Introdução
DOSSIER 50 ANOS DE LUUANDA
Introdução
Joana Passos* Elena Brugioni**
No Colóquio de Outono de 2013, subordinado ao tema As Humanidades e as
Ciências, Disjunções e Confluências, o Centro de Estudos Humanísticos da
Universidade do Minho tomou a iniciativa de organizar uma Mesa Redonda sobre o
cinquentenário de Luuanda, de Luandino Vieira, obra fundadora da moderna
literatura, escrita, de Angola, e emblema de uma intervenção literária que
reuniu vários escritores dessa mesma geração de 1950 / 1960 em torno da causa
da libertação nacional. Embora Luuanda fosse efetivamente publicada pela
primeira vez em 1964, foi escrita em 1963, na cadeia de S. Paulo, da invocada
cidade. As circunstâncias da criação do manuscrito e do seu clandestino caminho
do interior da prisão até ao editor, pela mão de Ermelinda Graça, são já parte
integrante do percurso extraordinário deste livro, e justificam uma certa
antecipação no assinalar da efeméride.
A partir das intervenções nessa Mesa Redonda, quisemos deixar memória de tão
participada e emotiva sessão, testemunho vivo do reconhecimento que Luandino
Vieira conquistou junto de gerações de investigadores, incluindo os mais
jovens. E foi este mesmo propósito que motivou a procura de testemunhos por
parte de outros escritores, colegas e cúmplices, que quiseram deixar a sua voz
associada a este dossier.
As organizadoras querem agradecer, em primeiro lugar, a generosidade de
Luandino Vieira, pela forma como nos recebeu e se disponibilizou a colaborar,
e, por outro lado, o continuado e decidido apoio da professora Ana Gabriela
Macedo, Diretora do CEHUM, que acolheu esta iniciativa. Agradecemos também às
nossas convidadas, as professoras Ana Mafalda Leite e Inocência Mata, bem como
às professoras Laura Padilha e Rita Chaves, os ensaios que nos
disponibilizaram. Por fim, o nosso reconhecimento aos escritores que juntaram
as suas vozes a esta homenagem e um agradecimento especial a Ungulani Ba Ka
Khosa, que, ao saber da iniciativa, se disponibilizou para levar o nosso
convite até ao Luís Bernardo Honwana.
Luuanda, conjunto de 3 ‘estórias’ escritas em 1963 por Luandino Vieira, ganhou
uma maior visibilidade em 1964, quando lhe foi atribuído o prémio D. Maria José
Abrantes Mota Veiga, na altura um importante prémio angolano, o qual teve o
mérito de estimular a publicação de autores locais, na Angola dos anos 60. O
percurso pessoal de Luandino Vieira, o período histórico em que viveu e as
formas de intervenção a que não se esquivou são indissociáveis da escolha de
temas, perspetiva ideológica, carga humana e afetiva e, até, do inovador uso da
linguagem que se encontra nos seus textos. Também o impacto de Luuanda se
prende com as posições públicas tomadas por quem o escreveu. Em 1959, no âmbito
do chamado Processo dos 50, a PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do
Estado — efetuou um conjunto de prisões de destacados nacionalistas angolanos
com o objetivo de desorganizar, ou pelo menos adiar, a eclosão da guerra de
libertação em Angola. Luandino Vieira foi um dos nacionalistas presos no âmbito
deste processo. Quando escreve Luuanda, em 1963, é um preso político em virtude
das suas convicções nacionalistas, e já decorria a guerra de libertação de
Angola (1961-1975). A situação vivida pelo autor enquadra estes contos como
escrita comprometida, e por isso é pertinente recordar o percurso de Luandino
Vieira, para se contextualizarem as motivações que subjazem à escrita, e se
explicitar o receio que estes textos inspiravam ao regime ditatorial do Estado
Novo. Mais tarde, em 1964, Luandino Vieira acabaria por ser transferido para a
prisão do Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde, onde ficou oito anos.
Tratava-se portanto de uma voz que se queria silenciar, um ativista a manter
longe de Luanda.
No ano seguinte, em 1965, Luuanda ganhou o 1º Grande Prémio da Novelística da
Sociedade Portuguesa de Autores, e desencadeou um polémico processo político,
que teve o efeito oposto ao pretendido: quanto mais se pretendia silenciar o
impacto destes textos, mais mítica se tornava a obra de Luandino Vieira. Com a
atribuição do prémio pela Sociedade Portuguesa de Autores – o que levou ao
encerramento da mesma pela polícia política do Estado Novo – Luuanda tornou-se
um símbolo de resistência, alinhada à esquerda, que unia uma parte da
intelectualidade portuguesa aos ativistas que pugnavam pela libertação das
várias nações africanas ainda colonizadas por Portugal. Luuanda torna
protagonista o povo de Luanda, por contraste com os bairros coloniais da
"Cidade Alta", revelando a base operária, explorada, dessa Luanda do musseque
que, unida e resoluta, é o símbolo de uma idealizada nação africana a germinar.
Doze anos depois da escrita de Luuanda, Angola torna-se um país independente, a
11 de Novembro de 1975. Neste processo histórico, a escrita literária de
Luandino Vieira teve um importante papel de consciencialização política e de
elucidação dos termos do conflito, ao mesmo tempo que ofereciam ao leitor
angolano uma base de identificação com uma identidade angolana, distinta da
portuguesa, que era urgente afirmar. Luuanda é portanto uma obra que nasce
ligada a um contexto de resistência e afirmação, em sintonia com outras
literaturas de língua portuguesa que na altura enfrentavam os mesmo desafios.
Não é, apesar desta responsabilidade histórica, um livro datado, pois a
vitalidade do texto continua a cativar leitores e permanece vivo testemunho da
identidade angolana e das questões que ainda hoje aguardam resposta nessa
sociedade.
O livro Luuanda veio a ser reeditado 17 vezes[1], e foi traduzida para russo,
alemão, checo, dinamarquês, sueco, inglês, italiano, polaco, espanhol e
francês. As duas últimas reedições saíram simultaneamente em Luanda e Lisboa,
em 2004 e 2008.
Em tom de conclusão acrescentaríamos que, em 2006, o Prémio Camões foi
atribuído a Luandino Vieira, que na altura ainda vivia isolado e silencioso,
recluso no convento de San Payo, em Vila Nova de Cerveira, onde esteve cerca de
10 anos. Aparentemente, nos últimos anos, o escritor reencarnou num avatar mais
mundano, recomeçou a reescrever depois de uma longa interrupção, e redescobriu
a teia de amigos e colaboradores que o reclamam para o mundo. Luandino Vieira
tem também uma faceta de editor, com a editora Nóssomos, através da qual, mais
uma vez, está a fazer as coisas que têm de ser feitas, como reeditar
publicações raras de autores angolanos (e não só), divulgando de novo a sua
obra.
Em nome de muitos, obrigada por tanto, Luandino.
Notas
[1]Dez das reedições de Luuanda são das Edições 70, editora com um papel
destacado na divulgação de autores angolanos e moçambicanos em Portugal,
fazendo a ponte entre os intelectuais dos dois países num período de grandes
convulsões históricas e políticas. Quatro edições são angolanas, três delas da
União de Escritores Angolanos.
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