Dominância e atracção social num grupode macacos-verdes (Cercopithecus
aethiops) em cativeiro
INTRODUÇÃO
A catagem é de longe o comportamento mais frequentemente estudado em primatas
não humanos, uma vez que para além da sua função higiénica, há muito que é
enfatizado o seu papel na formação de laços sociais, especialmente em fêmeas,
dado que entre machos a sua ocorrência é muito menos frequente. Desempenhando a
catagem um papel fundamental nas estratégias sociais de primatas, muitos dos
modelos sobre cooperação nestas espécies procuram explicar a sua distribuição
não aleatória, pelos diferentes membros do grupo.
Um dos modelos mais influentes foi proposto por Seyfarth (1977), depois de
verificar que em várias espécies de macacos e babuínos, as fêmeas de elevado
estatuto de dominância recebiam mais catagem que as de baixo estatuto, ao mesmo
tempo que a maior parte da catagem ocorria entre fêmeas de posições
hierárquicas adjacentes. O modelo de Seyfarth (1977) baseia-se na assumpção
principal de que as fêmeas trocam catagem por apoio em confrontos agonísticos
futuros. Dado que as fêmeas dominantes são as parceiras mais valiosas durante
confrontos agonísticos (i.e. possuem maior probabilidade de vencer uma
disputa), as outras fêmeas deverão ser atraídas por elas, com o intuito de
maximizar os benefícios das relações sociais. Dado que cada fêmea competirá por
parceiras o mais dominantes possíveis, o acesso a estas não estará ao alcance
de todas, fazendo com que cada fêmea despenda mais tempo a catar fêmeas de
posições hierárquicas adjacentes (Seyfarth, 1977).
A distribuição preferencial de catagem por fêmeas dominantes tem sido testada
especialmente em primatas do Velho Mundo. Correlações significativas entre
estatuto de dominância e catagem recebida foram encontradas em algumas espécies
de primatas (Fairbanks, 1980; Hemelrijk & Ek, 1991; Matheson &
Bernstein, 2000; Nakamichi, 2003; Payne et al., 2003; Rowell, 1971; Schino et
al., 2003; Seyfarth, 1980; de Waal & Luttrell, 1986; Watts, 2000), não
sendo, no entanto, uma tendência geral em todas elas (Bentley-Condit &
Smith, 1999; Cooper & Bernstein, 2000; Franz, 1999; Leinfelder et al.,
2001; Silk et al., 1999).
Infelizmente, alguns destes estudos em que foram encontradas associações
significativas, não levaram em conta o papel das relações de parentesco na
distribuição da catagem. Muitas destas espécies formam linhas matriarcais, em
que as descendentes adquirem posições hierárquicas imediatamente inferiores às
das suas progenitoras, pelo que, a aparente atracção por indivíduos dominantes
pode não ser mais que o investimento em relações de parentesco.
Como inicialmente sugerido por Seyfarth (1977), um dos benefícios principais
destas relações seria a formação de alianças agonísticas. No entanto,
correlações significativas entre a catagem e a formação destas alianças, apesar
de se terem observado em alguns grupos (Hemelrijk, 1994; Hemelrijk & Ek,
1991; Seyfarth, 1980; Seyfarth & Cheney, 1984), não foram encontradas
noutros (Cooper & Bernstein, 2000; Fairbanks, 1980; Gust, 1995; Leinfelder
et al., 2001; Matheson & Bernstein, 2000; Silk et al., 2004; de Waal &
Luttrell, 1986), sugerindo que o funcionamento da catagem como um meio de
fortalecer alianças agonísticas entre fêmeas, não pode ser tomado com uma
explicação geral para todos os primatas (Barrett & Henzi, 2002).
Expandindo as ideias iniciais de Seyfarth (1977), Henzi e Barrett (1999)
abordaram o estudo da função social da catagem através de um ângulo mais vasto,
ao considerar a catagem como um 'bem', que pode ser trocado por ele
próprio, ou por um conjunto de outros 'bens', que não
exclusivamente o apoio agonístico (e.g. comida: de Waal, 1997; tolerância em
locais de alimentação: Barrett et al., 2002; Pastor-Nieto, 2001; acesso a
crias: Bentley-Condit & Smith, 1999; di Biteti, 1997; Henzi & Barrett,
2002; Muroyama, 1994; Silk, 1999; cuidados alo-parentais: Lazaro-Perea et al.,
2004). Estes autores, baseando-se na teoria dos mercados biológicos (Noë &
Hammerstein, 1994, 1995), sugerem que as interacções de catagem entre fêmeas
reflectem um mercado dinâmico de trocas entre parceiros comerciais, no qual, o
preço dos bens é influenciado pelas leis da oferta e da procura, e pelo
estatuto de dominância dos indivíduos, uma vez que este regula o acesso
preferencial aos recursos (Barrett et al., 1999; Barrett & Henzi, 2002).
Apesar das diferenças, o modelo de Seyfarth (1977) pode ser visto como uma
forma simplificada de um modelo de mercado (troca de catagem por alianças), uma
vez que este assenta igualmente na competição por parceiros de diferente valor
(Barrett & Henzi, 2005). Contudo, o modelo de Seyfarth é inteiramente
estático, porque assume que o valor das fêmeas de elevado estatuto mantém-se
constante ao longo do tempo, independentemente das variações no contexto socio-
ecológico (Barrett & Henzi, 2005).
Esta perspectiva de mercado biológico assume que quando a catagem não é trocada
por outros bens, os indivíduos formam relações recíprocas, pelos benefícios
inerentes à própria catagem (e.g. remoção de parasitas, redução de tensão),
recorrendo à reciprocação imediata (Barrett et al., 1999). Assim, segundo este
modelo, os padrões temporais da catagem poderão ser usados para distinguir duas
classes de parceiros: recíprocos ou permutadores (Henzi & Barrett, 1999;
Leinfelder et al., 2001). Apesar de tudo, esta distinção pode não ser tão
linear quanto isso, uma vez que as relações inter-individuais são melhor
caracterizadas por uma mistura complexa de permuta e reciprocidade (Schino et
al., 2003), e pelo facto de nem todas as interacções serem obrigatoriamente
influenciadas por uma lógica de mercado (e.g. investimento parental) (Barrett
& Henzi, 2005).
Contudo, para se comprovar a existência de um mercado biológico, é necessário
que as condições ecológicas variem suficientemente, de modo a que haja um
impacto significativo no regime competitivo, e consequente alteração no
investimento nas relações sociais (Barrett & Henzi, 2005). No entanto,
mesmo na ausência de oscilações nas leis de oferta e de procura dos mercados
biológicos, podem ser feitas um conjunto de predições assumindo que a catagem é
de facto um bem de mercado, que pode ser trocado por outros bens, e que o preço
a pagar por esses bens é influenciado pela capacidade diferencial dos
indivíduos de controlarem recursos. Neste sentido, Leinfelder et al.(2001)
tentaram incorporar no modelo de Seyfarth (1977), um conjunto de assumpções
mais gerais que lhe permitem ser aplicado a diferentes tipos de hierarquias de
dominância.
Então, segundo Leinfelder et al.(2001) e assumindo um modelo de troca de
catagem num grupo de fêmeas em que existe um elevado declive (assimetria) nas
relações de dominância, podem ser feitas as seguintes predições: 1) atracção
por fêmeas dominantes (fêmeas dominantes recebem mais catagem, fêmeas
subordinadas realizam mais catagem, fêmea subordinada da díade responsável pela
maior parte da catagem); 2) mais catagem entre díades adjacentes; 3) maior
reciprocidade quanto menor a distância em termos de estatuto de dominância; e
4) quanto maior a distância em termos de estatuto, maior a contribuição do
membro subordinado de cada díade. Se por outro lado, assumirmos que as relações
de dominância são mais igualitárias e existem poucos bens pelos quais se possa
trocar a catagem, então podemos esperar: 5) elevada reciprocidade de catagem; e
6) maior reciprocidade em díades onde a catagem ocorre mais frequentemente.
Contudo, Leinfelder et al.(2001) ao realizarem as suas predições ignoraram
parte das principais diferenças entre o modelo de Seyfarth (1977) e o modelo de
mercado biológico (Barrett & Henzi, 2005). O primeiro modelo assume que as
fêmeas ao acederem a parceiros dominantes, excluem automaticamente as fêmeas de
estatuto inferior de acederem às mesmas fêmeas que elas (i.e. as fêmeas
dominantes são as primeiras a escolher e automaticamente impedem as restantes
de oferecerem uma melhor proposta). O segundo modelo, por seu lado, considera
que fêmeas que oferecem um produto de melhor qualidade (ou pedem um preço mais
baixo) têm mais sucesso no mercado. Em termos práticos, esta diferença faz com
que as predições de Leinfelder et al.(2001), nomeadamente as que dizem respeito
a maior catagem e maior reciprocidade entre díades adjacentes, não se apliquem
necessariamente em todos os casos.
Apesar de, em termos teóricos, o declive (assimetria) das relações de
dominância ser há muito um conceito familiar no campo da primatologia (e.g.
despotismo como sinónimo de relações de dominância lineares com grandes
assimetrias em termos de poder), só recentemente foi operacionalizada por de
Vries et al.(2006). A medida proposta permite quantificar as diferenças
absolutas entre indivíduos, quanto ao seu sucesso em encontros agonísticos.
Partindo desta medida, e tendo por base as interacções de catagem num grupo
cativo de macacos-verdes (Cercopithecus aethiops) testámos cada uma das
predições de Leinfelder et al.(2001) acima enunciadas, verificando até que
ponto os resultados obtidos se enquadram mais no tipo de competição prevista
pelo modelo de atracção de Seyfarth (1977), ou pelo modelo dos mercados
biológicos (Barrett & Henzi, 2005). Tendo em conta que, em macacos-verdes
as fêmeas formam o núcleo central do grupo e as filhas assumem uma posição
hierárquica semelhante à das mães (Melnick & Pearl, 1987), prevemos a
existência de um mercado de catagem entre estas, podendo este estar, ou não,
directamente relacionado com a formação de alianças agonísticas, tal como
previsto por Seyfarth (1977).
Resultados prévios em macacos-verdes obtidos por Lynn Fairbanks apoiam a
hipótese de atracção e competição por fêmeas de elevado estatuto (Fairbanks,
1980), apesar de não sido encontrada uma relação causal entre catagem e
formação de alianças agonísticas. Seyfarth (1980), por outro lado, encontrou
evidências de que de facto, elevadas frequências de catagem se encontravam
signitivamente correlacionadas com a formação de alianças. No entanto, uma re-
análise dos dados de Seyfarth (1980) por Hemelrijk (1990) sugere que, a troca
entre catagem e apoio agonístico é um subproduto da correlação de ambas as
variáveis com o estatuto de dominância (i.e. indivíduos dominantes tendem a
receber mais catagem e a envolverem-se mais frequentemente na formação de
alianças). O facto de no presente estudo, as fêmeas adultas do grupo não serem
aparentadas entre si, permite avaliar a existência fenómenos de atracção
independentemente do eventual efeito das relações de parentesco.
MÉTODO
Sujeitos
Os macacos-verdes encontravam-se alojados numa jaula exterior de
aproximadamente 300m3, no Jardim Zoológico de Lisboa. O espaço possuía uma
forma octogonal, tecto parcialmente aberto e chão de cimento, contendo diversas
estruturas de madeira que forneciam sombra e superfícies adicionais para trepar
e sentar. Tinha ainda três pequenos abrigos onde os animais podiam dormir e
proteger-se das condições climáticas. A jaula era limpa diariamente, e os
macacos alimentados duas vezes por dia.
O grupo era constituído por três machos (um adulto >10 anos - AM1, dois
subadutlos >4 anos - SAM1-2) e sete fêmeas (cinco adultas >5 anos -
AF1-5 e duas juvenis - 3 e 2 anos JF1-2). Nenhum dos adultos nasceu no
zoo, entrando no grupo em alturas distintas. Os restantes animais já nasceram
no zoo de Lisboa (SAM1-2, JF1-2), mas somente a fêmea mais nova (JF2) possuía a
mãe presente (contudo os registos do zoo não são conclusivos quanto a qual
seria o par mãe-cria)
Recolha de dados
Todos os dados foram recolhidos pelo primeiro autor de Março a Julho de 2003,
entre as 10:00H e as 18:00H. Cada animal foi sujeito a 126 amostragens focais
(Altmann, 1974) de cinco minutos. Durante estas amostragens, todas as
ocorrências dos seguintes comportamentos foram registadas: 1) aproximação/
evitamento: um animal afasta-se rapidamente de outro que potencialmente se
aproxima, 2) catagem: um animal trata a pele/pelagem de outro (a duração destas
interacções foi registada ao segundo), 3) agressão: ameaçar, bater, puxar,
morder ou perseguir outro animal, 4) apoio agonístico: um animal intervém num
confronto a favor de um dos intervenientes. As descrições comportamentais são
baseadas em Fairbanks (1980), Hector et al.(1989) e Raleigh e McGuire (1989).
Para cada ocorrência destes comportamentos, a direcção e a identidade dos
sujeitos que interagiram com o sujeito focal foram registados. Uma vez que
episódios agonísticos ocorrem pouco frequentemente, estes (bem como eventuais
apoios agonísticos) foram igualmente registados segundo a amostragem de todas
as ocorrências (Altmann, 1974). A ordem de amostragem dos indivíduos foi
aleatória, sendo que o mesmo indivíduo não foi observado uma segunda vez, sem
que todos os outros o tivessem sido primeiro.
Análise dos dados
Hierarquia de dominância
Através do resultado das interacções de aproximação/evitamento foi construída
uma hierarquia de dominância baseada no método proposto por David (1987, 1988),
com a correcção de de Vries et al.(2006). Este método atribui um valor de
dominância para cada indivíduo (David score, DS), no intervalo de -N(N-1)/2
(valor mínimo possível, em que N representa o número de sujeitos) a N(N-1)/2
(valor máximo possível). A grande vantagem deste procedimento é que valoriza as
vitórias diferentemente, atribuindo maior peso a vitórias sobre indivíduos
dominantes, do que a vitórias sobre indivíduos que perdem a maioria dos seus
confrontos. Igualmente, derrotas provocadas por indivíduos subordinados, têm
maior peso do que derrotas em confrontos com indivíduos dominantes.
Para se obter uma medida de declive das relações de dominância, que varie entre
0 e 1, é necessário normalizar os valores de DS (NormDS) utilizando a seguinte
expressão: NormDS = {DS + MaxDS(N)} / N = {DS + N(N-1) / 2} / N (de Vries et
al., 2006).
Os valores de NormDS encontrar-se-ão definidos no intervalo entre 0 e N-1.
Colocando os indivíduos por ordem de dominância no eixo dos X (1 para o
indivíduo mais dominante, N para o menos dominante) e os respectivos valores
NormDS no eixo dos Y, o declive das relações de dominância será dado pelo valor
absoluto do declive da recta de mínimos quadrados, ajustada ao conjunto de
pontos (de Vries et al., 2006). Valores próximos de 1 representam relações de
dominância altamente assimétricas, enquanto valores próximos de 0 correspondem
a relações de dominância mais igualitárias.
Foi ainda calculado um índice de linearidade para a hierarquia de dominância
(de Vries, 1995). Este índice mede o grau de transitividade das relações de
dominância. Uma hierarquia é completamente linear se, e só se, verificarem as
seguintes condições: 1) para cada díade A e B existente no grupo, ou A domina B
ou B domina A; e 2) para cada trio de indivíduos no grupo A, B e C, se A domina
B, B domina C, então A domina C.
O cálculo dos David scores, declive e linearidade da hierarquia de dominância
foi efectuado tendo por base a matriz diádica contendo todos os elementos do
grupo (n=10, 3 machos, 7 fêmeas).
Catagem
Para determinar se a distribuição da catagem se encontrava relacionada com o
estatuto de dominância, os tempos totais de catagem, recebida e efectuada, por
cada uma das fêmeas foi correlacionada (coeficiente de correlação de Spearman)
com o respectivo DS. Adicionalmente, recorrendo ao teste binomial, comparámos a
proporção de díades em que a catagem foi maioritariamente (>50%) realizada pela
fêmea subordinada, com a proporção de díades em que esta foi maioritariamente
efectuada pela fêmea dominante da díade.
Para determinar se os tempos de catagem foram maiores em díades adjacentes,
comparámos o tempo médio de catagem, que cada fêmea dedicou às fêmeas
imediatamente acima ou abaixo na hierarquia (somente abaixo no caso da fêmea
mais dominante e somente abaixo no caso da fêmea mais subordinada), com o tempo
médio dedicado às restantes, utilizando o teste de Wilcoxon para amostras
emparelhadas. Um procedimento semelhante foi utilizado para avaliar se a
reciprocidade foi maior nestas díades. A reciprocidade da catagem entre as
díades foi calculada segundo a seguinte expressão:
R = 1 - ¦ (Cab-Cba)/(Cab+Cba) ¦
Um valor de R=1 representa reciprocidade total, e um valor de 0 representa que
um dos membros da díade foi responsável por toda a catagem.
Para cada uma das díades foi ainda correlacionada (coeficiente de correlação de
Spearman) o valor da diferença dos DS (DS dominante - DS subordinada) com
a reciprocidade observada e com a contribuição relativa da fêmea de estatuto
mais baixo.
Finalmente, nas díades em que se observaram ocorrências de apoio agonístico, os
tempos de catagem foram comparados com um valor médio representativo de todas
as díades, onde não se verificaram ocorrências deste comportamento (teste de
Wilcoxon para amostras emparelhadas).
RESULTADOS
Em média, cada indivíduo passou 9.43 ± 9.00 min/h (média ± desvio padrão) a
catar outros membros do grupo, com as fêmeas adultas a dedicarem mais tempo à
catagem que os restantes indivíduos (fêmeas adultas = 16.12 ± 7.88 min/h;
fêmeas juvenis = 5.59 ± 2.38 min/h; machos subadultos = 1.22 ± 0.84 min/h;
macho adulto = 0.13 min/h). Por outro lado, as fêmeas juvenis e o macho adulto
(dominante) receberam mais catagem que os restantes elementos do grupo (fêmeas
juvenis = 14.04 ± 0.51 min/h; macho adulto = 11.75 min/h; fêmeas adultas = 8.68
± 7.12 min/h; machos subadultos = 5.56 ± 4.22 min/h; Figura_1).
Figura_1
Catagem realizada e recebida pelas fêmeas de acordo com o seu estatuto de
dominância
Legenda: DS - David score.
A hierarquia de dominância obtida apresentava um declive (s=0.608, p<0.001,
1000 simulações) e uma linearidade significativos (h'=0.899, p<0.001,
1000 simulações).
Não foi encontrada uma correlação significativa entre o tempo que cada fêmea
despendeu a catar as restantes e o seu estatuto de dominância (coefeciente de
correlação Spearman: n=7, r=-0.214, p=0.322, unilateral). Contudo, as fêmeas
dominantes foram o alvo da maior parte da catagem das suas companheiras
(coefeciente de correlação Spearman: n=7, r=0.929, p=0.001, unilateral; Figura
1). Em 18 das 21 díades existentes, mais catagem foi realizada pela fêmea de
menor estatuto (teste binomial: p=0.01), com 70.9% da catagem a ser dirigida
para cima na hierarquia.
De um modo geral, as fêmeas não forneceram mais catagem aquelas de posições
adjacentes (adjacentes: 2.60 ± 2.37 min/h; não-adjacentes: 1.46 ± 1.38 min/h;
Wilcoxon: n=7, p=0.188, unilateral; Figura_2). A ausência de significância
estatística deve-se aos resultados das duas fêmeas mais subordinadas, uma vez
todas as outras os tempos médios de catagem, dedicados a fêmeas de posições
adjacentes são superiores (Wilcoxon: n=5, p=0.031, unilateral). No entanto,
apesar de as médias serem superiores nestas cinco fêmeas, nem sempre, para as
quatro fêmeas que possuem parceiras imediatamente acima e abaixo na hierarquia
(fêmea dominante excluída), as duas fêmeas adjacentes são ambas as suas
parceiras preferidas.
FIGURA_2
Tempos de catagem médios dedicados às fêmeas de posições hierárquicas
adjacentes e não-adjacentes
Legenda: DS - David score.
Na Figura_3 podemos observar que todas as fêmeas, à excepção das fêmeas AF3 e
AF4 (DS -18.4 e -23.5 respectivamente), possuem a fêmea dominante como um dos
parceiros preferidos de catagem. A fêmea subordinada do grupo é ainda a segunda
que mais catagem realiza à fêmea dominante. A fêmea adulta (AF4) situada na
penúltima posição da hierarquia apresentou um padrão de catagem muito diferente
das suas companheiras, uma vez que para além de realizar muito menos catagem
que as restantes fêmeas (ver Figura_1), dirigiu-a preferencialmente para dois
dos machos do grupo (AM1 e SAM1; Figura_3).
FIGURA_3
Parceiros preferidos de catagem
Legenda: - macho; O- fêmea; os David scoresde cada indivíduo
encontram-se no interior dos quadrados/círculos; o sentido da seta A →B indica
que o indivíduo A catou o B 1.5 vezes mais que o seu valor médio para todos os
sujeitos.
A reciprocidade não foi também significativamente maior nestas díades
(adjacentes: 0.37 ± 0.35; não-adjacentes: 0.30 ± 0.30; Wilcoxon: n=7, p=0.148,
unilateral), e em média 67.8 ± 31.1% de toda a catagem entre díades não foi
reciprocada. No entanto, foi encontrada uma tendência não significativa (p<0.1)
para a correlação entre a distância entre as posições hierárquica e a
quantidade de catagem reciprocada (coefeciente de correlação Spearman: n=21,
r=-0.345, p=0.063, unilateral), com as díades mais distantes a reciprocarem
menos catagem. Esta menor reciprocidade é acompanhada por maiores contribuições
relativas da fêmea subordinada da díade (coefeciente de correlação Spearman:
n=21, r=0.590, p=0.002, unilateral; Figura_4).
FIGURA_4
Reciprocidade de catagem e proporção da contribuição da fêmea subordinada para
o total de catagem observado na díade, consoante a distância entre as posições
hierárquicas das duas fêmeas
Legenda: DS - David score; dom - dominante; sub -
subordinada.
Durante o período de estudo foram observados 105 conflitos (~0.9 conflictos/h),
73 dos quais foram diádicos, 20 triádicos e 12 poliádicos, com os apoiantes a
intervirem sempre em favor do agressor. A fêmea juvenil mais velha (JF1)
recebeu mais de metade de todo o apoio concedido (23/45). A outra fêmea juvenil
aparece (JF2) em segundo lugar (7/45), e a fêmea dominante (AF1) em terceiro
(5/45). A fêmea (AF1=12/45) e o macho dominante (AM1=8/45), juntamente com as
fêmeas juvenis (JF1=13/45, JF2=8/45), são praticamente responsáveis pela
formação de todas as alianças (41/45) (Figura_5).
FIGURA_5
Ocorrências de apoio agonístico
Legenda: - macho; O- fêmea; os David scoresde cada indivíduo
encontram-se no interior dos quadrados/círculos; o sentido da seta A →B
representa apoio agonístico concedido por A a B, e o número de ocorrências
encontra-se entre parêntesis junto ao indivíduo A; somente alianças verificadas
mais de uma vez estão representadas.
Em 4 das 13 díades (AF1-JF1, AF1-JF2, AF2-JF1, JF1-JF2) em que se observou a
formação de alianças (machos e fêmeas), os indivíduos reciprocaram estas
alianças em alguma extensão. Em 8 das 9 díades restantes, um indivíduo intervém
a favor do outro uma única vez.
Díades de fêmeas em que se registaram ocorrências de apoio agonístico (n=7),
cataram-se mais que a díade média de fêmeas, onde não se observaram alianças
(apoiantes: 4.99 ± 2.77 min/h; díade média:
2.59 ± 2.67 min/h; Wilcoxon: n=7, p=0.039, unilateral). Contudo, somente num
dos 105 conflitos observados, é que uma fêmea adulta apoiou outra, e nunca duas
fêmeas adultas foram vistas juntas a apoiar um terceiro indivíduo. Fica assim
de lado, qualquer possibilidade de troca de catagem por apoio agonístico em
fêmeas adultas.
DISCUSSÃO
Baseado nos elevados valores de linearidade e declive obtidos para a hierarquia
de dominância de macacos-verdes (altamente transitiva e assimétrica), o modelo
de troca de catagem prevê uma permuta potencial de catagem por outros
benefícios relacionados com o estatuto hierárquico das fêmeas, cujo reflexo
será uma distribuição da catagem claramente influenciada pela posição
hierárquica destas. Os resultados deste estudo apoiam a grande maioria das
predições de Leinfelder et al.(2001), contudo o ajustamento a estas não é
perfeito.
Apesar de a grande maioria da catagem ser dirigida para cima na hierarquia, as
fêmeas subordinadas não dedicaram, de um modo geral, mais tempo a esta
actividade do que as fêmeas dominantes (Figura 1). Este último resultado deve-
se especialmente ao facto de uma das fêmeas mais subordinadas (AF4) realizar
muito menos catagem que qualquer uma das suas companheiras, e também à
existência de um efeito da idade no tempo dedicado à catagem, com as fêmeas
juvenis a investirem aproximadamente 1/3 do tempo das fêmeas adultas. A
existência de maiores tempos de catagem em díades adjacentes não ficou também
claramente demonstrada. Apesar de nas cinco primeiras fêmeas da hierarquia, os
tempos médios de catagem dedicados a fêmeas de posições hierárquicas adjacentes
serem superiores aos tempos dedicados às restantes fêmeas, esta diferença é
conseguida especialmente à custa do investimento na fêmea imediatamente acima
na hierarquia. Estes resultados ajudam igualmente a explicar a não existência
de uma maior reciprocidade em díades adjacentes. Contudo, tal como previsto,
quanto maior a distância em termos de estatuto hierárquico, menor a
reciprocidade observada, e maior a contribuição da fêmea subordinada, para o
total de catagem da díade.
Uma das explicações, para a não confirmação de todas as predições de Leinfelder
et al.(2001), poderá residir no facto de grupos pequenos terem maior tendência
a ser influenciados por ruído, gerado por diferenças individuais que não o
estatuto de dominância (Sambrook et al., 1995). Outra explicação poderá ser a
de que, a assumpção de que as fêmeas dominantes escolhem primeiro as suas
parceiras impedindo o acesso a estas por partes das fêmeas subordinadas, não se
verifique. Contudo, a hipótese alternativa, de que as fêmeas entram num mercado
de licitações, oferecendo diferentes propostas, não ficou claramente
demonstrada, uma vez que a adjacência de estatuto, parece ainda assim ter um
papel relativamente importante. No entanto, existe alguma margem de manobra
para considerar uma actuação conjunta dos dois tipos de mecanismo.
Apesar de podermos aceitar o modelo de troca de catagem, independentemente de
como se processa a competição por parceiros, este não teve como consequência a
formação de alianças agonísticas, nomeadamente no que diz respeito às fêmeas
adultas, o que está de acordo como os resultados obtidos por Fairbanks (1980).
As fêmeas adultas investiram bastante tempo nas relações com outras fêmeas
adultas (e em menor grau com os machos), sem que isso se traduzisse em apoio
concedido.
A maioria das coligações observadas foi realizada dentro de um núcleo restrito,
constituído pela fêmea e macho dominante, juntamente com as duas fêmeas
juvenis, com a maioria das alianças a serem realizadas a favor das fêmeas
juvenis, ou a contarem com a sua participação. Pelo facto de as relações de
parentesco das fêmeas juvenis não serem conhecidas, não podemos afirmar até que
ponto o apoio concedido, pelo macho e fêmea dominante, não representa uma
protecção parental. Por outro lado, dada a intervenção sempre a favor do
agressor, numa hierarquia linear, e como tal com risco reduzido para o
apoiante, a participação das fêmeas juvenis aponta para mecanismos de aquisição
de estatuto. A sua ligação ao macho e fêmea dominante ajudam a explicar a sua
posição hierárquica elevada (logo abaixo da fêmea dominante) na hierarquia de
fêmeas. O papel interventivo dos indivíduos mais dominantes na formação de
alianças, independentemente da catagem recebida, foi verificado anteriormente
por Hemelrijk (1990), tendo este sugerido que as intervenções dos indivíduos
dominantes servem sobretudo para a manutenção da estrutura hierárquica do
grupo.
Os dados do presente estudo referem-se a um curto período de tempo, pelo que
poderíamos ainda invocar algum tipo de mecanismo de investimentos nas relações
a longo prazo. No entanto, evidências que os primatas não-humanos possuam as
capacidades cognitivas que lhes permitam planear esses objectivos, não foram
ainda claramente demonstradas. Na falta de outras opções, considerar que os
indivíduos de baixo estatuto são mais dependentes dos laços sociais, e como
tal, investem mais na sua formação, parece ser um raciocínio algo circular,
especialmente na ausência de uma compreensão exacta do que significa
dependência de laços sociais.
A inexistência de uma relação entre a catagem e a formação de alianças sugere
que outros bens podem estar a ser trocados por esta. Um exemplo, poderia ser a
tolerância nos locais de alimentação. Apesar de ter sido observado que os
indivíduos dominantes restringiam o acesso inicial dos subordinados aos
tabuleiros de comida, não existiam sinais exteriores de que os indivíduos
subordinados apresentavam problemas visíveis de subnutrição. Podemos considerar
ainda a catagem, como mecanismo de evitamento de potenciais conflitos (Aureli
et al., 1995; Judge & de Waal, 1997), dada as condições restritas de
cativeiro e o papel da catagem como regulador da tensão (Boccia, 1987).
A perspectiva de mercado aplicada à catagem baseia-se na ideia de que a troca é
um elemento essencial em muitas interacções de benefício mútuo (Noë &
Hammerstein, 1995). Embora a teoria dos mercados biológicos ajude a explicar
estas interacções, muitos aspectos destas transacções sociais precisam ainda de
ser clarificados.