Sex at the Margins: Migration, Labour Markets and the Rescue Industry
Laura María Agustín, Sex at the Margins: Migration, Labour Markets and the
Rescue Industry, London, Zed Books, 2007, 248 páginas.
Vivemos na época da ajuda e das vítimas: quotidianamente são identificados
novos "problemas" e patologias sociais e psicológicas, assim como as
respectivas vítimas; são procurados novos trabalhadores sociais e criados novos
programas e figuras profissionais. As populações de migrantes não europeus,
especialmente, surgiram nas últimas duas décadas, na Europa, como o novo campo
da "acção social", da actividade humanitária e da investigação
científica. Financiamentos consideráveis são, por isso, anualmente destinados a
programas para estas "populações alvo": para investigar e melhorar a
sua saúde física e mental, pesquisar a sua vida religiosa, as
"disfunções" das suas famílias, a sua sexualidade, o sucesso e
insucesso escolar dos mais novos, o saneamento das suas casas, a protecção das
suas crianças... Todas as formas de intervenção nas vidas e na moralidade
destes "novos outros" são legitimadas em nome da ajuda, do seu bem-
estar, saúde e segurança.
Quanto às ciências sociais, não deixa de ser inquietante a forma como, na
maioria dos casos, têm assumido acriticamente o seu novo papel em relação às
finalidades (agenda) sociais e políticas — ciências sociais e
"filantropia" parecem estar num processo de simbiose, se não de
identificação. Poucos questionaram até agora este desejo de ajudar e de salvar,
bem como as evidentes implicações políticas destas acções humanitárias, sendo a
sobreposição entre protecção e disciplina uma das dinâmicas fundamentais da
intervenção social, como Foucault já tinha salientado.
Em Sex at the Margins: Migration, Labour Markets and the Rescue Industry, Laura
María Agustín analisa este aparato de ajuda reservado aos migrantes,
questionando a abordagem, as motivações e a eficácia das intervenções e das
políticas, no caso específico das mulheres migrantes trabalhadoras do sexo. O
interesse da autora pelo sector "social" deriva da sua experiência
profissional, já que trabalhou inicialmente em vários projectos de educação
para adultos (inclusive de trabalhadoras e trabalhadores do sexo) na América
Latina e nas Caraíbas. Esta experiência despertou-lhe o interesse pela lógica
dos financiadores e dos operadores, pelo que passou um ano em várias capitais
europeias, falando com operadores de várias ONGs e com migrantes, e começou,
depois, um trabalho de campo em Madrid sobre a relação entre projectos de ajuda
e migrantes trabalhadores do sexo.
O livro em questão focaliza-se na "intersection of two groups of people:
those who migrate to Europe and engage in domestic, caring and sexual labour,
and those working in the social sector with these migrants" (p. 4) e está
dividido em duas partes. Na primeira (capítulos 1 a 4) abordam-se questões
teóricas e históricas e na segunda (capítulos 5 a 7) apresentam-se a
metodologia do trabalho de campo sobre as formas de intervenção e as práticas
operativas da indústria da ajuda conduzidas em Espanha, bem como alguns estudos
de casos emblemáticos.
Em termos teóricos, o procedimento de Agustín corresponde à desconstrução de
algumas das distinções que são feitas na área da mobilidade transnacional, bem
como das definições e distinções entre as actividades laborais no sector dos
serviços e da prostituição. Na sua crítica dos programas que visam ajudar os
migrantes não europeus, nomeadamente os que trabalham na indústria do sexo, é
evidente a influência de Foucault e da literatura pós-colonial. A posição da
autora é, aliás, clara e lapidar desde o início: "This book argues that
social helpers consistently deny the agency of large number of working-class
migrants, in a range of theoretical and practical moves whose object is
management and control: the exercise of governmentality" (p. 8). Ou seja,
considera que "those declaring themselves to be helpers actively reproduce
the marginalisation they condemn" (6).
Depois de ter salientado, no capítulo 1, os objectivos e as teses fundamentais
do livro, questiona, no capítulo 2, a distinção rígida entre a mobilidade dos
migrantes para fins laborais e outras formas de mobilidade (lazer, estudo,
asilo político, comércio), pondo em causa a definição comum do
"migrante" como ser passivo que age devido às circunstâncias e é
forçado à deslocação. No caso dos migrantes trabalhadores do sexo, esta imagem
preconceituosa é expressa de forma emblemática no debate contemporâneo sobre o
tráfico de seres humanos, que criminaliza uma estratégia específica de migração
e vitimiza uma categoria de trabalhadores migrantes. De facto, a sobreposição
frequente entre o discurso do "tráfico" e o fenómeno da migração para
trabalhar na indústria do sexo tem produzido enorme confusão, alimentando uma
imagem da mulher migrante trabalhadora do sexo como, necessariamente, vítima
passiva que é preciso salvar e ignorando as suas motivações e
"agencialidade": "the field of migration studies is guilty of
ignoring women who sell sex and consigning them to the miserable field of
`victims of trafficking'" (p. 47).
O capítulo 3 aborda a questão do trabalho dito informal das mulheres migrantes
na Europa na área dos serviços (trabalho doméstico, assistência e trabalho
sexual). Lamentando a falta de atenção e reivindicando-a para as mulheres que
trabalham neste último sector, Agustín questiona a possibilidade de traçar
distinções precisas entre estes sectores, apontando para o discurso europeu
clássico sobre prostituição como uma das causas de estigmatização e da
identificação da venda de sexo como um "problema social" mais do que
como uma estratégia económica. O silenciamento das vozes das mulheres que
trabalham neste sector leva à reprodução acrítica do preconceito moral contra a
"prostituta" e não tem em conta a multiplicidade de experiências,
estratégias, situações e condições de trabalho. Da mesma forma, a procura de
serviços sexuais é estigmatizada neste discurso moral, que culpabiliza os
homens e vitimiza as mulheres sem investigar as motivações que lhes estão
subjacentes.
No capítulo 4 propõe-se uma análise genealógica do "sector da ajuda",
ou, como o define Agustín, do "social". A autora percorre brevemente
a história das percepções da prostituição, mostrando como a definição e a
construção da "venda do sexo" enquanto "problema social",
bem como a nova definição da "prostituta" como vítima, têm a sua
origem nas estratégias de autonomização das mulheres da classe média europeia
no século xix que, impossibilitadas de trabalhar fora de casa pelas rígidas
regras de respeitabilidade, e enquanto emblemas da moralidade da família
monogâmica e nuclear, encontraram no "trabalho social" uma forma de
actividade que lhes garantia alguma autonomia e independência sem pôr em risco
a sua respeitabilidade moral. Na origem da pretensão da recém-nascida burguesia
de moralizar as classes trabalhadoras encontra-se, portanto, uma estratégia
feminina de autonomização e a criação de um sector de emprego concebido ad hoc
para a moralidade das mulheres do século xix.
Sobre a origem da mudança da representação da prostituta e do nascimento do
sector do "social", destaca-se também neste livro a transformação das
formas de governo europeias, desde a soberania dos governantes até ao que
Michel Foucault definiu como "governamentalidade" — as artes do
governo que incluem um amplo leque de técnicas de controlo, desde o controlo de
si até à gestão biopolítica das populações. De facto, na intervenção social
para com os trabalhadores do sexo, a sobreposição entre protecção/salvação e
correcção/punição é absolutamente evidente, quer no passado, quer hoje em dia.
A missão de "salvar e ajudar" as "prostitutas", que as
mulheres do século xix se atribuíram, era uma forma de "colonialismo
moral" que visava impor standardsde vida e de moralidade às classes
"pobres", auto-assumindo-se como referências morais e avocando, numa
verdadeira "ideologia doméstica", a ideia da família monogâmica como
centro e base da sociedade: "during the rise of the social, the burgoise
believed it had a duty to civilise the working class" (p. 104).
Este discurso, que cruza uma definição estigmatizante da "vítima" com
mecanismos de controlo e correcção social, é a base da maioria dos programas
europeus actuais destinados a "ajudar" os migrantes trabalhadores do
sexo. É isso que a autora pretende demonstrar na segunda parte do livro. No
capítulo 5 fornece elementos metodológicos da investigação etnográfica
conduzida pela autora em Madrid e no capítulo seguinte oferece uma série de
pequenos case studies de interacção entre operadores sociais, investigadores e
trabalhadores do sexo na cena espanhola. A autora apresenta uma série de
situações (a distribuição de preservativos na rua a trabalhadores do sexo, o
confronto com operadores em mesas-redondas e conferências, a atitude de uma
casa-abrigo gerida por freiras, campanhas contra o tráfico e a SIDA...) que
mostram, na prática, o funcionamento das ideias preconcebidas e o elemento
autoritário e moralizador implícito nestas formas de ajuda, salientando que
"social programming reifies and reproduces the classic `prostitution'
discourse" (p. 186). Mesmo no contexto do "social" e da ajuda,
Agustín comenta, em conclusão, que "the power to define problems, terms
and solutions rests with social agents, who debate how to get others to behave
differently, even save them from themselves — the disadvantaged, unruly,
victimised, unhappy, offensive, addicted [...] My critique far from implying
that there are no injustices or troubles to be solved, points to the
constructed character of `social problems'" (p. 194).
Sex at the Margins é um livro voluntariamente escrito de forma a ser acessível
a todos os tipos de leitores, mas a que não faltam originalidade e análise
teórica, nem referências bibliográficas completas e exaustivas. É especialmente
indicado para quem está envolvido no trabalho social com migrantes e, muito em
particular, com migrantes trabalhadores do sexo e para quem se propõe lidar com
a questão do tráfico de seres humanos.
Lorenzo Bordonaro
CRIA, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa