Ai confini del fascismo. Propaganda e consenso nel Portogallo salazarista
(1932-1944)
Goffredo Adinolfi,Ai confini del fascismo. Propaganda e consenso nel Portogallo
salazarista (1932-1944)(prefácio de António Costa Pinto), Milão, Ed. Franco
Angeli, 2007, 245 páginas.
Os estudos sobre os fascismos têm elegido como objecto de investigação a
propaganda enquanto instrumento para a conquista do poder e a consolidação dos
respectivos regimes. Goffredo Adinolfi concentra a sua atenção sobre este tema
específico, avaliando a sua dimensão no Portugal de Salazar durante a primeira
década de vida do Estado Novo.
O título da obra, resultado da tese de doutoramento defendida na Faculdade de
Ciências Políticas da Universidade dos Estudos de Milão, merece desde já a
nossa atenção. Enquanto o subtítulo explicita o objecto do estudo, Propaganda e
consenso nel Portogallo salazarista (1932-1944), é todavia o título, Ai confini
del fascismo, que antecipa a perspectiva importante que o autor vai desvelando
no decorrer da leitura da obra, ou seja, que o Estado Novo português se
posiciona nas fronteiras do fenómeno fascista, num território político onde a
assumpção de algumas características da revolução mussoliniana, sejam elas
coreográficas ou institucionais, não fazem do salazarismo um mero decalque do
modelo italiano. Reinterpretando a ditadura salazarista à luz da política de
construção do consenso, Adinolfi investiga as técnicas de propaganda e de
conquista do consenso promovidas pelas elites políticas do Estado Novo sob a
direcção vigilante de Oliveira Salazar. O autor orienta deste modo a sua
investigação, não pela procura do cariz fascista da propaganda salazarista e
das estruturas criadas para essa finalidade, mas pela revelação do modus
sentiendi e operandi das direitas autoritárias lusitanas na obra de promoção do
seu projecto para Portugal. Assim sendo, a comparação com os regimes italiano e
alemão não desvirtuam as peculiaridades do regime português.
A tese de fundo da obra é que Salazar nunca teve intenção nem interesse em
promover a mobilização das massas à semelhança do que estava acontecendo nos
mesmos anos em Berlim ou, ao longo dos dez anos anteriores, em Roma. Nesta
linha interpretativa desenvolve-se a narração da política propagandística do
Estado Novo e do seu enquadramento nos delicados equilíbrios do regime. O autor
evita a reconstrução meramente técnico-institucional; pelo contrário, cruza-
a com a narração dos acontecimentos históricos, desde o colapso da I República
até aos conturbados anos da segunda guerra mundial, e do percurso político de
Salazar, desde a sua estreia como ministro das Finanças até à primeira década
na Presidência do Conselho. O fil rouge da narração histórica é a estratégia
seguida pelo ditador português para consolidar o regime e fazer do Estado Novo,
aos olhos dos portugueses, uma solução destinada a durar no tempo,
ultrapassando a transitoriedade do golpe militar de 28 de Maio de 1926.
Tal como os outros ditadores europeus, Salazar teve de lidar com os modernos
meios de comunicação de massas e criar organismos estatais de propaganda e
instituições de tipo corporativo. Apoiado por grande parte da imprensa desde os
tempos de ministro das Finanças, foi-se tornando o «salvador da pátria» e daí
procurou transformar o consenso espontâneo inicial num consenso construído e
firmemente controlado por si. Como bem demonstra Adinolfi, o seu interesse
prioritário foi sempre o de manter a estabilidade interna do regime, evitando
concentrações de poder no interior do Estado que pudessem fugir ao seu controlo
directo. Fiel ao princípio do divide et imperat, Salazar procurou garantir a
estabilidade da sua própria autoridade face a possíveis contrapoderes que
pudessem surgir nos primeiros e delicados anos da institucionalização do Estado
Novo. Como exemplo emblemático, o autor sublinha o papel que o presidente do
Conselho atribuiu ao partido único. Enquanto nos regimes alemão e italiano o
partido é protagonista da tekne moderna, como instrumento de conquista do poder
ou como templo civil da ortodoxia revolucionária que se torna Estado, em
Portugal, pelo contrário, a União Nacional não passa de um mero repositório de
notáveis do regime, chamados a reunirem-se formalmente à sua volta e que
Salazar controlou de maneira clientelar, porque as elites políticas, sobretudo
as do Portugal periférico, caracterizaram-se por antigas e perigosas
fidelidades de natureza caciquista. O ditador português nunca fez do partido
nem um motor da revolução nem um baluarte da ideologia salazarista.
Relativamente à mobilização das massas, Adinolfi explica como Salazar se
dedicou à obra de reconstrução nacional sem procurar o contacto directo com o
povo. Aliás, sempre tentou evitar aquela osmose entre chefe e massas,
característica principal dos regimes fascista e nazi. O consulado salazarista
caracterizou-se por uma autoridade sobre o povo, para o povo, mas nunca com o
povo. Na opinião de Adinolfi, Salazar estava convicto de que qualquer
mobilização traria consigo os perigos de politização e consciencialização das
massas, ou seja, uma possível ameaça à estabilidade do regime. Esta hipótese
enquadra-se perfeitamente na cultura política de Salazar, no seu nacionalismo
elitista e oitocentista, no seu conservadorismo, mais do que no seu
revolucionarismo.
A este respeito, o autor poderia ter vincado mais o carácter instrumental (para
fins de consenso interno) do «Salazar revolucionário», que almeja a criação do
homem novo e o cumprimento do processo revolucionário através da modificação
das mentalidades. O autor, de facto, apresenta o corporativismo e a reforma da
educação nacional como sinais importantes da construção propagandística de um
improvável «Salazar revolucionário», não demarcando, tanto como poderia tê-lo
feito, as características contra-revolucionárias destas mesmas reformas. A
acção do governo, que Adinolfi descreve e bem como dirigida à eliminação do
conflito de classes, parece-nos inspirada mais pelo reformismo da doutrina
social da Igreja do que pelo modelo económico fascista por excelência modelo
que, aliás, permanecerá inacabado e largamente inaplicado até à queda do
regime. No campo educativo, por seu lado, a obra de depuração dos aspectos
ideológicos herdados do regime anterior sugere-nos que estamos mais perante um
processo contra-revolucionário do que revolucionário ou seja, mais uma
tentativa de recuperar as glórias do passado do que de criar um homem novo.
De qualquer forma, a análise das relações de Salazar com as instituições do
Estado e com as massas permite ao autor delinear a relação do ditador com a
propaganda e a conquista do consenso. Goffredo Adinolfi reconstrói o iter de
formação do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) e sublinha como Salazar
procurou evitar, também neste caso, a formação de um contrapoder. Para tal, o
presidente do Conselho manteve sempre o controlo directo sobre o SPN,
garantindo-lhe a independência relativamente a outros centros de poder, como a
União Nacional, mas limitando-lhe o campo de acção, não lhe atribuindo os
poderes da censura e nunca o promovendo à categoria de ministério.
Demonstrada a substancial limitação de poderes do SPN do ponto de vista
institucional, Adinolfi explica também o falhanço da obra propagandística e de
doutrinação das massas encetada pelo SPN. A este respeito são analisados os
instrumentos de mediação entre o regime e as massas a imprensa, a rádio, o
cinema, o teatro. Com base nos dados do Instituto Nacional de Estatística e nos
relatórios dos governadores civis, Adinolfi desvenda o panorama desolador de um
regime que se demonstra incapaz de combater a limitada difusão destes
instrumentos de propaganda e o seu difícil acesso por parte do público.
Convicto de que em política «tudo o que parece é», Salazar preocupa--se
principalmente com a capacidade da propaganda de convencer o povo do bom
caminho trilhado pelo Estado Novo e do seu perfil de estadista competente. O
tom da mensagem propagandística, longe do discurso inflamado do fascismo e do
nacional-socialismo, parece convidar a nação a uma confiante «apolitia» e ao
regresso ordeiro ao portuguesíssimo «viver habitualmente»
Adinolfi faz notar, com razão, que uma das razões de fundo desta discrepância
face aos outros autoritarismos reside na diferença substancial entre o
expansionismo italo-alemão e a vontade de conservar um imenso império colonial
em anos conturbados no panorama internacional. Por outro lado, a inexistência
de uma obsessão totalitária em relação à conquista do consenso pode ser
atribuída ao papel que Salazar destinou a outros actores tradicionais como a
Igreja na difusão dos valores do nacionalismo português: Deus, pátria e
família. De facto, embora o autor reconheça a independência de Salazar face à
Igreja, realça, por outro lado, o serviço valioso que esta prestou ao regime no
que diz respeito à difusão dos valores por ele apregoados, como, por exemplo, a
idealização do Portugal rural, cuja pobreza e atraso são sinais de dignidade e
pureza.
Emerge assim a contradição entre um discurso oficial de apelo à reconstrução
nacional e uma prática de governação em que os cidadãos devem abster-se da
prática política. Para sustentar esta tese, Adinolfi descreve a formação das
duas estruturas de militância estado-novista: a Mocidade Portuguesa e a Legião
Portuguesa. A primeira aparece como um instrumento do ditador para retirar a
exclusividade da educação da juventude a um corpo docente substancialmente
anti-salazarista; a segunda teria sido aceite pelo ditador para enquadrar e
controlar as pulsões fascistas de alguns sectores sociais. De novo é o
pragmatismo salazarista a falar mais alto.
O autor, todavia, sublinha como a propaganda no Estado Novo não deve ser
considerada um instrumento inerte nas mãos do ditador. Salazar, pelo contrário,
reconhece as vantagens que dela podem provir para a promoção da sua obra. É
sintomático deste interesse a atribuição da direcção do recém--nascido SPN a
António Ferro, intelectual adepto das correntes mais vanguardistas na cultura e
nas artes, sincero admirador da revolução fascista e da obra de Mussolini.
Adinolfi analisa a evolução do SPN paralelamente ao percurso político de
António Ferro. Assim, o livro adquire uma maior riqueza analítica,
especialmente em relação aos obstáculos que o exercício da propaganda encontra
nas diatribes internas do regime. Ferro emerge como o ponta-de-lança da
corrente genuinamente revolucionária do Estado Novo, composta por intelectuais
que almejavam a implantação da «revolução da ordem». Salazar atribui a estes
intelectuais tarefas de relevo no campo da promoção cultural. Contudo, a obra
do SPN nunca conseguirá influenciar significativamente a vida cultural
portuguesa. Caso emblemático é a relação com a imprensa da província. Se, por
um lado, o SPN combaterá o difuso anti-salazarismo através do financiamento de
periódicos afectos ao regime, por outro lado, a imprensa nacional irá excluir-
se das orientações políticas do Secretariado, para satisfação das redes
clientelares da União Nacional, ciosas da autonomia de António Ferro. Acresce
ainda que a acção repressiva da censura nunca se articulou com a estratégia do
SPN. O divide et imperatde Salazar torna-se, no campo da propaganda, deletério
para a obra cultural destes intelectuais tentados pelos regimes fascistas.
Adinolfi insiste de forma convincente no falhanço desta revolução cultural:
descreve a essência da «política de espírito» delineada por António Ferro; a
sua acção na promoção da imagem do chefe carismático da nação através das
famosas entrevistas ou da Exposição do Mundo Português.
As conclusões do autor vão no sentido de continuar a questionar a inclusão do
regime salazarista entre os regimes fascistas, o que se compreende, já que
subsiste o debate sobre a identificação dos autoritarismos com o fascismo.
Deste modo, este estudo é um contributo útil para desvendar o que o salazarismo
realmente foi, mais do que parece ter sido.
Riccardo Marchi
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa