contexto geral, sendo nesta
metodologia abordado particularmente o nível de intervenção sobre as
actividades económicas. A introdução de uma nova infra-estrutura, o aumento das
competências tecnológicas ao serviço da gestão ou a implementação de novas
políticas pode contribuir para a diminuição das pressões exercidas por uma
determinada força motriz, melhorando-se o estado da disponibilidade hídrica na
BHRGP.
2.2.1. Impacto e opções
Este ponto tem por objectivo abordar as especificidades metodológicas da fase
dos impactos. Trata-se de criar ferramentas para avaliar a disponibilidade de
recursos hídricos, em termos de quantidade e de qualidade, permitindo testar
diferentes paradigmas de actuação. Por exemplo, perante um eventual aumento da
irregularidade da precipitação serão afectados predominantementeos meios
hídricos. Partindo da avaliação do impacto efectivo desta situação, torna-se
possível tomar decisões para o seu controlo aos mais diversos níveis: das
políticas; das tecnologias; do investimento em infra-estruturas; etc.
Com cada cadeia DPS pretende-se descrever as causas e os efeitos indutores de
impactos.Assim, o indicador de impacto resulta da análise de sensibilidade das
opções. O resultado exprime-se através do estabelecimento de uma hierarquia das
opções, de acordo com uma determinada situação. Inicialmente o problema é
analisado à data de partida das projecções. Contudo, considerando os impactos
mais significativos, evidencia-se a necessidade de tomar decisões (respostas).
Partindo de um cenário base considerado (um determinado conjunto de indicadores
de DPS), alteram-se as suas características em função de cada proposta
(resposta), reflectindo-se nos indicadores de síntese da oferta e da procura da
água. Por exemplo, na base do Cenário (Business As Usual) BAU, a pressão da
oferta corresponde a 0,45 e a pressão da procura, a 0,55. Este cenário de base
tem impactos principalmente sobre a actividade agrícola, 0,7, seguindo-se o
comércio e serviços, etc. (Tabela_3).
Por exemplo, perante uma alteração das políticas é possível simular o impacto
de outra ordenação das opções. Como se pode observar na Tabela_3, apostar no
turismo em detrimento da agricultura reflecte-se não só na alteração da
importância destes dois sectores de actividade, como também afecta
indirectamente todas as restantes opções consideradas.
Em termos de SAD, com a definição de um cenário novo, duplica-se a matriz de
análise original, adaptando-se à nova situação proposta. Para a criação de
outro cenário, deve partir-se do contexto decisional da situação actual, ou do
cenário mais aproximado. Os três cenários de base e os cenários alternativos
são desenvolvidos em ambiente SAD para permitir ao decisor testar o desempenho
das opções de decisão alternativas através da inclusão de opções menos óbvias,
embora por vezes "para além" das suas capacidades de decisão.
2.2.2. Alternativas espaciais: Cenários do balanço procura/oferta da água
A ideia central do SEAD é possibilitar a comparação de alternativas espaciais
com o objectivo de obter respostas georreferenciadas. Geralmente, nos SAD, as
alternativas incluem várias dimensões da realidade de acordo com o seu tipo e a
sua intensidade. Em ambiente de SEAD, acrescentam-se ainda instrumentos para a
avaliação dos padrões espaciais das alternativas. Como já foi previamente
referido, as alternativas assumem a forma de mapas representativos do
desempenho de uma ou mais variáveis.
Com os mapas do balanço da procura/oferta dos recursos hídricos apresentam-se
os resultados de diferentes políticas (Figuras 7 e 8). Através da avaliação dos
resultados esperados para cada cenário, determina-se se os objectivos estão
mais próximos, ou mais afastados. Os mapas obtidos representam o resultado de
um modelo espacial desenvolvido com base numa série de pressupostos e
simplificações da realidade, eleitos em função das características de cada
cenário.
Cada mapa da procura/oferta da água sintetiza a influência das condicionantes
de acordo com o potencial de cada cenário. Cada alternativa é classificada
usando a mesma escala de -5 (máximo desequilíbrio pendendo para a procura) a 5
(máximo desequilíbrio pendendo para a oferta), sendo o 0 a situação perfeita de
equilíbrio entre a procura e oferta da água. Depois de generalizada, a
classificação resultante permite obter imagens claras do resultado das opções
associadas a cada cenário. (Kraak et al., 1996)
Procura-se com estes mapas determinar, para cada alternativa, qual a melhor
localização de cada variável relativamente à procura e à oferta da água. Sendo
uma tarefa particularmente inteligível quando analisadas separadamente as
variáveis, os mapas de síntese tornam-se substancialmente mais complexos e
difíceis de decifrar. No entanto, os níveis de generalização propostos permitem
a obtenção de mapas com padrões espaciais comparáveis, sendo dessa forma
possível determinar para cada unidade espacial a alternativa preferencial.
Neste ponto, integram-se os cenários da população (projecções demografias)[9]
num conjunto mais alargado de indicadores para a criação de cenários de
distribuição espacial da procura/oferta da água na BHRGP. Os cenários
correspondem a uma base de indicadores interrelacionados em função de uma
determinada coerência formal. Consequentemente, são testados resultados
extremos, teoricamente possíveis, embora, nalguns casos, se possam considerar
pouco concretizáveis. Procuram-se agora responder às seguintes questões: Quais
os limites de cada alternativa no contexto das inter-relações propostas
(sobretudo as mais extremadas)? Ao limiar das alternativas correspondem boas
decisões?
Hierarquia das opções (priorização)
O processo de tomada de decisão implica estabelecer uma série de possibilidades
de actuação, sobre as quais se constroem as respostas aos problemas de gestão
dos recursos hídricos. Para tal, é necessário partir das opções pré-
estabelecidas e conjugá-las de acordo com uma estratégia. Pretende-se com esta
operação avaliar o grau de mudança associado à performance espacial do balanço
procura/oferta da água quando se altera a relevância dos indicadores no
processo de decisão.
Partindo de uma base da procura e da oferta (Tabela_4), apresentam-se as
alternativas de espacialização dos impactos das orientações políticas. Recorre-
se à análise sensitiva das alternativas (decisões) para responder às questões:
De que forma se altera a performance relativa das variáveis? Quais as
principais diferenças na sua espacialização?
3. Resultados
Partindo do diagnóstico da bacia hidrográfica do Rio Guadiana, apresenta-se
agora a evolução da disponibilidade da água, considerando os factores
biofísicos e socioeconómicos, aos quais se associam as diferentes alternativas
de intervenção antrópica. Os principais factores de transformação da realidade
são a força motriz da evolução de cada cenário. Procura-se com o SAD
identificar a coerência ambiental das propostas, através da avaliação da sua
aptidão ou vulnerabilidade ambiental. Pretende-se dessa forma orientar o
sentido das decisões com impacto no balanço da disponibilidade hidrológica.
Com estes resultados procurou-se criar um momento de síntese da metodologia. Os
cenários resultam das políticas adoptadas pelos decisores, em função das suas
convicções e da vontade expressa pelos stakeholders, sobretudo quando se
organizam em lobby.
Assim, propõem-se três alternativas partindo de um cenário de base[10] tendo
como referencial a situação de partida. Segundo o conjunto dos stakeholders
mais próximos dos principais centros de decisão, apostar na agricultura
continua a ser, destacadamente, a melhor resposta para dinamizar
socioeconomicamente a BHRGP. O sector do comércio e serviços lidera o conjunto
das restantes opções de decisão (muito próximas entre si em termos de peso na
decisão).
3.1. Cenário BAU
Este cenário reflecte algum equilíbrio entre a procura e a oferta da água. A
sub-região do Norte e Centro do Alentejo apresenta maior pressão da procura
devido à conjugação entre a actividade agrícola, a actividade industrial
(extracção de minério) e a existência de algumas cidades de segunda linha em
termos regionais. A existência de infra-estruturas rodoviárias (um dos
principais pontos fracos da região) contribui para a fixação de população e
para a actividade económica nas imediações do concelho de Elvas. Aliás, mesmo
no cenário mais extremo (BAU com mais indústria e comércio) permanecem alguns
focos de pressão da procura nesta sub-região, contrastando com o restante
território da BHRGP.
Assim, para o este Cenário, projecta-se uma situação muito semelhante à data de
partida. As mudanças do peso relativo das variáveis, e o confronto da procura e
da oferta, não influenciam substancialmente os mapas obtidos. A agricultura é a
actividade com mais impacto sobre a disponibilidade dos recursos hídricos,
seguindo-se por esta ordem o comércio, a indústria, as novas infra-estruturas
da água, os recursos naturais e o turismo. Independentemente dos outros
factores considerados, se os decisores optarem por privilegiar alternativas
centradas na actividade agrícola, então assistir-se-á a um aumento considerável
da pressão sobre a água (Figura_8). Do ponto de vista demográfico, estas
políticas de incentivo ao sector agrícola reflectem-se num aumento substancial
da ocupação humana das áreas mais isoladas e das pequenas povoações da BHRGP.
Neste cenário, identificam-se poucas áreas de elevada pressão da procura GP em
2031 (Figura_8). O eixo Elvas-Évora e a costa algarvia são as excepções mais
evidentes. Pode mesmo associar-se uma parte significativa da BHRGP à ausência
de actividades económicas e ao despovoamento. Entre as alternativas aos
impactos propostos a partir do Cenário BAU destacam-se as duas situações mais
extremas:
* Agricultura e indústria - Ao privilegiar opções mais agrícolas e
industriais (por esta ordem), provoca um acréscimo muito considerável da
pressão sobre os recursos hídricos. Todas as políticas centradas no
incremento da aposta na agricultura têm como resultado um aumento substancial
do desequilíbrio da balança para o lado da procura da água.
* Indústria e comércio - Apostar na indústria e no comércio implica uma
diminuição da pressão da procura da água. Assim, a actividade industrial não
representa pressão sobre os recursos hídricos. Este facto deve-se sobretudo
ao tipo de indústrias projectado (mais modernas e com menos impactos
ambientais e menos necessidade de consumo de água). Segundo este cenário
(BAU), o comércio também se mostra uma actividade muito residual, com pouco
impacto sobre a água.
O Cenário BAU com mais agricultura e indústria (embora a indústria seja muito
menos importante) realça a importância do factor água. Ao criar uma grande
dinâmica de investimento no sector da agricultura, o EFMA poderá não ser
suficiente para a procura da água. Neste cenário (BAU com mais agricultura e
indústria) nota-se uma grande pressão exercida pela procura da água na sub-
região do novo regadio (Évora, Beja, Moura, Cuba e Vidigueira). No Algarve,
Castro Marim e Tavira, à tradicional pressão turística sobre os recursos
hídricos acrescenta-se um reforço da actividade agrícola de regadio, aumentado
consideravelmente a pressão da procura da água.
O Baixo Alentejo apresenta sempre um grande défice de procura, apenas
ultrapassado no Cenário BAU com mais agricultura e indústria. No entanto,
exceptuando as imediações das povoações de Mértola e Ourique, num dos cenários
extremos, esta sub-região da BHRGP exibe quase sempre mais disponibilidade de
água. Este facto não se deve propriamente a um aumento das disponibilidades dos
recursos hídricos, é apenas o reflexo das características demográficas da sub-
região e da impossibilidade de prever a alteração das políticas, ao ponto de
criar condições de atracção do investimento para este conjunto de concelhos
cada vez mais marginalizados.
Segundo este cenário, o EFMA poderá representar uma mais-valia fundamental para
o desenvolvimento do novo regadio do Alqueva, caso haja uma aposta muito
significativa na actividade agrícola, destacando-se completamente o Baixo
Alentejo. Sem essa aposta na agricultura estas duas regiões têm uma resposta
muito semelhante: tornar-se-ão igualmente deprimidas e deficitárias do lado da
procura, quanto ao balanço das disponibilidades hídricas.
4. Conclusão
Através desta metodologia desenvolveram-se formas de integração de vários
instrumentos de análise, com particular destaque para a dimensão geográfica da
informação e o apoio à tomada de decisão na gestão dos recursos hídricos.
Tratou-se de desenvolver processos através dos quais se tornam mais
controláveis as respostas de decisão.
Com aplicação da metodologia proposta ao estudo de caso na BHRGP, concebeu-se
um novo ponto de vista sobre os problemas desta bacia e sobre a simulação de
indicadores de procura e oferta da água. Durante muitos anos associaram-se as
causas do abandono das áreas rurais da BHRGP à indisponibilidade de recursos
hídricos. Actualmente aumentou a quantidade de água disponível mas ainda não
são visíveis retornos migratórios. Isto é, actuar apenas sobre uma dimensão do
problema tem-se revelado manifestamente insuficiente para alterar as
características estruturais da população desta região.
A busca do equilíbrio entre a procura e a oferta da água implica também uma
harmonia entre a melhoria das condições económicas e a protecção ambiental.
Várias medidas têm sido, e muitas mais podem vir a ser, tomadas pelas
autoridades nacionais, regionais e locais para resolver os problemas do
território e da água. Desde a construção de novos canais artificiais, às taxas
pelo uso deste recurso, à introdução de novas tecnologias para aumentar a
eficiência no abastecimento de água, sempre em simultâneo com a manutenção do
caudal ecológico dos rios, existem várias respostas de decisão passíveis de
contribuir positivamente para reverter a situação demográfica da BHRGP.
Partindo da análise deste estudo de caso, é possível afirmar que os SEAD devem
sempre assentar em formulações dos problemas bem estruturadas e num conjunto de
normas próprias para a obtenção de respostas no apoio à decisão. Ao optar por
uma determinada conjugação de alternativas como resposta, trabalham-se as
diferenças internas e não se apresenta uma única solução para a totalidade da
bacia. Em termos gerais a metodologia revelou as seguintes virtualidades:
* Flexível e intuitiva para os decisores, a metodologia permite aumentar a
capacidade de avaliação das inconsistências.
* Facilita a integração de novos temas na análise dos problemas de decisão
através da ferramenta de comparação (par-a-par) das variáveis.
* Possibilita a decomposição dos problemas de decisão em vários elementos e o
estabelecimento de hierarquias de critérios. Dessa forma, revela-se a
importância de cada critério, tornando-se claro o sentido das opções.
* Fornece um mecanismo para verificar a consistência das alternativas de
decisão.
* Face à necessidade de compatibilizar os interesses de vários stakeholders,
permite a geração de consensos na tomada de decisão.
* Possibilita a criação de modelos em ambiente de incerteza e risco, pois
permite adaptar os limiares de pressão às alternativas projectadas.
* Permite lidar com a escassez de dados para algumas componentes, através da
utilização de ferramentas estatísticas para o preenchimento das tendências e
sentido de evolução das variáveis a partir de apreciações de carácter
qualitativo.
* Ao utilizar modelos com diferentes graus de complexidade, admite a hipótese
de aplicação simultânea nas bacias hidrográficas de informação qualitativa,
mais simples, e modelos mais quantitativos, mais complexos.
Num futuro próximo o progresso tecnológico encarregar-se-á de criar um contexto
favorável à implementação destes sistemas complexos. Associada ao progresso
tecnológico surge, inevitavelmente, uma maior apetência dos stakeholders para
lidar com novos instrumentos de apoio à decisão, permitindo-lhes não só serem
mais receptivos em relação à metodologia, como também mais capazes de
interpretar e de aceitar as respostas de decisão resultantes dos SEAD.