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EuPTHUHu0870-82312009000400006

EuPTHUHu0870-82312009000400006

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0870-8231
ano2009
Issue0004
Article number00006

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Crianças institucionalizadas e crianças em meio familiar de vida: Representações de vinculação e problemas de comportamento associado - Escala de Comportamento de Isolamento; - Escala de Comportamento de Hiperactividade.

Os questionários foram preenchidos pelos pais no caso das crianças em meio familiar de vida e pelo monitor de referência em relação às crianças institucionalizadas.

RESULTADOS Apresentaremos em primeiro lugar três exemplos de excertos de narrativas ASCT produzidas pelas crianças deste estudo, e em seguida os resultados da análise estatística.

As narrativas que de seguida serão apresentadas dão conta de algumas diferenças paradigmáticas entre ambos os grupos em estudo. A história seleccionada para ilustrar essas diferenças foi a do Joelho Magoado.

Exemplo 1: Criança em meio familiar, 68 meses de idade, a frequentar Equipamento Infantil O primeiro excerto de narrativa constitui um exemplo de uma história cotada como coerente e segura. Não foi transcrita na totalidade dada a sua extensão.

Também o comportamento não verbal não foi aqui referido, embora tenha sido considerado, em cada história, um elemento de cotação.

Entrevistador: O que aconteceu após a Cristina ter caído da rocha e se ter magoado no joelho? "... Querida, não devias ter feito isso. O pai pegou na Cristina ao colo até ao médico (...) a mãe e o pai é que levaram. A mãe e o pai levaram os dois juntos a Cristina ao colo. Ela precisava de fazer uma radiografia(silêncio). Partiu o osso do joelho(silêncio). Tiveram de pôr uma meia elástica e à noite tirar. E uma ligadura. Ela precisou 4 dias para ficar boa.Silêncio. Depois passaram os 4 dias e conseguia andar. Depois a Ana quis subir a rocha, como era a mais velha não caiu. Depois tinha medo de descer. Ficou em cima da rocha, sentada. Depois chamou a mãe e o pai. Eles disseram para ela saltar. A mãe afinal disse que não porque estava muito preocupada com a Ana. Como a Ana tinha o coração a bater muito não saltou.

Depois saltou, mas ia caindo. Ela saltou e o pai e a irmã seguraram-na (agarrando ambos os bonecos na Ana, ao colo). Levantou a mãe e disse que não estava preocupada, enquanto a aproximava da Ana. Depois o pai e a mãe ajudaram- nas a subir porque era muito alta(colocando todos os bonecos, em conjunto, em cima da rocha). Subiram todos para a rocha e fizeram um piquenique em cima.

Depois foram para casa dormir. Como estavam cheios de sono adormeceram em cima da mesa".

Surge nesta narrativa uma representação de cuidadores disponíveis, carinhosos, securizantes, empáticos, que se movimentam num ambiente familiar harmonioso.

Este cenário que a criança expõe traduz os seus modelos internos, remetendo para a consistente interacção estabelecida com a figura de vinculação precoce.

Exemplo 2: Criança Institucionalizada, 85 meses de idade Esta narrativa foi considerada como próxima da cotação muito incoerente e insegura. A criança inicialmente não atribuiu nenhuma resolução quando esperada, evitando o problema apresentado.

Entrevistador: O que aconteceu após a Tatiana ter caído da rocha e se ter magoado no joelho? ... Voltava a tentar subir e tinha conseguido. E depois caiu.

Entrevistador: Mas ela estava magoada no joelho. O que é que fizeram em relação a isso?Ah, sei! Foram limpar a ferida. Para a casade banho. Foram outra vez para a rocha esubiu, subiu e caiu(a Tatiana) bateu com acabeça e ficou com um galo. Agora é o pai(aproxima o pai da Tatiana). (O pai) Pôs gelo nacabeça(da Tatiana). (diz em relação à Tatiana)Estava triste porque estava sempre a cair.

ATatiana subiu, mas não conseguiu subir mais edepois desceu e ficou com o preso.

Tatiana: Mãe! Pai!(voz de desespero).Mãe: Não voltes a subir(tom de repreensão).Pai: Mas e agora? A Tatiana está presa(voz de preocupação) (coloca a cabeça da Tatiana presa entre os degraus). O pai tenta subir mas não a consegue salvar(entretanto a criança tira a Tatiana da rocha).

Tatiana: Vou fugir de casa!(... e mais tarde após a terem encontrado) Mãe: Tatiana porque fugiste?Tatiana: Não gosto do pai nem da mãe, nem dairmã.

Pais: Mas então como vamos fazer?E a Tatiana lembrou-se do tio (...).Tatiana: Vou para casa do tiiiiooooo... e vou levar a minha pedra mágica e a relva.(...) Os pais lembraram-se de perguntar ao tio sea Tatiana estava a dormir bem. Mas a Tatiananão estava no tio, tinha mentido e tinha ido parafora de Portugal(para a Holanda) (...). Estava noestrangeiro. Os pais estavam preocupados, nãohavia sinal. Mas Holanda era muito perto. Ela(em relação à Tatiana) arrastou a relva, e sabesonde estava? Na ilha da Madeira, com a tia.Pais: Volta Tatiana senão puxamos a relva(epuxa pela relva, para o centro da mesa). Tatiana: Porque é que me trazem? Eu estava melhorcom a minha tia.Pais: Gostamos de ti equeremos que mores cá.A narrativa terminou,mas sem o final ser claro.

Nesta narrativa, a narração é desviada negativamente do seu curso inicial e, a criança, perante a incapacidade destes pais em a protegerem e a conterem, opta por fugir de casa. Perante a possibilidade de regressar para os pais manifestou desagrado, confidencializando que: "estava melhor com a minha tia".

Exemplo 3: Criança Institucionalizada, 94 meses de idade A narrativa que se segue foi cotada como extremamenteincoerente e severamente insegura.

Entrevistador: O que aconteceu após o Paulo ter caído da rocha e se ter magoado no joelho?Comenta: "Jardim malcheiroso..."Pega na mãe, aproxima- a do joelho magoado. Dobra-a dizendo: Baixa-te velhota.

A mãe diz: Isto não tem nada, filho. caíste da rocha abaixo. Tenta outra vez.O Paulo sobe a rocha, até ao topo, dizendo: Eh, consegui(esboça um sorriso). Agora vinha um trovão: Oh, pumba(atira o Paulo pelo ar, dando uma cambalhota e acabando deitado no chão). Paulo: Cai de cabeça, acho que parti a cabeça.Simula um choro enquanto levanta o Paulo do chão, e o esbarra, de seguida, no irmão Alexandre. Toma!(diz, num tom agressivo, movimentando os bonecos, com uma expressão séria. Levanta o Alexandre, aproxima-o do Paulo): Estás-me a bater? Toma!Aproxima o pai dos dois filhos dizendo: O que é que se passa aqui, meninos? Estão á luta porquê? Por causa daquela rocha podre?Aproxima o pai do Paulo dizendo: Anda , deixa ver essa cabeça malcheirosa. Toma!(diz enquanto o pai um pontapé na cabeça do Paulo). Não tens nada filho. Isto não dói, olha. Olha para este(o pai bate no Alexandre). Vês? Não aleija, também não chora(sorri). E é mais novo que tu.O Paulo diz para o Alexandre: Vou tentar outra vez, estás a ouvir?Sobe muito a custo até ao cimo da rocha. Criança: Agora vinha o irmão.Quando chega ao topo, o Paulo diz para Alexandre: sai daqui cabeça de milho senão levas uma cabeçada que cais para baixo.Criança: Agora caíram os dois, são mesmo totós.O irmão mais velho diz: Não consegues, não consegues! Dei um mortal pelo ar!O Alexandre também um salto da rocha até ao chão, caindo em cima da cabeça do irmão. Ai a minha cabeça!A criança faz os dois bonecos voar pelo ar: Pumba! Pumba! Partiram a cabeça(diz ao fazer os dois bonecos caírem no chão). Os filhos, deitados no chão levantam-se perguntando ao pai que entretanto se aproxima: E agora?Pai diz enquanto bate nos filhos: Pumba!Pega na mãe e o pai também lhe bate, dizendo: Toma mulher, o homem é que é o mais forte.O Alexandre levanta-se e bate no pai, derrubando-o e dizendo: Maldito, cabeça de milho.O pai e o filho mais velho lutam, até o filho ficar deitado no chão (mantém uma expressão muito séria e extremamente envolvido na sua história).

Entrevistador: O que é que aconteceu? A criança ignora a pergunta do entrevistador,permanecendo a olhar para os bonecos e para ocenário, dando continuidade à sua narraçãoimersa numa agressividade desestruturada.

De facto, neste excerto de narração emergem afectos inapropriados e agressões gratuitas, que acentuam as notórias falhas de comunicação familiar, e que remetem para representações que sugerem pais emocionalmente ausentes, pouco sensíveis às necessidades dos filhos e fisicamente abusadores. Surgem dificuldades no estabelecimento de limites, na diferenciação de gerações e interiorização de papéis. No que concerne à interacção com o entrevistador a criança foi manifestando um comportamento de retirada, perdendo-se na sua própria narrativa.

ANÁLISE QUANTITATIVA DOS RESULTADOS Analisando os resultados de forma estatística, com base nos valores médios e desvio-padrão obtidos, e tendo sido utilizados os testes não-paramétrico de diferenças de médias Ude Mann-Whitney, pode concluir-se através da Tabela 1 que as diferenças encontradas, relativamente à Segurança e Coerência da Vinculação 1 para ambos os grupos, foram significativas (U=-4,1; p<.001). Assim, constata-se que o grupo de crianças não institucionalizadas obteve um valor médio de segurança e coerência das representações de vinculação superior (5,43), por comparação com as crianças institucionalizadas (4,08).

TABELA_1 Média e desvios-padrão, valor de z para diferença de médias e probabilidade para as variáveis em estudo nos dois grupos

O grupo de crianças em meio familiar de vida obteve resultados médios superiores (16,2) também na WPPSI, componente verbal, pelo que o desempenho cognitivo verbal foi superior ao das crianças institucionalizadas (11,6). Os resultados comprovam que a existência de diferenças entre os dois grupos é significativa (U=-2,22; p<0,05).

Em relação aos problemas de comportamento, o grupo de crianças institucionalizadas foi o que obteve valores mais elevados no Inventário de Comportamentos da Criança para Pais (I.C.C.P), na Escala de Comportamento Agressivo (,18), pelo que essas crianças revelam uma conduta agressiva superior. Os resultados indicam que as diferenças encontradas para os dois grupos são no entanto marginalmente significativas (U=-2,04; p=,08). Também os valores médios do I.C.C.P, na Escala de Isolamento, foram superiores no grupo das crianças institucionalizadas (,44), manifestando mais tendências de isolamento do que o grupo de crianças em meio familiar de vida (,38). Contudo, analisando a tabela, pode constatar-se que as diferenças encontradas não são significativas (z=0,56; p=,58). No I.C.C.P, Escala de Hiperactividade, os valores mais elevados pertencem ao grupo de crianças não institucionalizadas (,56), pelo que a manifestação desse comportamento nessas crianças é superior.

Contudo, as diferenças encontradas não são significativas (z=0,59; p=,49) como é possível verificar pela leitura da Tabela_1.

De seguida procede-se à análise das correlações entre as variáveis em estudo (Tabela 2).

TABELA 2 Correlações entre os valores do segurança/coerência no Attachment Story Completion Task e as três escalas do I.C.C.P.

Os resultados encontrados indicam a confirmação de uma correlação negativa significativa (rs=-.59) entre a Escala de Comportamento agressivo e os valores de segurança e coerência do ASCT. Assim, as representações de vinculação relacionam-se negativamente com os valores encontrados para a Escala de Comportamento Agressivo. Relativamente aos valores encontrados para a Escala de Isolamento e o ASCT denotam, também, a existência de uma correlação negativa significativa (rs=-.29), pelo que, também, se pode concluir que a representações de vinculação mais segura está associado um menor comportamento de isolamento. Por último, surgem os valores que correlacionam a Escala de Hiperactividade e o ASCT que expõem a existência de uma correlação, mas que não é significativa.

Finalmente, não foi encontrada nenhuma correlação significativa entre os valores do ASCT e os resultados da WPPSI (p=0,093), pelo que podemos concluir que as capacidades cognitivas verbais não influenciaram significativamente a coerência e segurança na construção das narrativas.

DISCUSSÃO Os resultados obtidos revelam que os conteúdos das narrativas produzidas pelas crianças integradas em meio institucional se distinguem significativamente dos conteúdos das narrativas produzidas pelas crianças em meio familiar de vida, tendo o primeiro grupo de crianças obtido valores inferiores de segurança e coerência na representação da vinculação.

As crianças institucionalizadas construíram narrativas menos seguras e menos coerentes, sugerindo que detêm um padrão de vinculação menos seguro, com temas marcados pelo abandono, punição, negligência, inversão de relações familiares, algumas delas contendo conteúdos fortemente sexualizados.

Por outro lado, crianças em meio familiar de vida construíram narrativas de vinculação mais seguras e coerentes, onde tendem a surgir inter-acções positivas e figuras parentais empáticas e protectoras.

No que concerne ao desenvolvimento cognitivo verbal verificou-se que as crianças institucionalizadas obtiveram um desempenho verbal inferior considerado significativo. Existe uma ausência de associações entre a segurança da vinculação e o desenvolvimento cognitivo verbal. Os resultados encontram um vasto sustento teórico dado que as crianças acolhidas manifestam atrasos de desenvolvimento, surgindo atrasos e/ou perturbações nos mais vastos domínios - intelectual, motor, afectivo, social e comportamental (Marques, 2006; Zeanah et al., 2005).

Por outro lado, a ausência de correlação entre a segurança das narrativas da vinculação e as capacidades verbais confirma que o ASCT não está a medir capacidades cognitivas verbais.

FIGURA 1 Efeito indirecto do meio de vida institucional nos problemas de comportamento, através da insegurança/incoerência da representação de vinculação

No que toca às relações entre a segurança/ /coerência das representações de vinculação e os problemas de comportamento, verificou-se uma correlação negativa e significativa entre a Escala de Comportamento Agressivo e a segurança/ /coerência das representações de vinculação através do ASCT. Assim, quanto maior é a segurança/coerência das representações de vinculação menos frequente é o comportamento agressivo. Foi encontrada também uma correlação negativa significativa entre a Escala de Isolamento e a segurança/coerência das representações de vinculação através do ASCT: Crianças com representações de vinculação mais seguras/coerentes manifestaram, com menor frequência, comportamentos de isolamento.

Em relação às diferenças de problemas de comportamento manifestados nos dois grupos de crianças em estudo, é de referir que embora as crianças institucionalizadas apresentam uma tendência para valores mais elevados de comportamento agressivo, e de isolamento, estas diferenças não atingiram significância estatística.

Assim, não parece existir neste estudo um efeito directodo contexto (instituição versusmeio familiar de vida) no desenvolvimento de problemas de comportamento, mas sim um efeito indirectoatravés da insegurança/incoerência da vinculação. Por outras palavras, crianças em meio institucional tendem a ter uma menor segurança e coerência dos modelos internos de vinculação do que crianças em meio institucional, estando por sua vez estes modelos internos correlacionados com problemas de comportamento agressivo e de isolamento.

Outras investigações com crianças em início de idade escolar, recorrendo ao Child Behaviour Checklistsugerem correlações significativas entre as representações de vinculação através de narrativas e o respectivo ajustamento emocional e comportamental (Futh, O'Connor, Matias, Green, & Scott, 2008).

Uma das limitações desta investigação decorre do facto de, no que diz respeito aos problemas de comportamentos internalizantes apenas ter contemplado o estudo do isolamento social, não se debruçando sobre eventuais sintomas de depressão ou ansiedade. As Escalas de Depressão e de Ansiedade não foram incluídas neste estudo por razões de parcimónia de recursos, e tendo em conta que a maioria dos estudos prévios incidiu nessas dimensões (e.g., Zeanah et al., 2009), optámos por privilegiar uma área menos estudada.

Uma outra limitação a enunciar corresponde ao preenchimento do Inventário de Comportamentos da Criança para Pais nos dois grupos distintos. No caso das crianças em meio familiar de vida foi pedido ao Encarregado de Educação que procedesse ao seu preenchimento. Em relação às crianças institucionalizadas o Inventário foi preenchido pelo monitor de referência para cada criança em particular, como detentor de maior conhecimento de forma a conseguir dar as respostas mais adequadas.

Em suma, pode considerar-se a confirmação dos pressupostos teóricos da Teoria da Vinculação que prevê serem as crianças mais seguras as mais habilitadas a demonstrar um desempenho sócio-emocional superior, manifestando menos comportamentos desajustados, o que foi ao encontro do que se verificou nesta investigação. De referir que a qualidade das representações de vinculação se associa negativamente aos problemas de comportamento manifestados. Em função do meio de vida (familiar ou institucional) surgiram representações de vinculação mais ou menos seguras, parecendo determinantes no tipo de comportamento expresso. Assim, de salientar a consistente ligação entre as representações mentais e os respectivos comportamentos para a saúde mental das crianças.

Desta forma, pode concluir-se que os comportamentos manifestados, pelas crianças institucionalizadas, reflectem representações mentais negativas, em que os adultos cuidadores surgem como indisponíveis, rejeitantes ou abusadores, que promovem na criança o desenvolvimento de um selfdesvalorizado, que se vai consolidando em frágeis alicerces.

Apesar de ser difícil para essas crianças adaptarem-se a outro sistema relacional distinto daquele que lhes foi permitido estabelecer com as primeiras figuras de vinculação torna-se pertinente reflectir acerca de estratégias que tenham em conta o potenciar das capacidades de resiliência e de adaptação, para que consigam positivamente ultrapassar as adversidades às quais foram expostas.

Para isso é fundamental reunir as condições adequadas que promovam a reparação dos sentimentos de abandono e de rejeição, permitindo que as suas representações mentais negativas sejam modeladas. Nesse sentido, torna-se essencial contribuir para que essas crianças possam ter acesso a boas experiências relacionais, continuadas no tempo, assumindo as figuras cuidadoras importância vital na construção de relações empáticas, acessíveis, nas quais possam encontrar o apoio, conforto e protecção imprescindíveis a um saudável desenvolvimento.


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