Sugestionabilidade interrogativa em crianças de 8 e 9 anos de idade
Sugestionabilidade interrogativa em crianças de 8 e 9 anos de idade
André Costa (*), Maria Salomé Pinho (*)
INTRODUÇÃO
O estudo aprofundado da sugestionabilidade, que remonta a Binet (e.g., Melnyk,
Crossman, & Scullin, 2007), reveste-se de grande preponderância no contexto
forense, uma vez que neste a exactidão e a integridade dos depoimentos das
testemunhas detêm, em muitos casos, uma importância crucial para o apuramento
do sucedido. Deste modo, considera-se necessário perceber quais os efeitos que
uma questão sugestiva pode surtir nas respostas das pessoas quando interrogadas
sobre um acontecimento (Ceci, Bruck, & Battin, 2000). No que concerne às
crianças, este tema é especialmente relevante, uma vez que sempre que estas são
chamadas a participar em contexto judicial é, frequentemente, colocada em causa
a precisão e fidedignidade do seu testemunho. É também de sublinhar que
decorrem consequências importantes, nomeadamente para as crianças e para os
suspeitos de transgressão, dos conhecimentos que possuímos acerca da capacidade
das crianças para contar, em contexto forense, o que aconteceu (Pipe &
Salmon, 2009).
A sugestionabilidade infantil refere-se à fidedignidade e precisão dos relatos
das crianças face a acontecimentos experienciados ou por si testemunhados (Ceci
& Friedman, 2000; Lyon, 1999; Newcombe & Siegal, 1996).
Especificamente, Gudjonsson e Clark (1986, citado em Gudjonsson, 1997) definem
a sugestionabilidade interrogativa nos seguintes termos: "até que ponto,
numa interacção social fechada, as pessoas tendem a aceitar mensagens
difundidas durante um interrogatório formal que afectam, consequentemente, a
sua resposta comportamental" (p. 1). Nesta definição existem algumas
características fundamentais que devem ser observadas, designadamente: (i) a
existência de uma interacção social próxima entre o entrevistador e o
entrevistado, (ii) um processo de colocação de perguntas, (iii) estímulos
sugestivos, (iv) aquiescência à sugestão e (v) uma resposta comportamental face
à sugestão.
Este modelo de sugestionabilidade interrogativa constitui uma abordagem
psicossocial. Assim, os referidos autores partem da ideia segundo a qual este
tipo de sugestionabilidade resulta da construção decorrente da relação
estabelecida entre o sujeito, o meio e outros sujeitos significativos que
pertencem ao mesmo meio (Gudjonsson, 1997). É defendida a existência de três
pré-requisitos essenciais para a aquiescência à sugestão, nomeadamente, a
incerteza, as expectativas e a confiança interpessoal (Conti, 1999; Gudjonsson,
1997; Schooler & Loftus, 1986). Desta forma, a sugestionabilidade está
relaciononada com as estratégias de copinga que os sujeitos recorrem perante
situações de incerteza e nas quais se confrontam com expectativas relativamente
à situação de interrogatório (Conti, 1999; Trowbridge, 2003). À confiança
interpessoal está subjacente a credibilidade da informação fornecida por outrem
e que poderá levar à integração dessa informação pós-acontecimento na memória
(Scullin & Ceci, 2001). Pelo exposto, de acordo com este referencial
teórico, a sugestionabilidade será tanto mais elevada quanto maior for o grau
de incerteza, a confiança inter-pessoal e as expectativas face à situação de
interrogatório.
Um outro aspecto a ter em consideração no modelo de sugestionabilidade
interrogativa remete para o feedbackfornecido pelos entrevistadores
(Gudjonsson, 1997; Nurmoja, 2005), ou seja, para a informação veiculada acerca
das respostas do sujeito. Esta assume-se como um elemento crucial, na medida em
que reforça ou conduz à modificação das respostas do entrevistado, podendo
apresentar duas valências distintas: feedbackpositivo e feedbacknegativo.
Gudjonsson (1989, 1997) e Nurmoja (2005) destacam a influência do
feedbacknegativo que, tendencialmente, se encontra associado a um aumento da
aquiescência à sugestão. Por exemplo, no Bonn Test Statement Suggestibility
(BTSS) o feedbacknegativo está patente na repetição das questões já colocadas
em que se recorre a expressões como 'Ouve a pergunta com atenção'
ou 'Tens a certeza?'.
Há ainda a acrescentar mais duas vertentes da sugestionabilidade relevantes no
contexto forense e contempladas nas Gudjonsson Suggestibility Scales(GSS)
(Gudjonsson, 1997), assim como no BTSS (Endres, 1997). A primeira remete para o
impacto que uma questão sugestiva pode ter sobre a testemunha e, por seu turno,
a segunda diz respeito ao limiar a partir do qual o feedbacknegativo ou a
pressão social leva à mudança de uma resposta dada anteriormente (Gudjonsson,
1997).
Diferenças individuais na sugestionabilidade
As diferenças individuais das crianças relativamente à sugestionabilidade
assumem especial relevância no contexto forense, conforme referido por Ornstein
(citado em Chae & Ceci, 2006). Este autor afirma que a compreensão de tais
diferenças é uma pedra basilar na estruturação de entrevistas. Assim, estas
últimas devem contemplar a variabilidade das capacidades de cada criança,
procurando favorecer a recuperação mnésica e minimizar o impacto negativo de
perguntas sugestivas que possam conduzir a distorções da memória.
Em diversos estudos procurou-se compreender a preponderância de determinadas
variáveis no que diz respeito aos testemunhos oculares infantis. Porém, os
resultados obtidos têm sido frequentemente incongruentes, o que denuncia também
o largo espectro de temáticas a explorar (Chae & Ceci, 2006; Cunha,
Albuquerque, & Freire, 2007). No presente trabalho, será dado destaque à
influência das variáveis género, idade, inteligência, memória, ansiedade geral
e desejabilidade social na sugestionabilidade infantil.
Os investigadores têm averiguado as relações entre sugestionabilidade e idade
existindo, a este nível, duas posições antagónicas. Alguns observaram que os
níveis de sugestionabilidade são mais elevados em crianças de idade pré-escolar
tendendo a diminuir com o avanço da idade. Deste modo, os adultos seriam menos
sugestionáveis do que os adolescentes e estes menos sugestionáveis do que as
crianças (Bruck & Ceci, 1999; Nurmoja, 2005). Porém, outros investigadores
verificaram o oposto (e.g., Duncan, Whitney, & Kunen, 1982).
Descrevem-se, seguidamente, ainda que de uma forma breve, alguns destes estudos
tornando patente diferenças entre eles, no que diz respeito às amostras e aos
procedimentos.
Clarke-Stewart, Malloy, e Allhusen (2004) apontam a variável idade como um
preditor fiável da sugestionabilidade, pelo menos no que concerne a crianças
com idades compreendidas entre os três e os oito anos, no sentido em que
maiores níveis de sugestionabilidade estariam associados às crianças mais
novas. Resultados concordantes com estes foram encontrados nos estudos de
Burgwyn-Bailes, Baker-Ward, Gordon, e Ornstein (2001) e Geddie, Fradin, e Beer
(2000) também com crianças pertencentes à mesma faixa etária. Em crianças cujas
idades se situavam entre os seis e os dezasseis anos (Ceci & Bruck, 1993) e
entre os quatro e os doze anos (Bruck, Ceci, & Hembrooke, 1998) os
resultados obtidos vão também no sentido de que a sugestionabilidade seria
maior nas crianças mais novas. No estudo de Bruck, Ceci, e Hembrooke (1998) é
sublinhado que o desempenho mnésico mais baixo nas crianças mais novas estaria
associado à maior sugestionabilidade destas.
Resultados não concordantes com o acima descrito podem ser encontrados em
estudos realizados por Duncan, Whitney, e Kunen (1982), Flin, Boon, Knox, e
Bull (1992, citado em Baddeley, 1999) ou Finnila, Mahlberg, Santilla,
Sandnabba, e Niemi (2003), entre outros. Nestes estudos, as faixas etárias
abrangidas diferem, pois incluem a comparação com adultos (Duncan et al., 1982;
Flin et al.,1992, citado em Baddeley, 1999) e apresentam descontinuidades
etárias (comparação entre sete, nove, onze anos e adultos; seis, nove anos e
adultos; quatro-cinco e sete-oito anos, respectivamente). Além disso, o
intervalo de retenção varia (mais longo no caso do estudo de Flin et al., 1992,
citado em Baddeley, 1999) e a avaliação da sugestionabilidade não se baseia nas
mesmas medidas. Por exemplo, Finnila et al. (2003) usaram o BTSS tendo
verificado que o grupo de crianças mais novas respondeu mais vezes
"sim" nas questões Sim/Não, sendo, por isso, mais sugestionáveis
nestas questões. Porém, nas questões repetidas verificou-se o inverso, ou seja,
foram as crianças mais velhas que modificaram mais vezes as suas respostas.
Portanto, o potencial explicativo desta variável, quando considerada de modo
isolado, é claramente insuficiente sempre que se procura estudar a
vulnerabilidade das crianças a sugestões falaciosas (Crossman, Scullin, &
Melnyk, 2004). As diferenças ao nível da sugestionabilidade não se cingem
apenas a grupos etários diferentes, pois, mesmo em crianças com idade
semelhante, o grau de precisão dos testemunhos acerca de um determinado
acontecimento é bastante díspar, o que parece sugerir a importância das
idiossincrasias de cada criança (Chae & Ceci, 2006; Nurmoja, 2005).
Uma outra variável que tem suscitado igualmente algumas divergências quanto ao
seu impacto refere-se ao género (Clarke-Stewart et al., 2004). Alguns
investigadores defendem que as raparigas são mais sugestionáveis do que os
rapazes (McFarlane, Powell, & Dudgeon, 2002; Ordi & Miguel-Tobal,
1999). Porém, Gudjonsson (1997) e Rudy e Goodman (1991) verificaram a ausência
de diferenças estatisticamente significativas na sugestionabilidade
relativamente ao género. Young, Powell, e Dudgeon (2003) consideram que a
discrepância destes resultados pode radicar no uso de diferentes medidas de
sugestionabilidade e numa maior heterogeneidade das amostras utilizadas. Por
outro lado, Tredoux, Meissner, Malpass, e Zimmerman (2004) apontam que as
diferenças obtidas no que respeita ao género podem dever-se ao tipo de
informação envolvida (e.g., descrever o vestuário, mais frequente entre o
género feminino; descrever o tipo de arma, mais comum entre o género
masculino). Ainda Young, Powell, e Dudgeon (2003) asseveraram que o género não
se encontra correlacionado com a sugestionabilidade, pelo que, não constitui um
bom preditor da aquiescência à sugestão.
Uma outra variável referida na literatura, como estando relacionada com a
sugestionabilidade, é a inteligência. Esta tem sido indicada como um possível
preditor da sugestionabilidade infantil considerando-se que as crianças tidas
como mais inteligentes seriam mais resistentes à sugestão (Clarke-Stewart et
al., 2004; Melnick, Crossman, & Scullin, 2007).
Vários resultados têm apontado a existência de uma relação negativa entre estas
duas variáveis (Bruck, Ceci, & Melnyk, 1997; Chae & Ceci, 2005).
Gudjonsson (2002) indica duas razões que justificam a natureza desta relação.
Por um lado, considera-se que a sugestionabilidade se encontra associada à
incerteza que, por sua vez, se encontra também relacionada com a memória (maior
incerteza quando o traço mnésico se encontra enfraquecido), a qual se espera
que se correlacione positiva e significativamente com a inteligência. Por outro
lado, o modelo de sugestionabilidade interrogativa baseia-se na ideia de que as
estratégias de copingpara lidar com as expectativas e a incerteza são elementos
fundamentais para a aquiescência/ /resistência à sugestão, daí que as crianças
com níveis inferiores de inteligência possam recorrer a estratégias de
copingmais rudimentares numa situação de interrogatório (situação não
familiar), pelo que seriam mais sugestionáveis.
Neste contexto alguns autores recorrem a medidas verbais, enquanto outros
utilizam medidas não verbais para avaliar a inteligência (Chae & Ceci,
2005, 2006). Relativamente à relação entre medidas de inteligência não verbal e
sugestionabilidade, os resultados dos estudos também têm primado pela
inconsistência (Chae & Ceci, 2005). No que concerne à inteligência verbal,
alguns investigadores observaram que à medida que se assiste a uma diminuição
das pontuações obtidas na escala total de QI, ou somente no QI verbal, maior
será a aquiescência face a informações sugestivas (Geddie, Fradin, & Beer,
2000; Young, Powell, & Dudgeon, 2003). Eisen, Qin, Goodman, e Davies (2002)
defendem que a inteligência verbal é, provavelmente, um melhor preditor da
sugestionabilidade do que a inteligência não verbal. Esta ideia foi apoiada por
Clarke-Stewart et al. (2004). Sublinhe-se ainda que uma maior heterogeneidade
numa variável permite destacar o seu valor explicativo. Nos estudos em que
foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre a
sugestionabilidade e a inteligência, existe uma grande variação no nível
intelectual dos sujeitos incluídos nas amostras (Burgwyn-Bailes et al., 2001).
Existem ainda outras variáveis relacionadas com as diferenças individuais que
poderão influenciar a sugestionabilidade (Geddie, Fradin, & Beer, 2000).
Uma delas é justamente a memória.
Foram estudadas modificações importantes no desenvolvimento que se repercutem
na capacidade das crianças para recordar (Ornstein & Haden, 2001). Partindo
da abordagem da sugestionabilidade baseada na robustez do traço mnésico,
considera-se que as recordações mais robustas seriam resistentes perante
informação falaciosa oriunda de fontes exteriores, informação essa proferida
após a ocorrência de um dado acontecimento (Quas & Schaaf, 2002). Marche e
Howe (1995), assim como Liebman, McKinley-Pace, Leonard, Sheesley, Gallant,
Renkey, e Lehman (2002), partilham esta ideia ao defenderem a existência de uma
correlação negativa entre a memória das crianças e a sugestionabilidade, isto
é, as crianças que tendem a ter dificuldade em recordar com precisão um
acontecimento são mais facilmente sugestionáveis. Acresce ainda que se a
codificação mnésica de um dado acontecimento começar a sofrer um processo de
desagregação e, por este motivo, se a sua retenção não for suficientemente
preservada, a informação de conteúdo sugestionável pode concorrer com a
representação da informação original, sendo favorecida a sua recuperação
mnésica em detrimento desta última (Ceci & Bruck, 1993; Roebers &
Schneider, 2005).
Supõe-se que a sugestionabilidade interrogativa seja significativamente mediada
pelos processos de ansiedade (Gudjonsson, 2002). Assim, tendo em consideração
os dois tipos de ansiedade - traço e estado - diversos
investigadores observaram correlações mais elevadas entre a ansiedade-estado e
a sugestionabilidade (Gudjonsson, 2002). Estes resultados são consonantes com
um dos pressupostos da psicologia cognitiva, o qual refere que a ansiedade-
estado afecta os processos cognitivos (Ridley & Clifford, 2004). Assim,
indivíduos com níveis superiores de ansiedade-estado têm um desempenho mnésico
inferior, uma vez que a preocupação com a possibilidade de falhar e com a
apresentação de uma auto-imagem negativa consome alguns recursos cognitivos
(e.g., atenção), comprometendo, deste modo, a codificação e a recuperação
mnésicas (Eysenck, 2002).
Mas, Gudjonsson, Rutter, e Clare (1995 citados em Wolfradt & Meyer, 1998)
encontraram correlações mais consistentes entre sugestionabilidade e ansiedade-
traço do que entre sugestionabilidade e ansiedade-estado. Por seu turno,
Wolfradt e Meyer (1998) e Ordi e Miguel-Tobal (1999) observaram correlações
positivas e significativas com ambos os tipos de ansiedade. Sabe-se que os
sujeitos mais sugestionáveis tendem a apresentar níveis superiores de
ansiedade, percebendo, assim, as situações quotidianas como mais ameaçadoras,
quando comparados com sujeitos classificados como menos sugestionáveis.
Também a desejabilidade social tem sido uma variável estudada como podendo
estar relacionada com a sugestionabilidade. A desejabilidade social refere-se à
tendência para as pessoas fornecerem respostas falaciosas com o intuito de
darem uma imagem positiva e culturalmente aceite, evitando a crítica em
situação de teste (Richman, Kiesler, Weisband, & Drasgow, 1999).
Warren, Hulse-Trotter, e Tubbles (1991) sublinharam a importância dos factores
sociais na sugestionabilidade, referindo que a sua influência é mais premente
na infância do que na adultez. Partindo deste pressuposto, Ceci e Bruck (1993)
referem que as crianças, muitas vezes, tendem a emitir respostas concordantes
com as expectativas que têm relativamente ao entrevistador. Assim, emitem a
resposta que pensam que este espera e não aquela que é consistente com o seu
conhecimento acerca de um dado acontecimento. Esta situação ocorre tanto em
interrogatórios com questões indutoras, como em entrevistas repetidas (Bruck
& Ceci, 1999). Quas, Goodman, Ghetti, Redlich, Edelstein, Alexander, et al.
(2005, citados em Goodman & Quas, 2008) sublinham que, sob pressão social,
as idiossincrasias de cada criança podem conduzir à modificação das suas
respostas face a questões repetidas.
Com o presente estudo pretendeu-se analisar a influência das variáveis, idade,
memória, ansiedade geral, inteligência e desejabilidade social na
sugestionabilidade interrogativa avaliada com o BTSS. Foram colocadas as
seguintes hipóteses: (i) observação de diferenças estatisticamente
significativas relativamente à sugestionabilidade total em função da idade,
sendo que as crianças mais novas seriam mais sugestionáveis quando comparadas
com as crianças mais velhas; (ii) existência de uma relação positiva e
significativa entre o valor da sugestionabilidade total e a variável ansiedade
geral em ambas as idades, i.e., crianças mais ansiosas apresentariam valores
mais elevados de sugestionabilidade total; (iii) observação de uma relação
positiva e significativa entre o valor da sugestionabilidade total e a variável
desejabilidade social em ambas as idades, i.e., crianças com maior
desejabilidade social teriam valores mais elevados de sugestionabilidade total;
e (iv) manifestação de uma relação negativa e significativa entre o valor da
sugestionabilidade total e as variáveis inteligência e memória em ambas as
idades, i.e., crianças com desempenhos mais baixos nestes domínios cognitivos
apresentariam valores mais elevados de sugestionabilidade total.
MÉTODO
Participantes
O estudo da influência das variáveis memória e inteligência não verbal incidiu
sobre 145 crianças, 74 do género masculino (51.0%) e 71 do género feminino
(49.0%). Destas crianças, 68 tinham 8 anos e as restantes 77 tinham 9 anos. O
estudo da influência das variáveis inteligência verbal, ansiedade geral e
desejabilidade social na sugestionabilidade incluiu apenas 74 crianças das 145
já referidas, das quais 36 do sexo masculino (48.6%) e 38 do sexo feminino
(51.4%). Nesta subamostra, 35 crianças tinham 8 anos e 39 crianças 9 anos.
Instrumentos
A recolha de dados foi efectuada com os instrumentos a seguir descritos.
O Bonn Test of Statement Suggestibility(BTSS; Endres, 1997; tradução, adaptação
e validação de Costa, 2008) é um instrumento destinado a medir a
sugestionabilidade interrogativa em crianças. Consta de uma história, dividida
em cinquenta unidades de cotação, e de trinta e uma questões definidas de
acordo com quatro classes: distractivas, sim/não, alternativas e repetidas. As
questões distractivas não são contempladas na análise dos resultados, uma vez
que servem, apenas, para que as crianças acreditem tratar-se de um teste de
memória relativo à história apresentada. As questões sim/não apresentam factos
erróneos podendo sugerir uma resposta afirmativa, quando na verdade a resposta
correcta é negativa. As questões alternativas apresentam duas possibilidades de
resposta, ambas erradas enquanto as questões repetidas, tal como o próprio nome
indica, consistem na repetição de perguntas anteriormente formuladas (sim/não
ou alternativas), mas a sua formulação inclui elementos que levam a sugerir que
a resposta dada anteriormente estava errada. Inicialmente é dito à criança que
lhe vai ser contada uma história e simultaneamente são-lhe mostradas figuras
que surgem no momento adequado. Segue-se um intervalo de cerca de quinze
minutos ocupado com outras tarefas não interferentes e, por último, são
colocadas as trinta e uma questões sobre a história.
Este instrumento permite então avaliar a memória (evocação imediata da história
cujo resultado máximo são cinquenta pontos) e a sugestionabilidade total
(resultado que varia entre zero e vinte e cinco pontos). São ainda consideradas
as pontuações nos componentes "Alternativas" (questões 6, 7, 13,
17, 20, 24 e 26; pontuação que varia entre zero e sete pontos), "Sim/
Não" (questões 3, 9, 14, 19, 27, 29 e 30; resultado que varia entre zero
e sete pontos) e "Repetidas" (questões 10, 12, 15, 18, 21 e 28;
valor que varia entre zero e seis pontos). Os cinco itens que não saturam em
nenhum dos componentes são incluídos no cálculo da sugestionabilidade total,
dado serem considerados relevantes para avaliar a sugestionabilidade
interrogativa em crianças.
As Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR; aferição portuguesa de
Simões, 1994/2000) permitem avaliar a inteligência não verbal. Neste
instrumento, constituído por três séries (A, AB e B), as crianças têm de
seleccionar uma resposta, entre várias opções, de modo a completarem a
sequência lógica dos padrões apresentados.
Para analisar a inteligência verbal, recorreu-se a quatro subtestes verbais da
Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças - 3ª edição (WISC-III;
Wechsler, 1991/2003): informação, semelhanças, vocabulário e aritmética. Os
três primeiros subtestes saturam no factor "Compreensão verbal". A
escolha do subteste Aritmética em detrimento da Compreensão radica no facto de
ser considerado melhor indicador da inteligência.
A avaliação das variáveis ansiedade geral e desejabilidade social foi feita com
a administração da Escala Revista de Ansiedade Manifesta para Crianças (RCMAS;
Reynolds & Richmond, 1978; tradução e adaptação de Fonseca, 1992). Trata-se
de um instrumento que visa avaliar a presença ou ausência de sintomatologia
ansiosa. Contrariamente ao que acontece com a versão original, na qual foram
identificadas três sub-escalas, no estudo efectuado por Fonseca (1992), a
análise factorial revelou apenas dois factores: ansiedade global e mentira ou
desejabilidade social. A RCMAS é constituída por trinta e sete itens e admite
apenas duas possibilidades de resposta: sim e não.
Procedimento
Após o consentimento dos presidentes dos Conselhos Executivos dos Agrupamentos
de Escolas onde se efectuou este estudo, foi explicado às professoras o
procedimento e, posteriormente, foram solicitadas autorizações aos encarregados
de educação das crianças para que estas integrassem a amostra. Todas as
crianças foram avaliadas individualmente pelo primeiro autor.
Na amostra de 145 crianças em que apenas foi estudada a influência da memória e
da inteligência não verbal na sugestionabilidade, administrou-se o BTSS e as
MPCR de acordo com a seguinte sequência: apresentação da história do BTSS
seguida imediatamente da sua evocação, MPCR e questões do BTSS. Aplicou-se
ainda, no final, o subteste vocabulário da WISC-III. A 74 crianças desse grupo
aplicaram-se também outros subtestes da WISC-III (vocabulário, aritmética,
semelhanças e informação) e a RCMAS. A ordem de administração foi a seguinte:
apresentação da história do BTSS seguida imediatamente da sua evocação, MPCR,
questões do BTSS, vocabulário, aritmética, semelhanças, informação e RCMAS. No
final, houve um espaço de diálogo com todas as crianças, a fim de se responder
às perguntas por estas colocadas.
RESULTADOS
Apresentam-se, em seguida, os resultados das análises relativas ao género,
idade, ansiedade geral, desejabilidade social, memória e inteligência no que
diz respeito à sugestionabilidade.
Diferenças de género
Começou-se por analisar as diferenças relativamente à sugestionabilidade total
tendo em conta o género (M=13.85, DP=3.92 e M=13.92, DP=3.97, raparigas e
rapazes, respectivamente) tendo-se verificado que estas não eram
significativas, t(143)=-.11, p=.91. O mesmo sucedeu considerando os três
componentes do BTSS (componentes 'Repetidas',
'Alternativas' e 'Sim/Não').
Diferenças de idade
Os resultados obtidos com a sugestionabilidade total revelaram que, em
comparação com as crianças de 8 anos de idade (M=14.99, DP=3.14), as com 9 anos
(M=12.91, DP=4.31) obtiveram pontuações menos elevadas, t(143)=3.34, p=.001.
Foram ainda encontradas diferenças de idade no que diz respeito aos componentes
"Alternativas", t(143)=2.20, p=.030 com M=5.37, DP=1.43 e M=4.79 e
DP=1.69, respectivamente 8 e 9 anos, e "Sim/Não", t(143)=3.63,
p<.001 com M=4.38, DP=1.62 e M=3.31 e DP=1.90, respectivamente 8 e 9 anos.
A respeito de outras variáveis estudadas, verificou-se que as crianças com 9
anos obtiveram pontuações mais elevadas, sendo estas estatisticamente
significativas, nas variáveis memória, t(143)=-3.08, p=.002 com M=19.93,
DP=6.12 e M=23.04 e DP=6.03, respectivamente 8 e 9 anos, vocabulário t(143)=-
4.45, p<.001 com M=13.46, DP=4.05 e M=16.81 e DP=4.90, respectivamente 8 e 9
anos, QI verbal t(72)=-3.07, p=.003 com M=85.66, DP=14.20 e M=96.03 e DP=14.80,
respectivamente 8 e 9 anos, aritmética t(72)=-5.29, p<.001 com M=9.74, DP=2.63
e M=13.03 e DP=2.70, respectivamente, 8 e 9 anos, informação, t(72)=-4.52,
p<.001 com M=8.86, DP=2.75 e M=11.82 e DP=2.87, respectivamente 8 e 9 anos,
semelhanças t(72)=-6.27, p<.001 com M=5.37, DP=2.62 e M=9.95 e DP=3.53,
respectivamente, 8 e 9 anos, e pontuações mais baixas na desejabilidade social
t(72)=2.37, p=.021 com M=4.83, DP=1.44 e M=3.79 e DP=2.26, respectivamente 8 e
9 anos.
Com o intuito de se averiguar a existência de efeitos de interacção entre a
idade e cada uma das variáveis em estudo (memória, inteligência, ansiedade
geral e desejabilidade social) relativamente à sugestionabilidade, também se
recorreu a MANOVAs, não se tendo obtido nenhum efeito de interacção
significativo.
Diferenças de ansiedade geral e de desejabilidade social
Para analisar os resultados respeitantes à ansiedade gerale à desejabilidade
social, cada grupo etário foi subdividido tomando-se como referência o valor da
mediana. Passou-se então a considerar dois subgrupos participantes com
ansiedade geral superior e inferior à mediana e participantes com
desejabilidade social superior e inferior à mediana. Os desempenhos destes
subgrupos são apresentados nos Quadros 1 e 2.
QUADRO 1
Diferenças relativas à sugestionabilidade total em função do nível de ansiedade
geral de cada grupo etário
QUADRO 2
Diferenças relativas à sugestionabilidade total em função do nível de
desejabilidade social de cada grupo etário
Conforme se pode verificar no Quadro 1, no que concerne aos resultados obtidos
na sugestionabilidade total, estes não foram estatisticamente significativos
(embora as crianças de 8 anos mais ansiosas tenham alcançado resultados
superiores).
Pela análise do Quadro 2 constata-se que, contrariamente ao que aconteceu com
as crianças de 8 anos, obtiveram-se diferenças estatisticamente significativas
entre o nível de desejabilidade social na sugestionabilidade total nas crianças
mais velhas. Assim, as crianças de 9 anos que apresentaram valores mais
elevados de desejabilidade social foram também as mais sugestionáveis. Quanto
aos componentes que constituem a escala total do BTSS, concluiu-se que apenas
foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os níveis de
desejabilidade social para "Alternativas", t(37)=2.04, p=.048 com
M=4.95, DP=1.69 e M=3.83 e DP=1.72, respectivamente, grupos desejabilidade
social superior e inferior à mediana da amostra e para "Sim/Não", t
(28.881)=2.70, p=.012 com M=3.67, DP=2.29 e M=2.17 e DP=1.04, respectivamente,
grupo de desejabilidade social superior e inferior à mediana.
Diferenças de memória e inteligência
À semelhança do referido para a análise da ansiedade e desejabilidade social,
os resultados obtidos, por ambos os grupos etários, no que diz respeito à
memória e à inteligência foram subdivididos considerando o valor da mediana.
Exceptuou-se o caso da inteligência não verbal, em que foi considerado o valor
do percentil 50, uma vez que as normas das MPCR são apresentadas em percentis.
Nos Quadros 3 e 4 encontram-se os valores da sugestionabilidade total
considerando a memória e a inteligência, respectivamente.
QUADRO 3
Diferenças relativas à sugestionabilidade total em função do nível de
desempenho mnésico alcançado por grupo etário
QUADRO 4
Diferenças relativas à sugestionabilidade total em função do nível de
desempenho obtido nos testes de inteligência por grupo etário
A partir do Quadro 3 conclui-se que as crianças de 8 e 9 anos com melhores
desempenhos mnésicos foram significativamente menos sugestionadas quando
comparadas com as crianças com desempenhos mnésicos inferiores. Fazendo uma
análise por componentes do BTSS, verificou-se que nas crianças de 8 anos,
apenas para o componente "Alternativas" foram encontradas
diferenças com significância estatística entre os grupos [t(58.472)=-2.46,
p=.017 com M=4.97, DP=1.64 e M=5.79, DP=1.05, respectivamente, grupos memória
superior e inferior à mediana da amostra]. No que diz respeito às crianças com
9 anos, constatou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas
entre a memória e todos os componentes: "Repetidas" [t(75)=-3.23,
p=.002 com M=2.74, DP=1.73 e M=4.03, DP=1.76, respectivamente, grupos memória
superior e inferior à mediana da amostra], "Alternativas" [t(75)=-
2.65, p=.010 com M=4.31, DP=1.67 e M=5.29, DP=1.58, respectivamente, grupos
memória superior e inferior à mediana da amostra] e "Sim/Não" [t
(75)=-4.44, p<.001 com M=2.46, DP=1.73 e M=4.18, DP=1.67, respectivamente,
grupos memória superior e inferior à mediana da amostra].
Da análise do Quadro 4 verifica-se que as crianças de 8 anos com melhores
desempenhos na prova de inteligência não verbal (MPCR), diferentemente do que
sucedeu nos subtestes associados ao QI verbal, foram menos sugestionadas quando
comparadas com as crianças com desempenhos inferiores. Quanto aos resultados
obtidos para os diferentes componentes do BTSS, apenas para a inteligência não
verbal e o componente "Alternativas" foi encontrada significância
estatística: t(66)=-2.09, p=.041 (com M=5.05, DP=1.58 e M=5.77, DP=1.14,
respectivamente grupo situado no percentil superior e grupo correspondente ao
percentil inferior).
Ainda atendendo ao Quadro 4, as crianças de 9 anos de idade que obtiveram
resultados mais elevados ao nível da sugestionabilidade foram aquelas com
desempenhos inferiores relativamente à inteligência verbal e inteligência não
verbal. No que concerne aos componentes do BTSS, verificou-se que para a
inteligência não verbal apenas se encontrou significância estatística nos
componentes "Repetidas" [t(75)=-2.60, p=.011 com M=2.91, DP=1.93 e
M=3.97, DP=1.59, respectivamente, grupo situado no percentil superior e grupo
correspondente ao percentil inferior] e "Sim/Não" [t(75)=-2.69,
p=.009 com M=2.81, DP=1.68 e M=3.94, DP=2.00, respectivamente, grupo situado no
percentil superior e grupo correspondente ao percentil inferior]. Por sua vez,
diferenças no QI verbal manifestaram-se estatisticamente significativas somente
para o componente "Repetidas" [t(37)=-2.99, p=.005 com M=3.95,
DP=1.72 e M=2.30, DP=1.72, grupos QI verbal inferior e QI verbal superior,
respectivamente].
Correlações entre as variáveis em estudo
Nos Quadros 5 (para os 8 anos) e 6 (para os 9 anos) apresentam-se apenas os
valores de correlação estatisticamente significativos observados entre as
medidas de sugestionabilidade entre si e destas com as restantes variáveis
estudadas.
Conforme se pode verificar no Quadro 5, respeitante aos resultados das crianças
com 8 anos de idade, foram encontrados valores de correlação negativos
significativos e baixos da memória (evocação imediata da história do BTSS) com
a sugestionabilidade total e com os componentes "Alternativas" e
"Sim/Não" do BTSS. Relativamente à inteligência, os resultados
obtidos nos subtestes verbais (vocabulário e arimética) e nas MPCR e o
resultado sugestionabilidade total apresentaram-se correlacionados
negativamente de forma significativa variando entre valores baixos a moderado.
No que diz respeito aos componentes do BTSS, o mesmo tipo de relação foi
observado entre os seguintes resultados: MPCR e componente
"Repetidas", vocabulário e componente "Alternativas",
QI verbal, vocabulário e informação e componente "Sim/Não" tendo os
valores de correlação variado entre baixo e moderado.
A inspecção do Quadro 6, relativo aos resultados das crianças com 9 anos,
confirma a existência de correlações positivas significativas e moderadas entre
a desejabilidade social e a sugestionabilidade total e o componente "Sim/
Não". No que diz respeito à relação entre a sugestionabilidade total e os
componentes do BTSS e a evocação da história, salienta-se que estas foram
negativas e estatisticamente significativas, sendo moderada quando nos
referimos ao total da sugestionabilidade e baixas no que diz respeito aos três
componentes do BTSS.
QUADRO 5
Matriz de correlações para as crianças de oito anos
QUADRO 6
Matriz de correlações para as crianças de nove anos
No que concerne às crianças com 9 anos de idade, verificou-se que as
correlações encontradas entre as variáveis QI verbal, subtestes vocabulário,
aritmética, informação, inteligência não verbal e sugestionabilidade total
foram todas negativas e significativas com valores classificados entre baixo e
moderado. Revelou-se estatisticamente significativa a correlação da variável QI
verbal, vocabulário e inteligência não verbal com o componente
"Repetidas"; aritmética com o componente
"Alternativas"; e vocabulário, aritmética e inteligência não verbal
com o componente "Sim/Não".
DISCUSSÃO
No presente estudo não foi encontrada significância estatística relativamente
ao género no que diz respeito à sugestionabilidade avaliada pelo BTSS (quer no
resultado total quer nos componentes desta prova).
No que se refere à idade das crianças, foi encontrada significância estatística
na variável sugestionabilidade total (e componentes "Alternativas"
e "Sim/Não"), corroborando-se, assim, a primeira hipótese de que a
sugestionabilidade varia com a idade, i.e., as crianças mais novas (8 anos de
idade) revelaram-se mais sugestionáveis. Este resultado é concordante com os
estudos desenvolvidos por Bruck e Ceci (1999) Candel, Merckelbach, Jelicic,
Limpeus, e Widdershoven (2004) e Nurmoja (2005). As diferenças encontradas
podem ser devidas a aspectos desenvolvimentais. O facto das crianças de 9 anos
apresentarem resultados inferiores nos componentes Sim/Não" e
"Alternativas" e na sugestionabilidade total pode ser devido a um
maior grau de desenvolvimento cognitivo, o qual aparece associado a um aumento
da velocidade de processamento e a uma maior capacidade mnésica. Os resultados
do presente estudo revelaram que as crianças mais velhas tinham pontuações
superiores na memória e QI verbal. O aumento gradual da velocidade de
processamento ao longo da idade possibilita a existência de mecanismos
elaborados e complexos de cognição, bem como uma maior capacidade de reter,
processar e recordar a informação (Flavell, Miller, & Miller, 1993;
Papalia, Olds, & Feldman, 2001).
A não observação de diferenças estatisticamente significativas entre os dois
grupos etários no componente "Repetidas" poderá ser devida a uma
conjugação de factores, conforme preconizado pelo modelo proposto por
Gudjonsson e Clark, em 1986. O efeito do processo de feedbacknegativo
(Gudjonsson, 1989, 1997; Nurmoja, 2005) e factores como a incerteza, as
expectativas e a confiança interpessoal (Conti, 1999; Gudjonsson, 1997;
Schooler & Loftus, 1986) poderão ter levado as crianças de ambos os níveis
etários a interpretar a colocação de questões repetidas como indicação de que
anteriormente teriam dado respostas incorrectas. Se, por um lado, o processo de
feedbacknegativo pode gerar incerteza que surge associada às expectativas e à
confiança interpessoal, conduzindo, deste modo, à aquiescência face a
sugestões, por outro, de acordo com as regras da conversação, a repetição de
perguntas poderá sobretudo querer dizer, para estas crianças, que antes não
tinham respondido correctamente.
Não se encontraram diferenças na sugestionabilidade total (nem em qualquer dos
componentes do BTSS) que alcançassem significância estatística no que respeita
ao nível de ansiedade geral, tanto para as crianças de 8 como de 9 anos de
idade. Apesar de terem sido obtidas correlações positivas entre estas duas
variáveis, tal como no estudo de Ordi e Miguel-Tobal (1999), os seus valores
não se revelaram estatisticamente significativos. Os resultados da investigação
de Gudjonsson, Rutter, e Clare (1995, citados em Wolfradt & Meyer, 1998)
divergiram dos resultados obtidos no presente estudo. Uma possível explicação
para esta discrepância poderá estar relacionada, por um lado, com o facto dos
itens que compõem a RCMAS, dada a sua formulação, poderem afectar a sua
compreensão pelas crianças e, por outro, com a natureza dicotómica da escala de
resposta (sim e não), que impele as crianças a optar por uma alternativa em
situações de eventual indecisão. Assim, a segunda hipótese colocada sobre a
influência da ansiedade geral no grau de sugestionabilidade não foi corroborada
neste estudo.
Da análise da influência do nível de desejabilidade social sobre a
sugestionabilidade (valor total e nos três componentes do BTSS), averiguou-se
que não foram encontradas quaisquer diferenças estatisticamente significativas
nas crianças com 8 anos de idade. Para as crianças com 9 anos de idade,
relativamente à desejabilidade social, deparámo-nos com diferenças
significativas estatisticamente para a escala total, "Alternativas"
e "Sim/Não". Observaram-se ainda, com estas crianças, valores de
correlação estatisticamente significativos entre desejabilidade social e
sugestionabilidade (escala total e componente "Sim/Não"), indo ao
encontro dos resultados obtidos por Warren, Hulse-Trotter, e Tubbles (1991).
Uma vez que a terceira hipótese deste estudo se refere a ambas as idades,
conclui-se que tal hipótese não foi corroborada. Se as questões do BTSS geram
incerteza e os entrevistadores são vistos como fontes credíveis, as crianças de
9 anos poderão ter incorporado a sugestão contida nas questões se consideraram
que é essa a resposta correcta perante as opções avançadas pelas questões
"Alternativas" ou que a resposta perante as questões "Sim/
Não" deveria ser afirmativa. Além disso, dado que a dimensão
desejabilidade social foi avaliada a partir da RCMAS, reiteram-se as limitações
já referidas acerca das opções de resposta e da complexidade da linguagem
utilizada em alguns dos itens, podendo existir algum grau de inadaptação face a
especificidades desenvolvimentais das crianças que participaram neste estudo.
Há ainda a considerar o número reduzido de itens destinados a avaliar este
construto, quando comparado com o número de itens que avaliam a ansiedade
geral. Dever-se-á também ter em conta a possibilidade de ocorrerem
enviesamentos nas respostas das crianças resultantes do modo de aplicação deste
teste (Richman, Kiesler, Weisband, & Drasgow, 1999). A RCMAS é um
instrumento de auto-resposta e no presente estudo não foi administrado como
tal, uma vez que se detectou a existência de vários itens que as crianças não
compreendiam sem ajuda.
Constatou-se a existência de diferenças significativas para a escala total do
BTSS (e o seu componente "Alternativas") quando se considerou, nas
crianças de 8 anos, o seu desempenho mnésico. No que diz respeito às crianças
com 9 anos, observou-se a existência de diferenças estatisticamente
significativas entre a memória e a escala total (e todos os componentes) do
BTSS. Estes resultados estão de acordo com o que era esperado a partir da
quarta e última hipótese formulada: crianças com melhores desempenhos mnésicos
foram significativamente menos sugestionadas quando comparadas com as crianças
com desempenhos mnésicos inferiores. Verificou-se também a existência de
correlações negativas e significativas entre a memória e a sugestionabilidade
total para as crianças de ambas as idades. Estes resultados convergem com os do
estudo de Candel, Merckelbach, e Muris (2004) e com algumas conclusões de
Endres (1997) e de Finnila et al.(2003), designadamente no que se refere às
correlações negativas encontradas entre a escala total e o desempenho mnésico.
De modo análogo, foram encontrados coeficientes de correlação significativos
para a escala total e todos os componentes do BTSS com a memória, nas crianças
com 9 anos de idade, podendo afirmar-se que as crianças com melhores
desempenhos mnésicos são mais resistentes à sugestão quando comparadas com as
crianças com desempenhos mais fracos. Este resultado é apoiado pelo estudo de
Marche e Howe (1995).
Reportando-nos à variável inteligência e ainda à quarta hipótese formulada,
somente as crianças de 8 anos com melhores desempenhos na prova de inteligência
não verbal (MPCR), diferentemente do que sucedeu nos subtestes associados ao QI
verbal, foram menos sugestionadas quando comparadas com as crianças com
desempenhos inferiores. Quanto aos resultados obtidos para os diferentes
componentes do BTSS, unicamente para a inteligência não verbal e o componente
"Alternativas" foi encontrada significância estatística. A
preponderância da influência de diferenças na inteligência não verbal sobre a
sugestionabilidade, em detrimento do QI verbal, é compatível com os resultados
de Burgwyn-Bailes et al.(2001). Já as crianças de 9 anos de idade, que
obtiveram resultados mais elevados ao nível da sugestionabilidade foram aquelas
com desempenhos inferiores relativamente à inteligência verbal e inteligência
não verbal. No que concerne aos componentes do BTSS, verificou-se que para a
inteligência não verbal apenas se encontraram diferenças com significância
estatística nos componentes "Repetidas" e "Sim/Não".
Obtiveram-se correlações negativas estatisticamente significativas entre o QI
verbal e inteligência não verbal com a escala total do BTSS (e com o componente
"Repetidas") nas crianças com 9 anos. Por seu turno, para as
crianças com 8 anos de idade foram observadas correlações semelhantes, mas
apenas entre a inteligência não verbal e a referida escala (total e componente
"Repetidas"), dado este que vai ao encontro dos resultados do
estudo de Candel et al.(2000). Neste grupo etário, o QI verbal apresentou um
valor de correlação estatisticamente significativo apenas com o componente
"Sim/Não" do BTSS. Desta forma, os resultados obtidos vêm reforçar
a dificuldade em se encontrar consenso relativamente à influência que as
medidas inteligência poderão ter sobre a sugestionabilidade. Em suma, a quarta
hipótese formulada neste estudo relativamente à influência da inteligência é
genericamente corroborada, na medida em que os resultados revelaram que as
crianças de 9 anos que apresentaram melhor desempenho nos testes de
inteligência verbal e não verbal e de memória foram menos sugestionáveis,
considerando a escala total do BTSS. Estes resultados não foram observados, na
globalidade, para as crianças de 8 anos.
CONCLUSÕES
O estudo da temática da sugestionabilidade infantil revela-se valioso no âmbito
da psicologia forense, nomeadamente para o treino de profissionais que têm com
tarefa interrogar as crianças sobre a ocorrência de um acontecimento passado.
Na literatura pode-se verificar uma panóplia de resultados relativos à
influência de variáveis cognitivas e/ou psicossociais sobre a
sugestionabilidade (e.g., Chae & Ceci, 2006; Cunha, Albuquerque, &
Freire, 2007).
O presente estudo teve como principais objectivos averiguar a influência das
variáveis, idade, memória, ansiedade geral, inteligência e desejabilidade
social na sugestionabilidade interrogativa. As crianças mais novas (8 anos de
idade) revelaram-se mais sugestionáveis no BTSS. Constatou-se a existência de
relações negativas e significativas entre a sugestionabilidade e as variáveis
inteligência não verbal e memória para as crianças de 8 anos. Neste grupo
etário, as crianças com melhores desempenhos nas MPCR e na evocação da história
do BTSS foram menos sugestionáveis do que as crianças com desempenhos
inferiores nestas provas. No que diz respeito às crianças com 9 anos de idade,
encontrou-se significância estatística entre a sugestionabilidade e as
variáveis desejabilidade social (correlações positivas), inteligência verbal e
não verbal e memória (correlações negativas). De modo análogo às crianças mais
novas, as com 9 anos podiam ser consideradas tanto mais sugestionáveis quanto
mais fracos fossem os seus desempenhos nas MPCR e na evocação da história do
BTSS e ainda nos subtestes verbais da WISC-III (excepto no subteste
semelhanças). Por seu turno, nas crianças mais velhas, acresce ainda referir
que se apurou que aquelas que pontuaram mais na escala de mentira da RCMAS
foram mais sugestionáveis em comparação com as que obtiveram inferiores
pontuações nesta escala.
Em suma, neste estudo observou-se que as crianças de 8 anos são mais
sugestionáveis do que as crianças com 9 anos. As diferenças na memória e na
inteligência em crianças de 8 e 9 anos de idade são relevantes e, por isso,
devem ser tidas em consideração, quando é avaliada a sua vulnerabilidade à
sugestionabilidade interrogativa. Paralelamente, importa referir que a variável
desejabilidade social deve ser igualmente tida em conta neste contexto,
particularmente no que diz respeito a crianças de 9 anos. Assim, com crianças
deste grupo etário que apresentem níveis de pontuação inferiores em termos de
inteligência e memória e superiores no que se refere à desejabilidade social
deverão ser tidos cuidados especiais ao interrogá-las sobre um acontecimento
decorrido.
Em futuras investigações sobre a sugestionabilidade interrogativa em crianças,
seria importante contemplar amostras mais vastas e representativas, bem como o
uso de outros instrumentos de avaliação. Refira-se também a relevância do
estudo de outras variáveis psicossociais, especificamente o tipo de vinculação
e as auto-percepções. No que diz respeito ao BTSS, sugere-se a possibilidade de
admissão da resposta "não sei" às questões colocadas, na
eventualidade das crianças não terem a certeza da resposta correcta. Assim,
poder-se-ia averiguar a existência de diferenças no que diz respeito à
sugestionabilidade manifestada, não decorrentes de uma limitação inerente à
forma como as questões são colocadas.