Nota de Abertura
Nota de Abertura
Este número deAnálise Psicológicaé dedicado ao campo de estudo da Cognição
Social.
O nosso objectivo é o de apresentar em língua portuguesa algumas das actuais
abordagens em desenvolvimento na cognição social, com especial relevo para
aquelas em que autores portugueses têm apresentado algumas contribuições
significativas.
Assim procuramos reunir um conjunto de artigos de investigadores que se
enquadram numa perspectiva fundamental, desenvolvendo modelos e estudos
empíricos nas áreas básicas da ciência que é a Psicologia, com um enquadramento
da realidade fornecido pela Cognição Social. Isto é, um enquadramento que: a)
pressupõe a existência de componentes comuns relativamente a diferentes
conteúdos e domínios da actividade humana (Hamilton, Devine, & Ostrom,
1994); b) pressupõe que a informação é mentalmente codificada/representada e
que os processos se definem em termos de manipulação/transformação dessas
representações em vez de seus significados (Stillings et al., 1987); c) procura
identificar os processos básicos de processamento de informação focando o modo
como a informação é representada e acedida na memória bem como os algoritmos
que caracterizam o modo pelos quais vários inputs são combinados para resultar
numoutput (Smith, 1994); d) que pressupõe ser o humano um sistema de
processamento de informação que tem capacidade limitada, pelo que necessita de
gerir os seus recursos cognitivos (Simon, 1957, 1981) e, que e) pressupõe que
as características de processamento são modeladas pelos objectivos, motivos, e
necessidades do sis-tema (Fiske & Taylor, 1991).
Optamos por agregar neste número um conjunto de trabalhos teóricos e um
conjunto de trabalhos empíricos na área da cognição social.
Os trabalhos teóricos reflectem quer uma leitura critica e organizada de um
campo da Cognição Social quer os pressupostos teóricos subjacentes a alguns
modelos inovadores do campo, feitos pelos próprios autores, como é o caso do
modelo TRAP (Twofold Retrieval by Associative Pathways) - desenvolvido por
Leonel Garcia-Marques e do modelo FARM (Familiarity as a Regulation Mechanism)
- desenvolvido por Teresa Garcia-Marques.
Os trabalhos empíricos desenvolvem teste de hipóteses associadas aos
pressupostos de alguns dos modelos associados a campos da cognição social, tão
variados como o do pensamento contrafactual, da crença do mundo justo, da
utilização de heurísticas em tomada de decisão e da formação de impressões.
Apenas um artigo destaca-se destes dois objectivos: Um artigo escrito com o
objectivo de fazerhomenagem póstuma ao eminente psicólogo social Harold H.
Kelley que faleceu em Janeiro de 2003. Apesar da sua presença neste número
poder ser considerada algo deslocada, não podíamos deixar passar esta
oportunidade de referir o desaparecimento deste autor bem como o de salientar a
grande contribuição que ele teve para o actual desenvolvimento da psicologia
social.
Os artigos teóricos são os primeiros a serem apresentados neste número da
Análise Psicológica. No primeiro artigo Teresa Garcia-Marques, apresenta e
discute os pressupostos dualistas de processamento da informação que têm
caracterizado os modelos actuais do campo da Cognição social e da Psicologia
Cognitiva. Ao fazê-lo sugere a necessidade de se postular um mecanismo
responsável pela activação/desactivação de um ou outro modo de processar a
informação, sugerindo que este papel é desempenhado por um sentimento de
familiaridade (FARM -Familiarity as a Regulation Machanism).
Leonel Garcia-Marques, David Hamilton, Margarida Garrido eRita Jerónimo
apresentam o modelo de recuperação de informação na memória, TRAP (Twofold
Retrieval by Associative Pathways) definido pelos dois primeiros autores em
trabalhos anteriores. Com este modelo os autores fornecem uma explicação para a
aparente incongruência dos efeitos das expectativas em processos de formação de
impressões e em processos de estimativas de frequências. Tendo este modelo já
sido apresentado em várias publicações internacionais, agradecemos aos autores
a sua apresentação sumariada e integrada em língua portuguesa, com vista a
tornar este modelo mais acessível à comunidade científica portuguesa.
No terceiro artigo com caracter teórico,Dora Bernardes, apresenta-nos uma
revisão crítica e actualizada da investigação e da literatura relativa ao
estudo do controlo de estereótipos. Dada a aparente inevitabilidade da
activação de um estereótipo na presença de um alvo pertencente a respectiva
categoria social, a psicologia social tem tentado compreender como é que o
percipiente social procura inibir os pensamentos estereotípicos antes que estes
influenciem os seus julgamentos e comportamentos.
Margarida Garrido eLeonel Garcia-Marques fornecem-nos uma revisão critica da
literatura relativa à questão de representação, organização e recuperação
informação da memória acerca de pessoas e acontecimentos sociais, sugerindo a
necessidade de se melhor perceber os processos de recuperação da informação
para compreender o modo como formamos impressões sobre a realidade que nos
rodeia. Para tal, sugerem a focagem nas propostas mais recentes feitas pelos
modelos dualistas, que opõem um modo de recuperação exaustivo a um modo de
recuperação heurístico.
O segundo conjunto de artigos apresentam abordagens empíricas a campos do
estudo da Cognição Social variados.
Isabel Correia eJorge Vala, resumem um conjunto de estudos desenvolvidos com
vista a testar uma predição básica da teoria da crença no mundo justo (CMJ): a
de que os observadores com maior CMJ, vitimizarão mais uma vítima inocente cujo
sofrimento persiste do que os observadores com menor CMJ.
Ana Cristina Martins, apresenta-nos dois estudos desenvolvidos no campo de
estudo dos pensamentos contrafactuais, que revistam um estudo de Macrae e
colaboradores, questionando as suas inferências relativas à activação de
pensamentos contrafactuais como mediando o impacto afectivo de diferentes
cenários relativos ao contexto de crimes.
Mário Ferreira eLeonel Garcia-Marques apresentam-nos um estudo empírico
desenvolvido na linha das abordagens feitas por Tversky e Kahneman (1974)
- que pressupõe que a actividade inferencial humana baseia-se muitas
vezes emheurísticas que se opõem a alguns dos princípios estatísticos básicos.
Seguindo a sugestão de Nisbett e colaboradores (1983), os autores consideram a
existência de heurísticas estatísticas e sugerem que a sua utilização pode
estar dependente do reconhecimento de um componente de acaso nos problemas
indutivos.
Por último,Anibal Henriques eLuisa Lima, focam o impacto que diferentes afectos
podem ter noprocessamento de informação que varia no seu grau de relevância e
familiaridade, em dois tipos de contexto: o de suporte social e o de percepção
de risco.
Esperamos que a leitura destes artigos contribua para um maior debate sobre
estes temas no nosso país e que incentive a realização de um número maior de
investigações sobre cada uma destas áreas.
TERESA GARCIA-MARQUES