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EuPTHUAp2182-74352015000300012

EuPTHUAp2182-74352015000300012

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN2182-7435
ano2015
Issue0003
Article number00012

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O mistério do cooperativismo. Da cooperação ao movimento cooperativo RECENSÕES Namorado, Rui (2013), O mistério do cooperativismo. Da cooperação ao movimento cooperativo

Pierre Marie Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Largo da Porta Férrea, 3004-530 Coimbra, Portugal pierregmarie@gmail.com

Namorado, Rui (2013), O mistério do cooperativismo. Da cooperação ao movimento cooperativo. Coimbra: Edições Almedina, 165 pp.

Noção relativamente recente, a economia social é hoje em dia um assunto cada vez mais destacado. Em França, a primeira lei-quadro da economia social e solidária foi assim aprovada em julho de 2014. Em Portugal, podemos referir as ações realizadas pela Cooperativa António Sérgio pela Economia Social (CASES) e a Lei de Bases de 2013. Mas o recurso a essa noção não se acompanhou sempre de uma clarificação da sua definição e alimenta uma certa confusão. O livro mais recente de Rui Namorado, focado na questão do cooperativismo, pilar elementar da economia social, visa restituir as suas raízes e as suas origens a um movimento que se caracteriza pela sua oposição ao sistema de produção capitalista.

Em O mistério do cooperativismo, Rui Namorado procura dar visibilidade ao processo de constituição do fenómeno das cooperativas e das suas relações com os movimentos operário e socialista. O autor esclarece esses relacionamentos com as noções de galáxia cooperativista, ligada ao movimento operário e componente do conjunto da economia social. Segundo o autor, "dificilmente se estudará com fecundidade o fenómeno cooperativo em toda a sua amplitude, esquecendo a origem do movimento através do qual ele se exprimiu" (p.

32). O uso e abuso da noção de economia social torna visível um esquecimento das raízes do movimento cooperativo e nomeadamente a sua carga política de procura de alternativas à exploração. Contra o potencial apagamento dessa história, Rui Namorado desenvolve um trabalho que tem como objetivo tornar visível a genealogia das cooperativas ainda ativas hoje em dia.

Embora a fundação da Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, em 1844, constituísse uma marca consensual do cooperativismo e dos seus princípios, trata-se de um movimento mais antigo e o autor define a cooperação como base de cada sociedade. A expansão do sistema de economia capitalista vem trazer durante o século xix um agravamento da pobreza e da exploração. Se bem que o movimento secular da cooperação encontra uma forma jurídica nova com a criação de cooperativas de produção e de consumo. Nascido para contestar as consequências do capitalismo, o cooperativismo partilha essa origem com o movimento operário e as doutrinas socialistas que veem a luz nesse mesmo século. O estudo desse relacionamento do movimento cooperativo com as organizações operárias é uma das vertentes principais desse livro. Essas ligações não foram sempre uniformes mas deixaram marcas profundas no movimento cooperativo.

Posta em causa pelo capitalismo, a divisão social do trabalho e a lógica de lucro, a cooperação e a solidariedade tomam expressão com as reivindicações do movimento operário. As cooperativas aparecem, assim, como uma fonte de procura de alternativas ao desenvolvimento do capitalismo como sistema hegemónico. Com o proletariado a crescer, fruto da generalização do modo de produção capitalista, o movimento operário organiza-se, tendo como base o desenvolvimento das doutrinas socialistas. O continente europeu, espaço de realização da revolução industrial, constituiu assim a matriz original do cooperativismo enquanto movimento. Rui Namorado desenvolve uma interessante análise do relacionamento das sucessivas Internacionais de trabalhadores com o assunto do cooperativismo.

A criação da Associação Cooperativa Internacional em 1895 permite enquadrar de forma geral os movimentos cooperativos nacionais. No entanto, o autor mostra que a relação das cooperativas e do movimento operário à qual pertence está longe de ser estável. Enquanto alguns líderes operários veem nas cooperativas um desvio da luta contra o capitalismo e um enfraquecimento da classe operária, outros, como Jean Jaurès, definem as cooperativas como uma fonte de alternativas ao modo capitalista e um pilar do movimento operário, ao lado do partido e do sindicato. Rui Namorado defende então a ideia de que, embora as cooperativas possam crescer fora dos meios operários, elas são parte essencial do movimento operário pela sua resistência prática e quotidiana à lógica capitalista (nomeadamente com a ausência de lucro). No entanto, o estudo histórico mostra um movimento cooperativo em tensão entre dois polos: uma ligação forte com as doutrinas socialistas e a procura de alternativas; e o seu empreendedorismo inserido num contexto capitalista. Através das cooperativas, é o debate entre revolução e reforma que se replica.

O capítulo iv apresenta um rico resumo dos desenvolvimentos do movimento cooperativo do século xix até à Primeira Guerra Mundial em seis países: Inglaterra, França, Bélgica, Itália, Alemanha e Portugal. Este estudo histórico permite destacar a complexidade das ligações do movimento cooperativo com as organizações operárias, bem como as diferenças nacionais. Se na Inglaterra e em França as cooperativas se enquadram na área operária e socialista, elas mostram uma relativa autonomia na Alemanha, onde as cooperativas não operárias têm um peso maior. Na Bélgica e em Itália o papel dos sindicatos revelou-se importante, bem como o envolvimento dos católicos sociais. Em Portugal, o crescimento das ideias socialistas na década 70 do século xix abriu um espaço para o desenvolvimento do cooperativismo no país.

O autor volta depois, aos desenvolvimentos do cooperativismo depois da Primeira Guerra Mundial e sobretudo depois de 1917, data da Revolução Russa. Na União Soviética, as cooperativas tinham uma natureza instrumental, não permitindo um controlo democrático real. Com a emergência do Terceiro Mundo, a temática das cooperativas insere-se na problemática do desenvolvimento. A economia social representa um novo momento de investimento nas cooperativas como estruturas portadoras de um potencial inovador. Rui Namorado propõe a imagem esclarecedora da galáxia cooperativa como interseção da constelação do movimento operário e da economia social. Pertencendo a estes dois espaços, o cooperativismo adquire assim a sua natureza própria feita dessa simbiose.

Com a queda do modelo coletivista de Estado incarnado pela União Soviética, o sistema capitalista apareceu para muitos como o único horizonte possível.1 As cooperativas, frutos das convergências entre a prática secular de cooperação e da influência do movimento operário, vêm lembrar como uma outra organização económica é possível e que a procura de alternativas permanece como uma tarefa atual. Aplicando-se à cooperação em vez da competição, as estruturas cooperativas representam um desafio ao sistema capitalista de organização das nossas sociedades. O livro do Rui Namorado permite destacar a natureza própria do fenómeno cooperativo, fenómeno imbricado com o desenvolvimento do movimento operário.

Segundo a CASES, cooperativa de interesse público, existiam em 2010 mais de 3100 cooperativas em Portugal. Esta categoria, bem como a própria noção de economia social, aparecem muitas vezes como imprecisas, colocando lado a lado estruturas que pouco têm a ver. Pode ser difícil, assim, ver o que partilham uma cooperativa de produção operária ou uma associação popular com uma Misericórdia ou uma empresa clássica que investe na inovação social. No contexto de crise atual, cada discurso divulgado torna a economia social em mais uma oportunidade de emprego, nomeadamente para "jovens empreendedores". A especificidade das cooperativas como dinâmica alternativa à capitalista corre o perigo de ser banalizada e afogada no meio destes discursos. O livro de Rui Namorado é uma obra essencial, que vem sublinhar os fundamentos da cooperação como movimento social, potenciador de emancipação humana.

NOTAS 1 Podemos aqui referir o livro de Francis Fukuyama (1992), O fim da história e o último homem. Lisboa: Gradiva.


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