Nota de Abertura: Psicologia e justiça
Nota de Abertura: Psicologia e justiça
A designação Justiça quando se associa à palavra Psicologia não tem um
significado unívoco. De facto, existem várias áreas de investigação que incluem
estas duas palavras entre as quais a Psicologia Social da Justiça e a
Psicologia aplicada à Justiça. A primeira refere-se ao estudo das causas e das
consequências dos julgamentos subjectivos do que é justo ou injusto. A segunda
refere-se aos conceitos da Psicologia, Social ou não, aplicados ao sistema
judicial, criminal e prisional, que designaremos aqui como forense. Nas últimas
décadas, um sólido conjunto de investigações no campo da justiça tem vindo a
ser desenvolvido, quer pela Psicologia Social, quer pela Psicologia Forense. O
objectivo principal deste número temático da revista Análise
PsicológicaPsicologia e Justiça" foi o de dar conta de dois grupos de
investigação realizados na área da Psicologia Social e da Psicologia Forense em
Portugal.
As pesquisas centradas nestas duas áreas da psicologia têm traçado um caminho
fértil, permitindo avanços teóricos e metodológicos, que nos ajudam a
questionar e avançar nas práticas que englobam diferentes actores sociais.
Assim, os artigos incluídos neste número especial estão organizados em dois
grupos. O primeiro grupo centra-se nas questões da justiça social, bem como as
respectivas consequências das experiências de injustiça em diversos contextos.
O segundo grupo evidencia a diversidade teórica e empírica na Psicologia
Forense.
Correia (2010), no seu artigo, dá conta dos principais desenvolvimentos
teóricos e empíricos da Psicologia Social da Justiça, fazendo uma breve
incursão pelas principais correntes teóricas acerca da justiça social: a
privação relativa, a justiça distributiva, a justiça procedimental, a justiça
retributiva e a justiça reparadora. A autora mostra a evolução desta disciplina
nos últimos 50 anos.
O artigo de Poeschl (2010) evidencia que apesar das diversas mudanças que
surgiram na organização familiar nas últimas décadas, poucas mudanças ocorreram
na divisão do trabalho entre os cônjuges. No entanto, estas práticas familiares
desiguais não suscitam um sentimento de injustiça. A autora demonstra que as
comparações sociais jogam aqui um papel central, na medida em que os
comportamentos dos homens e das mulheres são ajustados aos papéis de género
tradicionais, originando avaliações assentes numa duplicidade de critérios.
O artigo de Santos e Amâncio (2010) pretende identificar, na literatura, as
principais razões da controvérsia acerca da criação de medidas de acção
positiva no sentido de promover a igualdade na representação dos membros de
alguns grupos minoritários, nomeadamente das mulheres em diversos órgãos de
decisão. As autoras propõe a articulação dos estudos de género com os da
percepção da justiça (recorrendo às teorias da justiça distributiva,
procedimentale da privação relativa), cujo objectivo é contribuir para uma
melhor compreensão da controvérsia sobre as quotas baseadas no sexo e
destinadas a promover a igualdade entre mulheres e homens.
Gago e Correia (2010) analisam o impacto da crença pessoal no mundo justo na
relação entre a (in)justiça procedimental e distributiva e as reacções a
acontecimentos problemáticos no contexto de trabalho. Os resultados mostram que
perante a injustiça procedimental os participantes que têm alta crença no mundo
justo (CMJ) reagem mais positivamente (paciência) comparativamente com os que
têm baixa CMJ, mas, por outro lado, os que têm CMJ alta reagem à injustiça
procedimental mais negativamente (negligência e voz agressiva) em comparação
com aqueles que têm baixa CMJ.
Sanches e Gouveia-Pereira (2010) na análise dos comportamentos desviantes
partem dos pressupostos do modelo relacional da autoridade, o qual demonstra
que as pessoas quanto mais percepcionam as autoridades como justas mais as
legitimam e mais adoptam comportamentos pró-activos face ao grupo. Para além
disso, as autoras evidenciam que, quanto mais positivos são os julgamentos de
justiça procedimental e a qualidade da relação com os professores, menor é o
envolvimento dos adolescentes em actos de desvio. Esta relação é mediada pela
avaliação da autoridade institucional (juízes, leis, polícias) e mostra-se
estatisticamente significativa mesmo controlando o efeito da idade e do género.
Carita e Tomé (2010) abordam a problemática da moralidade enfatizando a questão
da acção moral consistente, no quadro da abordagem desenvolvimental e
estrutural da moralidade. Para tal, os autores mobilizaram variáveis cognitivas
e afectivas, no sentido de uma melhor compreensão desta questão. Os resultados
evidenciam uma relação positiva fraca entre a cognição e a consistência e uma
relação entre a variável afectiva e a consistência. Os resultados mostram
também, numa análise integrada, a importância de outras variáveis na variável
consistência.
O segundo grupo de artigos centra-se na área da Psicologia Forense.
O artigo de Gonçalves traça os contornos gerais do desenvolvimento da
psicologia forense em Portugal, apresentando dados da prática pericial forense
da Unidade de Consulta de Psicologia da Justiça da Universidade do Minho, bem
como resultados de investigações recentes que atestam a aceitação da prática da
avaliação forense junto de magistrados judiciais. O autor procede a algumas
recomendações que devem nortear o trabalho do perito de psicologia forense.
Lemos (2010) centra o seu estudo, num grupo de adolescentes, em que pretende
identificar um conjunto de factores de risco psicossocial e uma tipologia do
comportamento delinquente. Os resultados evidenciam um conjunto de indicadores
de risco individuais e familiares relevantes para a continuidade de um percurso
delinquente.
O artigo de Moreira e Gonçalves (2010) analisa o grau de perturbação emocional
e a sintomatologia psicopatológica em dois grupos de reclusos, com e sem
ideação suicida, em dois momentos diferentes de reclusão. Os autores
verificaram que nos reclusos com ideação suicida a perturbação mental apresenta
um carácter disposicional, mantendo-se praticamente constante ao longo da
execução da pena, enquanto os reclusos sem ideação suicida apresentam um
carácter reactivo, que diminui após seis meses de reclusão.
O artigo de Manuel e Soeiro (2010) centra-se nos incidentes críticos em
contexto de trabalho da investigação criminal na Polícia Judiciária, visando
caracterizar os incidentes críticos, os sintomas vivenciados pelos
profissionais e delinear uma intervenção concertada. As autoras sugerem algumas
mudanças no sentido de minimizar os efeitos dos incidentes críticos.
Gonçalo e colegas (2010) comparam a experiência de stresse ocupacional em dois
grupos de segurança portugueses: um grupo a exercer em contexto público, e
outro grupo a exercer em contexto prisional. Os resultados evidenciam que os
profissionais de segurança prisional apresentam experiências profissionais mais
negativas, nomeadamente maiores níveis de burnout "do que o outro grupo
em análise.
O artigo de Almeida e Soeiro (2010) centra-se na adaptação da Avaliação de
Risco de Violência Conjugal - Versão para Polícias para a população
portuguesa, identificando os factores que estão associados ao risco
reincidência da violência.
O artigo de Costa e Pinho (2010) coloca o enfoque na relevância do estudo da
sugestionabilidade no contexto forense, demonstrando que a exactidão e a
integridade dos depoimentos das testemunhas detêm uma importância crucial para
o apuramento do sucedido. Para a psicologia forense esta questão ganha ainda
maior peso quando a testemunha é uma criança. Os resultados revelam que
variáveis de natureza cognitiva e psicossociológica são determinantes na
análise da sugestionabilidade interrogativa em crianças.
O artigo de Simões e colegas (2010) enfatiza a possibilidade de desempenhos
enganosos ou fraudulentos em contexto de exame neuropsicológico forense,
evidenciando a importância de testes adequados para a análise de simulaçãoe
esforço insuficientenos protocolos de avaliação, propondo o Rey 15-Item Memory
Test(15-IMT). Os autores mostram a aplicabilidade deste teste consoante as
características dos grupos de participantes.
Soeiro e Gonçalves (2010) analisam o conceito de psicopatia, considerando as
principais questões que se colocam na sua relação com o estudo do comportamento
criminal. Os autores, a partir de alguns indicadores discutem o seu impacto,
quer em termos teóricos quer empíricos.
Maria Gouveia-Pereira
Isabel Correia