SIDA. Eu e os outros
SIDA. Eu e os outros (2000). Victor Claudio & Maria Mateus. Lisboa:
Climepsi Editores, Col. Confrontações 2.
O tema deste livro é a prevenção da infecção pelo VIH/SIDA e trata-se da
primeira obra de autores portugueses que aborda a partir da perspectiva
psicológica, o que é desde logo uma mais valia. Simultaneamente, é um livro que
tem a originalidade de abordar o tema a partir da publicação das entrevistas
que foram realizadas com várias personalidades no âmbito de um programa de
rádio no qual os autores foram os principais organizadores e entrevistadores.
Resultou um texto que, apesar de muito diversificado, tem um fio condutor e
grande utilidade para os técnicos. É também muito acessível ao grande público.
Como os próprios autores explicam, a ideia de realizar um programa de rádio
surgiu na sequência de vários trabalhos de investigação psicológica sobre
crenças e atitudes em relação à SIDA em vários grupos sociais e profissionais,
cujos resultados conduziram à elaboração de um projecto de prevenção centrado
no questionamento das crenças especificamente relacionadas com a SIDA, projecto
apoiado pela Associação para o Desenvolvimento da Intervenção Comunitária
(ADIC). Esta, em parceria com a Rádio Ocidente, organizou um conjunto de vinte
programas dedicados à temática.
O livro é constituído por vinte capítulos, cada um dos quais corresponde a uma
entrevista temática. Todos os capítulos têm estrutura semelhante, tendo os
autores adoptado uma fórmula que resultou bastante bem: na primeira parte a
equipa do programa faz uma introdução geralmente bastante clara ao tema e, na
segunda parte, é apresentada a entrevista realizada com o convidado e as
respostas a perguntas colocadas pelos ouvintes.
Os temas abordados e discutidos percorrem uma grande diversidade de aspectos
relacionados com a infecção VIH/SIDA, demonstrando uma preocupação muito
exaustiva de discutir o maior número possível de pontos de vista que podem ter
influência na mudança de comportamentos, que é a grande finalidade da
prevenção. São eles: a seropositividade e SIDA, o medo da SIDA, o preservativo,
a heterossexualidade, os técnicos de saúde, a comunicação social, a
prostituição, a toxicodependência, a Igreja Católica, a morte, os presos, as
crianças, o amor, os jovens, a escola, a discriminação, as mulheres, a
homossexualidadee a SIDA em Portugal.
Os programas foram realizados com um conjunto de entrevistados com formações
diversas, entre os quais se contaram o cantor Sérgio Godinho, o antropólogo
Raul Iturra(ISCTE), as psicólogas Isabel Leal(ISPA), Cristina Martins(Centro de
Atendimento a Toxicodependentes do Restelo), Antónia Carreiras(ISPA), Maria
Gouveia Pereira(ISPA) e Marta Guerreiro(ISPA), os psiquiatras Sílvia Ouakinin
(Hospital de Santa Maria), José A. Carvalho Teixeira(ISPA), António Bento
(Serviços Prisionais) e Margarida Pimenta(CAT das Taipas), o jornalista António
Costa Santos, o Padre António(Paróquia do Algueirão), Teresa de Almeida
(Associação SOL), Amílcar Soares(Associação Positivo), Nuno Martins(Associação
ILGA-Portugal), Heitor Costa(Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA), além de
depoimentos de várias prostitutas e seropositivos. Reuniram-se assim vários
olhares que, a partir de perspectivas diferentes, procuraram contribuir para a
discussão dos problemas específicos que foram colocados pelos entrevistadores.
Um dos principais méritos deste trabalho é o de conseguir simplificar o que é
complexo. Consegue elucidar, nomeadamente junto do grande público e também dos
técnicos menos familiarizados com os modelos psicológicos, porque é que a
transmissão de informação sobre a doença, só por si, não faz com que os
sujeitos mudem os seus comportamentos de risco em relação à infecção pelo VIH.
Que é necessário ter em consideração as crenças que os sujeitos têm acerca de
vários aspectos com ela relacionados, nomeadamente a forma como acreditam ser
mais os menos capazes de gerir o seu próprio risco, escolherem parceiros
sexuais seguros, etc. e que a prevenção passará, inevitavelmente, pelo
questionamento dessas crenças, embora não fique bem claro como é que isso
poderá ser feito, nomeadamente na intervenção com grupos nem na intervenção
individual, com a finalidade de aumentar a capacidade dos sujeitos para agir
mais racionalmente na gestão do risco sexual, reduzindo assim a incidência da
infecção. Em minha opinião, esta questão relacionada com a utilidade é um dos
pontos menos fortes do trabalho, uma vez que o leitor não fica muito elucidado
sobre o como. Ou seja: o livro transmite bem um enquadramento teórico que pode
ser aplicável no planeamento de projectos de prevenção mas não se ocupa, talvez
deliberadamente, de um modelo de acção.
O outro ponto menos forte é a síntese final que é apresentada no último
capítulo, "SIDA: Eu e os Outros", e que poderia ter sido uma
análise mais sistematizada do conteúdo das entrevistas. Como síntese conclusiva
parece ter ficado um pouco aquém do que teria sido possível.
Está claro que os autores sabem que, do ponto de vista psicológico, os
processos relacionados com os comportamentos sexuais de risco são mais
complexos. Como se sabe, o modelo de crenças de saúde é apenas um modelo entre
outros que tem sido investigado como incluindo variáveis preditoras de
comportamentos relacionados com a saúde, designadamente adesão ao exercício
físico regular, a vacinas e a rastreios oncológicos, bem como aos
comportamentos sexuais seguros. É um modelo com aplicabilidade na prevenção da
infecção pelo VIH. No entanto, a aplicabilidade é complementar, porque é um
modelo que apenas tem em conta factores individuais, que conceptualiza as
crenças de saúde de uma forma estática e não contempla factores emocionais,
além de que o que as suas variáveis predizem é tão somente a intenção de vir a
ter um determinado comportamento e não o próprio comportamento em si mesmo.
Tudo isto faz com que na facilitação da mudança de comportamentos necessária à
prevenção da SIDA tenham que ser consideradas outras variáveis individuais (de
que são exemplos a motivação para a saúde, a expectativa de auto-eficácia, a
percepção de controlo e a assertividade sexual, entre outras), juntamente com
modelos de cognição social.
A focalização exclusiva nas crenças terá sido uma opção deliberada dos autores,
como de resto é justificado inicialmente, nomeadamente como grande finalidade
dos próprios programas. Resulta certamente bem para o público leigo, mas
naturalmente que o leitor informado sobre os modelos psicológicos não deixará
de notar uma tendência para um certo reducionismo.
A diversidade e actualidade das temáticas abordadas, a introdução que os
organizadores fazem a cada tema/entrevista, a escolha de entrevistados com
formações e experiências muito diferentes, a forma como procura pôr em
evidência a centralidade de factores psicológicos em relação aos processos de
mudança de comportamentos e, ainda, o facto de ser um texto que, pela linguagem
utilizada, é acessível ao grande público são, a meu ver, os principais pontos
fortes do trabalho. Não só tem interesse como obra de divulgação que suscitará
procura por parte de várias camadas do público em geral, como é leitura
obrigatória para técnicos de saúde, professores e educadores e outros técnicos
e voluntários que dalguma maneira estejam em contacto com a problemática da
prevenção da SIDA.
José A. Carvalho Teixeira