In memoriam
EDITORIAL
'In memoriam'
Cunha, Lúcio1
1CEGOT | Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Departamento de
Geografia; luciogeo@fl.uc.pt
O ano de 2014, que agora termina, foi um ano muito difícil para o Centro de
Estudos de Geografia e Ordenamento do Território. Com efeito, no curto período
de alguns meses o nosso Centro perdeu três das suas figuras mais destacadas:
Sir Peter Hall, membro da Comissão de Acompanhamento, e logo depois, António de
Sousa Pedrosa e Fernando Rebelo, membros do grupo 1, Natureza e Dinâmicas
Ambientais.
A evocação da vida e da obra de Peter Hall será feita pelo Coordenador da
Revista GOT, cabendo-me, na qualidade de coordenador do CEGOT, algumas breves
palavras para recordar as personalidades de António Sousa Pedrosa e de Fernando
Rebelo, tarefa difícil e naturalmente penosa pela saudade que me assalta, mas
que muito me honra, pela qualidade, prestígio e dimensão científica dos
evocados.
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António Sousa Pedrosa obteve a licenciatura em Geografia na Faculdade de Letras
da Universidade do Porto em 1981com um trabalho sobre Geografia Física
intitulado "Bacia hidrográfica do rio Vizela: análise de índices
morfométricos". O gosto pela Geomorfologia viria a confirmar-se com o
trabalho apresentado para prestação de Aptidão Pedagógica e Capacidade
Científica sobre "As vertentes da área de S. Miguel-o-Anjo. Contributo
para o estudo da sua evolução" (1988) e, mais tarde, com a dissertação de
doutoramento sobre a "Serra do Marão: Estudo de Geomorfologia"
(1993), um trabalho de referência que integra a dinâmica das vertentes em
ambiente periglaciar com os processos erosivos e a cartografia de riscos. Estes
trabalhos iniciais, que, de algum modo, refletem também a influência do seu
orientador, o Professor Fernando Rebelo, vão marcar decisivamente a obra de
António Pedrosa quer pelo tema principal de trabalho, a Geomorfologia, quer
pela área de trabalho, a Serra do Marão. Em 2004, António Pedrosa foi, por
unanimidade, aprovado nas provas para obtenção de título de Agregado do
Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, na
disciplina de Geomorfologia.
Professor de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, ocupou
diversos cargos de gestão, entre os quais o cargo de vice-presidente do
Conselho Diretivo e de coordenador do curso de mestrado em Gestão de Riscos
Naturais.
Para além do trabalho na área da Geografia Física e da Geomorfologia, António
Pedrosa colaborou noutros cursos (por exemplo no curso de pós-graduação em
Estudos Africanos) e com outras Universidades, tendo sido membro fundador da
RISCOS, Associação Portuguesa de Riscos, Prevenção e Segurança, e da revista
"Territorium". Em 2000, tornou-se membro e investigador do Centro
Português de Estudos do Sudeste Asiático. Foi, igualmente, membro fundador do
CEDTUR - Centro de Estudos de Dinâmicas Territoriais e Desenvolvimento
Turístico, do Instituto Superior da Maia (ISMAI), com o qual desenvolveu várias
atividades a partir de 2009.
Foi responsável pela coordenação de alguns projetos de investigação,
nomeadamente do projeto "Processos erosivos no Norte de Portugal",
no qual envolveu vários colegas e alunos da pós-graduação, com especial
incidência na análise e quantificação destes processos em áreas graníticas, e
do projeto NOÉ, no âmbito do Programa Interreg, com a finalidade de estabelecer
medidas de proteção para o património cultural face aos riscos naturais e o
projeto RNT "Sistema de prevenção e atuação em situações de emergência
provocadas por riscos naturais e tecnológicos" (2005 - 2008).
A partir de 2010, António Pedrosa iniciou uma nova etapa da sua vida académica.
Mudou-se para Uberlândia, como professor visitante do Instituto de Geografia da
Universidade Federal (UFU). Tornou-se investigador do Laboratório de
Geomorfologia e Erosão dos Solos (LAGES) e acabou por se instalar, de forma
definitiva, na condição de professor titular. Aí lecionou várias disciplinas de
Geografia Física, associadas à análise da paisagem e à gestão de riscos
naturais, ao mesmo tempo que começa a desenvolver vários trabalhos de
investigação sobre estas temáticas.
Durante este período, António Pedrosa manteve a sua ligação ao Centro de
Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT) como investigador,
tendo desenvolvido inúmeras atividades com colegas da Universidade do Minho e
da Universidade de Coimbra.
Atraiçoado pela vida em Agosto de 2014, António Pedrosa deixa uma obra vasta e
diversificada, importante para compreender alguns aspetos geomorfológicos
(geomorfologia histórica, geomorfologia periglaciar, geomorfologia granítica
estudos sobre a paisagem, riscos geomorfológicos) em Portugal, mas também no
Brasil. Cá e lá orientou os trabalhos de estudantes e colegas, pelo que a sua
obra e a sua vida de geógrafo não só serão amplamente recordadas pelos que
tiveram o privilégio de com ele colaborar, mas também se tornarão, seguramente,
um incentivo para os geógrafos e para a Geografia lusobrasileira.
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Fernando Manuel da Silva Rebelo foi um dos mais reputados geógrafos portugueses
da segunda metade do século XX e deste início de século XXI. Jubilou-se, como
professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra, em Setembro de 2013. Ao longo da sua vida universitária, são-lhe
reconhecidos elevados méritos de investigador e de professor, a que acresce a
preocupação com a gestão universitária, tendo desempenhado na sua Universidade
de Coimbra, entre muitos outros, os cargos de membro da Comissão Paritária de
Gestão na FLUC, logo a seguir ao 25 de Abril, de Diretor do Instituto de
Estudos Geográficos, de Vice-Reitor e de Reitor da Universidade de Coimbra.
Todas estas funções foram desempenhadas com esforço, dedicação, inteligência e
brilho, razão pela qual o nome de Fernando Rebelo é conhecido, reconhecido e
admirado no mundo universitário, dentro e fora do país.
Falar de Fernando Rebelo é falar, talvez, do último geógrafo pertencente à
geração dos chamados geógrafos completos. Completo na vida universitária, onde
percorreu quase todas as tarefas e cargos possíveis, completo na lecionação por
que foi responsável (em praticamente todas as áreas da Geografia), completo
pela investigação que desenvolveu (em quase todas as áreas da Geografia Física,
mas também em Geografia Humana, em brilhantes sínteses sobre a Geografia de
Portugal e no estudo dos riscos naturais), completo por desenvolver estudos
mais teóricos, por vezes mesmo de carácter epistemológico, e investigar
inúmeros estudos de caso, investigação quase sempre desenvolvida com um
preocupação de aplicação, completo, finalmente, porque ao brilho das suas
aulas, juntou sempre a competência científica e a elegância dos seus escritos,
bem como a eloquência das palestras e conferências que proferiu no país e no
estrangeiro, em sociedades científicas de elevado prestígio, em universidades,
mas também em simples escolas secundárias, quando os seus múltiplos discípulos
o convidavam.
No que diz respeito à Geografia Física e, particularmente, à Geomorfologia, a
área científica a que Fernando Rebelo terá dedicado mais tempo e o melhor do
seu esforço, o trabalho de investigação que desenvolve revela dois tipos de
preocupações fundamentais: a interpenetração de observações e interpretações a
diferentes escalas, com natural privilégio para o trabalho a uma escala de
pormenor; e, relacionada com esta, a preocupação com um sentido prático ou
aplicado dos seus estudos. Foi assim, desde logo, com a sua dissertação de
licenciatura sobre as vertentes do Rio Dueça (1966) e também com o seu
doutoramento (em 1975) sobra as Serras de Valongo. De entre os seus territórios
de investigação, Coimbra e o Mondego foram sempre privilegiados. No nº 100 da
revista Memórias e Notícias, Publicação do Museu e Laboratório Mineralógico e
Geológico da Universidade de Coimbra (1985) escreveu um trabalho sobre a
Geomorfologia da área de Coimbra que ainda hoje é referência obrigatória para
enquadramento dos estudos de geomorfologia urbana que respeitem Coimbra.
Voltará ao tema mais tarde, em artigos publicados nos Cadernos de Geografia
(1999) e na Revista da Ordem dos Engenheiros (2002. Em 1990, publica nos
Cadernos de Geografia um texto sobre a "Contribuição da Geografia Física
para a inventariação das potencialidades turísticas do Baixo Mondego".
Ainda que preocupado com o conjunto dos aspetos ligados à Natureza no Baixo
Mondego, as formas de relevo, pela sua importância na construção da paisagem,
pelo seu valor icónico e cultural, pelo seu significado pedagógico, são
tratadas como verdadeiras peças do património natural, num trabalho que
antecede em alguns anos os abundantes trabalhos sobre geopatrimónio, geossítios
e geomorfossítios que aparecem no âmbito da Geografia e da Geologia no final do
século passado. Já antes, Fernando Rebelo tinha participado num conjunto de
obras destinadas à promoção dos recursos turísticos da Região Centro, de
Coimbra, de Aveiro e da Lousã, apelando sempre à importância da Geografia
Física, e particularmente da Geomorfologia, na promoção turística dos
territórios. Outra referência importante, até pela polémica que, na altura,
envolvia o tema, foi a publicação dos resultados de um projeto sobre a
importância da Geomorfologia como contributo para a datação das gravuras do
Côa, primeiro nos Cadernos de Geografia (1996) e depois na Revista Finisterra
(1997).
A investigação científica de Fernando Rebelo no campo disciplinar da
Geomorfologia foi pautada, como já referi, pelo pormenor nas escalas de
trabalho e por uma perspetiva de aplicação. Talvez, por isso, tenha sido fácil
a passagem para o tema de eleição da sua investigação durante os últimos vinte
anos: os riscos naturais, tema a que se dedicou nos últimos 20 anos e sobre o
qual nos deixou pelo menos 4 livros e dezenas de artigos em revistas nacionais
e internacionais.
Viajante incansável, Fernando Rebelo era um excelente conhecedor de Portugal e
da Geografia portuguesa. Muito desse conhecimento foi passado a sucessivas
gerações de alunos nas suas aulas de Geografia de Portugal e de Geografia
Física de Portugal e encontra-se também publicado em elegantes sínteses, tanto
no volume de Geografia da Enciclopédia temática "Portugal Moderno"
(1991), como no volume sobre "Portugal e a Geografia Portuguesa"
que a Associação Portuguesa de Geógrafos preparou para o 27ª Congresso
Internacional de Geografia realizado em Washington (1992), no livro
"Geografia de Portugal - meio físico e recurso naturais",
editado pela Universidade Aberta, que assina conjuntamente com Paula Lema
(1997) ou, finalmente, no conjunto de textos complicados no livro
"Portugal. Geografia, Paisagens e Interdisciplinaridade", acabado
de publicar pela Imprensa da Universidade de Coimbra.
Querendo ou não, Fernando Rebelo fez e deixa Escola! Basta pegar num qualquer
número dos Cadernos de Geografia ou da Territorium, revistas que criou e que
ajudou a promover, para encontrar referências suas em quase todos os trabalhos
de quase todos nós. Sobre a Geomorfologia da região de Coimbra e sobre o
Mondego, sobre cristas quartzíticas, sobre relevo granítico, sobre a
importância do frio no modelado das vertentes, sobre processos erosivos atuais,
sobre o litoral, sobre as montanhas, sobre as planícies aluviais! Mas também
sobre teoria do risco, sobre riscos sísmicos, geomorfológicos e hidrológicos,
sobre incêndios florestais, sobre erosão hídrica. De facto, as dezenas de
investigadores de Geografia Física das diferentes escolas do país e,
particularmente, as dezenas de investigadores de Geografia Física do CEGOT, têm
em Fernando Rebelo uma referência científica incontornável, que ajudará a
perpetuar o saber geográfico deixado pelo professor, pelo orientador, pelo
investigador, pelo amigo!
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O CEGOT, uma das mais jovens unidades de investigação em Geografia e
Ordenamento do Território do nosso país, sofre, com o falecimento destes seus
três colaboradores, um rude golpe. No breve espaço de alguns meses perde um
reputado membro da comissão de acompanhamento e dois dos investigadores mais
produtivos e influentes. Mas, até pela sua juventude, o CEGOT saberá honrar os
que partiram. Que repousem em paz e que todos nós, os que ficamos por mais
algum tempo, sejamos capazes, enquanto geógrafos, investigadores, professores e
seres humanos, de honrar a sua memória e o seu exemplo.