Testes de Nomeação Rápida: Contributos para a avaliação da linguagem oral
Testes de Nomeação Rápida: Contributos para a avaliação da linguagem oral (*)
Cristina Petrucci Albuquerque (**)
Mário R. Simões (**)
ABSTRACT
Coimbra's Neuropsychological Assessment Battery contains, amongst several
other assessment instruments, a Colours Rapid Naming test for children aged 5-
6, a Digits Rapid Naming test and a Shapes and Colours Rapid Naming test, both
for children aged 7-15. This work presents data concerning these tests
psychometric properties, namely temporal stability, tests'
intercorrelations, degree of relationship with academic grades and
differentiation of groups of children with and without learning problems. The
results obtained show, on the one hand, the tests psychometric adequacy and, on
the other hand, indicate that the Digits and Shapes and Colours Rapid Naming
tests should not be regarded as equivalents.
Key words:Rapid Naming Tests.
Em 1976, Martha Denckla e Rita Rudel publicaram um artigo intitulado
"Rapid Automatized Naming (R.A.N.): Dyslexia differentiated from other
learning disabilities" que se tornou uma referência incontornável da
investigação referente às dificuldades de aprendizagem da leitura. Nesse
artigo, bem como numa publicação mais recente (Denckla & Cutting, 1999),
identifica-se, como ponto de partida para o estudo da nomeação rápida, o caso
de um adulto, descrito por Geschwind e Fusillo, que apresentava alexia, sem
agrafia. Além de não conseguir ler, o sujeito era incapaz de nomear cores, mas
não manifestava quaisquer dificuldades em tarefas de natureza perceptivo-
visual, incluindo o estabelecimento de correspondências entre cores. Por
conseguinte, o problema residia na associação de estímulos visuais às
respectivas designações verbais, o que, por seu turno, conduziu Denckla e Rudel
a colocarem a hipótese de que algo similar se poderia verificar em crianças com
dislexia.
A fim de testarem esta hipótese, as autoras recorreram a uma prova, já
existente, de nomeação de cinco cores, as quais se repetiam em sequências
aleatórias, perfazendo um total de 50 estímulos. Com base nesta, criaram três
outras provas semelhantes de nomeação rápida, designadamente de letras, números
e objectos de uso comum. Puderam, então, observar que crianças com dislexia
demoravam significativamente mais tempo a nomear os estímulos constantes de
qualquer uma destas provas do que crianças sem dificuldades de aprendizagem ou
crianças com outras dificuldades de aprendizagem que não a dislexia.
Desde então até ao presente, numerosos estudos confirmaram a justeza destas
observações, pondo em evidência que testes ou provas de nomeação rápida
diferenciam, consistentemente, grupos de crianças e jovens com dislexia ou
dificuldades de aprendizagem na leitura e qualquer um dos seguintes grupos:
crianças e jovens sem nenhuma problemática identificada (Bowers & Swanson,
1991; Korhonen, 1995; Korkman, Kirk, & Kemp, 1998; Savage, Frederickson,
Goodwin, Patni, Smith, & Tuersley, 2005; Wolf, Bally, & Morris, 1986);
crianças e jovens cujas dificuldades na leitura se afiguram congruentes com o
seu nível intelectual (Ackerman & Dykman, 1993; Badian, 1996); e crianças e
jovens com outras dificuldades de aprendizagem (Ackerman & Dykman, 1993).
Além disso, os défices na capacidade de nomeação rápida dos disléxicos podem
persistir na idade adulta (Korhonen, 1995; Vukovic, Wilson, & Nash, 2004) e
foram observados não só em relação à língua inglesa, mas também em relação a
outras línguas, como o Alemão (Landerl, 2001), o Espanhol (Escribano, 2007), o
Finlandês (Korhonen, 1995), o Neerlandês (van den Bos, 1998) ou o Chinês (Ho,
Chan, Leung, Lee, & Tsang, 2005). Nestes casos, os défices na nomeação
rápida são, mesmo, uma das características mais importantes das crianças
disléxicas, possivelmente devido ao facto das exigências fonológicas das
línguas e do sistema de escrita em questão serem menores do que as da língua
inglesa. Em suma, os défices na nomeação rápida não se restringem aos sistemas
de escrita alfabéticos e, no seio destes, abrangem diferentes ortografias, em
termos de opacidade ou transparência da cadeia da fala.
No seu conjunto, os dados que acabámos de apontar conduziram Wolf e Bowers
(1999; Wolf, Bowers, & Biddle, 2000) a proporem uma nova conceptualização
das dificuldades na aprendizagem da leitura, conhecida como hipótese do duplo
défice, a qual tem sido amplamente estudada e debatida (Vukovic & Siegel,
2006; Wolf, O'Rourke, Gidney, Lovett, Cirino, & Morris, 2002).
Segundo esta hipótese, os processos fonológicos e os processos envolvidos na
nomeação rápida constituem-se como duas fontes das dificuldades na leitura,
sendo possível, inclusivamente, classificar os maus leitores, de acordo com a
presença isolada ou simultânea dos défices a eles respeitantes. A alteração de
ambos os processos estaria na origem dos casos mais graves de dificuldades na
aprendizagem de leitura, tal como demonstrado em vários estudos (Badian, 1996;
Manis, Doi, & Bhadha, 2000; Morris et al., 1998; Wolf et al., 2002).
Em estreita ligação com a importância de que se reveste no domínio das
dificuldades de aprendizagem da leitura, a relação da nomeação rápida com a
leitura tem, também, sido extensivamente estudada. Neste âmbito, tem-se
destacado que a nomeação rápida: se correlaciona significativamente com a
leitura (por ex., Bowers & Swanson, 1991; Manis et al., 2000; Savage et
al., 2005; Wolf et al., 2002); explica variância do desempenho em leitura
depois de se ter controlado a influência de outras variáveis relevantes, como a
consciência fonológica, isto é, exerce uma influência específica no
desenvolvimento das competências de leitura (Cutting & Denckla, 2001; Manis
et al., 2000; Manis, Seidenberg, & Doi, 1999); e prediz o desempenho
subsequente em leitura (Meyer, Wood, Hart, & Felton, 1998; van den Bos,
Zijlstra, & Spelberg, 2002; Wolf et al., 1986). Nota-se, no entanto, que o
poder preditivo da nomeação rápida é influenciado por diversas variáveis,
sendo, por exemplo, mais importante em crianças mais jovens (Torgesen, Wagner,
Rashotte, Burgess, & Hecht, 1997; Wolf et al., 1986), em crianças com
dificuldades de aprendizagem (Lepola, Poskiparta, Laakkonen, & Niemi, 2005;
Meyer et al., 1998) e em ortografias transparentes (Landerl, 2001; Lepola et
al., 2005; van den Bos, 1998).
Porém, a relevância que a nomeação rápida tem vindo a assumir no plano
internacional, ainda que derivando largamente do domínio da leitura e das
dificuldades a ela respeitantes, estende-se para além destas. Com efeito, tem-
se, por um lado, posto em evidência que o desempenho em tarefas ou testes de
nomeação rápida diferencia, de forma significativa, crianças com outras
perturbações de aprendizagem e/ou comportamento e crianças de grupos de
controlo. Referimo-nos, por exemplo, a crianças cujas dificuldades de
aprendizagem se reportam a outros domínios que não a leitura (Waber, Wolff,
Forbes, & Weiler, 2000); a crianças com e sem Distúrbio de Défice de
Atenção e Hiperactividade (DDAH; Carte, Nigg, & Hinshaw, 1996); a crianças
com e sem DDAH do tipo hiperactivo (Semrud-Clikeman, Steingard, Filipek,
Biederman, Bekken, & Renshaw, 2000) ou do tipo desatento (Weiler,
Bernstein, Bellinger, & Waber, 2000); a crianças com e sem perturbações da
linguagem (Wiig, Zureich, & Chan, 2000). Referimo-nos, igualmente, a
crianças com e sem perturbações co-mórbidas, designadamente a crianças com DDAH
ou Perturbação do Desenvolvimento da Coordenação (PDC), associados a problemas
de leitura, as quais apresentam resultados em testes de nomeação rápida
inferiores aos de crianças com apenas DDAH (Ho et al., 2005; Tannock,
Martinussen, & Frijters, 2000) ou PDC (Ho et al., 2005).
Por outro lado, e ainda no âmbito de uma perspectiva abrangente do papel da
nomeação rápida, tem-se começado a pôr em destaque que ela representa um
preditor importante do desempenho ortográfico (Plaza & Cohen, 2004; Savage
et al., 2005), bem como que pode estar associada a diferenças individuais ao
nível das competências matemáticas (Bull & Johnston, 1997; Hecht, Torgesen,
Wagner, & Rashotte, 2001).
Face ao exposto compreender-se-á que os instrumentos de avaliação da nomeação
rápida tenham conhecido uma ampla proliferação e utilização. Além disso,
diversificaram-se em vários sentidos (Albuquerque, 2003), sendo o mais
essencial o que se consubstancia, na literatura anglo-saxónica, pela distinção
entre testes RAN (Rapid Automatized Naming) ou Rapid Serial Naming -
Single Category(RSN - SC) e testes RAS (Rapid Alternating Stimulus) ou
Rapid Serial Naming - Alternate Category(RSN - AC). Conforme estas
designações permitem antever, os testes RAN ou RSN - SC apelam a uma
única categoria semântica, isto é, comportam somente um tipo de estímulo
(cores; formas; letras; números...), enquanto que os testes RAS ou RSN -
AC implicam o acesso a duas ou mais categorias semânticas, requerendo, por
exemplo, que o sujeito nomeie letras e números ou formas e cores.
Por seu turno, o reconhecimento da importância destes instrumentos de avaliação
esteve na origem da sua integração na Bateria de Avaliação Neuropsicológica de
Coimbra (BANC). Na realidade, esta integra, no domínio específico da linguagem
e a par de outros testes, um teste de Nomeação Rápida de Cores para crianças
com 5 e 6 anos, um teste de Nomeação Rápida de Números e um teste de Nomeação
Rápida de Formas e Cores, ambos para crianças dos 7 aos 15 anos. Os dois
primeiros correspondem a testes RAN, enquanto que o último corresponde a um
teste RAS.
O processo de elaboração destes testes baseou-se quer na investigação
disponível, quer no exame das inúmeras provas e testes de nomeação rápida
existentes noutros países. No caso das crianças de 5 e 6 anos, optou-se pela
nomeação contínua e rápida de cores, a fim de evitar que o seu desempenho
pudesse ser prejudicado por um conhecimento insuficiente dos estímulos
alfanuméricos.
OBJECTIVOS
Tivemos já oportunidade de apresentar alguns dados referentes às propriedades
psicométricas destes testes (Albuquerque & Simões, 2008), nomeadamente em
relação à validade de constructo e à validade referente a critérios externos.
No presente trabalho, propomo-nos prosseguir essa caracterização, focando no
que respeita à precisão, a estabilidade temporal, e no que concerne à validade,
as interrelações entre os testes de Nomeação de Números e de Formas e Cores, as
relações de qualquer um dos testes de nomeação rápida com os resultados
escolares, e dados relativos ao desempenho de um grupo com problemas de
aprendizagem comparativamente ao obtido por um grupo de controlo.
Em suma, visa-se apresentar alguns elementos essenciais à utilização destes
testes no nosso país, bem como à análise e interpretação dos respectivos
resultados. Além disso, a abordagem das interrelações entre os testes de
nomeação rápida e os dados relativos às crianças com necessidades especiais
afiguram-se particularmente interessantes. No primeiro caso, porque, tal como
sublinham van den Bos et al. (2002, 28), "the issue of interrelations of
various naming-speed tasks (...) was treated superficially", se bem que
se tenha vindo a colocar a possibilidade de que diferentes tarefas ou testes de
nomeação colocam em jogo diferentes processos, podendo, por isso, apresentar
relações modestas entre si (Nåhri et al., 2005). No segundo caso, porque ao
contemplarem-se crianças com problemas de aprendizagem, isto é, crianças cujas
dificuldades, como veremos mais adiante, não se circunscrevem única ou
exclusivamente à leitura, se amplia a análise do poder discriminativo dos
testes de nomeação rápida para além do que tem sido habitual e foi previamente
recenseado.
Atendendo a estes objectivos, começamos por descrever os testes de nomeação
rápida e, de seguida, focaremos os dados referentes à precisão e à validade. As
amostras utilizadas são específicas de cada uma das análises realizadas e, por
esse motivo, são caracterizadas no âmbito do contexto específico em que se
inserem. Não obstante, pode adiantar-se, desde já, que com excepção do grupo
com problemas de aprendizagem, todas as amostras englobam crianças sem
necessidades educativas especiais, apoio do ensino especial ou repetição da
frequência de um ou mais anos de escolaridade.
TESTES DE NOMEAÇÃO RÁPIDA
Em qualquer um dos testes, solicita-se à criança que nomeie, o mais depressa
que lhe for possível, 50 estímulos visuais constantes num cartão e dispostos em
5 linhas com 10 estímulos cada uma, os quais se repetem em sequências
aleatórias e lhe são familiares. Constitui-se como excepção à regra da
aleatoriedade, o facto de nenhum estímulo poder ser seguido por ele próprio.
Além disso, ambos os testes comportam 10 estímulos ou itens de exemplo, que se
destinam a averiguar se são familiares à criança e se esta é, efectivamente,
capaz de os nomear.
Os estímulos do teste de Nomeação de Números são 5 dígitos, surgindo, cada um
deles, 10 vezes. Por seu turno, os estímulos do teste de Nomeação de Formas e
Cores são 4 formas de 4 cores diferentes, repetindo-se, cada uma delas, 12 ou
13 vezes.
Os erros (nomeações incorrectas e omissões) foram registados e o tempo de
nomeação medido com um cronómetro. Os resultados empregues nas análises
subsequentes foram os resultados brutos relativos ao número de erros cometidos
e/ou ao tempo despendido ou o resultado padronizado relativo ao tempo.
PRECISÃO
A precisão dos testes de nomeação rápida foi examinada em termos de teste-
reteste num grupo de 37 crianças com 6 anos de idade no caso do teste de
Nomeação de Cores e num grupo de 69 crianças com 8 (n=37) e 10 anos de idade
(n=32) nos casos dos testes de Nomeação de Números e de Formas e Cores.
Os resultados brutos respeitantes aos erros apresentam uma amplitude de
variação muito restrita, já que tanto nesta amostra, como na amostra de
aferição, o número de erros é muito reduzido em todos os testes de nomeação,
assumindo, apenas, alguma expressão no teste de Nomeação de Formas e Cores e
nos níveis etários mais baixos (7, 8 e 10 anos na amostra normativa;
Albuquerque & Simões, 2008). Por esse motivo, na análise da estabilidade
temporal, atendeu-se, apenas aos resultados padronizados relativos ao tempo.
No Quadro 1, apresentam-se os resultados obtidos nas duas aplicações, separadas
por um intervalo de 27 dias (± 10 dias), e as correlações entre eles. Como se
pode verificar, os valores são elevados.
Quadro 1
Teste-reteste
Legenda:
**p<.01.
Não se procedeu à análise da consistência interna, devido ao facto dos
respectivos métodos de avaliação não serem adequados para testes de velocidade
ou rapidez (Anastasi & Urbina, 1997).
VALIDADE
Relações entre os testes de Nomeação Rápida
As correlações entre os testes de nomeação rápida reportam-se, unicamente, aos
testes de Nomeação de Números e de Formas e Cores, uma vez que só estes foram
aplicados às mesmas faixas etárias, isto é, aos 904 sujeitos (451 rapazes e 453
raparigas), com idades e anos de escolaridade compreendidos, respectivamente,
entre os 7 e os 15 anos e entre o 2º e o 10º ano, que integram a amostra de
aferição.
A selecção desta amostra baseou-se no método de amostragem estratificada
aleatória e teve em consideração os seguintes critérios de estratificação:
idade (aproximadamente 100 sujeitos por nível etário); género (número idêntico
de rapazes e raparigas por nível etário); ano de escolaridade (aproximadamente
100 sujeitos por ano); área de residência (distribuição por áreas de residência
predominantemente urbanas, moderadamente urbanas e predominantemente rurais
correspondente à distribuição nacional; INE/DGOTDU, 1998); e localização
geográfica (distribuição por distritos do litoral e do interior próxima da
população portuguesa; Paredes, 2004).
No Quadro 2 apresentam-se as correlações respeitantes aos 904 sujeitos e no
Quadro 3 as correlações relativas a cada uma das faixas etárias. Além disso,
trata-se de correlações entre resultados padronizados no que respeita ao tempo
registado em ambos os testes, e de correlações parciais, com controlo da
variável idade cronológica, entre resultados brutos nos restantes casos. Como
se pode verificar, no seio de um mesmo teste, os resultados brutos tempo e
erros apresentam uma correlação muito baixa na Nomeação de Números e moderada
na Nomeação de Formas e Cores. Quando se consideram os dois testes de nomeação
em simultâneo, verifica-se que os resultados padronizados relativos ao tempo
evidenciam uma associação modesta entre si, enquanto que os resultados brutos
dos erros manifestam uma correlação quase nula.
Quadro 2
Intercorrelações entre os testes de Nomeação Rápida na amostra de aferição
Legenda:
**p<.01.
Quadro 3
Intercorrelações entre os testes de Nomeação Rápida por faixa etária
Legenda:
**p<.01.
Uma análise complementar entre os resultados correspondentes registados em cada
um dos testes (tempo na Nomeação de Números e de Formas e Cores; erros na
Nomeação de Números e de Formas e Cores), nas diferentes faixas etárias, pode
ser observada no Quadro 3. O padrão obtido é, por um lado, muito semelhante ao
que acabámos de descrever e, por outro lado, caracteriza-se por alguma
instabilidade, com valores que tanto aumentam como decrescem em função da
idade.
Correlações com os resultados escolares
Em relação às correlações dos resultados dos testes de nomeação rápida com os
resultados escolares, a análise centrou-se nas disciplinas de Matemática,
Português, Inglês e Francês, dada a potencial relevância da nomeação rápida ao
nível da aprendizagem destas áreas curriculares. Os resultados escolares
correspondem às classificações atribuídas pelos professores no final do período
lectivo em que as crianças foram avaliadas com a BANC.
A dimensão das amostras varia de acordo com o teste e/ou a disciplina, sendo a
mais restrita a relativa à Nomeação de Cores que compreende 47 rapazes e 46
raparigas com 6 anos de idade. No que respeita à Nomeação de Números e Formas e
Cores, as características das amostras estão assinaladas no Quadro 4.
Quadro 4
Caracterização das amostras
Os valores constantes do Quadro 5 são correlações parciais entre os resultados
brutos relativos ao tempo de nomeação e os resultados escolares, isto é, de
correlações em que se controlaram os efeitos da variável idade cronológica.
Como um resultado bruto mais elevado corresponde a um tempo de nomeação mais
longo e este, por sua vez, traduz um pior desempenho, as correlações obtidas
são, sem excepção, negativas.
Quadro 5
Correlações dos testes de Nomeação Rápida com os resultados escolares
Legenda:*p<.05,
**p<.01.
As correlações com os resultados escolares evidenciam dois aspectos dignos de
nota. O primeiro é o de que os valores, se bem que uniformemente modestos, são
mais elevados no teste de Nomeação de Formas e Cores e do que no teste de
Nomeação de Números. O segundo aspecto reporta-se aos valores das correlações
com a disciplina de Matemática, as quais são similares ou, até ocasionalmente,
um pouco superiores às registadas nas disciplinas de Línguas.
Problemas de aprendizagem
O grupo com problemas de aprendizagem compreende 44 crianças, dos 9 aos 13 anos
e do 3º ao 8º ano de escolaridade. O seu desempenho foi comparado com o de um
grupo de controlo, constituído a partir da amostra de aferição da BANC e de um
emparelhamento caso a caso com cada uma das crianças com problemas de
aprendizagem, em termos de variáveis demográficas como a idade, o género, a
escolaridade, a região geográfica, a área de residência e a escolaridade dos
pais.
O grupo de crianças com problemas de aprendizagem foi observado na Consulta de
Insucesso Escolar do Centro de Desenvolvimento do Hospital Pediátrico de
Coimbra e integra 31 rapazes e 13 raparigas, com uma idade cronológica média de
126.05 (d.p.=11.07). Os critérios de inclusão das crianças neste grupo
contemplaram: a ausência de qualquer outro diagnóstico; Quociente Intelectual
Geral (QIEC) superior a 80 na WISC-III (Escala de Inteligência de Wechsler para
Crianças-Terceira Edição); e percentil superior a 35 nas MPCR (Matrizes
Progressivas Coloridas de Raven). Trata-se, pois, de critérios de inclusão
abrangentes, cuja adopção resultou num grupo que, embora comportando uma
maioria de crianças com dificuldades específicas de aprendizagem da leitura
(63.6%), também abarca: crianças com dificuldades na aprendizagem da leitura
associadas a perturbações na linguagem expressiva (4.6%) e/ou a défices de
atenção (4.6%); e crianças com dificuldades não específicas de aprendizagem
(27.4%).
Por seu turno, o grupo de controlo abrange 32 rapazes e 12 raparigas, com uma
idade cronológica média de 126.95 (d.p.=10.87). Os dois grupos não se
diferenciam significativamente em relação a nenhuma das variáveis que foram
objecto de emparelhamento: idade [F(1,87)=.147; p=.702]; género [χ2(1)=.056;
p=.813]; escolaridade [F(1,87)=3.655; p=.059]; região geográfica [χ2(1)=3.058;
p=.08]; área de residência [χ2(2)=4.260; p=.119]; e habilitações académicas do
pai [χ2(4)=3.650; p=.445] e da mãe [χ2(4)=4.554; p=.336].
Como se pode verificar no Quadro 6, os testes de nomeação rápida discriminam,
de forma estatisticamente significativa, sujeitos com e sem problemas de
aprendizagem, caracterizando-se os primeiros por despenderem mais tempo em
ambos os testes, bem como por cometerem um maior número de erros na nomeação
rápida de Formas e Cores.
Quadro 6
Desempenho de crianças com e sem problemas de aprendizagem
DISCUSSÃO
Os dados previamente apresentados atestam a adequação psicométrica dos testes
de nomeação rápida da BANC no que respeita à estabilidade temporal dos
resultados padronizados relativos ao tempo, bem como no que concerne à sua
capacidade de diferenciarem crianças com e sem problemas de aprendizagem.
A este último respeito, impõem-se três ordens de considerações. Em primeiro
lugar, há que salientar a abrangência dos critérios de selecção das crianças
com problemas de aprendizagem, designadamente ao nível dos resultados obtidos
em instrumentos de avaliação intelectual, dos domínios académicos afectados ou
da existência de perturbações associadas. Trata-se, por conseguinte, de um
grupo distinto dos que têm sido mais extensivamente estudados no domínio da
nomeação rápida (dislexia ou dificuldades na aprendizagem da leitura), e cujo
desempenho se revelou significativamente inferior ao do grupo de controlo no
tempo despendido em ambos os testes de nomeação e no número de erros cometido
na nomeação de Formas e Cores. Estes resultados confluem com os apontados por
Waber et al. (2000), em relação a um grupo similar, já que estes autores também
verificaram a existência de uma associação entre tempos de nomeação mais longos
e problemas de aprendizagem, globalmente considerados. A este respeito, Waber
et al. (2000, 259) afirmaram, mesmo e de forma incisiva, que um tempo de
nomeação lento "appears to be an indicator of neurodevelopmental
vulnerability to learning or processing problems in general".
Em segundo lugar, e em apoio desta última asserção, gostaríamos de fazer
referência a trabalhos de investigação já concluídos que compararam o
desempenho na BANC de grupos de crianças com várias problemáticas com os de
grupos de controlo. Referimo-nos a grupos de crianças com traumatismo crâneo-
encefálico (Santos, 2006), com epilepsia do lobo temporal ou do lobo frontal
(Lopes, 2007) e com Perturbação de Oposição e Desafio (Sá, 2007; Sá,
Albuquerque, & Simões, no Prelo), os quais revelaram, por referência aos
grupos de controlo, diferenças estatisticamente significativas no tempo de
Nomeação de Números e de Formas e Cores e nos erros cometidos na Nomeação de
Formas e Cores. Trata-se, por conseguinte, de um perfil de resultados
correspondente ao detectado no grupo com problemas de aprendizagem.
Em terceiro lugar, a similitude, que acabámos de apontar, remete-nos para
outras questões, nomeadamente a de determinar o que avaliam, efectivamente, os
testes de nomeação rápida e no caso de se verificar um tempo de nomeação mais
lento e/ou mais erros qual o significado a atribuir a estes resultados em
diferentes entidades diagnósticas. No que se refere às competências que os
testes de nomeação rápida avaliam, há que assinalar, que têm vindo a ser
avançadas diversas hipóteses explicativas e, registado, importantes debates,
sem que, contudo, se verifique um consenso. Não obstante, e a título de súmula,
podem apontar-se as possibilidades de que constituem medidas de: processamento
fonológico (Wagner, Torgesen, & Rashotte, 1994); velocidade de
processamento (Kail, Hall, & Caskey, 1999); interligação entre a linguagem
e as funções executivas (Denckla & Cutting, 1999); diversificados processos
linguísticos e cognitivos, tais como atenção, processos perceptivos visuais,
integração da informação visual com representações fonológicas e/ou
ortográficas, evocação de designações fonológicas, activação e integração de
informação semântica, activação motora e sequenciação temporal (Wolf &
Bowers, 1999; Wolf et al., 2000). Teremos ocasião de retomar esta questão um
pouco mais adiante, quando analisarmos as correlações entre os testes de
nomeação rápida, uma vez que a delimitação do respectivo objecto de avaliação
se afigura ainda mais complexa, se se atender à possibilidade de diferentes
tarefas ou testes de nomeação rápida colocarem em jogo diferentes processos. De
momento, limitamo-nos a assinalar que a possibilidade, formulada por Wolf e
colaboradores (Wolf & Bowers, 1999; Wolf et al., 2000), de que a nomeação
rápida mobiliza um conjunto diversificado de processos se nos afigura
consonante com a capacidade de discriminação de grupos com e sem diferentes
problemáticas evidenciada pelos testes de nomeação rápida, tal como assinalado
na introdução a este trabalho e descrito em relação aos que integram a BANC.
Assim sendo, o significado a atribuir a um desempenho pobre nestes testes pode
diferir em função da entidade diagnóstica ou do grupo clínico que é objecto de
estudo e, inclusivamente, em se tratando de um grupo pouco homogéneo, em função
das características apresentadas por subgrupos de sujeitos. Por exemplo, é
possível que, no caso do grupo com problemas de aprendizagem, a activação
motora ou a atenção tenham, a par de outros processos, desempenhado um papel
relevante nas crianças que, reconhecidamente, apresentam perturbações na
linguagem expressiva ou défices de atenção.
Ainda no plano da validade, o facto das correlações entre o tempo obtido nos
dois testes de nomeação se terem revelado moderadas vai de encontro à
possibilidade, anteriormente apontada, de que diferentes testes de nomeação
rápida avaliam processos não inteiramente coincidentes. Nota-se que os valores
registados são semelhantes aos assinalados, por exemplo, por van den Bos et al.
(2002) entre testes de nomeação de cores e de números, bem como que são
consonantes com a verificação de que as correlações entre testes de nomeação de
estímulos alfanuméricos (letras, números) e não alfanuméricos (cores, objectos)
são modestas (de Jong & van der Leij, 2002; Manis et al., 2000; van den Bos
et al., 2002; Wolf et al., 1986).
Além disso, a necessidade de estabelecer diferenciações entre os testes de
nomeação rápida de acordo com os estímulos que comportam, isto é, consoante se
trata de testes RAS ou RAN e, no âmbito destes últimos, consoante se trata de
testes com estímulos alfanuméricos ou não alfanuméricos, tem vindo a ser
evidenciada em várias investigações. Por exemplo, no que respeita aos estímulos
alfanuméricos e não alfanuméricos, para além do padrão de correlações já
assinalado, tem-se observado que podem apresentar percursos desenvolvimentais
distintos (Denckla & Rudel, 1976; van den Bos et al., 2002; Wolf et al.,
1986), constituir-se como factores diferentes quando se recorre à análise
factorial (Nåhri et al., 2005; van den Bos et al., 2002), evidenciar conexões
particulares com a leitura (van den Bos et al., 2002; Wolf et al., 1986) ou
manifestar dissociações em grupos clínicos, representando um tipo de estímulos
dificuldades de nomeação mais acentuadas do que o outro (Tannock et al., 2000).
No que concerne à necessidade de diferenciar testes RAN e RAS, tem sido,
também, observado que se constituem como componentes diferentes quando se
analisa a estrutura de diversos testes de nomeação rápida (Nåhri et al., 2005).
Pela nossa parte, tivemos oportunidade de, em conformidade com o indicado por
outros autores (Nåhri et al., 2005; Wiig et al., 2000), verificar que têm
trajectórias de desenvolvimento distintas e só confluem parcialmente ao nível
das respectivas associações com testes neuropsicológicos (Albuquerque &
Simões, 2008). Em complemento, e no contexto do presente estudo, constatamos
que: se correlacionam moderadamente em termos do tempo despendido; não
apresentam as mesmas associações com os resultados escolares; e que tal como
indicado por Wiig et al. (2000) em relação às perturbações de linguagem, as
dificuldades de nomeação são, no grupo com problemas de aprendizagem,
particularmente evidentes num teste RAS, isto é, na Nomeação de Formas e Cores.
Com efeito, o grupo com problemas de aprendizagem obteve resultados
padronizados médios relativos ao tempo mais baixos no teste de Nomeação de
Formas e Cores do que no teste de Nomeação de Números, verificação esta que,
aliás, é extensível a todos os grupos clínicos, enunciados previamente, a quem
já foram aplicados os testes de nomeação rápida da BANC (Lopes, 2007; Sá, 2007;
Sá, Albuquerque, & Simões, no Prelo; Santos, 2006).
Em suma, do ponto de vista da selecção e utilização dos testes de nomeação
rápida, há que evitar perspectivá-los como rigorosamente equivalentes,
utilizando-os indistinta ou indiscriminadamente. Pelo contrário, afigura-se
recomendável recorrer a vários e comparar o desempenho neles obtido, já que, no
caso dos que integram a BANC, o desempenho de uma criança num deles pode ser
diferente do registado no outro.
No que se refere aos resultados a utilizar e a interpretar, gostaríamos de
chamar a atenção para a importância de se considerar quer o tempo, quer os
erros. As correlações entre ambos foram, obviamente, condicionadas pela
restrição da amplitude dos erros e devem, por isso, ser encaradas com reserva.
Não obstante, os dados normativos disponíveis dizem respeito ao tempo
despendido e aos erros cometidos, isto é, ambos os resultados brutos obtidos
por uma criança podem ser comparados com as médias e os desvios-padrão obtidos
pelos cerca de 100 sujeitos da mesma faixa etária, podendo-se, adicionalmente,
transformar o resultado bruto relativo ao tempo num resultado padronizado. Por
outras palavras, as normas dizem respeito à rapidez e precisão das respostas,
pelo que é possível caracterizar o desempenho individual em função desses dois
parâmetros. Assim, podemos ter, entre outras possibilidades, estilos de
resposta rápidos e imprecisos, lentos e precisos ou lentos e imprecisos. Uma
outra razão que confere apoio à utilização e análise dos resultados relativos
aos erros reside no facto, já indicado anteriormente, dos cometidos na Nomeação
de Formas e Cores discriminarem crianças com e sem diversas perturbações.
Por último, gostaríamos de salientar que a perspectiva abrangente, segundo a
qual a nomeação rápida exerce influência não apenas na aprendizagem da leitura,
mas também noutras aprendizagens académicas, como a Matemática, encontra eco no
facto das correlações do teste de Nomeação de Formas e Cores com a disciplina
de Matemática se terem revelado significativas e similares às registadas nas
disciplinas de Línguas. Em consonância com esta perspectiva, tem-se apontado: a
existência de correlações significativas entre a nomeação discreta (Bull &
Johnston, 1997), ou contínua de letras e dígitos (Wodaclo & Rieger, 2007),
e o desempenho em testes de desempenho matemático; o facto da nomeação rápida
predizer o incremento nas competências matemáticas no início da escolaridade
(Hecht et al., 2001; Lachance & Mazzocco, 2006); e a verificação de que as
crianças com dificuldades na aprendizagem da matemática recuperam informação
fonológica mais lentamente do que crianças sem essas dificuldades (Bull &
Johnston, 1997).
A fim de explicar esta associação, pode invocar-se que a nomeação rápida
constitui uma medida da capacidade de evocação de designações e representações
fonológicas, disponíveis na memória a longo termo (Wagner et al., 1994), e que
a resolução de problemas também requer o acesso a esse tipo de representações,
por exemplo às relativas aos termos, operadores ou dados aritméticos básicos.
Pode, igualmente, invocar-se que a nomeação rápida avalia a velocidade de
processamento (Kail et al., 1999) e que a matemática requer uma rapidez
crescente na execução de vários procedimentos. Não obstante, o facto das
correlações significativas com os resultados escolares em Matemática se
circunscreverem, quase exclusivamente, à Nomeação de Formas e Cores e, desta
última, ter revelado, em análises precedentes (Albuquerque & Simões, 2008),
uma natureza multicomponencial mais marcada do que a Nomeação de Números,
sugere que a relação entre ambas pode derivar de vários e não de um único
processo cognitivo. Porém, a informação respeitante à relação entre a nomeação
rápida e a matemática é, ainda, demasiado escassa, necessitando, obviamente, de
ser ampliada e aprofundada.
CONCLUSÕES
Os dados apresentados documentam, por um lado, o carácter satisfatório das
propriedades psicométricas dos testes de nomeação rápida da BANC e, por outro
lado, evidenciam a necessidade de diferenciar os testes de Nomeação de Números
e de Formas e Cores. Alguns dados vão, ainda, de encontro aos procedentes de
outros estudos (Albuquerque & Simões, 2008; Lopes, 2007; Sá, 2007; Sá,
Albuquerque, & Simões, no Prelo; Santos, 2006) e, assim sendo, o seu
alcance afigura-se mais amplo.
Contudo, o exame das propriedades psico-métricas de um instrumento de avaliação
é uma tarefa contínua, o que, no caso dos testes de nomeação rápida, significa
que a recolha e análise de outros dados estão previstas ou já em curso.
Referimo-nos, por exemplo, à determinação da estrutura factorial da BANC, a
investigações com outros grupos especiais e a análises das correlações com o
desempenho em provas de leitura e escrita. Todas elas poderão contribuir com
informação adicional relativa a uma questão fundamental, mas ainda em aberto,
isto é, às competências efectivamente avaliadas por ambos e cada um dos testes
de nomeação rápida. Por seu turno, a análise das correlações com o desempenho
em provas de leitura e escrita permitirá circunscrever, em parte, um dos
limites deste estudo, ou seja, a operacionalização exclusiva do desempenho
académico em termos das classificações atribuídas pelos professores.
Não obstante este e outros limites, dispõe-se já de um conjunto de elementos
passíveis de sustentarem a utilização dos testes de nomeação rápida da BANC no
contexto nacional, atenuando-se, assim, a lacuna respeitante a instrumentos
deste tipo detentores de dados normativos e psicométricos suficientemente
sólidos.