Alunos de excelência no ensino superior: Comunalidades e singularidades na
trajectória académica
Alunos de excelência no ensino superior: Comunalidades e singularidades na
trajectória académica
Sílvia Monteiro (*)
Marlene Castro (**)
Leandro Almeida (*)
José Fernando A. Cruz (*)
ABSTRACT
Some theoretical perspectives try to explain the high levels of performance.
Contextual, cognitive, and motivational, as well as personality factors seem to
describe the way of life of the subjects with high levels of performance,
suggesting the complexity and the multidimensionality of human excellence. The
present study analyses the academic course trajectories of students with high
academic performance in the areas of engineering and computer science. Through
the content analysis of the interviews it was possible to identify the common
aspects and singularities among participants, and also how such variables
combine themselves in the determination development and expression of excellent
performance. The results obtained suggest the presence of joint and combined
variables of the academic success in their discourses. Among them we point out
the abilities of self-regulation and self-control and the involvement and
effort spent in the accomplishment of the tasks.
Key words:Academic success, Excellence, Exceptional performance, High
performance and achievement, Higher education.
INTRODUÇÃO
A promoção do sucesso académico dos estudantes constitui uma preocupação
crescente das instituições de ensino superior. Tal objectivo passa quer pela
diminuição das taxas de insucesso e de abandono, quer pela melhoria geral da
formação e desenvolvimento de competências por parte daqueles que concluem os
seus cursos. A investigação e a intervenção nesta área assumem matizes e formas
diversas, em boa medida porque são também diversos os factores que interferem
no rendimento académico.
Ao centrarmos este artigo na excelência académica, interessa-nos descrever
alguns modelos teóricos orientados para a identificação e desenvolvimento do
talento e do desempenho superior. Alguns modelos enfatizam as capacidades dos
sujeitos, associando algumas características pessoais (nomeadamente de
personalidade e motivacionais), enquanto outros salientam variáveis ambientais
no desenvolvimento progressivo de tais capacidades. Entre ambos podemos
mencionar, ainda, os modelos que valorizam as variáveis associadas à prática
deliberada, esforço e investimento por parte do indivíduo na tarefa. No
primeiro caso, os autores investigam os factores explicativos da sobre-dotaçãoe
talento(Castelló, 2005; Gagné, 2004; Renzulli, 2002; Winner, 2000), enquanto no
segundo grupo situam-se os autores voltados para o treino e o desenvolvimento
da períciaem determinado domínio do treino e realização (Ericsson, 1996;
Zimmerman, 2002a). Outras variáveis psicológicas como a maturidade ou a
componente afectiva, emocional e interpessoal surgem, sobretudo, realçadas nos
estudos mais dedicados ao conceito de sabedoria, destacando-se nesta área os
trabalhos de Baltes e Staudinger (2000) e Sternberg (2001a,b).
Assim, tomando em primeiro lugar a sobredotação e o talento, salientamos que a
literatura aponta para estudos que incidem sobre o potencial, as capacidades e
factores motivacionais, que estimulam estes indivíduos ao investimento na área
em que apresentam maiores habilidades. Neste sentido, Renzulli (1986, 2002,
2005) aponta, como características associadas à sobredotação, a aptidão
cognitiva, o envolvimento na tarefa e a criatividade, sendo que a perseverança
e o trabalho árduo resultam de oportunidades, recursos e do estímulo e
encorajamento provindo dos contextos de aprendizagem. Distinguindo talento de
sobredotação, Gagné (2004, 2007) propõe o Modelo Diferenciado de Sobredotação e
Talento (DMGT - Differentiated Model of Giftdeness and Talent),
considerando que as aptidões expressas naturalmente (gifts)podem resultar, a
partir da prática sistemática, em talentos em domínios específicos. Este autor
considera a existência de catalisadores intra-pessoais (características
físicas, motivação, volição, auto-gestão e personalidade) e ambientais
(backgroundsocioeconómico de origem do indivíduo, pessoas significativas,
provisões e eventos significativos) que, conjuntamente com a sorte e as
oportunidades, promovem ou dificultam o desenvolvimento do talento. Ainda
dentro das teorias da sobredotação, Winner (2000) contrapõe as teorias que
defendem o treino e a prática deliberada, defendendo as aptidões inatas como
subjacentes à sobredotação. As crianças com maiores capacidades numa
determinada área apresentam concomitantemente maior interesse e propensão
natural para a prática intensiva nesse domínio. O nível elevado de motivação
intrínseca permite aperfeiçoar mais a área de excelência em que sobressaem,
chegando a ser quase obsessivos neste investimento. Apesar de considerar a
importância do trabalho árduo para se atingirem elevados desempenhos, Winner
(2000) destaca o impacto do potencial inato que os indivíduos apresentam.
Relativamente ao segundo grupo de autores, mais centrados em torno da perícia,
a literatura existente salienta que os níveis superiores de desempenho só
raramente estão explicados por factores associados ao talento inato, dependendo
antes de mecanismos adquiridos através do investimento em actividades de
prática deliberada ao longo de um período extenso. Nesta perspectiva, são
necessários, em média, dez anos ou 10.000 horas de preparação intensa para que
seja atingindo um nível excepcional de desempenho, ou como surge frequentemente
designado na literatura como "expert performance"ou
"expertise"(Ericsson & Lehmann, 1996).
Zimmerman (2002a,b) complementaria posteriormente a teoria do desenvolvimento
da perícia (expertise) de Ericsson, demonstrando a importância da utilização de
processos auto-regulatórios para sistematizar a aprendizagem e o desempenho,
salientando o seu importante papel no desenvolvimento da perícia, mais do que o
talento inato ou as capacidades. Aquilo que define a prática dos peritos como
"deliberada", segundo este autor, parece dizer muito mais respeito
ao uso de processos auto-regulatórios clássicos, como a auto-instrução e auto-
monitorização, a atenção dirigida para objectivos e a consideração do
feedbacksistemático (Zimmerman, 2002b).
Por sua vez, os estudos mais voltados para o conceito de sabedoria
("wisdom"),são geralmente associados a momentos e etapas mais
tardios do desenvolvimento humano, manifestado sobretudo através da componente
afectiva e emocional, motivacional e de personalidade. Por um lado, os estudos
referenciam contextos facilitadores, como o backgroundcultural e social;
factores específicos da perícia, como a experiência, a prática e mentores ou
professores; e ainda, factores pessoais, como as capacidades intelectuais e os
traços de personalidade. Isto aponta para a conjugação de características
pessoais com contextos experienciais específicos como principal condição para a
promoção de sabedoria, reflectida num conhecimento heurístico e prático que,
por sua vez, representa uma importante via, não só para a construção e
optimização do desenvolvimento, mas também para a excelência humana (Baltes
& Staudingerm, 2000). Paralelamente, a teoria "balanceada" da
sabedoria de Sternberg (2001b, 2004) oferece uma dimensão mais precisa e
cuidada ao conceito de sabedoria, ao aproximá-lo do conceito de inteligência,
realçando em simultâneo a associação com os factores individuais e contextuais,
e valorizando a experiência que os sujeitos adquirem face aos contextos a que
são expostos.
Adicionalmente, tendo em vista a compreensão de altos rendimentos associados a
talentos, interessa-nos em particular a perspectiva multi-dimensional do
talento proposta por Simonton (2001). Contrariamente às concepções
"radicais" de talento propostas pelos defensores das habilidades
inatas ou da prática deliberada, Simonton (2001) refere que o talento em
qualquer domínio é um fenómeno dinâmico e complexo, decorrente de um conjunto
bastante heterogéneo de traços psicológicos e de factores contextuais que
permitem a manifestação da excelência. Nesta concepção, determinados talentos
apenas se desenvolvem perante a presença de um conjunto específico de traços,
considerando que esse conjunto pode ser diferenciado para cada domínio. Assim,
não se considera suficiente a existência de um talento inato pois que este terá
que ser necessariamente trabalhado, e de forma adequada, a fim de permitir o
seu crescimento. Por outro lado, ao reconhecer-se que a ausência de um
determinado componente (traço) inviabiliza a manifestação de um correspondente
talento, sustenta-se que os traços genéticos não se manifestam todos à
nascença, desenvolvendo-se sobretudo mediante uma trajectória epigenética de
cariz maturativa (Simonton, 2001).
Sem pretensões de descrição exaustiva dos modelos teóricos disponíveis para
explicar a excelência, podemos afirmar que este conjunto de modelos destaca o
contributo de variáveis de natureza cognitiva, motivacional e contextual, assim
como variáveis relacionadas com a prática intensiva e auto-regulada e o
envolvimento na tarefa. Logicamente não faz sentido fazer depender a excelência
de um único factor explicativo e/ou preditivo. Pelo contrário, o desempenho
excepcional e superior decorre de uma complexa interacção de factores intra-
individuais e inter-individuais, e a sua análise deve tomar as trajectórias e
percursos de existência, aprendizagem e realização. Nesse sentido, os
investigadores interrogam-se ainda sobre "que" variáveis contribuem
mais para a compreensão do fenómeno de excelência no domínio académico? Sendo
vários os factores intervenientes, "como" se combinam e interagem
entre si? No caso do presente estudo, perguntamo-nos se a excelência em
contextos académicos é algo permanente, com indicadores estáveis e mantidos ao
longo do percurso educativo, ou será algo oscilante ao longo do tempo em função
dos factores que lhe estão associados?
Neste artigo procuramos descrever os factores determinantes da excelência
académica no Ensino Superior, tomando para o efeito o percurso académico de
alunos com este nível de realização. Mediante o recurso a entrevistas semi-
estruturadas, daremos particular atenção aos pontos em comum e às
singularidades dos percursos académicos dos vários participantes, assim como à
forma como tais variáveis se poderão combinar e associar na determinação dos
desempenhos excelentes.
MÉTODO
Participantes
Dois subgrupos de participantes tomaram parte neste estudo. Referimo-nos a
cinco alunos do 4º e 5º ano de algumas licenciaturas em Engenharia, e a quatro
que, tendo concluído a sua graduação em Ciência de Computadores, se encontravam
a realizar o doutoramento em domínios diferenciados da área de Informática. No
Quadro 1 listamos os sujeitos participantes em termos de idade, sexo, situação
académica e curso.
QUADRO 1
Descrição dos participantes no estudo
Procedimentos
A identificação dos alunos em condições de participar no estudo foi realizada a
partir do levantamento da lista de alunos nomeados para "Prémios por
Mérito" atribuídos pela universidade de origem e através da sua nomeação
pelos professores das respectivas licenciaturas. Como critério na definição de
"alunos excelentes", considerou-se a média de curso igual ou
superior a 16 valores na escala de 0 a 20, o que representa o limite mínimo de
classificação internacional de "Muito Bom". Após a identificação
destes alunos, foi feito um contacto electrónico com os potenciais
participantes, apresentando os objectivos do estudo e solicitando a sua
participação no projecto de investigação, através da realização de uma
entrevista com duração prevista entre 40 a 60 minutos. As entrevistas foram
desenvolvidas com base num guião semi-estruturado, começando com dados de
identificação pessoal, de resposta directa, e passando posteriormente para
questões mais abertas, sendo dada indicação ao sujeito para procurar, sempre
que possível, responder de forma a reflectirem as suas próprias experiências
pessoais e académicas. Os tópicos lançados na entrevista incidiram sobre o
percurso académico anterior e actual, o auto-conceito e a percepção de
competência, assim como sobre os projectos futuros dos participantes. Alguns
exemplos de questões foram "como foi o seu percurso ao longo do ensino
secundário?"; "como se organiza, de um modo geral, em termos de
estratégias de estudo?"; "quais as suas características pessoais
mais positivas?" ou "o que seria um sonho de carreira profissional
para si?".
Com consentimento prévio dos participantes, as entrevistas foram gravadas de
modo a assegurar o registo completo da informação. Posteriormente, as mesmas
foram transcritas e analisadas com base numa grelha construída para o efeito, a
partir da revisão dos modelos teóricos.
RESULTADOS
Com base na análise de conteúdo das entrevistas, no Quadro 2 apresentam-se os
temas e as categorias emergentes das entrevistas e que, segundo os
entrevistados, melhor descrevem o seu percurso académico.
QUADRO 2
Categorias de factores emergentes das entrevistas
A análise do conteúdo das entrevistas permitiu-nos, assim, identificar a
presença de um conjunto de variáveis comuns ao percurso académico excelente dos
sujeitos, apesar de se reflectir em cada discurso as especificidades e
individualidades de cada um, nomeadamente na intensidade com que aludem a
determinados acontecimentos ou aspectos quotidianos (incluindo
"incidentes críticos" e "situações adversas"). Um dos
aspectos mais enfatizados no discurso dos participantes é a capacidade de
trabalho, o esforço e a persistência, como um investimento feito pelos sujeitos
de forma a melhorar os seus resultados e a alcançar patamares superiores
caminhando para a excelência. Contudo, a intensidade de esforço e persistência
aplicada na realização difere entre os sujeitos participantes, sendo moderadas
pela própria motivação e interesses pessoais inerentes às tarefas. Por outro
lado, estas características estão também presentes na vida académica dos
sujeitos em períodos diferenciados dos seus percursos académicos. Estes
aspectos vão assim de encontro à literatura no sentido de 'desempenho
perito' e de 'prática deliberada' (Ericsson, 2006; Ericsson
& Lehmann, 1996; Neumeister & Finch, 2006).
Verificámos, também, no discurso dos sujeitos, o seu envolvimento deliberado em
actividades de planeamento, monitorização e avaliação, definindo objectivos e
metas centradas na aprendizagem. Assumem a sua percepção de sucesso mediante
uma análise dos desempenhos demonstrados e evidenciam possuir elevadas
capacidades de auto-controlo e regulação emocional, apostando na redefinição e
reformulação constante de métodos e estratégias com vista à melhoraria dos
próprios desempenhos. Esta readaptação e flexibilidade de estratégias dos
sujeitos, aquando da sua confrontação com uma situação de insucesso, parecem
estar directamente relacionadas com o conceito de auto-regulação e de auto-
monitorização dos sujeitos. Assim, foi evidente uma abordagem ao estudo
centrada essencialmente num enfoque compreensivo, nomeadamente através de uma
atitude e uma "forma de ser e de estar", procurando a aplicação
adequada do conhecimento, ao mesmo tempo que no conteúdo das entrevistas
emergem sinais claros de características pessoais como a auto-consciência e a
auto-motivação (Zimmerman, 2002a).
A motivação intrínseca assume uma significativa presença e importância no
discurso dos sujeitos, surgindo como variável controlável pelo próprio sujeito
e pela atitude implicada na realização de tarefas directamente orientadas para
o cumprimento de objectivo pré-estabelecidos (Siqueira & Wechsler, 2006).
Os sujeitos referem-se à motivação, como um factor responsável por um
comportamento influenciado pela interacção de factores internos (personalidade)
e externos (situação). Ao envolverem-se numa tarefa, os indivíduos servem-se de
uma determinada quantidade de energia (esforço) que os impulsiona para a
concretização do objectivo (por exemplo, entrar em competição com os outros, ou
tentar alcançar um nível de excelência) para, numa fase posterior, avaliarem a
acção e assumirem-se responsáveis pelos resultados obtidos (Pintrich &
Schunk, 2002). Relativamente à personalidade, o auto-conceito parece sobretudo
baseado em critérios internos, mais do que determinado pelo feedbackde pares e
professores. Este auto-conceito (de capacidade) parece funcionar como um pré-
requisito dos elevados níveis de realização (Heller, 2007). Os sujeitos
demonstram, ainda, uma diferenciação de interesses, no sentido em que destacam
a preferência pela área das ciências exactas verificando-se, assim, uma
consistência nas opções efectuadas ao longo de todo o percurso escolar,
parecendo ser este um outro indicador de sucesso. Por outro lado, referem que
as experiências e as oportunidades com que se depararam permitiram, de alguma
forma, o desenvolvimento de competências, proporcionando efectivos e reais
momentos de aprendizagem.
Importa salientar que os factores ambientais e contextuais se encontram
igualmente presentes na reflexão destes sujeitos, surgindo contudo
referenciados de forma distinta. Mais especificamente, no que se refere ao
papel dos professores, importa referir que, enquanto para uns os docentes
representam sobretudo um factor de motivação mediante situações específicas,
para outros, eles assumem sobretudo um papel importante ao nível do
fornecimento de feedback, sobretudo na forma de reconhecimento do desempenho.
Relativamente ao papel da família, constatámos que a sua influência surge mais
como uma forma de apoio e como base para a postura que assumem perante o
trabalho e a necessidade de investimento pessoal.
No que concerne ao domínio cognitivo, importa referir que os sujeitos
consideram fundamental a existência de um conjunto de pré-requisitos ou
conhecimento base para alcançar o sucesso, apesar do domínio cognitivo ter
fraca presença no discurso destes sujeitos. Dentro deste domínio, os processos
básicos, mais especificamente, a memória e a atenção, são referidos com maior
frequência na obtenção dos seus bons resultados académicos. Importa esclarecer
que a referência a estas funções cognitivas reflectia, por parte dos
entrevistados, a sua importância na aprendizagem (por exemplo a atenção nas
aulas), descrevendo a sua maior facilidade, face aos colegas, em reter e
processar informação de uma forma organizada nas situações de discussão em
grupo e nas situações de avaliação. Por último, a componente afectivo-emocional
encontra-se pouco presente no discurso dos sujeitos, mas, quando referida,
aparece geralmente associada à regulação emocional. De salientar, que esta
relação e interacção entre ambos os domínios (cognitivo e afectiv-emocional)
tem vindo a ser, nos últimos anos, bem evidenciada pela investigação que sugere
o impacto da pressão do rendimento e de estados emocionais desagradáveis (ex.:
ansiedade) no "consumo e ocupação" da capacidade da memória de
trabalho (necessária para manter a focalização na tarefa), que até mesmo
estudantes bem capacitados necessitam para os seus desempenhos superiores em
situações reais de avaliação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conjunto da informação recolhida permite constatar a existência de variáveis
presentes em todos os sujeitos, combinando-se no entanto de forma diferente ao
longo do percurso de cada participante. Face a um conjunto de variáveis comuns
a todos os sujeitos - as características associadas ao trabalho e ao
esforço; os factores contextuais e ambientais; as características de
personalidade; as competências de auto-regulação; e a motivação -, estas
apresentam formas de manifestação distintas de sujeito para sujeito, em
momentos por vezes distintos e com "pesos" igualmente
diferenciados. Parece, deste modo, que estamos face a uma complexa interacção
de factores intra-individuais (capacidades cognitivas e não cognitivas,
atributos motivacionais e emocionais e variáveis de personalidade) que, em
interacção com factores ambientais (família, pares, universidade, experiências
extra-curriculares, etc.), parecem "combinar-se em determinados moldes e
quantidades" para determinarem os elevados níveis de desempenho
(Monteiro, 2007).
Debruçando-nos sobre a informação emergente das entrevistas efectuadas, podemos
ainda reflectir na hipótese "multiplicativa" das variáveis, isto é,
a presença de determinadas variáveis favorecer o aparecimento subsequente de
outras (Simonton, 2001). No caso dos participantes em estudo, é provável que o
conjunto de pré-requisitos cognitivos favoreça a capacidade de investimento e
envolvimento na tarefa, que surge reforçada pela obtenção de resultados
positivos (Winner, 2000). A própria capacidade de auto-regulação,
particularmente quando pensada no domínio da metacognição, pressupõe um nível
mínimo de capacidades cognitivas (Sternberg, 2001a). Da mesma forma, alguns dos
factores contextuais podem exercer maior influência face à expressão de
determinadas habilidades (Gagné, 2004, 2007), ou, ainda, a diferenciação de
interesses e escolhas vocacionais ganha maior consistência ao longo do percurso
educativo à medida que também as características cognitivas, contextuais e
motivacionais se tornam mais presentes no quotidiano dos participantes.
Recentemente, baseados num estudo longitudinal, Lubinski e Benbow (2000) e
Lubinski, Benbow, Webb, e Bleske-Rechek (2006) apontam para uma conjugação
entre as capacidades que, associadas a uma elevada diferenciação de interesses,
geram elevados níveis de satisfação, orientando deste modo os indivíduos para
níveis excelentes de desempenho. As aptidões determinariam a probabilidade de
sucesso num domínio específico, enquanto os interesses determinariam o grau de
motivação para se investir em tais aprendizagens e realizações. O sucesso no
desempenho de determinadas tarefas conduz ao aumento do interesse e
conhecimento no respectivo domínio. Desta forma, os interesses e as aptidões
parecem determinar, em conjunto, a orientação e o sucesso nos domínios do
conhecimento em causa.
Neste sentido, o presente estudo parece ser consistente com uma abordagem ao
"lado positivo" da motivação, assumindo-a como factor determinante
na optimização do potencial dos indivíduos: um estilo optimista, estratégias
mais flexíveis e de auto-regulação e auto-controle, e padrões mais ajustados e
adaptativos de atribuições causais (Moon, 2003; Jin & Moon, 2006). A
excelência pressupõe concretização do potencial humano e a investigação futura
deverá perceber melhor como os objectivos de realização e os processos de
aquisição e manutenção da motivação (e.g., compromisso, persistência, tempo e
esforço) convergem para explicar o envolvimento em actividades estruturadas de
prática deliberada (Ericsson, Roring, & Nandagopal, 2007). Os dados do
presente estudo explicitam que o talento tem que ser "alimentado"
(Muratori, Stanley, Gross, Ng, Tao, Ng, & Tao, 2007, p. 307), sugerindo que
o percurso da excelência se assemelha a uma "corrida de maratona".
É ao longo deste longo percurso, desenvolvimental e optimizado, que os jovens
talentos se podem transformar em adultos independentes e excelentes, onde se
"divertem", "apaixonam" e têm prazer no uso que fazem
dos seus talentos.
Em síntese, a análise dos discursos dos sujeitos participantes permitiu-nos
identificar um conjunto diferenciado de variáveis que caracterizam a sua
excelência académica, sugerindo que os modelos teóricos valorizam factores que
se combinam para explicar a excelência. Neste sentido, podemos destacar uma
diferenciação entre os sujeitos quer ao nível dos interesses por eles
demonstrados, quer ao nível da regulação que operam nos factores ambientais,
contextos de aprendizagem e avaliação, ou na sua área emocional, de forma a
favorecer o seu rendimento académico (Elliot & McGregor, 2001; Goetz,
Preckrel, Pekrun & Hall, 2007; Neumeister & Finch, 2006; Schutz &
DeCuir, 2002; Zimmerman, 2002a). Assim, os participantes demonstram
comportamentos auto-regulados em termos de planeamento, de monitorização e de
uma prática deliberada, considerando os seus objectivos centrados na
aprendizagem e partindo de uma motivação mais intrínseca do que extrínseca. Na
linha de Simonton (2001), a excelência parece aproximar-se mais de um modelo
multidimensional e multiplicativo, indo além de um processo genético estático,
unidimensional e aditivo. Deste modo, múltiplos componentes poderão determinar
o talento num determinado domínio, podendo inclusivamente haver oscilações nas
manifestações ao longo do tempo e do contexto em que o indivíduo se encontra
inserido.
Deste modo, e considerando que os resultados neste estudo salientam o trabalho
e o esforço, podemos questionar-nos se esta variável, por si só, permite
explicar o rendimento superior no contexto académico. Por outras palavras, será
que qualquer indivíduo que treina e se esforça face a uma determinada tarefa
conseguirá obter níveis de excelência na sua realização? Ou, na base do
trabalho, estarão outros factores associados que permitem ao indivíduo
persistir até atingir o seu rendimento máximo ou pugnar sempre por um nível de
rendimento superior? Julgamos que a reflexão sobre esta e outras questões
representa um importante ponto de partida para uma compreensão mais profunda do
rendimento superior e dos factores associados ao conceito de excelência nas
múltiplas áreas ou domínios da realização humana.