Os proprietários Florestais
Fernando Oliveira BaptistaeRicardo TerraSantos, Os proprietários Florestais,
Oeiras, Celta Editora, 2005, 94 páginas.
Constitui objectivo deste livro tornar públicos os principais resultados
relativos a um inquérito efectuado aos proprietários florestais privados em
Portugal, no qual participaram os dois autores em causa, integrando uma equipa
mais vasta do Instituto Superior de Agronomia (ISA). O trabalho foi
desenvolvido no âmbito do projecto "Estudos dos Problemas Estruturais das
Explorações Florestais Portuguesas", onde se procurou contemplar o
conhecimento da história florestal de Portugal a partir da segunda metade do
século xix, assim como dos perfis actuais da floresta portuguesa. Para a
concretização deste último objectivo procedeu-se à identificação e
caracterização dos perfis dos proprietários florestais privados, que constitui
o tema central desta obra.
Efectivamente, os proprietários florestais privados são detentores de três
quartos da superfície florestal do continente, um valor só por si
suficientemente expressivo para os colocar em primeiro plano na abordagem das
"questões florestais". O estudo efectuado é, sem dúvida, um grande
contributo para um melhor entendimento da problemática florestal com uma
substancial sustentabilidade científica, num tema muitas vezes povoado de
banalidades e/ou ideias preconcebidas. Os seus resultados traduzem-se numa obra
de consulta obrigatória para todos aqueles que procuram conhecer, compreender e
transformar a realidade florestal, em particular para os decisores políticos.
Em termos metodológicos, refere-se que foram realizados dois questionários,
abrangendo 2406 proprietários florestais individuais no continente. Um de
carácter mais geral e destinado à caracterização socioeconómica da propriedade
e do proprietário florestal e o outro destinado a inquirir sobre as práticas
florestais, efectuado por espécie florestal mais relevante na área florestal
pertencente ao proprietário, a saber, pinheiro bravo, sobreiro, eucalipto,
carvalho, castanheiro e azinheira. A partir dos resultados obtidos foi possível
construir uma tipologia dos proprietários florestais e proceder à sua descrição
e caracterização, evidenciando as diferenças mais importantes entre estes.
Ainda em termos metodológicos, são de realçar dois aspectos. Em primeiro lugar,
dos 2691 proprietários inicialmente seleccionados, apenas 901 foram
efectivamente inquiridos. Mas mais importante do que o número dos que não
responderam, é de sobrelevar as razões desse facto e ainda as consequências das
posteriores substituições processadas. Assim, no que concerne às causas da não-
resposta, sobressaem o falecimento, o seu desconhecimento pelos informadores
locais e ainda a sua ausência. Estes dados, só por si, são elementos
caracterizadores do perfil dos proprietários florestais com repercussões nos
modelos de gestão, nas lógicas económicas e nas expectativas dos mesmos em
relação à floresta. Para além disso, as substituições efectuadas reduziram o
número de proprietários não residentes no concelho a que pertenciam as
freguesias escolhidas, tornando mais difícil a caracterização do perfil desta
categoria de proprietários. O segundo facto importante refere-se à maior
presença neste inquérito dos proprietários das grandes superfícies florestais,
o que é igualmente indicador das expectativas, motivações e interesses dos
pequenos proprietários florestais em relação à floresta.
Os autores estruturaram a apresentação dos resultados em quatro capítulos. No
primeiro, intitulado "Proprietários e propriedades", é apresentada
uma tipologia dos proprietários a partir de um conjunto de variáveis relevantes
para a sua diferenciação, que procuraram dar ênfase à relação entre os
proprietários florestais e as respectivas propriedades em termos das lógicas
económicas que subjazem às práticas de gestão adoptadas. Definiram-se então
cinco tipos: investimento-reserva; propriedade-reserva; trabalho-reserva;
exploração-reserva; empresa florestal. Procedeu-se também à escolha de um
conjunto de variáveis destinadas à validação desta tipologia, com o objectivo
de demonstrar a presença de diferenças relativamente a outras vertentes nos
cinco tipos considerados. Entre elas, vale a pena salientar a questão da
dimensão e fragmentação da propriedade. A estrutura da propriedade fundiária
emerge, de forma recorrente, na problemática da floresta actual tanto ao nível
do senso comum como nos meios científicos, onde é facto aceite o predomínio da
pequena e muito pequena propriedade florestal.
Neste âmbito, os resultados deste trabalho revelam que para uma idêntica
estrutura de propriedade coexistem perfis socioeconómicos diferenciados, assim
como diferentes papéis da floresta na economia familiar do proprietário. Ao
lado desta vertente temos igualmente como relevante o perfil socioeconómico dos
proprietários, onde o tratamento dos dados apontou para um perfil relativamente
homogéneo: geralmente, são homens, a grande maioria com mais de 60 anos, e mais
de 70% têm, pelo menos, um descendente directo. Entre um quinto e um terço não
têm qualquer instrução e cerca de metade apenas concluiu o 1.º ciclo. Mais de
metade declarou-se reformada. Quer isto dizer que cada um dos tipos evidencia
"uma especificidade própria", só apreendida quando se contempla a
lógica económica de cada um deles, e, como ainda referem os autores, esta
tipologia constitui um contributo para "evidenciar os limites de muitas
das soluções hoje formuladas".
Já no capítulo 2, com a designação de "Produtos e serviços", os
resultados apresentados reportam-se aos produtos obtidos e aos serviços
prestados pelos proprietários florestais privados. Nestes produtos foram
consideradas, não só as produções tradicionais da floresta com destaque para
a madeira, cortiça, resina, frutos silvestres, entre outros , como também
outros produtos e serviços relacionados com a caça, produtos silvestres e
actividades de lazer e recreio. Em todos os cinco tipos considerados, a
presença destes últimos foi reduzida, ou seja, os proprietários florestais têm
ainda uma percepção tradicional da floresta em termos produtivos.
A análise das questões relativamente ao investimento adquiriu particular relevo
nos temas abordados no capítulo 3, denominado "Trabalho e
investimento". Conclui-se que mais de metade dos inquiridos declarou não
ter realizado qualquer investimento e os que investiram na floresta fizeram-no
à custa de capitais próprios, tendo os subsídios uma representação pouco
marcante. Tal como sublinham os autores, trata-se de uma floresta arredada do
investimento, que, nos casos em que se realiza, parte de capitais próprios e
privilegia os produtos florestais tradicionais.
No capítulo 4, o último, cujo título é "A floresta e os
proprietários", assumem destaque as principais conclusões do trabalho
realizado. Em primeiro lugar, os proprietários florestais privados diferenciam-
se pelas lógicas económicas com que gerem as suas propriedades, pelas práticas
de gestão, pelos produtos e serviços a que se dedicam, pelos modelos de
trabalho e de investimento que adoptam. Mas também evidenciam um conjunto de
características comuns: são, na sua maioria, idosos e reformados; a madeira e a
cortiça constituem os produtos de maior importância e os serviços ambientais
têm uma expressão muito ténue nas propriedades florestais; o investimento é
reduzido e feito com recursos a capitais próprios, tendo como destino
privilegiado a arborização; em termos de trabalho, o comprador tem um papel
muito influente no caso da madeira, comparativamente à cortiça, e o recurso à
subcontratação para algumas operações florestais é já assinalável. Quer isto
dizer que, para além das diferenças na composição por espécie florestal e na
estrutura de propriedade, o que diferencia os agentes estudados são as suas
lógicas económicas, tema que deverá ocupar posição de referência nas opções que
se fizerem em termos de política florestal. Ainda neste capítulo são
apresentadas estimativas quanto à área que cabe a cada um dos tipos definidos e
à sua distribuição por cada região agrária.
A concluir o capítulo, duas chamadas de atenção: uma para a "opacidade da
floresta", onde os autores expressam uma posição favorável em relação ao
associativismo florestal, e outra para os decisores políticos: a política
florestal não deve seguir a via penalizadora e coerciva, já que "a
floresta é demasiado vulnerável para suportar imposições do exterior".
Amélia Branco Dias
Instituto Superior de Economia e Gestão
ameliab@iseg.utl.pt