Genealogia dos conceitos em Educação de Adultos: Da Educação Permanente à
Aprendizagem ao Longo da Vida - Um estudo sobre os fundamentos político-
pedagógicos da prática educacional
Barros, R. (2011). Genealogia dos conceitos em Educação de Adultos: Da Educação
Permanente à Aprendizagem ao Longo da Vida ' Um estudo sobre os fundamentos
político-pedagógicos da prática educacional. Lisboa: Chiado Editora
Dora Cristina Valério de Jesus Luís
Centro Comunitário de Estoi
O livro de Rosanna Barros aqui recenseado é provido de um forte, e nunca
oculto, posicionamento político relativamente à prática educacional, em geral,
e à prática educacional de adultos, em particular, entendida esta em todas as
suas dimensões. A Autora recusa a possibilidade de existência de um olhar
despolitizado sobre os conceitos críticos e pedagógicos do campo da educação de
adultos, alertando, de forma muito sustentada, para o processo de
ressemantização política (p. 20) que, nas últimas décadas, tem atingido o
quadro crítico e conceptual deste campo, assumindo-se como defensora de uma
educação de adultos em contracorrente, em que as prioridades sejam a apologia
da democracia solidária e a transformação social em benefício de cada ser
humano e da sociedade, em geral.
A obra organiza-se em duas partes: na I Parte, são abordadas analiticamente
questões de heurística na Educação de Adultos, estabelecendo-se um mapa
(inter)nacional dos conceitos e fundamentos educacionais gerais. Nessa análise,
são definidos os conceitos de educação, formação, aprendizagem, ensino e
desenvolvimento como sendo nucleares na área global da educação e estabelece-se
entre eles ordens de relação preferenciais que foram conceptualmente
contextualizadas a bem da clarificação do conceito de educação de adultos, até
porque os conceitos servem a comunicação (p. 21). No que se refere à
educação de adultos, em particular, os conceitos centrais são os de adulto/
adultez, experiencial, formal, não formal e informal.
O argumento, nesta I Parte, reclama a metamorfose discursiva, a flutuação
terminológica e a insuficiente teorização (p. 40) como os principais fatores
responsáveis pela manipulação discursiva a que, defende-se, a identidade da
educação de adultos tem sido sujeita.
Na II Parte, Rosanna Barros aporta a genealogia dos conceitos em Educação de
Adultos, percorrendo e problematizando (inter)nacionalmente perspetivas
político-filosóficas estruturantes do setor. Assim, nesta obra problematiza-se
aqueles que se consideram ser os binómios conceptuais fundamentais na educação
de adultos, nomeadamente, educação permanente, sociedade da aprendizagem,
organização qualificante e aprendizagem ao longo da vida, lançando a dúvida de
que a educação cumpra atualmente a sua dupla missão de, por um lado, potenciar
o enraizamento de cada indivíduo à ordem social que o precede e, por outro,
impulsionar a transformação do indivíduo e da sociedade.
Nesta genealogia dos conceitos relembra-se que, apesar de a Educação de
Adultos, entendida na sua tridimensionalidade, ser inerente à vida do ser
humano e, por isso, a todos os tempos e a todos os espaços, a definição de um
conceito de educação de adultos' é historicamente recente, estando vinculado à
formação e ao desenvolvimento dos sistemas de educação escolar ocidental
modernos, sobretudo a partir da revolução francesa, em que os Estados abraçam a
missão de alfabetizar e formar profissionalmente as pessoas. No entanto, são as
agências organizadas da ONU, principalmente a UNESCO, que, depois da II Guerra
Mundial, sistematizam o conceito e criam as condições para que este se
constitua como um campo específico da educação, o qual virá a ser fortemente
afetado por perspectivas teóricas e disciplinares sobre as metodologias das
práticas da educação de adultos (p. 96) e por perspectivas políticas e
filosóficas sobre as ideologias dos discursos da educação de adultos (p. 96).
Assim, na obra reflete-se sobre as práticas e os discursos em educação de
adultos a partir das dimensões émica e ética, indagando sobre a relação entre o
saber e o poder neste campo, ao longo dos tempos. Centrando a sua análise nos
binómios conceptuais de educação permanente' e de aprendizagem ao longo da
vida', Rosanna Barros apresenta-os como paradigmas educativos radicalmente
opostos ao nível das suas géneses históricas e políticas, ao nível do papel, da
missão e da intencionalidade que lhes são atribuídos, mas também ao nível da
visão do mundo que existe e do mundo que se quer que exista.
São aqui demarcadas claramente duas épocas, caracterizadas por visões político-
filosóficas diferentes: uma primeira, na última metade do século XX, a época
dourada, e que é caracterizada pela expansão mundial de práticas de educação de
adultos, de acordo com a perspetiva da educação permanente, e acompanhada por
elevados índices de crescimento económico nos países ricos. A outra época, à
qual a autora chama negra, rapidamente substitui a de ouro, e é caracterizada
pela perspetiva da aprendizagem ao longo da vida. É de salientar que as duas
perspetivas atribuem papéis e missões manifestamente contraditórias à educação
de adultos: se a primeira desabrocha enquanto tentativa de defesa do bem comum
através da edificação de uma sociedade de aprendizagem (p. 182), a segunda
afirma-se, quase de forma hegemónica do ponto de vista teórico e conceptual, no
início do século XXI, como estratégia de defesa dos interesses privados através
da estruturação de uma sociedade cognitiva (p. 182).
Esta obra fornece fundamentos aprofundados que acautelam o leitor para o facto
de a opção política por um ou por outro paradigma educativo ter implicações bem
distintas, mas igualmente sérias, na vida dos indivíduos e da sociedade:
enquanto a educação permanente é legatária de uma tradição de manancial crítico
fundado nas correntes de pensamento marxista e neo-marxista, e se eleva a
partir dos ideais democráticos e da defesa dos direitos humanos, a aprendizagem
ao longo da vida é descendente de uma tradição tecnocrática e gestionária
alicerçada na escola de pensamento funcionalista. Enquanto o paradigma da
educação permanente fornece pistas para que o ser humano se construa como
cidadão e sujeito ator do seu processo existencial, o paradigma da aprendizagem
ao longo da vida parece apenas pretender convertê-lo em objeto que sirva o
aumento da eficácia da atividade produtiva, a gestão da força de trabalho, a
prevenção da conflitualidade social e a promoção da adaptabilidade da pessoa
através do desenvolvimento de competências técnicas. Da leitura deste livro
resulta uma melhor consciência no leitor do carácter político dos conceitos que
usamos em educação e dos riscos associados à passagem do político ao técnico
num sector como o da educação de adultos (cf. p. 156-186).
Em síntese, a autora do estudo que enforma esta obra manifesta o desejo de que
a verdadeira utopia se cumpra: não é uma utopia sinónima de intangibilidade,
mas aquela que encontra o seu significado no anseio de alcançar uma sociedade
democrática e igualitária, na qual ninguém fique impossibilitado de realizar o
seu potencial humano. Nesta busca pela utopia, os construtores teórico-
pedagógicos críticos são imprescindíveis.
Ora, aceitando o repto de posicionamento político-educacional que a autora
lança aos educadores(as), gostaríamos, como autora desta recensão e como
educadora social, de sublinhar que, no nosso entender, atualmente, e devido a
toda a conjuntura política, social e económica, não podemos aceitar a educação
de adultos tecnicista que nos é proposta pelas organizações ocidentais, pois
também elas definiram os seus programas com base nas imposições dos mercados de
investimento, também elas se contentam com uma sociedade em que os insolventes
e os pobres não sejam demasiados (de acordo com os seus critérios), mas sejam
os necessários para manter o sistema a funcionar. E, assim, corremos o risco de
prepararmos as pessoas para o mercado de trabalho, mas não as prepararmos para
a vida; ensinarmos as pessoas a ler, a escrever, a dominar as tecnologias e a
competir, mas não as ensinarmos a serem solidárias, colaborativas, éticas e
sensíveis à pessoa do outro, o que terá consequências nefastas na construção de
uma sociedade que, cada vez mais, é menos igualitária, pacífica e feliz
(Freire, 1990).
Na Conclusão deste livro, Rosanna Barros afirma, com mestria e sensibilidade,
que a luta contra o neoliberalismo terá de ser feita ( ) também pela via do
simbólico, ou seja, pela reconstrução do pensamento político-pedagógico em
moldes teórico-conceptuais que contribuam colectivamente para desnaturalizar
as novas/velhas formas de opressão e desmistificar a consciência da realidade
(p. 192). Neste sentido, esta publicação é incontestavelmente um contributo
importante para todos os que se preocupam com o presente e o futuro da educação
de adultos: não só apresenta uma discussão profunda, e sustentada em
investigação científica, sobre a influência da globalização neoliberal nas
conceções educativas veiculadas por diversas organizações internacionais de
naturezas distintas, como a ONU ou a OCDE, como também questiona as
consequências a nível humano (individual e social) que daí advêm, lançando um
desafio fundamental às comunidades de práticas para que retomem os conceitos
críticos do campo como léxico de resistência local à instrumentalização da
educação de adultos perpetuada hoje nos contextos hegemónicos da decisão
política acerca da aprendizagem ao longo da vida dos adultos.
Nota
1 Freire, P. (1990). La Naturaleza Política de la Educación ' Cultura, Poder y
Liberación. Barcelona: Ediciones Paidós.
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