Perceção das consoantes oclusivas de português L2 sob a influência de mandarim
L1
0. Introdução
O número de aprendentes chineses da língua portuguesa tem aumentado
consideravelmente na China nos últimos anos. Vários estudos indicam que, no
percurso da aprendizagem/aquisição[1] de uma língua não materna (LNM – língua
estrangeira, LE, e/ou língua segunda, L2), os alunos tendem a ter problemas de
pronúncia, que são, pelo menos parcialmente, causados pela perceção imprecisa
dos sons da L2/LE (Rochet, 1995). Por seu turno, vários estudos demonstram que
os sons que são percebidos de forma mais precisa são também os produzidos de
forma mais correta (e.g., Flege, MacKay, & Meador, 1999; Rauber et al.,
2010; Wang, 1997). Há alguns estudos, todavia que revelam que a pronúncia
inadequada de sons não está necessariamente relacionada com dificuldades de
perceção, mas com outros aspectos tais como a exposição à língua alvo, a idade
de aprendizagem, entre outros (e.g., Flege, & Fletcher,1992; Flege, Takagi,
& Mann, 1995). Em virtude disso, pretendemos investigar a perceção das
consoantes oclusivas do Português europeu (PE)[2], já que observações informais
de situações de aprendizagem em sala de aula sugerem que a perceção e a
produção dos sons oclusivos poderão ser os mais problemáticos na aquisição do
PLNM por aprendentes chineses.
Neste sentido, este trabalho procura estudar as diferenças entre falantes
nativos do PE e falantes chineses de PLNM quanto à perceção dos sons oclusivos.
Em primeiro lugar, pretende-se verificar se as consoantes oclusivas são, de
facto, sons problemáticos para falantes chineses. Em segundo lugar, e uma vez
que um grupo de falantes de PLNM viveu em Portugal em contexto de imersão,
pretende-se observar se há efeitos da experiência de imersão linguística na
competência percetiva destes falantes, em oposição a falantes que adquiriram o
PE apenas em sala de aula. Além disso, este estudo visa verificar quais são as
consoantes oclusivas que causam mais dificuldades de perceção aos aprendentes
de Português língua segunda (PL2) com Mandarim língua materna (ML1).
Na próxima secção será feito um breve resumo de estudos que investigaram a
perceção de sons L2. Na secção 2, descrever-se-á, de forma sucinta e
contrastiva, os sistemas fonémicos do Mandarim e do PE. Na secção 3, far-se-á
uma breve descrição dos informantes, dos testes de perceção e das questões de
investigação. Na secção 4, os resultados serão apresentados e discutidos. Por
fim, na secção 5, serão apresentadas as conclusões.
1. Perceção de sons de uma língua não materna
Apesar de existirem diferentes critérios para distinguir a aquisição
linguística nativa da não nativa (veja Ellis, 1985), optamos por nos basear, em
primeira instância, nos critérios da ordem e do contexto de aquisição das
línguas. Assim, língua materna (L1) refere-se à primeira língua adquirida por
um falante (que pode ter duas L1s), adquirida em contexto naturalístico. Língua
não materna (LNM) designa uma língua adquirida depois de o falante já ter
adquirido uma L1. O conceito de LNM abarca outros conceitos como Língua Segunda
(L2), Língua Estrangeira (LE) ou mesmo Língua de Herança (LH), cuja delimitação
não é objeto deste trabalho (para uma discussão destes conceitos veja Flores,
2013), pelo que se optará doravante pelo termo Língua Segunda (L2) para
designar o Português adquirido pelos participantes deste estudo.
O presente trabalho insere-se numa linha de investigação que teve como
percursor os trabalhos de investigação de Flege, entre outros, particularmente
sobre o estudo de sotaque estrangeiro (e.g., Best, & Tyler, 2007; Flege,
1995; Flege, Munro, & Mackay, 1995a; Piske, Mackay, & Flege, 2001) e na
produção e perceção de sons L2 (e.g., Bettoni-Techio et al., 2007; Flege, 1993;
Rato, 2014a; Rauber, Rato, & Silva, 2010; Rochet, 1995; Sandes, 2010).
A perceção dos sons da L2, por parte de falantes adultos, é fortemente
influenciada pelo sistema de sons das suas línguas maternas (Lisker &
Abramson, 1970). Flege e Fletcher (1992), por exemplo, estudaram dois grupos de
falantes de Inglês L2, com línguas maternas diferentes, o Espanhol e o
Mandarim. Os autores reportaram que na pronúncia do Inglês L2 os sujeitos de
Espanhol L1, com uma idade de início de aprendizagem da L2 (AOL) entre os cinco
e os seis anos, obtiveram melhores resultados do que os falantes de Mandarim L1
com AOL semelhante. Esta diferença foi atribuída ao facto de os grupos terem
L1s diferentes. Por consequência, os falantes chineses demonstraram um sotaque
estrangeiro mais inteligível do que os espanhóis (Flege & Fletcher, 1992).
Flege (1995) propôs o Modelo de Aprendizagem da Fala (Speech Learning Model -
SLM), no qual formula hipóteses sobre o tipo de influência que a L1 pode
exercer sobre a L2, e descreve o conceito de ‘classificação por equivalência',
segundo o qual a aquisição de sons da L2 que são muito próximos de sons da L1
pode ser bloqueada pelo mecanismo de classificação dos sons por equivalência.
Os sons percebidos são identificados através de um “filtro seletivo”
(Trubetzkoy, 1969). Segundo este modelo, que parte de uma classificação dos
sons da L2 como “idênticos”, “semelhantes” ou “novos” relativamente ao sistema
de sons da L1, são os sons classificados como ‘semelhantes' os que mais
dificuldades causam a aprendentes L2. Flege (1995) conclui, por isso, que é
fundamental uma avaliação correta das “propriedades que diferenciam um som da
L2 dos outros, e dos sons da L1” (p. 236). Realça ainda que há uma ligação
intrínseca entre a produção de sons da L2 e a sua perceção. Também Rochet
(1995) sugeriu que os sotaques estrangeiros são causados, pelo menos
parcialmente, pela perceção imprecisa dos sons da L2. Sendo assim, o autor
assume que a capacidade de perceção tem efeitos claros sobre a produção dos
sons não nativos. Rauber et al.(2010) também revelaram que os sons que são
percebidos de forma mais precisa são aqueles produzidos de forma mais correta
(cf. Wang, 1997; Flege, MacKay, & Meador, 1999). Igualmente, Schmidt (2007)
afirma que os ouvintes adultos tendem a prestar atenção aos detalhes fonéticos
da L2 conforme a organização fonémica das suas L1s. Segundo este autor, os
ouvintes adultos não ouvem os sons da L2 mas sim variações dos sons da sua L1,
pelo menos no início do processo de aquisição. Há vários estudos que apresentam
resultados diferentes quanto à perceção segmental por falantes nativos e não
nativos, que são atribuídos às dissemelhanças entre o sistema fonético da L1 e
o da L2 (e.g., Best & Tyler, 2007; Bongaerts et al., 1997; Flege, 1995;
Guion et al., 2000).
Segundo o Modelo de Assimilação Percetiva, proposto por Best e Tyler (2007)
[Perceptual assimilation model, PAM-L2], os segmentos de uma L2 são percebidos
com base nas semelhanças e dissemelhanças com os sons da L1 do ouvinte. Segundo
o PAM-L2, a assimilação dos contrastes distintivos consiste em seis padrões: os
primeiros três são referentes aos sons categorizáveis, nomeadamente (a)
assimilação do tipo Duas-Categorias (DC), quando dois sons contrastivos da L2
são assimilados como duas categorias distintas da L1; (b) assimilação do tipo
Adequação-Categorial (AC), quando os dois sons são assimilados como uma só
categoria mas com diferentes graus de semelhança com categorias da L1; (c)
assimilação do tipo Categoria Única (CU), que ocorre quando os dois sons de um
contraste são percebidos, com o mesmo grau de semelhança/dissemelhança, como
uma única categoria fonológica da L1; e os demais três padrões referentes à
perceção de sons não categorizáveis (não categorizáveis e/ou não assimiláveis),
ou pelo menos um dos dois: (d) assimilação do tipo Ambos-Não-Categorizáveis
(AN); (e) assimilação do tipo Não-Categorizável-Categorizável (NC) e
assimilação do tipo Não-Assimilável (NA) (para mais informação veja Best &
Tyler, 2007; Reis, 2011).
A aprendizagem/aquisição de LNMs é um processo que pode ter lugar em contextos
sociolinguísticos e educativos, ocorrendo geralmente em dois ambientes
distintos: num contexto naturalístico onde se fala predominantemente a língua-
alvo ou num contexto de sala de aula, fora do qual a língua-alvo não é
amplamente usada. Cada contexto apresenta vantagens e desvantagens, reportadas
e analisadas por vários autores (e.g., Flege, Munro, & Mackay, 1995b; Flege
& Fletcher, 1992; Flege, & Liu, 2001; Flege, Yeni-Komshian, & Liu,
1999; Piske, 2007.)
O fator ‘contexto de aprendizagem' é central no presente estudo, pois poderá
influenciar a perceção de sons de Português L2 (PL2) por aprendentes
universitários chineses que se distinguem quanto ao tipo e quantidade de
exposição à L2. Num dos dois grupos experimentais deste estudo, a aprendizagem
deu-se apenas em contexto formal de sala de aula, e, no outro grupo, o contacto
com a L2 deu-se tanto em sala de aula como em ambiente naturalístico, pois este
grupo de aprendentes teve uma estadia de cerca de dez meses em Portugal.
A aprendizagem da L2 depende necessariamente do ambiente onde esta ocorre,
sendo um dos contextos-chave o de imersão linguística num país onde se fala
predominantemente a L2. Intimamente ligada a esta variável está o tempo de
residência em ambiente L2 (length of residence –LOR). Apesar de vários estudos
reportarem a sua influência (e.g., Flege & Fletcher, 1992; Flege, Takagi,
& Mann, 1995), nem todos os estudos tiveram resultados que corroboram a
hipótese do efeito significativo de LOR (e.g., Flege, 1988).
A par do tipo de contexto de aquisição, também a variável ‘uso da L2' parece
ter um papel importante no processo de aquisição (e.g., Flege et al., 1997;
Flege, MacKay & Meador, 1999). Flege e os seus colegas (1997) fizeram um
estudo sobre a avaliação de sotaque estrangeiro em dois grupos de falantes de
Italiano L1 e Inglês L2 residentes no Canadá, com médias de AOL quase iguais
(média = 6 anos), porém estes diferiam quanto ao uso diário do Italiano L1,
segundo os dados reportados pelos próprios informantes. O resultado relevou que
o sotaque italiano na L2 (inglês) era forte em ambos os grupos.
Entretanto, vários estudos defendem a importância do treino fonético de
determinados sons da L2, destacando o efeito positivo do mesmo ao nível da
perceção e da produção (e.g., Flege, & Wang, 1989; Moyer, 1999). Por
exemplo, Flege e Wang (1989) reportaram efeitos positivos do treino específico
dos contrastes /t/-/d/ no final das palavras em Inglês L2 no desempenho de
participantes chineses, cujo contraste não existe na sua L1 Mandarim.
2. O sistema fonético do Português Europeu e do Mandarim
Apesar de existir alguma divergência quanto à classificação articulatória das
vogais, em geral, é reconhecido que o Mandarim tem os seis fonemas vocálicos
orais /i/, /e/, /y/, /a/, /o/ e /u/ (Lin et al., 2013). Quase todos os fonemas
têm os seus respetivos alofones, que se realizam de acordo com o contexto, por
exemplo, /i/ tem cinco alofones: [ɯ], [ɨ], [j], [I] e [i]; /u/ tem quatro:
[℧], [w], [𝑣] e [u]; /y/ tem dois: [ɥ] e [y]; /e/ tem cinco:
[e], [ɛ], [ǝ], [𝛬] e [ɤ]; e /a/ tem seis alofones: [a], [ä], [ɑ], [ɛ],
[æ] e [ɐ] (Lin et al., 2013; Sheng, 2004; Wu, 1992). Em PE há 14 monotongos
vocálicos, incluindo nove vogais orais e cinco vogais nasais. As vogais orais
são /i/, /e/, /ɛ/, /ɐ/, /a/, /ɨ/, /ɔ/, /o/ e /u/, e as nasais são / ĩ) /, /ẽ)/,
/~ɐ)/, /ũ)/, /õ/ (Barroso, 1999). Apresentaremos as informações na Tabela_1. Na
construção dos testes experimentais, selecionámos como vogais adjacentes às
consoantes-alvo duas que são comuns às duas línguas, nomeadamente /a/ e /o/ em
sílaba tónica e /ɐ/ e /u/ em sílaba átona.
Tabela 1.Vogais das duas línguas
_________________________________________________________________________
|_____________|Vogais_do_Mandarim________________________|Vogais_do_PE____|
|_____________|Fonemas|Alofones__________________________|Fonemas|Alofones|
| |/i/____|[ɯ],_[ɨ],_[j],_[I]_e_[i]________|/i/____|-_______|
| |/e/____|[e],_[ɛ],_[ǝ],_[𝛬]_e_[ɤ|/e/____|-_______|
| |/y/____|[ɥ]_e_[y]________________________|/ɛ/___|-_______|
| |/a/____|[a],_[ä],_[ɑ],_[ɛ],_[æ]_e_[ɐ|/ɐ/___|-_______|
|Vogais orais |/o/____|-_________________________________|/a/____|-_______|
| |/u/____|[℧],_[w],_[𝑣]_e_[u]|/ɨ/___|-_______|
| | | |/ɔ/___|-_______|
| |- |- |/o/____|-_______|
|_____________|_______|__________________________________|/u/____|-_______|
| | | |/_ĩ)_/|-_______|
| | | |/ẽ)/_|-_______|
|Vogais nasais|- |- |/~ɐ)/_|-_______|
| | | |/ũ)/__|-_______|
|_____________|_______|__________________________________|/õ/___|-_______|
Em Mandarim, de acordo com o ponto e modo de articulação das consoantes, o
sistema consonântico é constituído por seis oclusivas (/p/, /ph/, /t/, /th/, /
k/ e /kh/), seis fricativas (/f/, /s/, /ʂ/, /ʐ/, /ɕ/ e /x/), seis africadas (/
ts/, /tʂ/, /tsh/, /tʂh/, /tɕ/ e /tɕh/), três nasais (/m/, /n/ e /N/) e uma
lateral /l/ (Lin et al., 2013; Sheng, 2004; Wu, 1992; Xu et al., 2003; Zhu,
2011). Por seu turno, o Português Europeu tem seis oclusivas, nomeadamente /b/,
/p/, /d/, /t/, /g/ e /k/; seis fricativas (/f/, /v/, /s/, /z/, /ʃ/, e /ʒ/);
três nasais, precisamente /m/, /n/ e /ɲ/; duas laterais (/l/ e /ʎ/); e duas
vibrantes /ɾ/ e /r/ (Barroso, 1999, Cruz-Ferreira, 1999; Mateus, Falé &
Freitas, 2005). Todas estas informações são apresentadas na Tabela_2.
Tabela 2. Consoantes das duas línguas, segundo o modo de articulação
____________________________________________________________________________
|Modo de |Consoantes_do_Mandarim_________________|Consoantes_do_PE______|
|articulação|n?Fonemas_____________________________|n?Fonemas____________|
|Oclusivas |6 |/p/, /ph/, /t/, /th/, /k/ e /kh/ |6 |/b/, /p/, /d/, /t/,|
|_____________|__|____________________________________|__|/g/_e_/k/__________|
|Fricativas |6 |/f/, /s/, /ʂ/, /ʐ/, /ɕ/ e /x/ |6 |/f/, /v/, /s/, /z/,|
|_____________|__|____________________________________|__|/ʃ/,_e_/ʒ/_______|
|Africadas |6 |/ts/, /tʂ/, /tsh/, /tʂh/, /tɕ/ e |- |- |
|_____________|__|tɕh/_______________________________|__|___________________|
|Nasais_______|3_|/m/,_/n/_e_/N/______________________|3_|/m/,_/n/_e_/ɲ/____|
|Lateriais____|1_|/l/_________________________________|2_|/l/_e_/ʎ/_________|
|Vibrantes____|-_|-___________________________________|2_|/ɾ/_e_/r/_________|
Em Mandarim, as consoantes oclusivas ocorrem apenas no início de sílaba (em
posição de ataque) seguidas por vogal (com a estrutura CV; C= Consoante, V=
Vogal), e todas as palavras do Mandarim são monossilábicas. Diferentemente do
Mandarim, em Português Europeu, as palavras podem ser compostas de uma ou
várias sílabas e as oclusivas podem encontrar-se em posição inicial da sílaba e
em posições pré-consonântica, intervocálica e pós-consonântica de palavra
(Barroso, 1999).
Os dois sistemas consonânticos do Mandarim e do Português Europeu partilham
algumas semelhanças. Em ambos os sistemas, cada par contrastivo de consoantes
oclusivas tem o mesmo ponto de articulação, justamente o par /b-p/ na posição
bilabial, o /d-t/ na posição alveodental e o /g-k/ na posição velar. Por outro
lado, o traço distintivo das seis oclusivas do Mandarim é a ‘aspiração'
enquanto o das oclusivas do PE é o ‘vozeamento'. Sendo que em Mandarim os pares
contrastivos são /p/-/ph/, /t/-/th/ e /k/-/kh/ e em PE são /b/-/p/, /d/-/t/ e /
g/-/k/ (para uma comparação mais detalhada consulte Yang, 2014), o parâmetro
distintivo dos pares consonânticos oclusivos em PE é o vozeamento e em Mandarim
a aspiração.
Quanto ao Tempo de Ataque de Vozeamento (VOT - Voice Onset Time) das oclusivas
das duas línguas em comparação verificam-se algumas semelhanças, bem como
diferenças. Segundo os dados reportados em alguns estudos (e.g. Andrade, 1980;
Chao et al., 2006; Liao, 2005; Lousada, 2006; Rochet & Fei, 1991; Viana,
1984; Wu & Lin, 1989), as oclusivas orais vozeadas do PE são produzidas com
valores negativos de VOT, o que indica que as consoantes começam a vozear antes
da libertação de pressão do ar na cavidade oral. No entanto, em Mandarim, o
traço distintivo é a aspiração e os valores de VOT são positivos. Por outro
lado, os valores de VOT das oclusivas não vozeadas portuguesas (/p, t, k/) e
das oclusivas não vozeadas não aspiradas chinesas (/p, t, k/) são relativamente
próximos, comparando com as diferenças dentro do sistema em si. Estes dados são
apresentados nas Tabelas 3 e 4.
Tabela 3. Valores (ms) de VOT das oclusivas orais do Português em posição
inicial
___________________________________________________________________________
|Consoantes|Lousada,_2006_____|Viana,_1984________________|Andrade,_1980____|
|__________|Valores_médios___|Valores_médios____________|Valores_médios__|
|Contexto |Palavras em frases|Corpus de sílabas em frase|Palavras isoladas|
|__________|__________________|fixa_______________________|_________________|
|[b] |- 114,0 |- 77,0 |- 110,0 |
|__________|28,0______________|___________________________|_________________|
|[d] |- 89,0 |- 62,0 |- 120,0 |
|__________|16,0______________|___________________________|_________________|
|[g] |- 73,0 |- 31,0 |- 110,0 |
|__________|17,0______________|___________________________|_________________|
|[p]_______|20,0______________|18,0_______________________|0________________|
|[t]_______|28,0______________|21,0_______________________|10,0_____________|
|[k]_______|51,0______________|33,0_______________________|30,0_____________|
Unidade: ms
Nota: Os valores negativos representam o vozeamento durante a obstrução e os
positivos indicam o vozeamento depois da obstrução.
Tabela 4. Valores (ms) de VOT das oclusivas do Mandarim
_____________________________________________________________________________
| |Rochet & Fei,|Wu & Lin, |Liao, 2005 |Chao et al., 2006 |
|Consoantes|1991_(MC)________|1989_(MC)_____|(TC)__________|(TC)______________|
|__________|Valores_médios__|Valores_médio|Valores_médio|Valores_médios___|
|[p]_______|-________________|10,0__________|17,9__________|14,0______________|
|[t]_______|-________________|7,0___________|18,6__________|16,0______________|
|[k]_______|-________________|15,0__________|28,0__________|27,0______________|
|[ph]______|99,6_____________|106,0_________|75,4__________|82,0______________|
|[th]______|98,7_____________|113,0_________|71,4__________|81,0______________|
|[kh]______|110,3____________|116,0_________|98,8__________|92,0______________|
Unidade: ms; MC = Mandarim Chinês falado na China continental; TC = Chinês
falado em Taiwan.
Nota: Rocher e Fei (1991) só fornecem as médias de VOT para as oclusivas não
vozeadas aspiradas [ph], [th] e [kh].
3. O presente estudo
3.1. Informantes
Este estudo contou com a participação de 54 informantes, que foram distribuídos
por três grupos distintos: dois grupos experimentais e um grupo de controlo. Os
grupos experimentais, que se subdividiram em Grupo 1 e Grupo 2, incluíram um
total de 36 falantes nativos de Mandarim, com idades compreendidas entre os 18
e os 30 anos (Grupo 1: média = 21,94 anos, DP = 2,29; Grupo 2: média = 19,70
anos, DP = 1,08). Os informantes de ambos os grupos tiveram uma experiência
educacional semelhante e todos estavam, no momento do estudo, a aprender o
Português Europeu, no âmbito da licenciatura em Estudos Portugueses na mesma
universidade.
O Grupo 1 incluiu 16 informantes, três do sexo masculino e 13 do sexo feminino.
Os informantes estavam a frequentar, no momento da recolha de dados, o quarto
ano da licenciatura e estavam de regresso à China há menos de quatro meses
depois de terem estado em Portugal entre 10 e 12 meses. Por sua vez, o Grupo 2
compreendeu 20 informantes, entre os quais seis do sexo masculino e 14 do sexo
feminino. Os informantes encontravam-se no início do segundo ano do mesmo curso
de licenciatura, portanto, tinham apenas um ano de aprendizagem formal da
língua portuguesa e nunca tinha estado num país lusófono.
Os dados relativos ao tempo de aprendizagem, ao tipo de exposição ao português
e à frequência de uso da língua foram recolhidos através de um questionário
sociolinguístico.
Segundo informações dadas nos questionários, em média, durante a frequência da
licenciatura na China, os participantes tiveram cerca de 16 horas de aulas de
Português por semana no caso do Grupo 1 e mais de 20 horas no Grupo 2 durante o
último ano no momento da aplicação do questionário.
Quanto ao trabalho e estudo fora da sala de aula, há grande variação no seio de
ambos os grupos. No entanto, em geral, os alunos testados reportaram estudar
Português fora da sala de aula entre 8 a 10 horas no Grupo 1 e, no Grupo 2,
entre 6 a 8 horas por semana. Em relação ao contacto com o Português fora da
sala de aula, os estudantes afirmam ter sobretudo contacto com a língua
portuguesa, através da televisão, rádio, internet, vídeo, música ou materiais
escolares de Português. Os dois grupos referiram ter, em média, cerca de 3 a 5
horas de contacto semanal com o Português fora da sala de aula (aproximadamente
4 horas no Grupo 1 e 2 horas no Grupo 2). Em termos de conversação em Português
do contexto de fora de sala de aula, os dados são semelhantes aos do item
anterior, ou seja, ambos os grupos reportaram, em média, conversar entre 3 a 5
horas por semana (aproximadamente 4 horas no Grupo 1 e 2 horas no Grupo 2).
Recorde-se, no entanto, que os alunos do Grupo 1 estiveram a viver 10 a 12
meses em Portugal, estando imersos em contexto linguístico natural. Durante a
sua estadia em Portugal, a maioria dos participantes do Grupo 1 indicou ter
falado em português com falantes nativos de Português de países da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e alguns também com colegas chineses e
portugueses. Contudo, como estavam em Portugal em grupo, estes participantes
continuaram a usar o Mandarim com muita frequência no seu dia a dia. No
entanto, é importante realçar que estavam expostos diariamente a input
português, nas aulas, no seu dia a dia e entre outros, apesar de o grau de
frequência com que usaram a língua portuguesa ativamente ter sido variável.
Quanto ao Grupo 2, o contacto com a língua portuguesa restringiu-se quase
exclusivamente à sala de aula e ao contacto com falantes não nativos, como
colegas e professores chineses de Português. Apenas sete indicaram terem algum
contacto com falantes nativos de Português.
O grupo de controlo incluiu 18 falantes monolingues de Português Europeu com
idades entre os 18 e os 22 anos (média = 18,83 anos, DP = 1,25). Todos eram
estudantes universitários de duas turmas do primeiro ano da Licenciatura em
Línguas e Literaturas Europeias duma mesma universidade em Portugal.
Todos os participantes do estudo reportaram não ter deficiência auditiva.
3.2. Metodologia
De forma a responder às questões de investigação, foram aplicados três testes
de perceção, nomeadamente dois de identificação e um de discriminação. Num
primeiro passo, selecionaram-se e gravaram-se os estímulos a incluir nos testes
de perceção. Para garantir homogeneidade e acuidade na produção dos segmentos-
alvo, três falantes monolingues de Português Europeu, do sexo feminino, com
formação linguística, gravaram os estímulos. As gravações dos estímulos foram
realizadas individualmente numa cabine com atenuação acústica, na Universidade
do Minho, com um gravador digital (Edirol R-09HR) e um microfone unidirecional
(Edirol CS-15), com uma taxa de amostragem de 44 Hz e 16 bits de quantização
para uma melhor resolução. Os estímulos foram seguidamente editados com os
programas Audacity2.0.3[3] e Praat 5.3.52[4]. Os estímulos foram produzidos
isoladamente pelas três falantes monolingues. Nas tarefas experimentais, os
estímulos (Tabelas 5 e 6) foram apresentados duas vezes aleatoriamente. As
tarefas experimentais incluíram uma fase de familiarização com 12 estímulos
(Tabelas 7 e 8), realizadas respetivamente antes dos dois testes de
identificação das consoantes-alvo.
Tabela 5. Estímulos com as consoantes oclusivas em posição inicial de palavra
em sílabas tónica e átona
_____________________
|balo|bôl|balar|bolar|
|palo|pôl|palar|polar|
|dalo|dôl|dalar|dolar|
|talo|tôl|talar|tolar|
|galo|gôl|galar|golar|
|calo|côl|calar|colar|
Tabela 6.Estímulos com as consoantes oclusivas em posição medial intervocálica
em sílaba átona
___________________
|labo|laba|lôb|lôb|
|lapo|lapa|lôp|lôp|
|lado|lada|lôd|lôd|
|lato|lata|lôt|lôt|
|lago|laga|lôg|lôg|
|laco|laca|lôc|lôc|
Tabela 7.Estímulos incluídos nos testes de familiarização com as consoantes-
alvo em posição inicial de palavra
_________________
|boça|dôç|gaça|
|paço|toça|caço|
Tabela 8.Estímulos incluídos nos testes de familiarização com as consoantes-
alvo em posição medial intervocálica
______________
|sabo|sado|sôg|
|sôp|sôt|saca|
Nos estímulos mantiveram-se as consoantes-alvo no mesmo contexto vocálico e na
mesma posição silábica inicial (posição de ataque), embora tenham sido
selecionadas duas posições em palavra dissilábica, nomeadamente em posição
inicial absoluta (precedida por silêncio) e posição medial intervocálica. A fim
de estudar a perceção das consoantes oclusivas nas diferentes condições
estabelecidas, foram selecionados conjuntos de palavras, incluindo pseudo-
palavras, em pares fonologicamente contrastivos, precisamente /b/-/p/, /d/-/t/
e /g/-/k/, tanto em posição inicial de palavra (ver Tabela 5), como em posição
medial intervocálica (ver Tabela 6). Todas as palavras escolhidas para
estímulos eram dissilábicas, com a estrutura (CVCV ou CVCVC, C= consoante,
V=vogal). Como vogais adjacentes às consoantes-alvo foram selecionadas duas que
são comuns às duas línguas, nomeadamente /a/ e /o/ em sílaba tónica e /ɐ/ e /u/
em sílaba átona.
Os dois métodos experimentais mais usados para testar a capacidade de perceção
de sons da fala são os testes de discriminação e de identificação (Logan &
Pruitt, 1995). Num teste de identificação, um só estímulo é apresentado e o
ouvinte tem de o identificar/classificar de entre um par ou conjunto de
possibilidades de resposta. No caso particular deste estudo, os participantes
tiveram que identificar as oclusivas inseridas nas duas posições testadas,
indicando de entre sete alternativas de resposta qual o som consonântico que
ouviram (para mais detalhes veja as imagens das Figuras 1 e 2). O teste de
discriminação do presente estudo consistiu numa tarefa AX (igual-diferente), em
que um par de estímulos é apresentado e o ouvinte deve indicar se ambos são
iguais ou diferentes, ou seja, se ambos os segmentos-alvo pertencem à mesma
categoria fonémica ou a categorias distintas. Os estímulos num “par igual”
consistiam na sequência da mesma palavra/pseudo-palavra, com a mesma consoante
oclusiva produzida por falantes diferentes (por exemplo, calo–calo), enquanto
que os estímulos de um “par diferente” correspondiam a um par de palavras/
pseudo-palavras diferentes com duas oclusivas contrastivas também produzidas
por duas falantes nativas diferentes (por exemplo, calo–galo).
No total, excluindo os testes de familiarização, foram realizados dois testes
de identificação e um de discriminação. Os testes de identificação foram
divididos em duas partes, precisamente um teste de identificação das
consoantes-alvo em posição inicial com a estrutura CVCV(C) e um teste de
identificação das consoantes-alvo em posição medial intervocálica com a
estrutura CVCV. Nos dois testes de identificação, o número total dos itens a
identificar foi de 156 por teste (24 estímulos x 3 falantes x 2 repetições, e 6
distratores x 2 repetições). No teste de discriminação, optou-se por incluir os
sons oclusivos apenas num contexto, nomeadamente o de sílaba tónica em posição
inicial, de estrutura CVCV, correspondente às primeiras duas colunas da Tabela
5. O número total dos itens incluídos no teste foi 48 (3 contextos x 8
sequências x 2 repetições), entre os quais, 24 iguais e 24 diferentes. Todos os
testes realizados foram desenvolvidos no software TP, v. 3.1[5] (Rauber, Rato,
Kuge, & Santos, 2012).
Todos os estímulos foram apresentados auditivamente de forma aleatória. O ecrã
do teste de identificação tinha sete opções de resposta, nomeadamente uma opção
(?) e as restantes para as seis consoantes-alvo com um exemplo de palavra, como
demonstrado nas Figuras 1 e 2. A Figura 3 mostra a imagem do ecrã do teste de
discriminação com os dois botões de resposta, “igual” e “diferente”.
O participante podia ouvir cada item no máximo até três vezes. Para tal teria
de clicar na tecla “Replay[6]”. Para além disso, o ecrã dispunha de uma tecla
“Oops”, que eliminava a última resposta dada pelo participante, voltando ao
estímulo anterior. Esta tecla poderia ser usada se o participante se tivesse
enganado ou tivesse clicado num botão de resposta sem querer.
3.3. Questões de investigação
O objetivo central do presente estudo consiste em verificar empiricamente se os
falantes chineses que adquirem o Português em fase adulta têm de facto
dificuldades na perceção das consoantes oclusivas portuguesas, uma vez que,
como vimos na secção 2, o sistema consonântico do Mandarim difere do sistema
português, sobretudo em relação ao traço ‘aspiração', que é distintivo em
Mandarim mas não em PE, e ‘vozeamento', que não é distintivo em Mandarim mas
sim em PE.
Para tal, comparámos o desempenho dos falantes chineses com o do grupo de
controlo.
Assim, em primeiro lugar, procurámos responder à seguinte questão geral:
Q 1: Há diferenças entre os três grupos de participantes na identificação e
discriminação das consoantes oclusivas, isto é, o desempenho dos aprendentes
chineses é, tal como expectável, diferente do grupo de falantes nativos de PE?
Caso se verifiquem dificuldades de perceção, tal como havíamos observado
informalmente nas aulas de Português, a questão imediata consiste em determinar
o papel do contacto com a língua-alvo no desenvolvimento da competência
fonética dos falantes. Como referido, um grupo experimental era composto por
falantes que viveram quase um ano em Portugal através de um programa de
intercâmbio, tendo contacto diário com o Português em contexto de imersão. O
outro grupo apenas aprendeu o Português em contexto formal de sala de aula.
Vários estudos demonstram que o tipo de contacto com a língua-alvo é
fundamental no desenvolvimento da competência L2, o que nos leva a levantar a
seguinte questão:
Q 2: A experiência de imersão tem efeitos positivos na perceção das consoantes
oclusivas, isto é, o grupo de aprendentes que viveu em Portugal e que tem mais
tempo de exposição ao Português (Grupo 1, doravante G1) apresenta taxas de
acerto mais elevadas do que os aprendentes apenas expostos ao Português em
contexto de sala de aula (Grupo 2, doravante G2)?
Das questões gerais, passemos então a questões específicas, relacionadas com as
consoantes estudadas.
A primeira questão específica está relacionada com as consoantes selecionadas
para o presente estudo. Assim, queremos saber, em primeiro lugar:
Q 3: Quais são as consoantes oclusivas do PE que causam mais dificuldades de
perceção aos aprendentes de PL2 falantes nativos de Mandarim?
Segundo o modelo PAM (Perceptual Assimilation Model, Best, 1994) e PAM-L2 (Best
et al., 2007), aquando da passagem pelo “filtro fonológico” (Trubetzkoy, 1969)
do sistema da sua L1, as oclusivas não vozeadas portuguesas /p, t, k/ podem ser
categorizadas como fonemas “parecidos” com /b, d, g/ da L1, de qualidade menos
boa, enquanto que as demais três (/b, d, g/PT) poderão entrar na classe não
categorizada com uma assimilação de pouca qualidade pois também são produzidas
nos mesmos pontos de articulação (/b/ no ponto bilabial, /d/ no ponto
alveodental e /g/ no ponto velar). Como todos os segmentos-alvo sofrem uma
obstrução na sua articulação, como em Mandarim, poderá resultar numa confusão
de identificação das seis oclusivas portuguesas. Desta hipótese deriva a
seguinte questão:
Q 4: Uma vez que o Mandarim não tem o ‘vozeamento' como traço distintivo, há
diferenças na perceção das oclusivas consoante o vozeamento? Ou seja, os
aprendentes de PL2 terão desempenho diferente na identificação e na
discriminação das oclusivas vozeadas e não vozeadas /p–b/, /t–d/ e /k–g/?
Se os aprendentes não usarem o vozeamento como traço distintivo, por exemplo,
ao ouvirem /p/ em Português, os ouvintes de Mandarim L1 podem associar este som
a /b/ em Mandarim, mostrando também uma tendência para escreverem <b> em
Português. O inverso poderá ocorrer quando os falantes chineses de PL2 ouvem /
b/ em Português, pois poderão classificar este som como /b/ em Mandarim com
qualidade menos boa. Os demais dois contrastes também poderão sofrer a mesma
confusão.
De acordo com a Hipótese 3 do Modelo de Aprendizagem da Fala (Speech Learning
Model, Flege, 1995), quanto maior for a dissemelhança fonética percebida entre
um som da L2 e o som da L1 mais próximo, maior é a probabilidade de se
conseguir discriminar os sons de um contraste fonémico. No caso dos contrastes
de ML1 – PL2, ambas as línguas contam com todas as seis consoantes em questão
no seu sistema fonológico, formando três pares de contrastes fonémicos na
respetiva língua, porém, baseados em características fonéticas diferentes.
4. Resultados e discussão
Começamos por apresentar as diferenças de desempenho dos três grupos de
participantes na identificação das seis consoantes oclusivas em posição inicial
de sílaba. Um teste Kruskal-Wallismostrou que há diferenças significativas na
identificação de todas as seis oclusivas entre os grupos em comparação, ou
seja, tal como seria expectável, o desempenho dos aprendentes de PL2 é
diferente do dos falantes nativos (/b/: X2 =30,05, p< 0,001; /d/: X2 =32,96, p<
0,001; /g/: X2 =24,26, p< 0,001; /p/: X2 =31,48, p< 0,001; /t/: X2 =31,06, p<
0,001; /k/: X2 =35,02, p< 0,001). Por sua vez, os resultados de vários testes
Mann-Whitney, referentes à comparação entre dois grupos na identificação das
seis oclusivas do PE, mostram que há diferenças significativas na perceção das
consoantes-alvo entre os falantes de PL1 e os dois grupos de aprendentes de
PL2, mas não entre os dois grupos de PL2, seja com ou sem experiência de
imersão em Portugal.
Portanto, a resposta à Q1 é afirmativa. De facto, quando comparamos o
desempenho dos falantes nativos de PE, podemos observar que os alunos chineses
têm dificuldades em perceber as consoantes testadas. Apresentamos na Tabela 9
as percentagens globais de acertos dos três grupos em comparação.
Tabela 9. Percentagens de identificação correta das oclusivas-alvo nas duas
posições de palavra nos três grupos em comparação
____________________________________________
| |G1 |G2 |GC |
| |(n = 16) |(n = 20) |(n = 18) |
| |Média (DP) |Média (DP) |Média (DP) |
|___|(%)__________|(%)__________|(%)_________|
|/b/|54,05_(18,70)|45,63_(15,13)|85,54_(7,11)|
|/d/|57,56(10,05)_|56,58_(17,22)|91,79_(5,78)|
|/g/|70,19_(18,11)|67,72_(15,55)|92,25_(6,66)|
|/p/|60,56_(12,03)|58,04_(14,22)|87,61_(7,53)|
|/t/|73,06_(18,14)|58,76_(13,80)|95,71_(2,62)|
|/k/|68,36_(18,13)|54,90_(10,65)|95,13_(4,95)|
Nota: G1 = Grupo 1, o grupo de PL2 com experiência de imersão; G2 = Grupo 2, o
grupo de PL2 sem experiência de imersão; GC = Grupo de Controlo, o grupo dos
informantes nativos de PL1; DP = Desvio padrão.
Para percebermos melhor as dificuldades de perceção dos dois grupos
experimentais, realizaram-se análises mais detalhadas dos resultados das
tarefas de identificação do G1 e do G2. Compararam-se os dois grupos
experimentais quanto ao desempenho na identificação das consoantes oclusivas,
juntando os dados de todos os estímulos apresentados nas duas posições
(posições inicial e medial) nos dois testes de identificação. Segundo os
resultados, há diferenças significativas entre o Grupo 1 (com experiência de
imersão) e o Grupo 2 (sem experiência de imersão) na perceção das oclusivas /t/
(U = 90,50, p= 0,03) e /k/ (U = 91,00, p = 0,03), ou seja, verificou-se uma
melhoria estatisticamente significativa na perceção das oclusivas /t/ e /k/
após uma estadia de cerca de um ano em Portugal, o que parece indicar um efeito
ligeiramente positivo da imersão linguística. No entanto, a identificação de
quatro consoantes oclusivas pelo grupo com experiência de imersão não melhorou
significativamente, o que parece sugerir que a imersão linguística não teve um
efeito expressivo na perceção dos segmentos consonânticos oclusivos do
Português Europeu.
Portanto, a Q2 só é parcialmente comprovada. A experiência de imersão de cerca
de um ano teve efeitos positivos pontuais, isto é, o grupo de aprendentes que
viveu em Portugal e que teve mais tempo de exposição ao Português (G1)
apresentou taxas de acerto mais elevadas apenas em algumas condições, mas
globalmente não se verificou uma melhoria significativa.
A fim de investigar a perceção das oclusivas em estudo de uma forma detalhada,
analisaram-se os resultados observados nas seis oclusivas do PE para saber
quais são as que causam mais dificuldades de perceção aos aprendentes de PL2
falantes nativos de Mandarim. Entre todos os valores de média de identificação
correta das seis oclusivas, pôde-se observar que a identificação de /b/ foi a
mais difícil com uma percentagem de identificação correta inferior a 50% (49%),
seguida de /d/ com percentagem de acerto um pouco mais alta (57%). Estes
resultados mostram que os participantes têm muita dificuldade em identificar
estes sons, i.e., em categorizar fonologicamente estes segmentos consonânticos.
A identificação das consoantes /g/ e /t/ obtiveram os melhores resultados com
68,8% e 65%, respetivamente. As oclusivas /p/ e /k/ ficaram no meio destes
valores de referência quanto à dificuldade de identificação, com valores
próximos de 60% de identificação correta. Seguidamente, aplicaram-se testes
Wilcoxonpara comparar o desempenho percetivo dos aprendentes de acordo com os
segmentos de cada par contrastivo, cujos resultados são apresentados nas
Tabelas 10 e 11.
________________________________________________________________________
|Tabela_10._Resultados_dos_testes_de_Wilcoxon____________________________|
|___|/b/________|/d/________|/g/________|/p/_______|/t/_______|/k/_______|
|/b/|- |-2,74 |-4,57 *** |-2,99* |-3.63 *** |-3.31*** |
|___|___________|(p_=_0,006)|___________|__________|__________|__________|
|/d/|-2,74 |- |-3,24*** |-1,06 |-2,43 |-1,03 |
|___|(p_=_0,006)|___________|___________|(p_=0,29)_|(p_=0,015)|(p_=_0,30)|
|/g/|-4,57*** |-3,24*** |- |-3,06* |-1,06 |-2,28 |
|___|___________|___________|___________|__________|(p_=0,29)_|(p_=0,02)_|
|/p/|-2,99* |-1,06 |-3,06* |- |-2,11 |-0,26 |
|___|___________|(p_=_0,29)_|___________|__________|(p_=0,04)_|(p_=0,80)_|
|/t/|-3.63 *** |-2,43 |-1,06 |-2,11 |- |-2.18 |
|___|___________|(p_=_0,015)|(p_=_0,29_)|(p_=_0,04)|__________|(p_=_0,03)|
|/k/|-3.31*** |-1,03 |-2,28 |-0,26 |-2.18 |- |
|___|___________|(p_=_0,30)_|(p_=_0,02)_|(p_=_0,80)|(p_=_0,03)|__________|
*p < 0,003 ***p < 0,001
Nota: Devido ao número de testes realizado o valor de significância
convencional (p = 0,05) foi dividido por 15, resultando num novo valor de
significância de 0,003.
Os testes aplicados revelaram diferenças significativas nas comparações de /b/-
/g/, /b/-/p/, /b/-/t/, /b/-/k/, /d/-/g/ e /g/-/p/ (Tabela 10). De forma a
apresentar a relação de comparação em relação ao grau de dificuldade entre cada
par, organizámos os dados da Tabela 10 de uma outra forma, tal como apresentado
na Tabela 11.
__________________________________________________________
|Tabela_11._Resultados_de_comparação_de_grau_de_dificulda|e
|___|/b/____|/d/____|/g/____|/p/____|/t/____|/k/___________|
|/b/|-______|ns_____|/b/>/g/|/b/>/p/|/b/>/t/|/b/>/k/_______|
|/d/|ns_____|-______|/d/>/g/|ns_____|ns_____|ns____________|
|/g/|/b/>/g/|/d/>/g/|-______|/p/>/g/|ns_____|ns____________|
|/p/|/b/>/p/|ns_____|/p/>/g/|-______|ns_____|ns____________|
|/t/|/b/>/t/|ns_____|ns_____|ns_____|-______|ns____________|
|/k/|/b/>/k/|ns_____|ns_____|ns_____|ns_____|-_____________|
Nota: Estes resultados mostram a comparação de graus de dificuldades, ou seja,
no caso de “/b/>/g/” verifica-se uma maior dificuldade na identificação de /b/
do que /g/.
Respondendo à Q3, estes dados mostram a comparação de graus de dificuldades, ou
seja, no caso de “/b/>/g/” verifica-se uma maior dificuldade na identificação
de /b/ do que /g/. Verifica-se que /b/ é a consoante oclusiva mais difícil de
identificar, seguida de /d/, e depois /p/. Por outro lado, a perceção da
oclusiva /g/ é relativamente mais fácil mas sem diferença significativa em
relação às outras. Porém, apesar de a oclusiva /g/ ter uma média de acerto de
identificação mais alta (69,82%), verificou-se que foi mais fácil identificar a
oclusiva /t/ cuja média de acertos de identificação foi a segunda mais alta
(65,11%), enquanto na identificação das oclusivas /k/ e /g/ estatisticamente
não se verificou diferença significativa.
Uma vez que o Mandarim não tem o ‘vozeamento' como traço distintivo, a Q4
questiona se os falantes de ML1-PL2 têm dificuldades na perceção das oclusivas
consoante o vozeamento. Para responder a esta questão, analisámos o desempenho
dos participantes na discriminação e na identificação das oclusivas vozeadas e
não vozeadas /p–b/, /t–d/ e /k–g/.
Segundo a hipótese do SLM proposto por Flege (1995), os sons que são
classificados como ‘semelhantes' na L1 e na L2 criam mais dificuldades a
aprendentes L2. Consequentemente, inferimos que os sons dos pares contrastivos
/p-b/, /t-d/ e /k-g/ do Português Europeu são “semelhantes”, no que diz
respeito ao ponto e ao modo de articulação, aos sons nativos do Mandarim. As
médias de discriminação dos três pares contrastivos /b-p/, /d-t/ e /g-k/ são
respetivamente 66,22% (DP = 11,29), 73,84% (DP = 10,26) e 61,74% (DP = 14,59)
no Grupo 1 e 61,59% (DP = 10,39), 67,84% (DP = 15,87) e 57,53% (DP = 8,51) no
Grupo 2. Verifica-se que, no Grupo 2 sem imersão linguística, as médias de
discriminação não foram altas em todos os três contextos de contraste pelo
facto de as médias se situarem entre 57% e 68%. Os resultados do teste de
discriminação mostram que, em geral, no desempenho percetivo de todos os 36
participantes chineses de ML1-PL2, há diferenças significativas entre os três
pares /b-p/, /d-t/ e /g-k/ (X2= 18,01, p< 0,001). Nos testes pareados, os
resultados revelaram que entre a discriminação de /b-p/ e /d-t/, e entre a de /
b-p/ e /g-k/ não há diferenças significativas, enquanto na última comparação,
entre /d-t/ e /g-k/, a diferença é significativa. Por outras palavras, em
geral, entre a discriminação dos três pares em comparação, os aprendentes
chineses de PL2 conseguiram discriminar melhor o par contrastivo /d-t/, seguido
por /b-p/ sem diferença significativa. Verificaram-se mais dificuldades em
discriminar o par velar /g-k/, que diferiu significativamente da discriminação
do par /d-t/, em todos os participantes chineses.
Uma análise comparativa entre os dois grupos, G1 com experiência e G2 sem
experiência de imersão linguística, mostra que não há diferenças significativas
entre os dois grupos relativamente ao desempenho de discriminação dos três
pares contrastivos, ou seja, os aprendentes com uma imersão de cerca de um ano
em Portugal não revelaram um desempenho percetivo na discriminação das
consoantes oclusivas dos pares contrastivos melhor do que o grupo de
aprendentes sem experiência de imersão. Em seguida, foram também analisadas as
respetivas médias de percentagem de acerto de cada variável (todas as condições
de organização de cada par de estímulos, nomeadamente as seis oclusivas-alvo
iguais e os três pares contrastivos diferentes), ou seja, os pares respetivos
com /b/ igual (média (M) = 72,22%, desvio-padrão (DP) = 5,15), /d/ igual (M =
71,53%, DP = 4,79), /g/ igual (M = 80,56%, DP = 4,24), /p/ igual (M = 64,53%,
DP = 4,13), /t/ igual (M = 74,31%, DP = 4,28), /k/ igual (M = 32,64%, DP =
4,65), /b-p/ diferente (M = 68,40%, DP = 2,75), /d-t/ diferente (M = 68,75%, DP
= 3,61) e /g-k/ diferente (M = 61,81%, DP = 3,52), como apresentado na Tabela
12.
Tabela 12. Resultados do teste de discriminação das oclusivas
____________________________________________________________________________
|(n_=_36)____________________|/b/_igual______|/d/_igual______|/g/_igual______|
|percentagens de acertos (DP)|72,22 |71,53 |80,56 |
|%___________________________|(5,15)_________|(4,79)_________|(4,24)_________|
|(n_=_36)____________________|/p/_igual______|/t/_igual______|/k/_igual______|
|percentagens de acertos (DP)|46,53 |74,31 |32,64 |
|%___________________________|(4,13)_________|(4,28)_________|(4,65)_________|
|(n_=_36)____________________|/b-p/_diferente|/d-t/_diferente|/g-k/_diferente|
|percentagens de acertos (DP)|68,40 |68,75 |61,81 |
|%___________________________|(2,75)_________|(3,61)_________|(3,52)_________|
Nota: Todos os valores de média são percentagens de acertos do teste de
discriminação. DP = Desvio padrão.
Verificou-se que, maioritariamente, os participantes conseguiram discriminar
melhor as vozeadas do que as não vozeadas, correspondendo à proposta do SLM do
Flege (1995), segundo a qual quanto mais distintos e dissemelhantes os fones da
L2 e da L1, mais fácil se torna a perceção. No presente caso, relativamente às
oclusivas em comparação, as oclusivas vozeadas de PE, /b, d, g/ são mais
distantes das oclusivas de Mandarim do que as não vozeadas de PE /p, t, k/,
tendo em consideração os valores de VOT e traços distintivos das duas línguas
em questão.
No teste de identificação, em geral, de acordo com os resultados de um teste T
[7], não foram observadas diferenças significativas entre a identificação de
oclusivas vozeadas e a identificação de oclusivas não vozeadas, t(35) = -1,52,
p = 0,14, por todos os participantes chineses aprendentes de PL2.
Na comparação inter-grupos, i.e., entre G1 e G2, foram analisados os dados dos
dois testes de identificação em conjunto, com os estímulos divididos consoante
o vozeamento e os resultados demonstraram que há diferenças significativas
entre os dois grupos na identificação das oclusivas não vozeadas (U = 93,50, p
= 0,03). O grupo de aprendentes que esteve em Portugal durante um ano
identificou as consoantes oclusivas não vozeadas (/p, t, k/) significativamente
melhor do que os aprendentes sem experiência de imersão, o que parece indicar
um ligeiro efeito da imersão linguística.
Dada a hipótese de terem classificado as oclusivas não vozeadas em Português (/
p/, /t/ e /k/) como as oclusivas não aspiradas em Mandarim (/p/, /t/ e /k/),
provavelmente os participantes com experiência de imersão conseguiriam
aperceber-se das propriedades distintivas das oclusivas não vozeadas de PL2 por
serem mais parecidas com as oclusivas da sua L1. Quanto às oclusivas vozeadas
em Português, os resultados parecem indicar que não será suficiente um ano para
desenvolver a sensibilidade percetiva necessária para distinguir com acuidade
segmentos vozeados.
A fim de localizar com mais precisão as dificuldades dos falantes, a Tabela 11
apresenta uma matriz de erro, que apresenta os resultados referentes aos testes
de identificação das seis oclusivas-alvo, em posição inicial e medial
(intervocálica) de palavra.
A Tabela 13 mostra que todas as oclusivas foram consistentemente confundidas
com o segmento consonântico correspondente. Por exemplo, /b/ foi incorretamente
assimilada como /p/ e vice versa; /d/ foi mais frequentemente identificada
incorretamente como /t/ e vice versa; enquanto que /g/ foi classificada
erradamente como /k/ e vice versa. Tal como reportado nas questões anteriores,
as oclusivas /b/ e /d/ tiveram os piores resultados de identificação em ambos
os grupos, e também se pode verificar nesta tabela que os participantes
selecionaram a opção “?” quando não conseguiram categorizar os estímulos
ouvidos. Isto indica que, para os aprendentes de PL2 (com ML1), é mais
problemática a perceção das oclusivas /b/ e /d/. Por outro lado, os
participantes tiveram relativamente menos dificuldade em identificar as
oclusivas não vozeadas por apresentarem as mais baixas percentagens de escolha
de “?”, que parece revelar maior certeza na identificação das consoantes-alvo.
Tabela 13. Matriz de erro referente à identificação das consoantes oclusivas
nos dois grupos experimentais G1 e G2
___________________________________________________________________
|Grupo |Oclusivas ouvidas|Identificadas_como_(%)___________________|
|_______|_________________|/b/__|/d/__|/g/__|/p/__|/t/__|/k/__|?____|
|Grupo 1|/b/______________|54,04|1,17_|7,68_|24,74|1,56_|2,60_|8,20_|
| |/d/______________|1,56_|57,68|5,99_|1,30_|20,31|2,99_|10,16|
| |/g/______________|0,65_|0,65_|70,18|0,26_|-____|26,43|1,82_|
| |/p/______________|26,56|1,04_|3,65_|60,55|5,21_|1,17_|1,82_|
| |/t/______________|0,13_|23,96|0,52_|0,39_|73,05|0,13_|1,82_|
|_______|/k/______________|0,39_|-____|29,30|0,26_|0,26_|68,36|1,43_|
|_______|_________________|/b/__|/d/__|/g/__|/p/__|/t/__|/k/__|?____|
|Grupo 2|/b/______________|45,63|1,25_|8,65_|31,35|1,04_|2,81_|9,27_|
| |/d/______________|2,19_|56,56|7,71_|3,44_|18,44|2,81_|8,85_|
| |/g/______________|0,73_|1,56_|67,71|0,52_|0,73_|26,67|2,08_|
| |/p/______________|29,06|1,67_|3,96_|57,92|4,58_|1,98_|0,83_|
| |/t/______________|0,42_|36,15|1,15_|0,52_|58,85|0,94_|1,98_|
|_______|/k/______________|0,73_|-____|41,25|0,31_|0,83_|54,90|1,98_|
Nota: Quando não conseguiram categorizar os estímulos ouvidos, os participantes
recorreram à opção “?”.
Segundo as análises supramencionadas, os aprendentes do Grupo 1 com experiência
de imersão revelaram uma melhoria estatisticamente significativa na
identificação de /t/ e /k/ comparando com o Grupo 2, sem experiência.
Observemos, na Tabela 13, os dados destas duas oclusivas nos dois grupos em
comparação. No Grupo 2, verificou-se maior confusão em distinguir /k/ e /t/ que
foram incorretamente identificados como /g/ e /d/, o que revelou, por sua vez,
um resultado idêntico ao teste de discriminação. Isto é, os aprendentes
mostraram uma tendência para classificar as consoantes não vozeadas como as
correspondentes vozeadas.
Os resultados sugerem, portanto, que, apesar de revelarem percentagens de
identificação relativamente mais altas na identificação de oclusivas não
vozeadas, estas foram confundidas mais frequentemente com as correspondentes
vozeadas do que as confusões verificadas na identificação das vozeadas, o que
poderá estar relacionado com a semelhança entre as oclusivas não vozeadas em PE
(/p/, /t/ e /k/) e as oclusivas não aspiradas em Mandarim (<b>/p/, <d>/t/ e
<g>/k/). Os resultados sugerem que as oclusivas não vozeadas do PE (/p/, /t/, /
k/) foram categorizadas como as oclusivas não vozeadas não aspiradas (/p/, /t/,
/k/) do Mandarim, o que parece corresponder ao padrão de assimilação descrito
por Best e Tyler (2007) como Adequação Categorial Category Goodness
Assimilation(AC), segundo o qual ambos os fonemas contrastivos do par do PE são
assimilados como uma só categoria nativa, porém diferindo na qualidade de
assimilação. Por exemplo, ao discriminar o par do PE /p/-/b/, ambos são
percebidos como o som /p/ da L1. No entanto, neste padrão, um dos fonemas é
percebido como um bom exemplar da categoria nativa /p/ (i.e., o fonema /p/) e o
outro um exemplar desviante da mesma categoria (i.e., o fonema /b/).
Quanto às vozeadas, os resultados podem ser explicados recorrendo ao SLM de
Flege (1995), segundo o qual, quanto maior a dissemelhança entre um som da L2 e
um som da L1, mais fácil é distinguir a diferença entre os dois sons em
comparação. Já os sons classificados como “semelhantes” podem causar
dificuldades a aprendentes L2. Neste caso, e de acordo com esta hipótese,
verificaram-se mais dificuldades na identificação e discriminação das oclusivas
dos pares contrastivos com sons idênticos aos sons da L1, /p/, /t/ e /k/, do
que os sons com menos semelhança, /b/, /d/ e /g/.
5. Conclusão
A principal finalidade deste trabalho foi investigar a perceção das consoantes
oclusivas por aprendentes de PL2 no seu percurso de aprendizagem da língua
portuguesa. Além de identificar as dificuldades de perceção destes falantes,
foi também um objetivo deste estudo verificar os efeitos da experiência de
imersão linguística na identificação e discriminação dos sons consonânticos
oclusivos, a fim de poder compreender de uma forma mais aprofundada um dos
fatores que influencia a aquisição fonológica de uma língua não materna,
particularmente a exposição à língua-alvo. Este conhecimento pode contribuir
para a criação de materiais didáticos direcionados ao ensino de PL2/PLE na
China, nomeadamente direcionados ao desenvolvimento da competência fonética de
aprendentes chineses. Deste modo, este trabalho pretende dar um contributo para
a área de investigação em perceção de sons do PLNM.
Em relação às questões de investigação pode-se concluir o seguinte. A Q1 diz
respeito aos efeitos da experiência de imersão sobre a competência percetivo -
auditiva do falante L2. Os resultados indicam que a imersão linguística não
teve efeitos significativos sobre o desenvolvimento da capacidade de
identificação e discriminação das consoantes oclusivas do Português, ou seja, a
estadia de cerca de um ano em Portugal de um grupo de informantes não
contribuiu significativamente para a melhoria da sua competência percetiva.
Esta conclusão vai ao encontro dos resultados de outros estudos, como por
exemplo, o de Guion et al. (2000), que aponta para a possibilidade de o tempo
de residência não ser suficiente para se verificar efeitos positivos da imersão
linguística sobre a capacidade de perceção de alguns contrastes consonânticos.
No presente estudo, os participantes que viveram um ano em Portugal apenas
tiveram um desempenho percetivo significativamente melhor na identificação das
oclusivas /t/ e /k/. Relativamente às outras consoantes, não foram observadas
diferenças entre os dois grupos experimentais. Este facto pode estar
relacionado com a frequência de utilização da língua portuguesa durante a
estadia em Portugal e não apenas com o tempo de estadia (i.e., de residência),
uma vez que a imersão no país de origem da L2 não implica necessariamente a sua
utilização diária. De facto, os dados do questionário mostraram que,
efetivamente, os falantes chineses usaram o português diariamente, mas
continuaram também a usar a sua língua materna, enquanto residiram em Portugal.
Pensamos, por isso, que o tempo de estadia, aliado ao facto de a L1 continuar a
ser usada com frequência, pode não ter sido suficiente para impulsionar uma
melhoria na capacidade de perceção destes falantes. Além disso, tal como seria
expectável, ambos os grupos apresentaram diferenças estatisticamente
significativas relativamente aos falantes nativos do Grupo de Controlo em todas
as condições testadas. Apesar dos resultados deste estudo, não se pode
desvalorizar completamente a influência da experiência de imersão no processo
de aquisição fonética. Para estudar melhor os efeitos do fator ‘imersão' seria
necessário comparar grupos com estadias mais prolongadas e/ou com maior
frequência de uso da L2 durante a imersão.
A segunda conclusão está relacionada com as consoantes selecionadas para este
estudo. Os resultados revelaram que a perceção das oclusivas testadas foi
realmente problemática para os aprendentes chineses de PL2. Em média, as
percentagens de acerto dos informantes nos vários testes foram inferiores a
70%, verificando-se que a consoante oclusiva vozeada bilabial (/b/) é aquela
que causa mais dificuldades, seguida pela oclusiva vozeada alveodental (/d/).
Já a consoante /g/ foi a mais fácil de perceber seguida de /k/ e /t/, sem
diferenças significativas entre as últimas duas. Por um lado, estas
dificuldades podem ser atribuídas a uma menor sensibilidade percetiva face aos
sons oclusivos vozeados, uma vez que o vozeamento que é um traço distintivo
inexistente na L1. Por outro lado, o VOT é mais curto no caso de o fechamento
ser mais anterior (Peterson & Lehiste, 1960), como na bilabial /b/ e na
alveodental /d/. Consequentemente, um VOT mais curto poderá dificultar a
perceção, como efetivamente se verificou neste estudo. Entretanto, há que ter
em conta os resultados relativos ao efeito de imersão, que mostraram uma
melhoria significativa do grupo com experiência de imersão relativa à perceção
das oclusivas /k/ e /t/. Apesar de estes participantes não terem conseguido
melhorar a discriminação nem a identificação dos três pares contrastivos,
quando analisamos os dados de identificação por segmento separadamente, estes
mostram, contudo, melhorias na identificação das duas oclusivas não vozeadas /
t/ e /k/. Podemos, assim, inferir que, nesta fase do seu desenvolvimento
linguístico da L2, conseguem perceber geralmente melhor as oclusivas que
partilham um maior grau de semelhança acústico-percetiva com os sons nativos.
Acrescenta-se que esta melhoria percetiva poderá ser facilitada pelo VOT mais
longo, no caso específico de /k/.
Os resultados deste estudo corroboram a hipótese do SLM proposto por Flege
(1995), segundo a qual os sons L2 que são classificados como ‘semelhantes'
relativamente aos sons da L1 que criam mais dificuldades a aprendentes L2.
Consequentemente, inferimos que tendo em consideração de o traço distintivo do
Mandarim ser a aspiração, os sons dos pares contrastivos /p-b/, /t-d/ e /k-g/
do Português Europeu são “semelhantes” aos sons nativos do Mandarim. A perceção
destes segmentos consonânticos, que são difíceis de perceber com precisão e
acuidade, parecem corresponder, assim, ao padrão de ‘assimilação do tipo
Adequação-Categorial' (AC), de acordo com os dados obtidos nas matrizes de erro
que mostram as confusões frequentemente observadas na identificação dos sons de
cada par contrastivo, como apresentado na Tabela_13. No entanto, a fim de
testar especificamente as hipóteses do PAM-L2 (Best & Tyler, 2007), seria
necessário realizar uma tarefa de assimilação percetiva (Perceptual
Assimilation Task, PAT)[8] para uma classificação de adequação (goodness) dos
estímulos percebidos (Rato, 2014b; Schmidt, 2007).
Em geral, podemos concluir que os aprendentes chineses parecem ainda não ter
tido experiência linguística e exposição à L2 suficiente para distinguir
corretamente as oclusivas vozeadas das não vozeadas, uma vez que têm
sensibilidade reduzida quanto à propriedade “vozeamento”, inexistente na sua
L1.
Segundo Flege, Takagi e Mann (1995, 1996), a formação de certas categorias
fonéticas não nativas precisa de input frequente por parte de falantes nativos
durante muitos anos, pelo menos no caso de aprendentes adultos, o que poderá
ser comprovado, de certo modo, pelos resultados reportados no presente
trabalho. Por este motivo, é importante promover, na sala de aula, contacto
frequente com fontes de inputmuito próximas da exposição nativa, com recurso
abundante a materiais áudio e audiovisual autênticos, encorajando o mais
possível os aprendentes a utilizar a língua aprendida, beneficiando do controlo
permitido pela instrução formal. Para além do cuidado em criar um ambiente de
sala de aula o mais parecido possível com o de imersão, será importante
considerar também o treino fonético específico, como fizeram vários autores
(e.g., Flege & Wang, 1989; Moyer, 1999; Pisoni et al., 1982; Rato, 2014a).
Estes estudos mostram que o treino percetivo melhora, de facto, a competência
percetiva dos falantes L2 e tem efeitos positivos sobre a produção. Portanto,
será muito pertinente promover a investigação sobre treino específico, partindo
de mais estudos sobre as dificuldades de perceção em PLNM. Por outro lado,
durante a imersão em Portugal, será necessário encorajar os estudantes que
participam em programas de intercâmbio a aproveitar o ambiente L1 para manter
uma alta frequência de contacto com fontes autênticas de input e, se possível,
aumentar também a percentagem do uso da língua-alvo, de forma a promover a
sensibilidade aos sons da língua em aquisição. Quanto a outros fatores que, de
certa forma, poderão ter influência sobre a perceção da L2, em particular, a
motivação do aprendente, dever-se-á considerar a inclusão, no programa, de
tópicos atuais, que poderão suscitar mais interesse, a fim de garantir maior
participação e atenção dos aprendentes.