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EuPTHUHu0003-25732006000300011

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variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0003-2573
ano2006
Issue0003
Article number00011

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Igreja Católica, Estado e Sociedade, 1968-1975: o Caso Rádio Renascença Paula Borges Santos, Igreja Católica, Estado e Sociedade, 1968-1975: o Caso Rádio Renascença, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2005, 269 páginas.

No seu livro Igreja Católica, Estado e Sociedade: O Caso Rádio Renascença, Paula Borges Santos narra o desenrolar e explica os antecedentes de um dos mais interessantes confrontos laborais e ideológicos surgidos no seio de uma empresa durante o período revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril de 1974. A luta pelo controlo da emissora católica, que se arrastou por todo o ano de 1975, ameaçou abrir velhas feridas entre a Igreja e o Estado e funcionou como um estímulo para todos os agentes que quiseram encaminhar Portugal para uma solução política democrática ocidental, entre os quais se contava a hierarquia católica.

A escolha da Rádio Renascença, uma peça-chave da difusão da doutrina católica na sociedade portuguesa, para um microestudo da transição para a democracia em Portugal é acertadíssima, pois permite à autora transcender um simples (embora importante) conflito laboral, que rapidamente adquiriu contornos ideológicos, e examinar outras questões de maior alcance: qual foi o papel da Igreja católica nessa mesma transição? Porquê a aposta num regime democrático, no qual a liberdade de expressão é um valor essencial? E como foi essa aposta recebida pelos vários sectores da sociedade portuguesa, católicos ou não, dada a longa associação entre a Igreja e o Estado Novo? O conflito nascido em torno da posse e direcção da Rádio Renascença foi dramático e por vezes mesmo apaixonante e a descrição detalhada e metódica feita por Paula Borges Santos em nada reduz a tensão e a urgência suscitadas, na altura, pelo caso. A narração e explicação dos factos a segunda metade do volume é, sem dúvida, o ponto forte da obra. De um lado estava a gerência da emissora, cujo papel se foi apagando durante 1975 em virtude do maior protagonismo assumido pelo cardeal-patriarca, D. António Ribeiro. Do outro lado, uma minoria dos funcionários da Rádio Renascença (aqueles que estavam directamente ligados à radiodifusão), cujas acções contra a gerência se foram radicalizando ao longo do processo revolucionário, culminando na ocupação dos estúdios e de outros pontos estratégicos na estrutura da emissora. Mas o conflito não se resumiu a estes intervenientes: directamente envolvidos estavam ainda os vários governos provisórios, o Conselho da Revolução, o Comando Operacional do Continente (COPCON) e todos os partidos políticos e outros agrupamentos ideológicos, desde as inúmeras formações de extrema-esquerda que declararam o total apoio à causa dos trabalhadores da Rádio Renascença, explorando a sua causa em proveito próprio, aos partidos moderados (entre os quais o Partido Socialista, que não escondia o desejo de nacionalizar a Rádio Renascença, crendo que competia ao Estado garantir, através de um controlo directo, a imparcialidade da informação), passando pelo Partido Comunista Português, claramente apanhado de surpresa por uma contenda que considerava indesejável e que o distraía do caminho traçado para a conquista do poder.

Poucos destes protagonistas vêem a sua reputação enaltecida pela descrição dos acontecimentos, que se desenrolaram num clima de hesitação, dúvida e mentira.

Escreve Paula Borges Santos, na conclusão, que "os únicos intervenientes que possuíram uma rigidez táctica nas suas opções estratégicas foram, desde o início do processo, as autoridades eclesiásticas". Com base nos dados apresentados pela autora podemos ir mais longe. Sob a liderança firme de D.

António Ribeiro, a hierarquia católica soube identificar qual o fim desejado do processo político desencadeado pelo 25 de Abril (contrariar as forças de extrema-esquerda e seus apoiantes, de forma a fazer respeitar o desejo maioritário de uma implantação rápida de um novo regime constitucional, democrático e pluralista) e qual deveria ser o papel da Igreja nesse processo: a defesa da sua liberdade de expressão e de intervenção, mesmo tendo este espaço sido conquistado durante o Estado Novo (se bem que tenha sido por ele condicionado). Por outras palavras, os prelados portugueses não intervieram directamente na vida político-partidária de Portugal, apontando um ou outro partido como sendo merecedor do voto católico, ou encorajando os seus seguidores a formarem um partido católico. O que fizeram, porém, foi adoptar um posicionamento que serviu como uma lição prática do que é a democracia, demonstrando, ao mesmo tempo, com uma subtileza variável, consoante a agudez da crise, a força da Igreja na sociedade da época e a sua vontade de não ser atropelada por aqueles que, sem mandato eleitoral, e por isso mesmo condenados a desaparecerem num Portugal democrático, procuravam revisitar os conflitos anticlericais do início do século.

Nunca, apesar do agravamento do clima político em 1975, especialmente durante o chamado "Verão quente", os bispos portugueses deixaram de exigir o cumprimento da lei e a resultante devolução da Rádio Renascença, entretanto transformada na voz dos movimentos revolucionários e isto ao mesmo tempo que denunciavam perseguições e saneamentos. Estas exigências da Igreja, apresentadas a sucessivos governos e ao Conselho da Revolução, encontraram sempre uma receptividade inicial, seguida de total inacção, que os meios militares operacionais se recusaram a tomar o partido da gerência da Rádio Renascença contra os trabalhadores. Promessas governamentais de apoio e intervenção caíam por terra em face da atitude não dos funcionários da emissora, como também de certos grupos militares hostis aos interesses da Igreja. A inoperância dos governantes e do Conselho da Revolução falou por si, demonstrando a todos os portugueses que existia um perigoso vácuo de autoridade que não poderia, por razões óbvias, subsistir por muito tempo, pondo-se com urgência a questão de quem o preencheria: os partidos moderados, que haviam triunfado nas eleições de Abril de 1975, ou os defensores da democracia popular, directa, cujo discurso se tornava mais violento de dia para dia? É quase impossível não concluir, lendo esta obra, que todos os que verdadeiramente prezam a democracia em Portugal, sejam eles católicos ou não, muito devem à acção esclarecida e corajosa de D. António Ribeiro no ano de 1975: tendo a lei embora enfraquecida do seu lado, o cardeal-patriarca soube quando e como empregar os enormes recursos nacionais e internacionais de que dispunha para, numa primeira fase, promover o respeito pelos desejos da maioria dos portugueses e, ao mesmo tempo, reaver intacta (com a excepção do centro emissor de Benfica, destruído à bomba em Novembro de 1975 por ordem do Conselho da Revolução, única e bizarra forma encontrada por aquela entidade de calar definitivamente os ocupantes da Rádio Renascença) a emissora católica.

Manteve-se firme o patriarca mesmo durante o pior momento da crise as cenas de violência no Campo Santana na noite de 18 para 19 de Junho de 1975, de que resultaram quase 40 feridos, recolhidos dentro da sede do Patriarcado, perante a passividade das forças do COPCON.

Pode, elevando a fasquia qualitativa a um nível excepcionalmente alto (algo a que nos obriga a qualidade da análise do caso da Rádio Renascença em si), apontar-se uma falta de equilíbrio no livro de Paula Borges Santos. A primeira metade do livro, composta em parte por uma breve história da Rádio Renascença, mas sobretudo por uma análise detalhada da evolução do posicionamento político da Igreja em Portugal a partir dos anos 60, poderia ser abreviada, que pouco influiu sobre o desenrolar da crise. A liderança oferecida pelo Patriarcado na questão da Rádio Renascença foi suficientemente firme e esclarecida para acalmar as divisões entre a maioria dos católicos portugueses, dispersos por várias formações políticas; assim sendo, as muitas páginas dedicadas ao deteriorar das relações entre a Igreja e o Estado Novo, à sucessão do cardeal- patriarca Cerejeira e ao desaparecimento do consenso entre católicos quanto a questões políticas e ao papel da Igreja na sociedade parecem ser um investimento de tempo e espaço mal calculado. E talvez a autora devesse, com o espaço assim poupado, explorar a sobrevivência do anticlericalismo português após a queda da I República, as correntes anticlericais após o 25 de Abril e, finalmente, os receios de perseguição da Igreja católica e a forma como estes receios, fundados ou não, foram empregues para reunir a população católica em torno das causas apontadas pela hierarquia. Foi lembrado aos portugueses, em 1975, o conflito religioso durante a I República e, mais significativamente, a perseguição aos religiosos durante a guerra civil de Espanha, ou conseguiu a Igreja mobilizar os seus apoiantes exclusivamente através da denúncia do caso Renascença e outras situações contemporâneas semelhantes?

FILIPE RIBEIRO DE MENESES


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