The Precariat: The New Dangerous Class
RECENSÃO
Standing, Guy (2011), The Precariat. The New Dangerous Class
José Soeiro*
Doutorando no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra/Faculdade de
Economia da Universidade de Coimbra, Portugal josemourasoeiro@gmail.com
Standing, Guy (2011), The Precariat. The New Dangerous Class. London:
Bloomsbury, 198 pp.
Poucos autores que se debruçam sobre os temas do trabalho terão tido, nesta
década, o impacto de Guy Standing. O seu livro The Precariat (2011) tornou-se
num fenómeno que animou o debate muito para lá dos tradicionais espaços
académicos. A grande tese da obra é que estamos perante a emergência de uma
nova classe em formação (class-in-the-making), o precariado, distinta do
proletariado ou da classe operária (working class). Esta classe precisaria de
encontrar a sua agenda política e formas próprias de representação. O livro de
Standing pretende justamente dotar o precariado de uma explicação sobre a sua
origem, de uma definição dos seus antagonistas e de um programa de ação.
O precariado como classe
O autor avança três critérios para definir o precariado. O primeiro passa pela
relação com as várias formas de segurança garantidas pelo contrato social do
pós-Segunda Guerra Mundial. Standing identifica sete: segurança no mercado de
trabalho, no emprego, na profissão, no trabalho, na reprodução de competências,
segurança de rendimento e de representação (p. 10). O precariado seria a classe
que não beneficia de nenhum destes tipos de segurança.
O segundo critério é a estrutura do rendimento social. Para o economista, o
rendimento pode ser dividido em seis elementos: o que resulta da autoprodução,
o que provém do salário, o que deriva do apoio comunitário ou familiar, o que
se consubstancia em benefícios dados pela empresa, o que se traduz nas
transferências oriundas do Estado e, finalmente, os lucros que têm origem em
rendas privadas ou ações (p. 11). O precariado seria o grupo cuja estrutura de
rendimento está privada destas múltiplas formas, restando-lhe apenas o salário.
O terceiro critério é a ausência de uma identidade baseada no trabalho, dado
que, ao contrário do que acontecia no passado com a classe trabalhadora, o
precariado não se sente parte de uma comunidade laboral solidária (p. 12).
Fora do contrato social conquistado pelos sindicatos, o precariado teria
características de classe que o diferenciariam desses outros trabalhadores,
justamente por ter relações de confiança mínimas com o Estado e com o capital.
O precariado, como nova classe, possuiria assim uma composição e interesses
distintos dos outros seis grupos que Standing identifica na estrutura das
sociedades atuais: (i) a elite, (ii) os trabalhadores assalariados, (iii) os
proficians (contração em inglês das palavras profissionais e técnicos), (iv) a
classe operária, (v) os desempregados e (vi) os desajustados ou o que
usualmente se designa por excluídos (p. 8).
Quem compõe o precariado?
Pelo menos um quarto da população adulta está no precariado afirma Standing
(p. 24). Mas afinal, quem o compõe? Para além das categorias laborais
tradicionalmente consideradas ' trabalhadores temporários, a part-time, falsos
independentes, o exército dos call centres, estagiários (pp. 14-15) ' o autor
inclui nesta nova classe outros grupos frequentemente invisibilizados:
trabalhadores do sexo, minorias étnicas, estudantes endividados, cidadãos
portadores de deficiência, pensionistas que voltam ao mercado de trabalho,
população penitenciária (pp. 59-88). Este aglomerado de categorias não é
obviamente homogéneo. Standing distingue, dentro do precariado, os que fazem
parte dele por ausência de recursos e de escolha e os que valorizam as
dimensões positivas que esta condição pode oferecer. Um capítulo inteiro é
dedicado aos migrantes considerados denizens (neologismo que se contrapõe a
citizens), isto é, pessoas cuja cidadania é limitada: os trabalhadores
ilegais mas também aqueles cujo estatuto de residente se encontra amputado
de direitos sociais, económicos, culturais ou políticos.
Um dos contributos mais interessantes do autor é a reflexão sobre a relação do
precariado com o tempo. A tese de Standing poderia ser resumida assim: a
tradicional separação entre o espaço de trabalho e o espaço doméstico está
posta em causa; as fronteiras entre tempo de trabalho, tempo de lazer e jogo
esbatem-se; há uma desvinculação entre uma atividade específica e um
determinado espaço; o local de trabalho é cada vez mais também a casa, o carro,
o café e, assim, a esfera da privacidade é cada vez mais objeto de controlo (p.
118). Esta dinâmica significa uma intensificação não apenas do tempo de
trabalho, considerado na sua aceção mais clássica, mas ainda daquilo que
Standing designa, numa terminologia original, de work-for-labour e de work-for-
reproduction.
Da política do Inferno à política do Paraíso
Época em aberto, o nosso tempo confrontar-se-ia, para Standing, com a hipótese
assustadora de uma política do Inferno, que estaria já em gestação através de
uma sociedade de vigilância crescente, de um Estado liberal-paternalista, de
políticas sociais com condicionalidades crescentes, do crescimento do workfare
em detrimento da universalidade, do desenvolvimento do populismo, do
enfraquecimento da democracia pela mercantilização da política, dominada por
formações populistas e neofascistas (pp. 132-151). A esta política do Inferno
seria preciso opor uma alternativa. Para Standing, quem pode fazê-lo é o
precariado, que tem de estar institucionalmente representado e reivindicar que
as políticas se conduzam por princípios éticos (p. 166). Garantindo segurança
de rendimento e formas próprias de agência, ele poderia desenvolver uma nova
política do Paraíso (p. 155).
A agenda política de Standing mistura propostas com alcances, lógicas e
formulações muito diferentes. Vai do reconhecimento dos direitos de cidadania
dos migrantes à criação de uma validação internacional da credenciação; da
rejeição da mercantilização da educação à abolição dos subsídios ao capital e
ao trabalho; da taxação das mais-valias financeiras a políticas redistributivas
dos principais recursos em disputa (segurança económica, tempo, espaço,
conhecimento e capital financeiro) (pp. 157-182). É na área do trabalho e do
emprego que as suas propostas parecem ser mais ousadas: acabar com todas as
formas de distorção do mercado de trabalho enquanto mercado livre, promovendo a
sua total mercantilização (p. 161); assumir o emprego como instrumental e
como uma verdadeira transação comercial (p. 162); acabar com o fetiche dos
empregos e assegurar, pelo contrário, um direito ao trabalho para todos,
entendendo-se por trabalho todas as formas de atividades voluntárias,
comunitárias e sociais; regular o exercício dessas atividades, criando códigos
éticos para todas as comunidades ocupacionais e atividades económicas;
estabelecer um rendimento básico universal, individual, incondicional e
inviolável que tomaria a forma de um pagamento mensal modesto (p. 171).
Três notas críticas
O livro de Standing é um relevante e sistematizado contributo para o debate que
hoje se faz sobre o trabalho e a proteção social. Parte de um diagnóstico
amplo, chama a atenção para aspetos muitas vezes negligenciados e arrisca
propostas novas. Mas a sua leitura não deixa de causar perplexidade em alguns
aspetos. Referimos três.
1. Apesar de reconhecer variações internas, Standing tende a referir-se
discursivamente ao precariado como um grupo homogéneo. Amiúde o precariado
é definido a partir de circunstâncias existenciais, pelas suas escolhas
políticas e, por vezes, pelos seus posicionamentos ideológicos, sobretudo
relativamente ao mundo sindical. Tendo em conta a diversidade de setores
sociais que o próprio autor inclui na categoria (do operário da fábrica
deslocalizada ao jovem investigador, da mulher de limpeza ao imigrante sem
papéis, do pensionista ao estuante endividado), não será um exagero
analítico, ainda que com eficácia retórica, presumir uma tal uniformidade
de experiências, de opiniões e de orientações ideológicas dentro deste
grupo?
2. Que o precariado é um sujeito político, parece incontestável. Foi em torno
dessa identidade que, na última década e meia, surgiram alguns dos
movimentos sociolaborais que mais interpelaram o movimento operário e
sindical. Mas isso faz dele uma nova classe? É verdade que os segmentos
precários têm formas distintas de sociabilidade, que a comunicação online
e o ciberespaço recriaram os modos de construção de comunidades, que a
multiplicação de condições e de estatutos laborais coloca problemas
difíceis e dá origem a clivagens. Mas os três critérios avançados por
Standing para definir o precariado como classe ' ausência de segurança,
estrutura do rendimento e identidade ' parecem exíguos e o autor acentua
uma competição com os restantes trabalhadores que é problemática. É
evidente que a unidade da classe-que-vive-do-trabalho nunca é um dado
adquirido, mas antes um lento trabalho político de universalização a
partir de condições sempre diversas. Reconhecendo isso, o que as recentes
mobilizações parecem acentuar é mais o potencial de convergência entre os
diferentes segmentos da classe trabalhadora, submetidos a um processo de
precarização cada vez mais transversal, do que a emergência de uma classe
distinta.
3. Crítico da centralidade que o emprego adquiriu na agenda política
progressista, Standing avança uma proposta radical: desconectar o direito
a ter direitos do trabalho assalariado, que deve ser tratado como
mercadoria; desistir do pleno emprego; e instituir um rendimento básico
para todos os cidadãos. O debate merece ser aprofundado. O autor previne
que este rendimento se trata de um pagamento mensal modesto (p. 171).
Mas se é o caso, vale a pena lembrar o alerta de um André Gorz que,
convertido à ideia, ressalvava que um rendimento de existência muito
baixo é, com efeito, uma subvenção aos patrões, que lhes permitiria
pagar o trabalho abaixo do salário de subsistência (1997: 136-1371). Ou
o argumento de Robert Castel, para quem a medida, que nestes moldes não
dispensaria do emprego, teria o efeito paradoxal de estabelecer um stock
de trabalhadores potenciais já parcialmente remunerados por um rendimento
básico medíocre, que seria um novo exército de reserva a custo ainda mais
reduzido (2013: 92). Num contexto de rarefação do emprego, a proposta de
Standing é sedutora. Mas ao projetar a emancipação e a justiça para fora
do emprego, o seu horizonte parece não ir além de uma sociedade
capitalista comandada pelo mercado e compensada por um apoio universal
modesto transferido pelo Estado para cada cidadão. O que é uma estranha
imagem do Paraíso.
O livro de Standing é um útil e polémico contributo para um debate pleno de
atualidade. A publicação em português de artigos do autor que retomam as teses
ali desenvolvidas, como se faz neste número da RCCS, compensa parcialmente a
lacuna que resulta de não haver ainda uma edição desta obra em Portugal.
NOTAS
* Sociólogo, licenciado pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É
doutorando no programa de Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e
Sindicalismo (CES/FEUC), desenvolvendo uma tese sobre precariedade laboral e
ação coletiva. É curinga de Teatro do Oprimido. Publicou recentemente, com
Miguel Cardina e Nuno Serra, o livro Não acredite em tudo o que pensa. Mitos do
senso comum na era da austeridade (2013, Lisboa, Tinta-da-China).
1
Gorz, André (1997), Misères du present, richesse du possible. Paris: Galilée.
2
Castel, Robert (2013), Salariat ou revenu d'existence? Lecture critique
d'André Gorz, La vie des idées. ISSN: 2105-3030, disponível em http://
www.laviedesidees.fr/Salariat-ou-revenu-d-existence.html.