Os Monárquicos e a República Nova
Miguel Dias Santos, Os Monárquicos e a República Nova, Quarteto Editora,
colecção "Centenário da República, 1910-2010", n.º 2, Coimbra,
2003, 218 páginas.
Diego Palacios Cerezales
A história contemporânea vive um bom momento em Portugal. Desde meados da
década de 1990 que a investigação nesta área tem proliferado graças à
generalização de cursos de mestrado especializados e à realização regular de
teses. Ao contrário da situação da historiografia nas décadas de 1970 e 1980,
na qual a urgência de encontrar explicações globais dava lugar ao primado das
grandes sínteses históricas, no momento actual assistimos à proliferação de
monografias que se dedicam a aspectos parciais dos processos históricos — a
lugares, problemas, protagonistas ou acontecimentos. Assim, embora o
desenvolvimento da historiografia esteja ainda longe de alcançar os níveis
observados noutros países europeus, diferentes núcleos de investigação têm
vindo a cumprir um programa de investigação implícito que, por seu turno,
poderá conduzir futuramente à realização de novas sínteses.
Os Monárquicos e a República Nova, de Miguel Dias Santos, faz parte desse
programa de investigação implícito e insere-se numa colecção da editora
Quarteto que promete continuar a publicar obras sobre a República até, pelo
menos, ao seu primeiro centenário, em 2010. O presente livro é uma adaptação de
uma tese de mestrado defendida na Universidade de Coimbra em 1998 e constitui
um estudo da prática política dos grupos monárquicos durante o sidonismo.
Trata-se de um livro de estrita história política em que se narra o enredo da
luta pelo poder na qual se envolveram os grupos monárquicos entre 1917 e 1919.
Como assinala o autor, a historiografia académica já tinha reconhecido a
importância dos monárquicos durante a república, mas ainda não os estudara em
si mesmos. Por um lado, atribui-lhes relevância, já que as suas incursões de
1911 e 1912, bem como a breve restauração de 1919 no Porto, são frequentemente
citadas como catalisadoras de realinhamentos no campo republicano. Entre outros
factores, essas ameaças monárquicas são geralmente consideradas fundamentais
para a reafirmação da hegemonia política dos "Democráticos" do PRP,
já que configuravam contextos propícios a iniciativas de unidade republicana
contra a "reacção". Por outro lado, contudo, esse papel catalisador
parece contentar os historiadores, de tal modo que só o Integralismo Lusitano,
uma das facções da família política monárquica que a posteriori haveria de ter
maior influência doutrinária, foi objecto de estudo em si mesmo.
Aquilo que Dias Santos faz é, precisamente, entregar o protagonismo do seu
relato aos monárquicos, detectar o leque das suas posições políticas e as
relações diferenciadas e cambiantes que cada uma dessas posições manteve com o
projecto sidonista à medida que este se solidificava e, finalmente, oferecer
uma explicação da cadeia de acontecimentos que levaram os monárquicos que
participavam nas juntas militares do Norte a proclamarem a Monarquia em 1919.
O livro divide-se em quatro capítulos. O primeiro, "O equívoco sido
nista", trata do acolhimento positivo que a revolução de 5 de Dezembro de
1917 teve nas fileiras monárquicas. Segundo o autor, os monárquicos não
apoiaram Sidónio Pais unicamente porque este representava um "mal
menor" em comparação com a República Velha, mas também porque viam no
sidonismo elementos positivos e construtivos. Em primeiro lugar, para o
conjunto do campo conservador, o sidonismo encarnava as ideias de ordem e de
exercício pessoal do poder. Em segundo lugar, oferecia liberdade de acção aos
monárquicos, proporcionando-lhes, inclusivamente, a oportunidade de
participarem no governo — possibilidade essa que provocou alguns embaraços nas
hostes realistas. Em terceiro lugar, o sidonismo mobilizava as classes
conservadoras e o catolicismo da província, uma mobilização que os monárquicos
sobrevalorizaram como a expressão do sentimento monárquico dos portugueses.
Assim, nesta fase inicial, os monárquicos apoiaram o sidonismo de uma forma
quase unânime, na mesma medida em que, ao considerarem que conservadorismo, o
catolicismo e a monarquia eram inseparáveis, não concebiam a ameaça que a
formação de um partido republicano conservador ou a integração do catolicismo
no regime republicano podiam representar para o seu projecto restauracionista.
O segundo capítulo, "Desfazendo equívocos", aborda as divisões que
emergiram no campo monárquico quando o sidonismo deixou de parecer uma solução
transitória até ao final da guerra e, pelo contrário, acelerava a sua
institucionalização como regime presidencialista. Embora o rei exilado, D.
Manuel, mantivesse a posição de apoio ao governo pelo menos até ao fim da
guerra, começava a surgir nas hostes monárquicas o receio de que o
republicanismo conservador lograsse integrar o catolicismo político na
República, retirando aos monárquicos aquilo que consideravam ser uma base
natural de apoio. Foi devido a esse receio que alguns sectores monárquicos
começaram a conspirar contra a República Nova, afirmando-se numa corrente
"revolucionária" que liderou, contra os desejos expressos de D.
Manuel, a breve restauração de Janeiro de 1919.
As origens dessa divisão no seio da família monárquica constituem o tema
explorado no terceiro capítulo, "A causa monárquica". Para entender
a disparidade de posições e estratégias desenvolvidas pelos monárquicos durante
o sidonismo, Dias Santos faz uma retrospectiva e analisa a organização política
dos monárquicos desde a implantação da República em 1910, estudando a sua
estruturação a partir de órgãos da imprensa e, particularmente, a sua falta de
unificação doutrinal.
Em termos organizativos, os monárquicos não contaram com um partido político de
massas, moderno, nem tão-pouco com uma estrutura orgânica clara. Além disso, o
próprio objectivo da restauração, enquanto objectivo nacional com vocação
consensual, entrava em choque com a organização dos monárquicos como partido no
seio do regime republicano, aumentando as dificuldades organizativas.
Por outro lado, os seus esforços da estruturação depararam-se em diversas
conjunturas com a acção punitiva de grupos de voluntários republicanos que
"empastelaram" repetidamente as redacções da imprensa realista. No
tratamento destes aspectos, lamentamos que o autor não analise de modo mais
sistemático as margens de acção pública efectiva com que contaram os
monárquicos nem o grau de perseguição a que foram submetidos entre 1910 e 1917.
A historiografia revisionista concedeu um lugar central às práticas terroristas
dos republicanos radicais, e este aspecto reveste-se de uma importância crucial
para se chegar a uma boa caracterização da República Velha.
Os diferentes jornais que serviam de veículo às ideias dos monárquicos não
expressavam nem uma estratégia nem uma doutrina unificada, um facto que leva
Dias Santos a rejeitar que se pudesse falar de um verdadeiro movimento
monárquico. O princípio monárquico permitia integrar esses homens na mesma
família política —porém, tal como se verificara antes de 1910, quando o campo
monárquico se encontrava dividido e era palco de disputas entre opções
nitidamente liberais que respeitavam o espírito da Carta Constitucional e
outras facções que defendiam vias autoritárias ou soluções corporativas, também
durante a República os monárquicos se mostraram incapazes de definirem
consensualmente que tipo de monarquia pretendiam restaurar. Os elementos mais
próximos da tradição liberal — e do próprio D. Manuel — tinham dificuldades em
defender um simples regresso às instituições vigentes antes do 5 de Outubro. A
monarquia constitucional encontrava-se desacreditada devido à sua própria
incapacidade final de defender a monarquia. Em contrapartida, o Integralismo
Lusitano e o sector conspirativo do monarquismo, próximo de Paiva Couceiro,
sonhavam com uma monarquia tradicionalista, orgânica, descentralizada e cristã,
renegando o parlamentarismo. No entender de Dias Santos, a falta de organização
e a divisão doutrinal constituem, no fim de contas, as causas fundamentais do
fracasso da restauração monárquica.
O quarto capítulo, "A contra-revolução em movimento", narra o jogo
de posições e iniciativas dos diversos sectores monárquicos a partir do Verão
de 1918, numa altura em que os elementos mais radicais conspiravam já
abertamente. Dias Santos analisa com particular pormenor o mês que medeia entre
o assassinato de Sidónio Pais e a proclamação da Monarquia do Norte, procurando
esclarecer quais os processos e decisões que estiveram por detrás dessa
proclamação e, muito particularmente, as controvérsias no seio do campo
monárquico relativamente a uma possível solução militar, enquanto solução
nacional e suprapartidária, que precedesse uma restauração. Contudo, mesmo
depois de termina da a guerra e após o assassinato de Sidónio, D. Manuel
manteve a orientação colaboracionista com o governo e travou, por meio do seu
lugar-tenente Aires de Ornelas, a possibilidade de organizar uma saída militar.
D. Manuel favorecia a formação de um bloco conservador que pudesse levar a
efeito políticas de ordem contra a agitação social e as ameaças revolucionárias
do partido democrático, mas viu-se ultrapassado pelos acontecimentos. As
sublevações militares democráticas de Chaves e Santarém, já depois da morte de
Sidónio, e a atitude contemporizadora com a esquerda republicana de Tamagnini
Barbosa constituíram os acontecimentos que, segundo Dias Santos, criaram nos
sectores monárquicos mais radicais a convicção de que as únicas alternativas
eram ou a restauração imediata ou o regresso dos democráticos ao poder. Perante
esta alternativa, os monárquicos decidiram-se unilateralmente pela restauração
no Porto. A história dos 25 dias de monarquia ultrapassa já o âmbito do
trabalho de Santos Dias, mas o autor parece pressupor que a derrota era certa.
O livro é ameno, mas, por outro lado, as teses que apresenta não constituem uma
inovação historiográfica. Em última análise, este retrato de primeiro plano não
nos mostra os monárquicos de um modo substancialmente diferente do retrato em
segundo plano que a mais recente historiografia sobre a República nos
apresentou. Em todo o caso, o valor acrescentado desta investigação encontra-se
no modo meticuloso como o autor documenta as suas afirmações, sobretudo a
partir de memórias e de intervenções na imprensa.
Como é inevitável, na investigação ficam coisas por fazer e problemas por
formular. Além disso, o leitor poderá sentir a falta de um plano mais
estrutural de análise dos processos políticos que explicite as condições de
possibilidade das acções empreendidas e dos seus resultados. Dias Santos parte
do princípio de que os monárquicos não se enganavam quando afirmavam que os
portugueses eram, na sua maioria, conservadores e monárquicos. Assim, o autor
atribui o fracasso restauracionista às fragilidades intrínsecas do campo
político realista, explicando desse mesmo modo por que razão os militares
conservadores, que teriam podido unir-se por detrás de uma figura carismática
como Sidónio Pais, não optaram por se juntar às inconsistentes hostes
monárquicas. Contudo, falta, por exemplo, uma tentativa de avaliar
sistematicamente essas supostas preferências da população e de quantificar de
algum modo a capacidade de mobilização dos próprios monárquicos e dos seus
aliados condicionais, como a Igreja; falta, além disso, uma análise da
capacidade de mobilização dos seus adversários do vasto e também heterogéneo
campo não monárquico; finalmente, falta construir, mediante esse exercício, uma
explicação estruturada da crise política e da breve guerra civil que se
seguiram ao assassinato de Sidónio.