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EuPTHUHu0807-89672014000300010

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variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0807-8967
ano2014
Issue0003
Article number00010

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O Luuanda de Luandino e a Mensagem da Cei TRIBUTO A LUUANDA O Luuanda de Luandino e a Mensagem da Cei

Luís Bernardo Honwana[1]

Para o Carmo Vaz Para mim não falar do Luuanda de Luandino sem falar da Casa dos Estudantes do Império e do seu boletim, a Mensagem.

Nesses anos de apagamento d’O Brado Africano, o que considerávamos ser importante na nascente literatura moçambicana não vinha em livro, não tinha espaço dedicado na imprensa (tirando, talvez, a Voz de Moçambique) e mesmo como texto avulso tinha a circulação vigiada. Para a polícia política qualquer volante impresso era muito provavelmente um panfleto subversivo.

Era principalmente a Mensagem que de longe nos trazia tanto do que nós nos descobríamos ser, nesses anos de despertar, na Lourenço Marques colonial. Os números da Mensagem que passavam de mão em mão eram principalmente os das antologias de poesia. O Rui de Noronha do Quenguelequezê chegou a muitos de nós pela primeira vez na famosa edição ciclostilada, aquela que tinha na capa a gravura do timbileiro de Zavala.

E foi a Mensagem que nos abriu Angola.

Angola trilhava o caminho que, com as grandes certezas que animam a juventude, sabíamos que seria também o nosso. Mas mesmo antes da grande conflagração que nos fez parceiros e aliados num mesmo processo de luta anticolonial, sabíamos ter muito em comum. A literatura ajudava a identificar essas semelhanças, especialmente quando nos transportava para os espaços onde se sonha o futuro, na costura entre o urbano e a periferia da cidade colonial.

Angola era realmente tão igual a nós, tão irmã:

Musseque = cidade de caniço; Contratados = Chibalos; Sambizanga, Cayatte, Bairro Operário = Mafafala, Chamanculo, Xipamanine; Liceu Vieira Dias, n’Gola Ritmos = Daíco, Fanu Mpfumu...

Tudo cantado, ou dito numa língua nova, que afeiçoava o português às necessidades comunicativas do subúrbio da grande cidade e, à escala de todo o território, à função de língua franca, antecipando a apropriação da língua que Cabral e seus pares acabariam por proclamar, anos mais tarde.

Nós sabíamos de cor os poetas de Angola: o Viriato, o António Jacinto o Agostinho Neto, o Mário António, todos eles. Misturávamo-los com o Craveirinha, com o Rui Nogar e com a Noémia de Sousa e dizíamo-los com o mesmo orgulho e desafio nos saraus de poesia do NESAM (Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique) no velho Centro Associativo dos Negros da Colónia de Moçambique. Estou a ver as nossas declamadoras e declamadores, todos (maus) discípulos de Villaret na teatralidade do seu dizer, batendo com o no chão e com o punho no peito, empolgando-se (antes de empolgar os outros) com o Monangambé, com o Makezu, com a referência literária que escapa a um primo que por isso ficou o Zeca Camarão. (Numa aventura que se passa numa chunga talvez o que era para nós um baile de chongaria!!!).

Através da Mensagem, estudantes que éramos, fazíamos eco dos debates, tensões e descobertas que certamente convulsionavam a vida dos nossos colegas mais velhos, na Casa dos Estudantes do Império. , seguramente, continuavam e eram trazidas para outros níveis as tentativas pioneiras do "Vamos descobrir Angola" ou, do nosso lado, a saga dos Albasinis e da Associação Africana.

Acreditávamos que também , em Lisboa, na famosa esquina da Duque D’Ávila com a Dona Estefânia, o grito de protesto ou de revolta, o despertar da consciência social, a aspiração libertária, a corrente solidária era o que se procurava nos poemas que se liam e também o que levava tantos jovens a tentarem, de forma quase ritualística, a aventura da escrita. O exemplo que se emulava era o da boa mão cheia de consagrados com que se contava, desde os anos 50; os novéis escritores e poetas, muitos deles claramente a braços com uma crise identitária, pareciam ver na literatura, para além da possibilidade do exercício de um talento que acreditavam possuir, uma espécie de via de redenção, num processo não muito distante da "reafricanização dos espíritos" de que falava Amílcar Cabral. A necessidade de afirmação, mesmo quando deficiente em termos de expressão literária, era um sinal de empatia ou adesão ao movimento verdadeiramente geracional de rejeição do status quo social, literário, político.

Era, como certa crítica apontava, uma poesia com programa. Programa vago e mal articulado como era inevitável na urgência do momento e forçoso nesses tempos de censura e repressão.

E o interesse despoletado pela poesia alastrava por outras áreas do universo das letras, pelo cinema, pelo debate de ideias sempre com a generosidade e o fervor militante que eram o nosso timbre.

A exploração destas outras saídas e possibilidades da produção literária terá colhido alguma inspiração ou encorajamento no ensaio de Alfredo Margarido que acompanhava a antologia Poetas de Moçambique.

Este famoso prefácio não preenche, por variadíssimas razões, dizemo-lo hoje, a dimensão de texto seminal, mas nós colocávamo-lo (talvez por mero paralelismo: tratava-se do prefácio a uma antologia poética) na mesma linhagem do "Orphée Noire" de Sartre, que antecedia à Antologia da Nova Poesia Negra e Malgache em Língua Francesa e do "Cultura Negra e Assimilação" de Mário de Andrade em apresentação à Antologia da Poesia Negra de Expressão Portuguesa. Margarido fornecia o enquadramento histórico e o fundamento teórico da poesia antologiada pela Mensagem, e de toda a poesia que para nós contava. Na realidade as antologias e as revistas pelo menos algumas delas prenunciavam naquele quadro histórico os vastos processos de mudança no relacionamento entre dominados e dominadores que iriam a breve trecho ocorrer.

Perturbou-nos por isso o encarniçamento de Rui Knopfli e Eugénio Lisboa, contra o texto de Alfredo Margarido. E não era apenas por causa dos critérios de inclusão e do grau de importância relativa que se atribuía aos diferentes poetas. Nenhum de nós estaria à altura de apreciar plenamente o mérito dos argumentos que se foram produzindo na longuíssima polémica, mas, de maneira difusa, compreendíamos que no conceito de poesia defendido por Knopfli e Lisboa não cabiam os poetas que nós tão efusivamente festejávamos incluindo os consagrados! Seria realmente menor a oficina de alguns destes poetas, em relação aos que Lisboa e Knopfli pareciam preferir? (Mas sempre se poderia perguntar: em relação a que cânone de aplicação universal?) E como se poderia, em todo o caso, recusar o interesse e importância do esforço consciente na renovação da língua, que essa poesia revelava, com ousadias semânticas, com um novo léxico e com a importação de inesperados fonemas ditados pelas línguas mãe subjacentes ao português falado por angolanos, moçambicanos e guineenses, trazendo em resultado outros ritmos e também outra aceitabilidade a uma língua que na experiência histórica dos nossos povos era a língua da humilhação? Eis que surge Luuanda.

O livro chegou a Moçambique por vias paralelas e, ainda que não oficialmente proibido, entrou imediatamente no vasto (e prestigiado) rol de livros de circulação clandestina. Luuanda, que muitos consideram o texto inaugural da nova prosa de ficção em Angola, constitui o argumento não utilizado na polémica entre o Margarido e seus opositores e em todas as discussões sobre o que é a poesia (ou, de maneira geral, a literatura) moçambicana. Com este livro angolano de ficção talvez ficassem definitivamente esclarecidas algumas das questões que foram tenteadas no texto de apresentação de uma antologia da poesia moçambicana. E continuamos nas semelhanças e intermutabilidades entre Angola e Moçambique...

E não . Efectivamente para muitos de nós Luuanda constituiu uma espécie de ponto de chegada no percurso sociológico, estético e literário iniciado pelos poetas da Mensagem.

As três estorias (é o Luandino quem entre nós inaugura esta forma de designar o que de outro modo chamaríamos de conto) que integram este livro compõem no seu conjunto um registo de protesto mas, indubitavelmente, elas têm mais que lembre as histórias que se contam à volta da fogueira do que as proclamações inflamadas de alguns dos poemas que se declamavam no Núcleo.

Muitos anos mais tarde, quando em Lisboa privei com o Luandino, e o ouvi na sua conversa mansa e ar tranquilo reconheci sem dificuldade a voz que conta com humor e ternura o que aconteceu à Vavó Xíxi e ao Seu Neto Zeca Santos.

Compreendi também a naturalidade com que deverão ter fluido, neste angolano branco falante de quimbundo e adolescido no musseque, os enredos, o ritmo apropriado e as palavras certas para recriar literariamente a vida do povo sofrido de Luanda nesse longo finzinho do colonialismo.

As estórias do livro Luuanda são contadas numa língua de criação artística, o português de Luandino Vieira como passou a ser designado, pois ninguém no musseque falaria exactamente como a Vavó Xíxi, a nga Zefa ou o Xico Futa ou como o próprio narrador das estórias. Mas a dupla subversão do português e do quimbundo operada na pena de Luandino Vieira serve esplendidamente para nos dar conta dos casos que denunciavam fundas tensões na difícil interacção entre o colonizado e o colonizador. E, no processo, ela punha em causa a hierarquização entre o português e as línguas africanas um dos grandes fundamentos culturais e filosóficos da dominação colonial.

Muitos analistas fizeram notar que para além da verdadeira revolução formal que representa, Luuanda abre-se a múltiplas leituras e interpretações em que, por exemplo a integração e interpenetração entre o português e o quimbundo, no texto, seria como que a antevisão de uma solução possível para o problema cultural que sempre haveria que resolver na reconstrução da nação angolana, depois de eliminada a presença colonial.

A língua das estórias do Luandino não era o pretoguês inconsequente da chamada literatura colonial, e o simbolismo da "Estória do Ladrão e do Papagaio" ou o da "Estória da Galinha e do Ovo", com toda a sua subtileza e humor, não passaram despercebidos. Nem à Sociedade Portuguesa de Escritores, cujo júri acreditou (por maioria) estar perante um dos livros mais importantes da literatura portuguesa, nos últimos tempos, nem aos grupos vigilantes do regime, que se indignaram perante a premiação com o principal galardão nacional para a literatura da obra de um escritor tão subversivo que até estava em pleno cumprimento de pena maior por actividades contra a segurança do estado.

Houve actos de repúdio. Houve manifestações de solidariedade. E houve também quem se interrogasse sobre se o Luuanda poderia ser considerado ainda como parte da literatura portuguesa.

Foi significativo que no mesmo ano de 1965 e em consequência directa do impacto do Luuanda na sociedade portuguesa, Salazar tenha mandado encerrar a Sociedade Portuguesa de Escritores e a Casa dos Estudantes do Império.

A Mensagem deixou de circular.

De qualquer modo a grande maioria dos seus antologiados de Angola, de Moçambique e das outras colónias estava nesse momento ou no exílio ou na prisão. O mesmo acontecia aos declamadores e ao público dos saraus de poesia do NESAM, embora o Centro Associativo dos Negros de Moçambique tenha ainda permanecido aberto até 1966.

Notas [1]Luís Bernardo Honwana publicou, em 1964, Nós Matamos o Cão Tinhoso, obra sucessivamente reeditada e traduzida para várias línguas. O livro é composto por sete contos que, individualmente têm vindo a ser integrados em diversas antologias, o que confirma a repetida presença de Honwana no centro do cânone moçambicano, e como referência para a literatura africana. Após a independência, Honwana foi diretor do Gabinete do Presidente Samora Machel e Secretário de Estado e posteriormente Ministro da Cultura.

É membro fundador da Organização Nacional dos Jornalistas de Moçambique, da Associação dos Escritores Moçambicanos e da Associação Moçambicana de Fotografia.

Campus de Gualtar 4710-057 Braga Portugal

ceh@ilch.uminho.pt


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