Editorial
Editorial
Recentemente, afirmou-se na imprensa diária que Portugal publicava, por ano,
7.000 artigos científicos com significado internacional. Embora não fosse
dito qual o critério para a atribuição deste significado, sabemos que dirá
respeito à indexação das Revistas, onde os textos foram publicados, em bases de
dados (numa base de dados?) que medem o factor de impacto. Na sua grande
maioria, não serão, pois, revistas científicas nacionais nem em língua
portuguesa, mesmo que internacionais. Sem pretender reproduzir aqui a polémica
à volta das revistas de impacto que, nos últimos tempos, tem circulado entre
a comunidade académica, com denúncias de como a medição enfermará de
deficiências e enviesamentos técnicos ou de como os processos de inclusão
nessas bases pecam, muitas vezes, por falta de transparência; não pretendendo
também discorrer sobre o verdadeiro significado do impacto, não podemos
deixar de nos unir aos argumentos de um colega editor de uma revista portuguesa
que há bem pouco tempo, também no seu editorial, apelava para que o número de
revistas em língua portuguesa que integram essas bases de dados cresça.
Sabendo que a aceitação das revistas portuguesas, particularmente as da área
das Ciências Sociais, não resultará nunca de movimentos solitários, caberá,
portanto, aos governos e às suas agências de promoção e financiamento da
ciência um papel activo nesse alargamento. Mas cabe-lhes antes de tudo assumir
o valor internacional das bases de que são patrocinadores, por exemplo, as
bases hispano-americanas Latindex, Redalyc, Scielo, cujos critérios de
qualidade editorial e científica estão a par, ou mesmo acima, dos das bases
comerciais. No que diz respeito à Revista Portuguesa de Educação, o
significado internacional dos textos que publica é bem patente não só nos
artigos que lhe são submetidos, como nas citações que estes incluem. O número
agora disponível é disto exemplo. Entre os seus oito textos, um é do México,
cinco do Brasil e dois de Portugal. Alguns citam já textos anteriormente
publicados na RPE, sinal inequívoco da pertença dos nossos autores a uma já
muito alargada comunidade científica não exclusivamente de língua portuguesa.
Abre este número com um texto de Mariana Gaio Alves que interpela os actuais
discursos sobre a Aprendizagem ao Longo da Vida. Da análise dos sentidos que
lhe são atribuídos e das alterações que promove nas políticas educativas e
processos de educação e formação, a Autora conclui que existem poucos
elementos portadores de novidade em toda esta centralidade crescente da ideia
de aprendizagem ao longo de vida. No segundo texto, Aloísio Ruscheinsky
discute práticas e políticas no âmbito da educação e sociedades sustentáveis,
particularmente o modo como as ciências sociais podem contribuir para este
debate. O texto assume-se como uma provocação sobre a denominação, os
condicionamentos e os nexos entre educação e sociedades sustentáveis de modo a
suscitar, tanto interrogações urgentes quanto a busca por práticas sociais e
responsabilidades públicas. Segundo o Autor, o resultado almejado é apontar
controvérsias envolvidas no nexo entre atores sócio-ambientais e a constituição
de sociedade sustentável. O texto de Neusa Dal Ri e Cândido Vieitez, sobre a
pedagogia do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, desvela categorias
relativas ao funcionamento e organização de uma escola pública de que aquele
Movimento detém a posse. O estudo permite concluir que, por exemplo, o
conceito teórico-prático de democratização da escola pública transcende a
categoria formal-oficial de gestão democrática. Liliana Ferreira reflecte
sobre o trabalho dos professores e sua relação com a gestão escolar, na
perspectiva da emancipação destes trabalhadores. A Autora defende a
necessidade de os professores pensarem a educação, escola, o seu trabalho,
inicialmente, a partir de seu projeto pedagógico individual bem como os modos
para pensar mais sobre gestão democrática e democratizante nos espaços
escolares com os sujeitos que lá trabalham, e não fora desses contextos. Luís
Ávila Meléndez é o Autor do quinto texto, cujo objectivo é mostrar o valor da
participação dos actores regionais na construção de cidadanias nacionais com
matizes regionais, por meio da criação de instituições de ensino superior
privado, no sentido, também, de inverter estratégias recorrentes de ocultação
da natureza histórica de projectos de sociedade. O texto da autoria de Sílvia
Ferreira e Ana Maria Morais, sobre a natureza da ciência nos currículos de
Ciências, centra-se na mensagem do Discurso Pedagógico Oficial no que se
refere ao processo de construção da ciência, às relações intradisciplinares
entre conhecimentos científicos e metacientíficos e à forma como o Ministério
da Educação explicita aos professores as características anteriores. Os
resultados são discutidos e comparados com investigações internacionais,
realçando-se as implicações pedagógicas dos factos constatados. No penúltimo
texto, uma equipa liderada por Telma Ferraz Leal apresenta os resultados de um
estudo sobre manuais escolares, especificamente quanto às orientações
didácticas para a escrita de textos argumentativos. Das conclusões destaca-se o
facto de os manuais para as classes iniciais do Ensino Fundamental, no Brasil,
promoverem o ensino de textos argumentativos desde o início da escolarização,
apesar das actividades analisadas serem ainda escassas. Enquadradas pela
assunção dos textos como géneros, as propostas identificadas elegem a
actividade de escrita tanto com finalidades escolares como não-escolares. No
último texto, Rita Marchi discute a existência do oficio de aluno e do
oficio de criança no quadro complexo das relações entre paradigmas: o da
Sociologia da Educação e o da Sociologia da Infância que, rompendo com o
anterior, institui como seus elementos nucleares o princípio da construção
social da infância, o da criança-ator e a reivindicação da autonomia conceitual
da infância.
Neste número contamos ainda com uma nota de leitura da autoria de José António
Afonso sobre duas obras de Ester Fraga Nascimento.
Na notícia de que se deu conta na abertura deste Editorial, podia ainda ler-se
que aqueles 7000 textos de significado internacional correspondem a 20 textos
por dia: 20 histórias que encerraram ali. Esperamos que as histórias que
agora damos à estampa não encerrem aqui, pelo contrário: que a história do seu
significado comece agora nas suas mãos, leitor!
Maria de Lourdes Dionísio
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
4710 Braga - Portugal
rpe@iep.uminho.pt