Clinical health psychology and primary care (2003): Robert J. Gatchel &
Mark S. Oordt. Washington: APA Books, American Psychological Association, 261
pp.
CLINICAL HEALTH PSYCHOLOGY AND PRIMARY CARE (2003) - Robert J. Gatchel &
Mark S. Oordt. Washington: APA Books, American Psychological Association, 261
pp.
Trata-se de um dos primeiros, senão o primeiro livro norte-americano sobre
intervenção da psicologia clínica no sistema de cuidados de saúde primários,
introduzindo uma perspectiva de colaboração com os outros técnicos de saúde e
sistematizando as técnicas que têm aplicabilidade nesse contexto de saúde.
Nesse aspecto pode considerar-se uma obra de referência, em particular no que
se refere às intervenções, com carácter eminentemente prático.
O primeiro capítulodo livro delimita, do ponto de vista dos autores, o que é a
psicologia clínica da saúde nos cuidados primários, destacando que não se trata
apenas de intervir sobre a saúde mental dos indivíduos mas sim sobre a saúde no
sentido global. Tem o mérito de situar o modelo biopsicossocial da saúde e da
doença, que é adaptado ao contexto dos cuidados de saúde primários e,
sobretudo, identifica os modelos psicológicos nos cuidados primários. Este
último aspecto é uma mais valia desta obra, particularmente para compreender
como é que o psicólogo pode inserir-se na equipa de cuidados de saúde primários
em termos de modelos de colaboração: colaborador independente não-integrado,
prestador de cuidados psicológicos nos cuidados primários, consultor na área da
saúde comportamental, consultor da equipa e modelos combinados. São discutidas
vantagens e desvantagens de cada modelo, a nosso ver com bastante interesse
para reflectir sobre as implicações que as mudanças em curso actualmente no
sistema de saúde em Portugal podem ter para o papel do psicólogo nos cuidados
de saúde primários.
Muito importante também é o reconhecimento de que a intervenção psicológica nos
cuidados de saúde primários exige o desenvolvimento de competências
profissionais específicas para o contexto, que são abordadas na parte final do
primeiro capítulo, com destaque para a avaliação psicológica focalizada, gestão
eficiente do tempo de consulta, domínio de técnicas cognitivas e
comportamentais e centração na mudança de comportamentos, integração na equipa,
entre outras.
O segundo capítuloé dedicado à organização duma consulta e/ou serviço de
psicologia nos cuidados de saúde primários, desenvolvendo aspectos
profissionais e interprofissionais que podem ser cruciais para a inserção do
psicólogo e para o sucesso da implantação da psicologia nos cuidados de saúde
primários. A integração na equipa, o desenvolvimento de relações
interprofissionais-chave, a integração na cultura dos cuidados primários e
alguns aspectos éticos são abordados de forma clara e compreensiva, adaptável à
nossa realidade.
Seguidamente, nos 8 capítulos seguintes, os autores, R. J. Gatchel e M. S.
Oordt, começam por introduzir a informação médica que permite aos psicólogos
colaborar de maneira informada com os médicos em problemas de saúde comuns,
tais como:
- Diabetes mellitus
- Hipertensão arterial
- Doenças cardiovasculares
- Asma brônquica
- Dor
- Insónia
- Obesidade
- Doenças gastrointestinais
Em cada capítulo os autores descrevem e caracterizam as implicações
psicológicas e psicossociais da doença em causa e abordam detalhadamente as
estratégias de intervenção psicológica que podem ser utilizadas em benefício do
bem-estar psicológico e da qualidade de vida do doente, no contexto específico
da consulta psicológica nos cuidados primários de saúde.
Adicionalmente, alguns capítulos dedicam-se às intervenções psicológicas
noutras áreas, nomeadamente:
- Mudança de comportamentos relacionados com tabagismo, consumo excessivo de
álcool, drogas e sedentarismo
- Confronto com doença crónica ou terminal
- Utilização excessiva de serviços de saúde
É importante notar que nos EUA, a perspectiva denominada psicologia clínica da
saúde está predominantemente focalizada nas doenças e nos seus aspectos
curativos, o que é claramente insuficiente no contexto dos cuidados de saúde
primários. Contudo, os autores fizerem um esforço louvável, mas na nossa
opinião insuficiente, em incluir áreas mais relacionadas com a saúde e com a
própria prestação dos cuidados de saúde, em dois capítulos: um sobre mudança de
comportamentos de risco para a saúde e outro sobre comportamentos de procura de
cuidados de saúde. Este último é particularmente inovador. Apesar disto, não
deixa de ser relevante que cerca de dois terços da obra seja dedicada à
intervenção psicológica com indivíduos doentes.
O último capítuloé dedicado a algumas reflexões sobre o futuro da intervenção
psicológica neste contexto de saúde.
Seja como for, este livro interessará certamente a todos os que estudam e/ou
praticam a intervenção psicológica nos cuidados de saúde primários,
especificamente nos Centros de Saúde. Para além dos psicólogos, os outros
técnicos das equipas dos cuidados de saúde primários ficarão a saber o que
podem esperar dos psicólogos. Nele encontram informação fundamental para o
desenvolvimento de boas práticas e para uma prestação de cuidados psicológicos
de qualidade.
Apesar do “peso” excessivo das doenças (onde, não aborda o cancro, a infecção
VIH/SIDA nem a depressão, que são problemas clínicos centrais nos cuidados
primários) e de não abordar a intervenção psicológica em áreas fundamentais
como a saúde materna, saúde infantil, saúde do idoso e cuidados continuados,
humanização e qualidade, no essencial este livro vale por três áreas-chave que
aborda: a sistematização baseada na evidência das diferentes técnicas
psicológicas que podem ser úteis no trabalho psicológico com indivíduos
doentes; a delimitação do campo da psicologia clínica da saúde nos cuidados
primários e, ainda, a reflexão sobre a organização da consulta e/ou serviço de
psicologia nos cuidados primários.
José A. Carvalho Teixeira / Isabel Trindade