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EuPTHUHu0870-82312009000100004

EuPTHUHu0870-82312009000100004

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0870-8231
ano2009
Issue0001
Article number00004

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

O efeito de ordem temporal no pensamento contrafactual das crianças

Onde "John vermelho" representa "John retirou uma carta de cor vermelha", "Michael preta" equivale "Michael retirou uma carta de cor preta" e "Perdem" corresponde ao resultado (Byrne et al., 2000). E, a partir desta situação factual, arquitectam os seus modelos contrafactuais alterando aspectos do modelo factual: Situação Contrafactual: John vermelha      Michael vermelha      Vencem John preta            Michael preta            Vencem John preta            Michael vermelha       Perdem

As diferentes possibilidades são afiguradas em diferentes linhas, e os modelos são rotulados afim de manterem o contacto com os seu estatuto epistémico (Johnson-Laird & Byrne, 1991).

No entanto, quando é pedido para que imaginem uma escolha de uma carta que possa alterar o resultado de forma a que ambos ganhem o prémio, as pessoas tendem a escolher o segundo acontecimento. Desde modo, o efeito de ordem revela que as pessoas retiram dos seus modelos contrafactuais, apenas uma das alternativas construídas:

Situação Factual: John vermelha      Michael preta          Perdem

Situação Contrafactual: John vermelha      Michael vermelha     Vencem

Porque é que as pessoas tendem a seleccionar esta possibilidade? Uma primeira explicação reside no facto de a alternativa em que ambos perdem, não ser de facto uma alternativa contrafactual efectiva, uma vez que o resultado desfavorável não é desfeito (Byrne, 1997). Por outro lado, o primeiro acontecimento é presumivelmente considerado como inalterável porque, segundo Byrne e colaboradores (2000), é ele quem contextualiza o modelo, assumindo-se como um alicerce que sustenta o desenrolar da construção das alternativas contrafactuais, presidindo à fundação do modelo. Desde modo, este primeiro acontecimento desempenha um papel imperativo na integração da informação subsequente dentro do modelo. Contudo, esta imutabilidade do primeiro acontecimento pode ser suprimida, quando o primeiro acontecimento tem a concorrência de alternativas, ou seja, quando lhe são disponibilizadas alternativas explícitas (como sucede na versão interrompida do jogo de Byrne et al., 2000).

O presente trabalho Este trabalho pretende ampliar o ainda pouco conhecimento acerca da relação entre o desenvolvimento do pensamento contrafactual das crianças e o desenvolvimento das emoções. Para isso procurámos verificar, numa primeira experiência, se as crianças tendem a reproduzir o efeito de ordem temporal idêntico ao dos adultos, ou seja, responsabilizar o último acontecimento de uma sequência de acontecimentos independentes (versão contínua), e, por outro lado, se é possível reduzir ou mesmo eliminar o efeito de ordem temporal através da interrupção de uma sequência de acontecimentos independentes, uma vez que nos adultos essa redução é verificada (versão interrompida). Pretendemos também investigar os consequentes julgamentos emocionais decorrentes deste efeito (Byrne et al., 2000; Meehan & Byrne, 2005; Miller & Gunasegaram, 1990; Sherman & McConnell, 1996).

Numa segunda experiência, objectivamos perceber se o efeito de ordem temporal existe nas crianças, quando um resultado é benéfico para as personagens, e, os julgamentos emocionais decorrentes deste efeito. Nos adultos, se percebeu que este efeito persiste mesmo quando o resultado é positivo, atribuindo a emoção de alívio ao segundo personagem (Byrne et al., 2002).

Para testar as hipóteses, apresentamos um cenário adaptado dos trabalhos de Byrne e McEleney (2000, 2002), que nos permitiu manipular e ajustar os diferentes resultados de uma realidade, afim de percebermos se o efeito de ordem temporal persiste consoante as diferentes realidades apresentadas, mas também nos permite compreender, se as crianças levam em conta o pensamento contrafactual para esboçar os julgamentos emocionais decorrentes dessas mesmas realidades.

EXPERIÊNCIA 1 A nossa hipótese geral é de que, na versão contínua, o efeito de ordem temporal deve aparecer em todas as idades (6, 8 e 10 anos), tal como acontece nos adultos (Byrne et al., 2000; Meehan & Byrne, 2005). Para a versão interrompida, não esperamos que este ocorra linearmente em todas as idades, mas apenas nas crianças com 10 anos, uma vez que tendem a pensar num maior número de possibilidades, dado possuírem uma menor limitação mnésica (Byrne et al., 2000).

Relativamente aos julgamentos emocionais, para a versão contínua, esperamos para as idades de 8 e 10 anos, a emoção culpa associada ao segundo jogador e a emoção tristeza repartida pelos dois jogadores, enquanto que nos 6 anos não se encontra ainda um padrão definido, e assim, ambas as emoções se encontram repartidas pelos dois jogadores (Amsel et al., 2003; Meehan & Byrne, 2005).

Desta maneira, apontamos para, a existência de uma diferença no desenvolvimento dos julgamentos emocionais entre as três idades, 6 e 8 e 10 anos. Para a versão interrompida, contudo, este julgamento deve ser alterado, nomeadamente no sentido inverso. A distinção entre os julgamentos emocionais pode aparecer entre os 8 e 10 anos, esperamos assim que para a idade dos 10 anos a culpa seja atribuída ao primeiro jogador, enquanto que para a idade dos 8 anos, como nos 6 anos, as emoções de culpa e tristeza devam ser distribuídas por ambos os jogadores (Byrne et al., 2000).

Participantes e delineamento Colaboraram nesta experiência, devidamente autorizados e de forma voluntária, 63 crianças, com idades compreendidas entre os 6 e 10 anos, dos quais 48% eram do sexo feminino. Os participantes foram distribuídos ao longo de seis células do delineamento misto 3 idades (6 anos vs.8 anos vs.10 anos) x 2 versões (continuo vs.interrompido), no qual o último factor é intra-participantes.

Material Foram construídos dois diferentes cenários, correspondendo um à versão contínua e outro à versão interrompida. Estes cenários contam a história de um jogo de cartas disputado entre duas crianças, contudo, diferem no seu enredo, apesar de terminarem ambos com um resultado negativo para os participantes. O primeiro cenário pretendeu analisar a versão contínua e foi traduzido e adaptado de Meehan e Byrne (2005)1.

O segundo cenário pretendeu estudar a versão interrompida, e foi traduzido e adaptado de Byrne e colaboradores (2000)2. Todavia, este cenário estava descrito para adultos, desta forma, esta história sofreu uma adaptação de forma a aproximá-la do contexto transcrito anteriormente. Assim, construímos uma mesma história de um jogo de bolas, contudo, a interrupção em vez de uma avaria técnica, passou para o toque da campainha para o intervalo.

A sua tradução não foi literal, tentando aproximar-se fielmente tanto da cultura portuguesa como do contexto em que foi aplicada, procurando também palavras que fossem de compreensão acessível para as crianças. O material seleccionado tentou criar um ambiente lúdico, apelativo e real, para isso foram escolhidos vários bonecos (com os nomes devidamente assinalados nas costas, para que as crianças os pudessem identificar facilmente), meninos e meninas, como também algum mobiliário escolar, como mesas e cadeiras, como também algum material que reenviava para o recreio.

Foram também incluídas duas questões, uma de compreensão e uma questão final afim de assegurarem que as crianças tinham realmente compreendido como os jogadores podiam ganhar o prémio. A questão de compreensão era introduzida antes do primeiro jogador retirar uma bola (Podes dizer-me como é que eles podem ganhar o prémio?), enquanto a questão final era introduzida após as crianças tecerem os seus julgamentos emocionais (Podes relembrar-me como é que eles podem ganhar o prémio?)

Procedimento Num ambiente calmo e silencioso, individualmente, cada criança era envolvida numa conversa breve para que quebrasse alguma possível, ansiedade. Em seguida, era-lhe explicado que iria assistir a uma interacção entre aqueles bonecos, a qual representava um jogo, e que, depois de o observar atentamente, lhe seriam colocadas três questões, salientado aqui, que não haveriam respostas certas nem erradas, o pretendido era apenas sabermos a sua opinião. Passávamos à realização da interacção baseada no cenário construído. No final do jogo eram colocadas duas questões que avaliavam os julgamentos emocionais de tristeza (Um dos meninos/as disse que se sentia mais triste por não terem ganho o prémio.

Qual desses meninos/as tu pensas que se sente mais triste?) e culpabilidade (Um dos meninos/as disse que se sentia mais culpado por não terem ganho o prémio.

Qual desses meninos/as tu pensas que se sente mais culpado?) referentes aos jogadores. Era ainda introduzida uma tarefa de manipulação, que consistia em a própria criança mover as personagens e as suas escolhas com o intuito final de os jogadores puderem vencer o prémio. Esta tarefa media, indirectamente, a criação de alternativas contrafactuais organizadas pela criança, e a sua medição era sustentada na observação e anotação de que bola era mudada.

Cada criança participava nas duas versões, cuja ordem de apresentação foi contra-balanceada, assim como as questões que avaliavam os julgamentos emocionais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Com o objectivo de testar as hipóteses em estudo calcularam-se, para ambas as versões (contínua vs.interrompida), por um lado as respostas dadas na tarefa de manipulação (primeira vs.segunda, aparecendo contudo uma terceira resposta "ambas", as quais avaliaram o efeito de ordem temporal), e por outro lado os julgamentos de emoções, tristeza e culpa (primeiro vs.segundo vs.ambos).

Versão contínua Na Tabela 1 podemos observar os resultados na tarefa de manipulação, através da percentagem em que foi escolhido mudar o primeiro vs.o segundo acontecimento.

Tabela 1 Percentagens das respostas dadas na tarefa de manipulação, versão contínua, nos diferentes grupos etários

A análise revelou a existência de um efeito de ordem temporal para os três grupos, uma vez que ao longo dos três grupos, mais crianças apagaram mentalmente o segundo acontecimento do que o primeiro. Assim, como mostra a Tabela 1, o efeito de ordem temporal foi observado para os 6 anos (27,0% vs.68,2%, diferença esta que é marginalmente significativa, binomial n=21, p=.078), para os 8 anos (23.8% vs.76,2%, binomial n=21, p=.027), como também para os 10 anos (10,0% vs.65,0%, binomial n=15, p=.007). Os três grupos apresentam entre si uma diferença marginalmente significativa [χ2(N=63)=7.938, p=.071]. Desde modo, os resultados apoiam a nossa hipótese, sugerindo que o efeito de ordem temporal se verifica desde os 6 anos de idade.

Na Tabela 2 pode-se observar os resultados obtidos na atribuição de tristeza e culpa ao primeiro vs.ao segundo jogador.

Tabela 2 Percentagens das respostas dadas aos julgamentos emocionais, tristeza e culpa, na versão contínua, e nos diferentes grupos etários

Como mostra a Tabela 2, para a emoção tristeza, foi observado na idade de 6 anos uma maior atribuição de tristeza ao segundo jogador (27.3% vs.50,0%, binomial n=17, p=.332), na idade dos 8 anos, mais crianças atribuem identicamente a tristeza ao segundo jogador (28,6% vs.61,9%, binomial n=19, p=.167), ao passo que na idade de 10 anos a tristeza é repartida pelos dois jogadores (40,0% vs.30.0%, binomial n=14, p=.791), revelando inclusivamente que ambos os jogadores se sentiriam tristes (30,0%). Apesar de não se verificarem diferenças significativas entre os grupos [χ2(N=63)=5.073, p=.283] o padrão encontra-se como o esperado para a idade de 10 anos.

Para a emoção culpa, foi observado na idade dos 6 anos uma distribuição igual da culpa pelos dois jogadores (50,0% vs.50,0%, binomial n=22, p=1), na idade dos 8 anos, inesperadamente, a culpa foi atribuída com maior frequência ao primeiro jogador (42,9% vs.33,3%, n=16, p=.804), contudo, na idade de 10 anos, tal como esperávamos, a culpa é atribuída com maior frequência ao segundo jogador (10,0% vs.65,0%, binomial n=15, p=.007). Relativamente aos julgamentos de culpa, os três grupos diferem significativamente [χ2(N=63)=14.489, p=.004], o que nos mostra que a emoção culpa apenas na idade dos 10 anos é compreendida e por isso atribuída ao segundo jogador, encontrando-se o padrão esperado.

Tal como no trabalho de Meehan e Byrne (2005), os resultados demonstraram, para a idade de 6 anos, uma dissociação entre o efeito de ordem temporal e o julgamento emocional de culpa, este que assume um reforço na verificação deste efeito. Contudo, neste trabalho esta dissociação estendeu-se também à idade de 8 anos.

Parece-nos evidente a dissociação entre o pensamento contrafactual e os julgamentos emocionais mais complexos para as idades mais novas, contudo quando analisamos os julgamentos emocionais mais básicos, verificamos que nestas idades o efeito de ordem temporal se cumpre para a emoção tristeza, o que nos parece de todo relevante. Apesar destas crianças não apresentarem um padrão semelhante ao adulto, estas crianças parecem compreender que é o segundo jogador que se sente mais triste, evidenciando em certa medida um efeito de ordem temporal. Ao invés, na idade de 10 anos verifica-se um padrão consistente entre a tarefa de manipulação e o julgamento de culpa, demonstrando-se idêntico às repostas adultas. Este resultado mostra-nos que aos 10 anos estas duas capacidades se encontram totalmente desenvolvidas.

Versão interrompida Na Tabela 3 podemos observar os resultados na tarefa de manipulação, através da percentagem em que foi escolhido mudar o primeiro vs.o segundo acontecimento.

Tabela 3 Percentagens das respostas dadas na tarefa de manipulação, versão interrompida, consoante o nível etário

Na Tabela 3 podemos ver que o efeito de ordem temporal pode ser reduzido, apesar desta eliminação ocorrer apenas na idade de 10 anos, uma vez que neste grupo, mais crianças apagaram mentalmente o primeiro acontecimento em vez do segundo (65,0% vs.30,0%). Apesar das percentagens referidas irem no sentido esperado, a sua diferença não é estatisticamente significativa (binomial n=19, p=.167) mesmo assim, o padrão é semelhante ao dos adultos, mostrando que pode ser consideravelmente reduzido. Na idade de 8 anos, observa-se o efeito de ordem temporal (28,6% vs.61,9%, binomial n=19, p=.167), enquanto que para a idade dos 6 anos as respostas encontram-se distribuídas identicamente, o que não reduz nem confirma o efeito de ordem temporal (45,5% vs.50,0%, binomial n=21, p=.100). Os três grupos, no entanto, não apresentam entre si uma diferença estatisticamente significativa [χ2(N=63)=5.805, p=.177], embora o padrão se encontre como o esperado para a idade de 10 anos.

Estes resultados sugerem que apenas aos 10 anos de idade as crianças conseguem criar e integrar mais do que uma alternativa contrafactual disponível para a realidade, seguindo um padrão que corresponde àquele que os adultos possuem (Byrne et al., 2000).

Na Tabela 4 pode-se observar os resultados obtidos na atribuição de tristeza e culpa ao primeiro vs.ao segundo jogador.

Tabela 4 Percentagens das respostas dadas aos julgamentos emocionais, tristeza e culpa, versão interrompida, consoante o nível etário

Como mostra a Tabela 4, na emoção tristeza, apesar de as diferenças não serem significativas para as idades de 6 anos e 8 anos, (ambos p>.05), podemos verificar que estas crianças atribuem a tristeza ao primeiro jogador, excepto na idade de 10 anos onde a tristeza é repartida pelos dois jogadores (50,0% vs.45.0%, binomial n=19, p=.100). Estes três grupos, relativamente aos julgamentos de tristeza, não diferem significativamente [χ2(N=63)=5.099, p=.279], embora na idade de 10 anos se encontre o padrão esperado.

Para a emoção culpa, na idade de 10 anos observámos um padrão similar ao encontrado na tarefa de manipulação, no qual o primeiro jogador é aquele a que é atribuído um maior número de respostas, neste caso, a culpa (60,0% vs.25,0%, binomial n=17, p=.143), na idade dos 6 anos, a culpa foi com maior frequência atribuída ao segundo jogador (27,3% vs.72,7%, binomial n=22, p=.052), assim como na idade de 8 anos (28,6% vs.61,9%, binomial n=19, p=.167). Relativamente aos julgamentos de culpa, os três grupos diferem significativamente [χ2 (N=63)=11.526, p=.011], o que acentua o facto de a compreensão da emoção culpa nos 10 anos é que está desenvolvida, uma vez que agora é atribuída ao primeiro jogador, indo de encontro ao padrão esperado, o que por conseguinte se aproxima do padrão desenvolvido pelos adultos (Byrne et al., 2000).

No que diz respeito às idades de 6 e 8 anos, o facto de a tristeza se encontrar agora associada ao primeiro jogador, pode querer dizer-nos alguma coisa. No entanto, verificamos novamente que existe uma diferença ao nível do desenvolvimento emocional e contrafactual, o que nos indica que ambos não emergem simultaneamente no desenvolvimento da criança.

EXPERIÊNCIA 2 Pareceu-nos importante perceber se as crianças também exibiriam o efeito de ordem temporal quando expostas a um resultado em que uma sequência de acontecimentos independentes determinasse um final positivo. Levantámos desde modo a hipótese que nos leva a esperar que o efeito de ordem temporal ocorra em todas as idades, atribuindo a emoção de orgulho ao segundo jogador, enquanto que a emoção de felicidade pode aparecer repartida entre os dois jogadores (Byrne et al., 2002; Guttentag & Ferrell, 2004).

MÉTODO Participantes e delineamento Colaboraram nesta experiência, devidamente autorizados e de forma voluntária, 62 crianças, com idades compreendidas entre os 6 e 10 anos, dos quais 49% eram do sexo feminino. Os participantes foram distribuídos ao longo de três grupos (6 vs.8 vs.10 anos).

Material Para esta experiência, traduzimos e adaptámos um cenário do trabalho de Meehan e Byrne (2005), correspondendo à versão que designámos de resultado positivo.

Este cenário conta também a história de um jogo de cartas disputado entre duas crianças, contudo, difere no seu resultado, uma vez que termina com um resultado agradável para os participantes3. O material físico foi o mesmo.

Foram também incluídas, duas questões, às quais chamámos de questão de compreensão e questão final. Estas asseguraram o mesmo objectivo, assim como o seu posicionamento no decorrer da história.

Procedimento Os passos seguidos neste estudo foram em tudo idênticos ao estudo referido anteriormente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Com o objectivo de testar a hipótese em estudo calcularam-se apenas as respostas referentes aos julgamentos de emoções, felicidade e orgulho (primeiro vs.Segundo vs.ambos).

Na Tabela 5 podemos observar a percentagem dos julgamentos emocionais de felicidade e orgulho, atribuída ao primeiro jogador, ao segundo, e a ambos.

Tabela 5 Percentagens das respostas dadas aos julgamentos emocionais, felicidade e orgulho, versão positiva

Como mostra a Tabela 5, na emoção felicidade, foi observado nas idade de 6 (60,0% vs.30,0%, binomial n=18, p=.238) e 8 anos (60,0% vs.25,0%, binomial n=17, p=.143) uma maior atribuição de felicidade ao primeiro jogador, ao contrário destas idades, nos 10 anos a felicidade é atribuída ao segundo jogador (25,0% vs.50,0%, binomial n=15, p=.302). Estes três grupos, relativamente aos julgamentos de felicidade, não diferem significativamente [χ2 (N=60)=6.770, p=.144], embora o padrão se encontre como o esperado para a idade de 10 anos.

Para a emoção orgulho, observámos um padrão similar para as idades de 6 (binomial n=18, p=.096) e 8 anos (binomial n=15, p=.118), ou seja, é ao segundo jogador que é atribuído um maior número de resposta orgulho, contudo, inesperadamente na idade de 10 anos o orgulho é repartido entre os dois jogadores, aparecendo a resposta ambos como a mais expressiva (35,0% vs.25,0% vs.40,0%, binomial n=12, p=.774, binomial n=15, p=1.00, e binomial n=13, p=.581). Relativamente aos julgamentos de orgulho, os três grupos diferem marginalmente [χ2(N=60)=8.155, p=.089], o que nos mostra que na emoção orgulho pode encontrar-se um padrão diferente ao nível das respostas, ou seja, estas respostas dependem da idade.

O padrão esperado se verifica para as idades de 6 e 8 anos, ao passo que na idade de 10 anos não se encontra um padrão definido, no qual a emoção orgulho de apresenta distribuída pelos dois jogadores. Relativamente à idade de 10 anos, o resultado surpreendeu-nos, uma vez que esperávamos igualmente que estas crianças exibissem o efeito de ordem temporal para a emoção orgulho, e não como se observou para a emoção felicidade. Pensamos que este resultado se deva em parte à resposta "ambos", inclusivamente esta é aquela que obtém mais respostas na emoção orgulho. Contudo, estes resultados podem traduzir que as crianças podem exibir um efeito de ordem temporal aquando de um resultado positivo.

DISCUSSÃO GERAL Este trabalho tencionou procurar mais dados sobre o pensamento contrafactual em crianças e a sua relação com diferentes julgamentos emocionais. Tal como Meehan e Byrne (2005), encontrámos que desde cedo as crianças exibem um efeito de ordem temporal, dirigindo significativamente a sua alteração ao segundo acontecimento. As crianças, assim como os adultos, demonstram padrões similares e estáveis aquando das suas mutações de situações factuais quando pensam contrafactualmente, queremos então dizer que quando as crianças, como os adultos, vivenciam uma realidade composta por acontecimentos independentes, todos apresentam uma tendência para alterar o segundo acontecimento com o propósito de alterar um resultado que lhes foi negativo (Byrne et al., 2000; Meehan & Byrne, 2005; Miller & Gunasegaram, 1990).

A explicação mais consensual para este fenómeno (e.g., Byrne et al., 2002; Miller & Gunasegaram, 1990) é a de que o primeiro acontecimento é pressuposto como aquele que contextualiza o modelo, funcionando como um alicerce, um fundador do modelo. Assim, este primeiro acontecimento assume um papel primordial e facilitador na integração da informação subsequente no modelo contrafactual, o que o leva a não manifestar uma disponibilidade maior para ser alterado ("alterava a segunda bola porque o tinha tirado a bola laranja, então o tinha que ter tirado também uma laranja!").

Outro aspecto relevante na primeira experiência, era perceber a relação entre o pensamento contrafactual e os julgamentos emocionais de tristeza e culpa. Estas são emoções com uma mesma natureza negativa mas que diferem na sua complexidade. A tristeza é uma emoção básica, na qual o seu reconhecimento e compreensão surge na criança por volta dos 5 anos de idade (Fabes, Eisenberg, Nyman, & Michelieu, 1991). Pelo contrário, a culpa é uma emoção complexa que mais tarde, por volta dos 8 anos, é reconhecida e compreendida (Amsel et al., 2003; Berti, Garattoni, & Venturini, 2000; Guttentag & Ferrell, 2004; Harris, Olthof, Terwogt, & Hard-Man, 1987; Nunner-Winkler & Sodian, 1988; Thompson, 1987). Estas duas emoções, uma vez de complexidades diferentes, permitem-nos perceber um pouco melhor a compreensão das alternativas contrafactuais nas crianças.

Os julgamentos emocionais dos adultos seguem frequentemente o mesmo padrão dos seus pensamentos contrafactuais, ou seja, os seus julgamentos emocionais, de culpa, assim como os seus pensamentos acerca do que poderia ter sido dirigem-se significativamente ao segundo jogador (Byrne et al., 2000). Contudo este padrão conjunto não se cumpre desde cedo, queremos assim dizer que existe uma dissociação entre ambas as capacidades (Meehan & Byrne, 2005).

As crianças de 6 e 8 anos apresentam alguma dificuldade em tecer estes julgamentos mais complexos. Desde modo, embora as crianças desde cedo consigam pensar sobre o que poderia ter acontecido, representando mentalmente não apenas os factos como as alternativas, estas mesmas crianças parecem ter algumas limitações na representação mental da influência de uma alternativa contrafactual, quando lhes é solicitado para tecerem um julgamento emocional.

Apesar das crianças de 6 e 8 anos não demonstrarem um padrão semelhante ao adulto, no qual atribuem a culpa com maior frequência ao segundo jogador, estas crianças revelam perceber que é o segundo jogador que se sente mais triste.

Este dado parece-nos relevante, uma vez que apesar da compreensão da culpa no pensamento contrafactual não emergir simultaneamente com a capacidade de pensar contrafactualmente devido a uma incapacidade desenvolvimental do reconhecimento e compreensão emocional, as crianças parecem compreender a influência dessas alternativas nas suas representações dos factos ("o sente-se mais triste porque não tirou uma bola da mesma cor do ").

Na idade de 10 anos, contudo, encontrámos um padrão similar ao dos adultos, no qual os julgamentos emocionais de culpa seguem o efeito de ordem temporal, isto é, dirigem-se ao segundo jogador. Desde modo, percebemos que aos 10 anos de idade, as crianças para além de representarem não apenas o que é verdade, ou os factos como o que é temporariamente pressuposto como ser verdadeiro ou alternativa contrafactual, as crianças de 10 anos integram com sucesso os julgamentos de culpa, demonstrando uma capacidade comparável à dos adultos em compreender as diferentes alternativas contrafactuais, sugerindo que o seu desenvolvimento está completo.

Percebemos também que nas crianças o efeito de ordem temporal pode ser reduzido/eliminado tal como nos adultos, embora esta redução somente se verifique nos 10 anos de idade, o que sugere que apenas a partir desta idade as crianças adquirem a capacidade para reter um maior número de possibilidades ou alternativas uma vez que possuem uma menor limitação mnésica (Byrne et al., 2000; Meehan & Byrne, 2005).

A redução do efeito de ordem temporal ocorre quando o primeiro acontecimento de uma sequência independente é mais considerado, o que sucede quando é disponibilizada uma alternativa contrafactual explícita. Esta alternativa explícita é como que um produto do toque da campainha, ou seja, é adicionado ao modelo mental uma alternativa para o primeiro acontecimento, surgindo uma concorrência de alternativas, a qual é integrada e tida em conta pelas crianças de 10 anos (Byrne et al., 2000). Estas crianças detém uma capacidade desenvolvida, ou seja, para além de construírem as representações mentais da realidade que os envolvem, e muito embora as suas representações iniciais contenham pouca informação ou apenas a informações explícita (representam explicitamente a situação factual, mas não constroem todas as possibilidades contrafactuais, não apenas por economia cognitiva mas também por ainda possíveis limitações da memória de trabalho), estas crianças de 10 anos conseguem integrar no seu modelo uma alternativa factual que concorre com o primeiro acontecimento que fundou todo o modelo, e ainda a tomam como influência de um resultado que não foi favorável (Byrne et al., 2000).

Podemos ainda assim excluir que o efeito de ordem temporal se cumpre porque o segundo acontecimento está mais fresco ou mais disponível na memória das crianças ou adultos (Byrne et al., 2000). Na versão interrompida, as crianças deparam-se com três acontecimentos, entre os quais apenas os últimos dois contribuem para um resultado final. Estes três acontecimentos são diferentes entre si o que leva a que as crianças considerem o segundo e terceiro acontecimento como disponíveis para serem alterados (Byrne et al., 2000).

Os julgamentos de tristeza e culpa ocuparam nesta experiência um lugar revelador e significativo. Na idade de 10 anos os julgamentos de culpa apresentam igualmente uma redução/eliminação do efeito de ordem temporal, uma vez que esta aparece associada mais frequentemente ao primeiro jogador. De facto, aos 10 anos o desenvolvimento dos julgamentos emocionais está atingido e completamente integrado na compreensão do pensamento contrafactual.

Curiosamente, na idade de 6 e 8 anos os julgamentos de culpa seguem o efeito de ordem temporal, ao passo que os julgamentos de tristeza seguem a redução desse mesmo efeito. Este facto pode dever-se, nomeadamente na idade de 8 anos, à explicação dada anteriormente, uma vez que atribuem a emoção de tristeza diversas vezes à justificação "o sente-se mais triste porque tirou primeiro uma cor e depois tirou outra cor e assim nenhum ganhou nada!" A redução do efeito de ordem temporal é ainda uma área quase desconhecida no mundo das crianças, é assim importante que futuros interesses tracem novas pesquisas e hipóteses no sentido de compreender outros modos de como este efeito poderá ser reduzido, compondo por exemplo uma alternativa explícita diferente daquela que se estudou aqui ou inclusivamente aquando de resultados positivos.

O pensamento contrafactual tem também como função a de aprender não apenas com os resultados negativos como também com os resultados positivos, o que leva a que o efeito de ordem temporal possa ocorrer também quando o resultado é favorável.

As emoções felicidade e orgulho tiveram o mesmo propósito daquelas utilizadas no primeiro estudo, uma mesma natureza e uma diferente complexidade. A felicidade corresponde a uma emoção básica, a primeira a ser reconhecida e compreendida, muito pelos mediadores exteriores como o sorriso que desde cedo é conhecido (Fabes, Eisenberg, Nyman, & Michelieu, 1991). Por outro lado, o orgulho é uma emoção mais complexa que por volta dos 8 anos é reconhecida e compreendida (Amsel et al., 2003; Berti, Garattoni, & Venturini, 2000; Guttentag & Ferrell, 2004; Harris, Olthof, Terwogt, & Hard-Man, 1987; Nunner-Winkler & Sodian, 1988; Thompson, 1987).

O efeito de ordem temporal também ocorre nas crianças quando o resultado é o desejado. Desde cedo as crianças conseguem comparar a realidade com as alternativas contrafactuais, e perceber a influência dessas alternativas quando o resultado se revela como positivo, assim como os adultos (Byrne et al. 2000).

As emoções positivas são, ao nível do desenvolvimento, primeiramente reconhecidas e compreendidas, talvez por isso estas emoções estejam associadas mais cedo ao pensamento contrafactual.

Thompson (1987) referiu que as crianças conseguem atribuir a emoção orgulho quando sentem que alguém conseguiu algo com o seu esforço ("o sente-se mais orgulhoso porque conseguiu tirar uma bola da mesma cor da do ").

Verificamos ainda que também aquando de um resultado positivo, o primeiro acontecimento, de certa forma, comporta-se como uma âncora e o principiante ou fundador do modelo, suportando e balizando a informação subsequente no modelo contrafactual (Miller & Gunasegaram, 1990; Byrne et al., 2002).

Na idade de 10 anos, surpreendentemente não encontrámos o efeito de ordem temporal para a emoção orgulho. Talvez porque as explicações dadas pelas crianças de 10 anos implicavam os dois jogadores ("sentem-se os dois orgulhosos porque ganharam os dois o prémio."). Outra explicação plausível que nos ocorre devido ao equilíbrio entre as respostas, é o de que as crianças de 10 anos julgam ambos os jogadores como felizes e orgulhosos porque os dois ganhavam o prémio no fim ("se um se sente orgulhoso o outro sente-se feliz pois os dois ganharam o prémio!"). Este facto pode levar a que as crianças distribuam as suas respostas pelos dois jogadores uma vez que estas emoções não são tão dirigidas a um jogador como por exemplo o alívio analisado nos trabalhos de Byrne e colaboradores (2000). Esta indecisão pode ter pesado e mesmo comprometido os resultados apesar do cuidado em contra- balancear as questões. Contudo, pensamos que se esta resposta fosse eliminada, possivelmente estas respostas dirigiam-se para o segundo jogador. Esta suposição leva-nos a um próximo trabalho, no sentido de tentar compreender através de alternativas o porquê deste resultado.

Este trabalho foi um passo no sentido do alargamento do conhecimento do pensamento contrafactual, todavia, muitos outros passos têm ainda que ser adoptados e seguidos. É importante perceber como outras variáveis, como a idade, as alternativas, os instrumentos, entre outras, podem condicionar o pensamento contrafactual, assim como outras emoções. Todavia, através dos pouco trabalhos realizados, podemos constatar que existe realmente uma relação entre a formação de pensamentos contrafactuais e os julgamentos de emoções, contudo esta pode não ser uma relação simples e linear. Mesmo assim, a alteração dos acontecimentos afim de um resultado favorável ou desfavorável pode influenciar claramente os julgamentos emocionais, uma vez que as alternativas contrafactuais podem originar um importante contributo para experiências de tristeza, culpa e felicidade, orgulho. Desta forma, o pensamento contrafactual une a cognição e a emoção.

ANEXO_A Na sala de aula, a professora escolheu à sorte dois/duas meninas para jogar um jogo divertido.

E quem foi escolhido foram o Tó/Ana e o Zé/Bia. A cada menino/a foi dada uma caixa com bolas dentro, e cada um dos meninos/as tirava uma bola da sua própria caixa. Cada caixa tem dentro apenas bolas verdes e bolas laranjas, consegues ver? No jogo, se as duas bolas que eles tirarem forem da mesma cor, ou duas verdes ou duas laranjas, cada menino/na ganha um prémio. Mas se as bolas que eles tirarem não forem da mesma cor, então nenhum menino ganha nada. Primeiro é / Ana a tirar uma bola da sua caixa, e tira uma bola verde.

O Zé/Bia tira depois uma bola da sua caixa, e tira uma laranja.

Então, nenhum dos meninos/as ganha nada.

Se o Tó/Ana e o Zé/Bia, tirassem os dois uma bola da mesma cor, então eles ganhavam o prémio.

ANEXO_B Na sala de aula, a professora escolheu à sorte dois/duas meninos/as para jogar um jogo divertido.

E quem foi escolhido foram o Tó/Ana e o Zé/Bia. A cada menino/a foi dada uma caixa com bolas dentro, e cada um dos meninos/as tirava uma bola da sua própria caixa.

Cada caixa tem dentro apenas bolas verdes e bolas laranjas, consegues ver? No jogo, se as duas bolas que eles tirarem forem da mesma cor, ou duas verdes ou duas laranjas, cada menino/na ganha um prémio. Mas se as bolas que eles tirarem não forem da mesma cor, então nenhum menino ganha nada. Primeiro é / Ana a tirar uma bola da sua caixa, e tira uma bola verde.

Mas, "trimmmm", a campainha tocou para o intervalo, e os meninos têm que sair para o recreio.

Depois de regressar à sala, a professora diz para começaro jogo do início.

O Tó/Ana tira assim novamente uma bola da sua caixa, e tira uma bola laranja.

O Zé/Bia tira depois uma bola da sua caixa, e tira uma laranja.

Então, nenhum dos meninos/as ganha nada.

Se o Tó/Ana e o Zé/Bia, tirassem os dois uma bola da mesma cor, então eles ganhavam o prémio.

ANEXO_C Na sala de aula, a professora escolheu à sorte dois/duas meninos/as para jogar um jogo divertido.

E quem foi escolhido foram o Tó/Ana e o Zé/Bia.

Consegues dizer-me quem é o Tó/Ana e o Zé/Bia? A cada menino/a foi dada uma caixa com bolas dentro, e cada um dos meninos/as tirava uma bola da sua própria caixa. Cada caixa tem dentro apenas bolas verdes e bolas laranjas, consegues ver? No jogo, se as duas bolas que eles tirarem forem da mesma cor, ou duas verdes ou duas laranjas, cada menino/na ganha um prémio. Mas se as bolas que eles tirarem não forem da mesma cor, então nenhum menino ganha nada Primeiro é o / Ana a tirar uma bola da sua caixa, e tira uma bola verde.

O Zé/Bia tira depois uma bola da sua caixa, e tira uma verde.

Então, os dois meninos/as ganharam um prémio.

Se o Tó/Ana e o Zé/Bia, não tirassem os dois uma bola da mesma cor, então eles não ganhavam o prémio.


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