Os proprietários e o associativismo agrário na Catalunha (1850-1936)
Esperava-se que o sindicalismo católico actuasse como um verdadeiro muro de
contenção perante a invasão dos ideais revolucionários, mas, como se verificou,
o discurso anti-socialista não foi suficiente para pacificar o campo. O
sindicalismo católico também pressupunha a adopção de uma orientação mais
social, disposta a fazer concessões para neutralizar as aspirações de reforma
agrária. Com o objectivo de favorecer o acesso dos camponeses à terra, alguns
destes sindicatos facilitavam arrendamentos colectivos ou compravam algumas
parcelas para serem exploradas pelos sócios. Constituíram uma última tentativa
de manutenção de um sindicalismo interclassista que pudesse evitar a separação
violenta entre proprietários e camponeses (Planas, 1998).
O golpe de estado de Setembro de 1923 poria fim à espiral de conflitualidade
social crescente que se manifestava também no mundo rural. No entanto, a
ditadura de Primo de Rivera (1923-1930) constituiu apenas uma pausa; as causas
do conflito social continuavam sem solução e o mal-estar manifestar-se-ia com
toda a virulência durante a década de 30. Durante os anos da ditadura de Primo
de Rivera promoveram-se algumas iniciativas legislativas de reforma das
estruturas agrárias que preocuparam profundamente os proprietários agrícolas e
a chegada da II República, com governos comprometidos com as reivindicações do
campesinato, motivou a reacção defensiva dos proprietários.
Perante as primeiras medidas reformistas do governo republicano (1931), o IACSI
iniciou uma grande mobilização que tinha como objectivo a criação de
associações de proprietários em todas as comarcas catalãs, bem como a
vinculação orgânica ao Instituto daquelas que já existissem. Estas associações
teriam representantes no conselho directivo do IACSI (órgão superior à junta
directiva que fixaria as linhas básicas da actuação do Instituto) e teriam de
submeter qualquer actuação à supervisão da junta directiva do mesmo. A campanha
obteve um êxito significativo e em poucos meses estabeleceram-se associações em
mais de trinta comarcas, cobrindo assim a maior parte do território catalão. Os
proprietários abandonaram totalmente a estratégia interclassista e passaram a
mobilizar toda a classe proprietária no sentido da estrita defesa patronal.
No entanto, o cooperativismo agrário continuou a desenvolver-se e a organizar-
se, até criar, no início de 1931, a União de Sindicatos Agrícolas da Catalunha,
uma grande federação de associações que, ainda que com o protagonismo da classe
proprietária, manteve a independência da acção patronal do IACSI. Esta
federação foi o resultado do acordo entre algumas das principais associações
cooperativas da Catalunha e conseguiu a imediata adesão de um grande número de
sindicatos e cooperativas de toda esta região (Ribas Banús, 1974; Pomés, 1991;
Ramon, 1999). Com uma orientação fundamentalmente económica, organizou-se em
sectores produtivos (a União de Viticultores da Catalunha converteu-se na sua
secção de viticultura) e procurou manter-se à margem da crescente politização e
do confronto cada vez mais violento entre o IACSI e o poderoso sindicato do
campesinato vitícola catalão Unió de Rabassaires(Giralt, 1965; Balcells, 1968;
Pomés, 2000).
A campanha de defesa patronal que o IACSI levou a cabo durante a II República
obteve a adesão de um alargado sector de proprietários rurais (sobretudo
grandes, mas também médios e pequenos) que se sentiram ameaçados pelo clima
social, pelo discurso e pelas prioridades políticas das novas autoridades.
Porém, a radicalização política e o crescente confronto entre proprietários e
camponeses desembocariam na explosão de violência desencadeada em 1936 com o
rebentar da Guerra Civil espanhola e da revolução social na Catalunha.
Conclusão
Durante a segunda metade do século xix e o primeiro terço do século xx, a
agricultura europeia passou por enormes mudanças, às quais os diferentes grupos
sociais se adaptaram de formas diversas. Este artigo centrou a sua atenção na
reacção de um destes grupos, a classe proprietária, através da acção colectiva.
Até ao século xix, este grupo social ocupava uma posição preeminente, mas, à
medida que o processo de industrialização avançava, o seu estatuto económico
sofreu um retrocesso e, com a crise do final do século, a sua posição económica
e social ficou ainda mais debilitada. Em reacção a esta situação, no final do
século xix, esta classe protagonizou uma intensa mobilização social e promoveu
um novo associativismo agrário de carácter corporativo. Esta foi uma das
estratégias adoptadas pelos proprietários rurais para manter o seu predomínio
social. Com ela pretendiam atingir três objectivos: (1) liderar a modernização
técnica agrária; (2) limitar a organização autónoma do campesinato; (3)
constituir-se perante os poderes públicos como os representantes do conjunto da
"classe agrícola". Estes objectivos não eram fáceis de atingir, como
pudemos ver nas páginas precedentes, ao examinar a relação entre os
proprietários e o associativismo agrário na Catalunha.
Até ao final do século xix o associativismo agrário limitava-se
fundamentalmente a alguns pequenos círculos de proprietários ilustrados,
preocupados com os novos conhecimentos agrícolas e com as mudanças legais que
poderiam prejudicar os seus interesses económicos (direitos de propriedade,
contratos agrários, fiscalidade, etc.). O campesinato mantinha-se completamente
à margem destas associações, apesar do facto de a modernização técnica da
agricultura ser inviável sem o seu concurso.
A crise agrária do final do século veio mudar esta situação. Em primeiro lugar,
porque a crise tornou mais necessária a mobilização social em torno da defesa
de medidas de protecção agrária. Os proprietários viram a necessidade de contar
com a adesão do campesinato para aumentar a força das suas reivindicações e a
crise também gerou um clima favorável à criação, por parte dos trabalhadores
rurais, de uma frente comum com os proprietários para fazer face às
dificuldades do conjunto do sector. Ao mesmo tempo, a crise fomentou a
conflitualidade social no mundo rural e causou confrontos entre trabalhadores e
proprietários. Estes últimos reclamaram a acção repressiva das autoridades
enquanto organizavam também as suas associações defensivas; no entanto, para
evitarem a polarização social começaram a fomentar associações mistas de
proprietários e trabalhadores rurais, como as câmaras agrícolas.
Com as câmaras agrícolas pretendiam limitar a organização de associações
autónomas do campesinato e reforçar a liderança dos proprietários na defesa dos
interesses agrários. As câmaras eram órgãos consultivos do Estado e
transformavam os seus dirigentes em interlocutores privilegiados dos poderes
públicos. A adesão do campesinato fazia aumentar a sua representatividade na
defesa dos interesses agrários e concedia-lhes uma posição de liderança na
organização do movimento associativo agrário. No entanto, as câmaras agrícolas
não conseguiram consolidar-se como modelo associativo. A razão principal para
tal foi o escasso desenvolvimento das suas funções cooperativas, que eram
essenciais para atrair o campesinato, mas menos necessárias para os grandes
proprietários. Estes promoveram a modernização agrícola principalmente através
da difusão de conhecimentos técnicos em publicações, conferências, quintas-
modelo, exposições, concursos, etc., actividades nas quais as câmaras agrícolas
centraram as suas acções.
O cooperativismo desenvolveu-se através de outros modelos associativos, como os
sindicatos agrícolas, regulados em Espanha pela lei de 28 de Janeiro de 1906.
Os proprietários também participaram na organização destes sindicatos e
cooperativas, que se converteram nas entidades mais dinâmicas do movimento
associativo agrário. Favoreceram o contexto legal para a sua criação e
desenvolvimento, impulsionaram directamente a criação de sindicatos e tentaram
controlar o movimento cooperativo através de federações agrárias. O carácter
interclassista destas associações era um objectivo estratégico para evitar a
confrontação entre o campesinato e os proprietários. Ainda assim, a existência
destas associações mistas não conseguiria evitar a conflitualidade. Em
contraste com a expansão agrícola da segunda metade do século xix, durante o
primeiro terço do século xx as dificuldades do sector agrário puseram em
primeiro plano as diferenças entre proprietários e campesinos. Os direitos de
propriedade e a função social dos proprietários começaram a ser postos em causa
abertamente e as exigências de reforma das estruturas agrárias passaram a ser
atendidas pela esfera política. O desenvolvimento de um sindicalismo campesino
autónomo de carácter reivindicativo e cada vez mais beligerante contrastava com
o sindicalismo católico, que também exercia funções cooperativas, embora com
uma orientação muito mais social e anti-socialista. Alguns proprietários
apoiaram o sindicalismo católico como último recurso para manter um
associativismo interclassista e evitar a fractura social. No entanto, à medida
que os projectos de reforma agrária se consolidavam, a classe proprietária viu
a necessidade de reorientar a sua acção colectiva no sentido da defesa
patronal.