Diagnóstico da população imigrante em Portugal: Desafios e potencialidades
RECENSÃO
Malheiros, Jorge Macaísta; Esteves, Alina (coords.) (2013), Diagnóstico da
população imigrante em Portugal. Desafios e potencialidades
Carlos Nolasco
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.Colégio de S. Jerónimo,
Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal cmsnolasco@ces.uc.pt
Diagnóstico da população imigrante em Portugal. Desafios e potencialidades
Jorge Macaísta Malheiros, Alina EstevesMalheiros, Jorge Macaísta; Esteves,
Alina (coords.) (2013), Diagnóstico da população imigrante em Portugal.
Desafios e potencialidades. Lisboa: Alto Comissariado para a Imigração e
Diálogo Intercultural, 324 pp. 2013
Nas últimas décadas, uma das mais relevantes transformações pelas quais passou
a sociedade portuguesa foi a alteração do regime migratório, que a caracterizou
desde sempre como país de emigração. De facto, até meados da década de 1970 o
país foi marcado pelas saídas de população, tendo a imigração uma expressão
residual no contexto demográfico do país. No entanto, a partir de então,
verificou-se um crescimento gradual da população estrangeira em Portugal. Os
ritmos desse crescimento serão determinados por razões várias, sendo de
destacar a adesão à Comunidade Europeia, os sucessivos reajustamentos
económicos e setoriais resultantes dessa adesão, bem como tendências
conjunturais internacionais. Depois de sucessivos fluxos predominantemente
originários do sistema migratório lusófono, no final dos anos 90 ocorreu uma
alteração significativa no perfil dos imigrantes, passando estes a ser
maioritariamente provenientes de países do Leste europeu, o que contribuiu para
que no início do século xxi, a nacionalidade ucraniana surgisse como a mais
numerosa entre a população imigrante em Portugal. Posteriormente, em virtude da
retração económica e do aumento do desemprego, verificou-se uma progressiva
diminuição das entradas. Contudo, em 2009 foi atingido o valor máximo de
imigrantes, num total de 454 191.
Numa altura em que os fluxos imigratórios decresceram, que o stock de
imigrantes tende a estabilizar e em que o contexto nacional é marcado pela
recessão económica, por elevadas taxas de desemprego e pelo significativo
empobrecimento social, importa perceber qual a situação da população
estrangeira no país. A obra em causa, Diagnóstico da população imigrante em
Portugal. Desafios e potencialidades, estudo coordenado por Jorge Macaísta
Malheiros e Alina Esteves, promovido pelo Alto Comissariado para a Imigração e
Diálogo Intercultural, publicado em junho de 2013, proporciona um retrato amplo
das condições sociais de permanência da população imigrante de origem não
comunitária no país.
O diagnóstico que é feito da população imigrante é de cariz quantitativo, tendo
resultado da aplicação de 5669 questionários a imigrantes não comunitários,
entre outubro de 2009 e março de 2010, com incidência em 18 concelhos, através
de uma amostragem que cobriu todas as regiões portuguesas. O estudo está
estruturado por capítulos, sendo que nos primeiros se fazem algumas
considerações contextuais e metodológicas, seguindo-se depois capítulos que
analisam várias dimensões da presença imigrante.
No capítulo relativo à caraterização demográfica e social das famílias
migrantes procede-se a um mapeamento da distribuição geográfica dos inquiridos,
sua naturalidade e nacionalidade, bem como à análise dos agregados familiares e
do impacto que representam para o contexto da sociedade portuguesa. O capítulo
dedicado ao mercado de trabalho identifica o padrão geral da condição migrante
perante as atividades económicas, a situação na profissão, regimes de trabalho,
vínculos contratuais, ocupação e mobilidade profissional. No capítulo relativo
à habitação caraterizam-se os alojamentos e condições de habitabilidade. O
capítulo sobre as práticas culturais analisa a diversidade religiosa e
linguística enquanto expressões culturais associadas à presença imigrante no
país, identificando uma dicotomia de práticas a variar entre a preservação de
identidades culturais e o cosmopolitismo. O capítulo dedicado às dificuldades,
fatores e níveis de integração dos imigrantes afere o grau de dificuldade
experienciado em relação a vários domínios, identificando as condições
socioinstitucionais que favoreceram o seu processo de integração, mostrando o
perfil das redes sociais de integração e avaliando o nível de integração
imigrante no país. O capítulo seguinte aborda a perceção sobre a situação de
discriminação em Portugal, dimensionando o grau de discriminação sentido pelos
imigrantes, identifica o número de imigrantes que afirmam ter sido vítimas de
discriminação, bem como as situações em que as discriminações são mais
frequentes. O penúltimo capítulo é dedicado às redes de solidariedade e apoio,
analisando-se as sociabilidades informais, o associativismo e direitos de
cidadania, as relações institucionais com os serviços de apoio. O último
capítulo aborda as práticas transnacionais da relação com os países de origem,
nomeadamente ao nível das remessas financeiras, do contacto com as famílias, o
reagrupamento familiar, e a problematização da continuação do ciclo migratório.
De forma breve, o retrato proporcionado por este diagnóstico mostra a forma
como os imigrantes expressam níveis significativamente elevados de integração
social, o que está relacionado com a inserção laboral, a obtenção de
rendimentos, a pertença a redes de sociabilidade e a partilha de mecanismos
comunicacionais. A obtenção da nacionalidade portuguesa é desejada pela maioria
dos imigrantes como forma de melhoria da qualidade de vida, desde logo como
facilitadora no acesso ao trabalho. As opções residenciais são
predominantemente marcadas pelo arrendamento formal, havendo variações em
função das áreas geográficas de destino e do tempo de permanência em Portugal.
Os imigrantes revelam algumas vulnerabilidades, nomeadamente o desemprego, a
mobilidade profissional descendente, a precariedade dos vínculos contratuais e
uma elevada rotação nos empregos. A perceção da discriminação racial e étnica é
superior à efetiva experiência de racismo, sendo o local de trabalho o lugar
onde a descriminação mais se sente. O associativismo entre os imigrantes é
genericamente baixo. No contacto que os imigrantes mantêm com as instituições
portuguesas, a avaliação global é positiva, verificando-se insatisfação
relativamente às instituições de controlo e repressão do Estado ou àquelas que
desempenham funções burocrático-administrativas. A população imigrante
contribui de forma relevante para a diversidade religiosa do país e suas
regiões. A maioria dos imigrantes tem a prática regular do envio de remessas
para os países de origem, verificando-se contudo uma redução das mesmas em
virtude da instabilidade laboral. Entre a população inquirida, 48% deseja
deixar Portugal, seja para regressar ao país de origem, seja para continuar o
processo migratório. Importa dizer que o retrato genérico da população
imigrante tem nuances e especificidades resultantes das variações de género,
estrutura etária, estado civil, naturalidade, nacionalidade, ano de chegada,
instrução escolar, situação legal, entre outras variáveis.
Um olhar crítico sobre este estudo detém-se sobre as questões metodológicas.
Desde logo um aspeto que é genérico aos estudos das migrações consiste na
inserção dos imigrantes irregulares nas amostras, facto que pode colocar em
causa a representatividade das mesmas, para mais quando se pretende fazer um
diagnóstico da população imigrante, independentemente do seu estatuto. Os
autores identificam este problema e ultrapassam-no através do método de
amostragem multietápico e do recurso a informação dos Censos de 2001 sobre a
distribuição regional dos imigrantes. No entanto, a representatividade desta
estratégia pode ser questionada tendo em conta a mobilidade geográfica desta
população e o facto de a amostra ser baseada na área de residência. Contudo,
considera-se que o nível de confiança da amostra permite um retrato bastante
nítido do fenómeno em causa. Um outro aspeto metodológico relevante prende-se
com o facto de a população migrante originária dos países comunitários não ter
sido contemplada no estudo. Se por um lado esta opção se aceita tendo em
consideração o estatuto jurídico e social destes imigrantes, por outro lado
excluem-se imigrantes originários de países como a Roménia, cuja expressão
quantitativa e social no contexto da população imigrante em Portugal não podem
ser menosprezados.
O Diagnóstico da população imigrante em Portugal constitui um estudo relevante
pela amplitude temática que aborda, pelas múltiplas variáveis sociodemográficas
que cruza, pelas diversas dimensões do quotidiano da população imigrante que
observa e, consequentemente, pelas informações que proporciona. Num contexto de
recrudescimento dos fluxos emigratórios, este trabalho revela que, apesar da
tendência de decréscimo, a população estrangeira tem uma representatividade de
5,7% entre os residentes do país, e uma expressão relevante em determinados
domínios da sociedade portuguesa. Assim, apesar da crise, este é um tema social
que não se diluiu, antes pelo contrário, com o exacerbar da mesma tornou
necessário um olhar mais exigente por parte das instituições públicas. Esta é
uma realidade que se revela heterogénea e complexa, apresentando desafios ao
nível da integração e inserção social, mas que revela simultaneamente
potencialidades para a sociedade portuguesa ao nível demográfico, económico e
cultural.
Tendo este estudo sido realizado num período em que a crise económica e social
ainda não se fazia sentir com a intensidade com que veio a ocorrer, e
considerando a fluidez das migrações e a sua rápida mutação em resultado de
alterações sociais, os desenvolvimentos dos últimos anos exigem a continuação
deste diagnóstico.