A Sociedade de Informação e o Estado-Providência. O modelo Finlandês
Manuel CastellsePekka Himanen, A Sociedade de Informação e o Estado-
Providência. O modelo Finlandês, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007,
288 páginas.
Este pequeno livro de Manuel Castells, escrito conjuntamente com Pekka Himanen
(publicado originariamente em 2002), apresenta-nos os traços essenciais do
recente e extraordinário desenvolvimento da Finlândia rumo à sociedade de
informação. Como referem os autores, na década de 50 do século xx a economia
finlandesa era essencialmente agrária e, apesar de ter conhecido desde essa
altura uma assinalável industrialização, passou, ainda no início dos anos 90,
por uma forte recessão, devido, entre outros factores, ao colapso da União
Soviética, que até então fora um dos seus principais mercados.
O que levou, em tão pouco tempo, este país a transformar-se numa das sociedades
mais avançadas não só em termos económicos e tecnológicos, mas também em bem-
estar social? Para melhor responder a esta questão os autores iniciam o estudo
comparando alguns indicadores com outros dois países que também atingiram
elevados índices de desenvolvimento (EUA e Singapura) e verificam uma
disparidade enorme entre a performanceeconómica e tecnológica, relativamente
semelhante nos três países, e o nível de equidade social, que é claramente
favorável ao caso finlandês. Os indicadores relacionados com a capacidade de
protecção social reforçam essa diferenciação.
Este aspecto, que talvez seja o mais surpreendente, revela a importância do
papel do Estado-Providência enquanto agente vital de todo o processo de
desenvolvimento. Desde a década de 60 foi desenvolvida uma série de políticas
públicas que se mostraram fundamentais, de entre as quais destacamos: a
criação, em 1967, do Fundo Nacional Finlandês para a Investigação e
Desenvolvimento; a aposta nas universidades públicas de alta qualidade (nos
anos 70 já eram 20); a decisão, tomada em 1982, de ir aumentando o investimento
nacional em I & D de 1,2% do PIB até chegar aos 2,2%, em 1992, e de
ultrapassar os 3%, actualmente.
É, sobretudo, esta última característica que leva Castells e Himanen a
definirem a particularidade do modelo finlandês da sociedade de informação, em
contraste com outros modelos, nomeadamente o de Silicon Valley, que é dirigido
primordialmente pelos mecanismos de mercado, com custos consideráveis no que
respeita ao aumento das assimetrias sociais e à deterioração do capital humano
nas largas faixas populacionais que não acedem e, muito menos, intervêm em
processos de alta inovação tecnológica e empresarial. O dado mais sintomático
deste contraste revela-se na taxa de sindicalização, que na Finlândia ronda os
80% dos trabalhadores, contra apenas 14% nos EUA (em 1996).
Dois factores são determinantes para a construção deste modelo: a capacidade de
inovação demonstrada em diversos sectores, com destaque para o empresarial, mas
também a própria sociedade civil, e o poder da identidade nacional.
Relativamente ao primeiro, é salientado o caso surpreendente da Nokia, cuja
história é bem resumida no livro. Apesar de estar longe de ser a única empresa
inovadora, esta foi, sem dúvida, a que alcançou resultados mais
extraordinários. Contudo, não fora a articulação estratégica com o Estado e
jamais a Nokia seria a empresa global que é hoje.
Em relação à sociedade civil, Castells e Himanen avançam com o conceito de
hackerismo (tecnológico e social) como um elemento fulcral de inovação.
Usualmente, o hacker é visto como um especialista em resolver problemas
técnicos ligados à Internet. Segundo os autores, constata-se que os finlandeses
aplicam entusiasticamente a prática hacker na partilha de recursos (sejam eles
de aprendizagem, de informação ou meramente de partilha do tempo) para chegarem
a objectivos sociais que ultrapassam largamente o âmbito do software.
A questão da identidade é particularmente relevante para os autores. No seu
entender, «a identidade finlandesa desenvolveu-se a partir de uma longa
história de sobrevivência [ ]. Em última instância o Estado-Nação finlandês
obtém a sua legitimidade da distribuição da sobrevivência, ou por outro lado,
garantindo uma vida `pós-sobrevivência' através da sociedade de informação e do
Estado-Providência» (pp. 201-202). Neste sentido, a identidade cultural e o
forte sentimento nacional parecem ser elementos centrais deste modelo
paradigmático de desenvolvimento, que ao longo destas últimas décadas conseguiu
projectar os indicadores da economia finlandesa para o topo das estatísticas
mundiais.
Em resumo, podemos dizer que o modelo finlandês de sociedade de informação se
estruturou em torno de um ambiente inovador gerado a partir de uma consistente
interdependência entre Estado, empresas e sociedade civil, assente numa
capacidade mobilizadora fortemente identitária. Neste sentido, apesar de ser
específico de um determinado contexto económico e histórico, não é descabido
referenciá-lo como uma alternativa ao modelo de cariz essencialmente
liberalizante.
Renato Miguel do Carmo
CIES - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia