A intervenção comunitária tem uma longa tradição no nosso país, particularmente
nas áreas educacionais, de acção social em bairros degradados e na criação de
instituições de apoio a grupos em desvantagem, como é o caso do trabalho
desenvolvido pelas Misericórdias e outras organizações pertencentes a
confissões religiosas e ainda as Instituições Particulares de Solidariedade
Social.
O surgimento de Programas apoiados pela União Europeia como, por exemplo, os
Programas de Luta contra a Pobreza, o HORIZON e mais recentemente o URBAN e o
INTEGRA, aliados à responsabilização progressiva dos orgãos autárquicos na
resolução dos problemas das suas comunidades, têm mobilizado um conjunto
significativo de profissionais, muitos dos quais recém-licenciados em
Psicologia, Sociologia e Acção Social que se confrontam diariamente com novos
desafios teóricos e práticos, colocados pela intervenção no contexto
comunitário.
Um dos maiores problemas da intervenção comunitária é a sua conceptualização
teórica, dificuldade que surge em resultado do empirismo que o trabalho no
terreno exige e pela ausência de uma investigação que funcione como fonte
inspiradora da implementação e manutenção dos programas de intervenção. Por
isso, pensamos ser essencial a inclusão nos estudos académicos das questões
científicas colocadas pela intervenção comunitária.
Pensamos que a Psicologia Comunitária pode dar um contributo teórico valioso no
sentido de aprofundar questões relacionadas com a prevenção primária, a
perspectiva ecológica, os suportes naturais e a ajuda mútua, oempowermente a
participação comunitária, bem como as metodologias, os princípios e os valores
da investigação participada.
O Instituto Superior de Psicologia Aplicada tem actualmente a funcionar no
âmbito da licenciatura, a Área de Psicologia Comunitária que abrange um tema
avançado com o mesmo nome, um seminário de investigação e de estágios. No
sentido de se estruturar os projectos de investigação neste campo, foi criada a
Unidade de Investigação em Psicologia Comunitária, que tem desenvolvido
projectos em áreas como a integração comunitária de doentes mentais, mulheres
vítimas de violência doméstica e violação, a organização e funcionamento de
grupos de ajuda mútua e sobre questões de liderança e participação comunitária.
O Curso de Estudo Superiores Especializados (CESE) em Saúde Mental Comunitária
tem proporcionado a um número significativo de profissionais a possibilidade de
reflectir teoricamente sobre a sua prática e de se actualizarem sobre novas
formas de avaliação e investigação.
Nestes 10 anos de trabalho desenvolvido no ensino e investigação da Psicologia
Comunitária, consideramos existir três áreas prioritárias que deveriamos
continuar a pesquisar: a) a participação comunitária; b) oEmpowermente c) a
Investigação-participada.
a) A participação e envolvimento da comunidade na resolução dos seus próprios
problemas é algo que todos os intervenientes referem, mas que raramente é posto
em prática.
Recentemente é possível observar em Portugal que as comunidades estão cada vez
mais a organizar-se para resolver os seus próprios problemas, são disso
exemplo, as mobilizações a que temos assistido em áreas como o ambiente, a
segurança ou a vontade expressa de influenciar o planeamento dos seus próprios
bairros. Curiosamente temos verificado um embaraço ou mesmo conflitos entre
estes grupos de cidadãos e os seus representantes políticos, demonstrando uma
incompreensão dos fenómenos emergentes de uma sociedade civil cada vez mais
organizada e autónoma das estruturas político-partidárias.
Em relação aos profissionais no terreno, acontece um fenómeno semelhante, pois
apesar de reconhecerem a utilidade deste tipo de participação, não a consideram
como essencial e como ponto de referência das estratégias de desenvolvimento
comunitário a estudar e a implementar.
Os fenómenos resultantes desta participação comunitária poderão ser a base de
um campo priviligiado de estudo e investigação sobre os mecanismos utilizados
na resolução dos problemas, os processos de liderança e a coesão e bem-estar
proporcionados pelo envolvimento dos membros de uma comunidade.
Nas comunidades onde existam baixos índices de organização e participação dos
seus membros, o papel dos profissionais deverá focalizar-se na dinamização
dessas estruturas, naquelas comunidades onde existam objectivos de mudança
definidos, deverão desempenhar então um papel de consultores e de suporte de
modo a que os objectivos dos grupos-alvo sejam levados até ao fim.
b) OEmpowerment é a filosofia que deve estar subjacente à intervenção
comunitária, ou seja, é o ingrediente crucial para que as soluções dos
problemas identificados pelos membros da comunidade perdurem no tempo e que
estas assumam o controlo real sobre aquilo que lhes diz respeito.
OEmpowermentpode funcionar como o critério base de avaliação das boas práticas
de intervenção comunitária. Por isso, temos que permanentemente tentar
encontrar respostas para as seguintes questões:
1. Será que a nossa intervenção está a contribuir para que a comunidade se
torne mais autónoma na resolução dos seus próprios problemas?
2. Será que a comunidade está a criar os mecanismos, as estruturas de
funcionamento de modo a poder decidir sobre os assuntos de uma forma que esteja
de acordo com os seus interesses e valores?
3. Será que a comunidade está a criar as condições para que as soluções
propostas possam perdurar no tempo?
4. Será que os agentes de intervenção se estão a sentir confortáveis pelo facto
de não serem eles os principais protagonistas da intervenção comunitária?
c) A Investigação participada é um componente fundamental da intervenção
comunitária no sentido de se garantir uma consonância entre a metodologia de
investigação, os valores e os objectivos que se pretendam implementar.
A adopção deste pressuposto implica que teremos que repensar os nossos
referenciais teóricos em termos de investigação e ter em consideração os
seguintes princípios: a Investigação Participada 1. deverá beneficiar os
participantes do estudo em curso; 2. o trabalho de campo deverá ser realizado
no contexto comunitário onde o grupo em estudo se encontra; 3. deverá ser
orientado para o estudo das potencialidades em vez dos défices; 4. deverá
expressar as opiniões do grupo em estudo, possibilitando uma compreensão
qualitativa; 5. deverá procurar descrever de forma autêntica os processos
observados (perspectiva etnográfica). Outro princípio fundamental da
investigação participada é acolaboração dos participantes no estudo na
conceptualização, elaboração dos instrumentos de medida, selecção dos
procedimentos e avaliação dos resultados.
O contributo mais relevante que a Psicologia Comunitária poderá trazer para a
intervenção na comunidade é a necessidade de se constituir um paradigma teórico
que dê respostas específicas aos problemas colocados pelos fenómenos
comunitários e que proporcione aos agentes de intervenção os instrumentos de
pesquisa e investigação que facilitem a solução para os desafios colocados por
este tipo de intervenção.
Com este número deAnálise Psicológicapensamos dar um contributo para o
crescimento de um campo específico de estudo e investigação no domínio da
intervenção comunitária com um artigo sobre as origens, fundamentos e áreas de
intervenção na Psicologia Comunitária por José Ornelas-Instituto Superior
de Psicologia Aplicada, os contributos de William S. Davidson e colaboradores,
da Michigan State University - USA, sobre avaliação de parcerias num
contexto comunitário, de Patricia A. Zapf e Ronald Roesch, da Simon Fraser
University - Canadá, sobre Alternativas de avaliação da imputabilidade em
doentes mentais e de Donata Franciscato em colaboração com Monica Morganti, da
Universidade de Roma, sobre estratégias de empowerment nas empresas.
Neste número deAnálise Psicológicatambém participam Margarida Gaspar de Matos
- Faculdade de Motricidade Humana, sobre multicultura, Luis Silva
Pereira, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, com um trabalho
antropológico sobre doença e grupo doméstico entre os Mapuche realizado no Vale
Central do Chile, e ainda Paulo Ferrinho e Aldina Gonçalves da Universidade
Nova de Lisboa, sobre desenvolvimento comunitário e reabilitação na comunidade.
Pudemos também contar para a realização deste número com comunicações sobre
Ajuda Mútua de Fátima Monteiro, sobre Suporte Habitacional e Integração
Comunitária de Maria João Vargas Moniz docentes no CESE em Saúde Mental
Comunitária - ISPA e, finalmente a comunicação de Luís Miguel Carvalho da
Faculdade de Motricidade Humana sobre a escola como contexto multicultural.