A formação de professores do ensino liceal: A Escola Normal Superior da
Universidade de Coimbra (1911-1930)
RÉSUMÉ
Notre analyse met l'accent sur le modèle de formation des Écoles Normales
Supérieures de formation des enseignants, particulièrement sur l'école rattaché
à l'Université de Coimbra. Institutions inspirées par l'Ecole Normale
Supérieure de Paris, marquées par la pédagogie du mouvement d'École Nouvelle et
avec un caractère novateur, un élément-clé dans un grand projet éducatif,
commencé par les républicains après Octobre 1910, fondé sur la croyance de la
régénération de la patrie au moyen de l'instruction, fabrication d'un nouveau
citoyen et l'édification de la nation républicaine, a constitué la première
tentative pour former les enseignants pour tous les niveaux de l'éducation, à
l'exception de l'enseignement primaire général. Dans une perspective théorique
et idéale, la Loi traduit un moment important de notre histoire de l'éducation
(Gomes, 1990); malgré tout, le contexte et les conditions notamment matérielles
l'empêchait de devenir l'école modèle désiré.
Mots-clé: École Normale Supérieure; République; Éducation Normale; Université
Introdução
É possível traçar uma linha da evolução da formação de professores do ensino
secundário em Portugal, desde a identificação da necessidade de professores
aptos científica e pedagogicamente e da defesa da criação de uma escola normal
do ensino secundário, primeiro nos atos discursivos dos especialistas
(Deusdado, 1973) e depois no dos políticos (Machado, 1888), passando pela
criação de um curso livre de Psicologia aplicada à educação (Deusdado, 1892),
até à institucionalização do ensino normal secundário, com a criação de dois
cursos cuja estrutura de formação articulava os domínios científicos, da
especialidade e psicopedagógico, com a componente prática, e que
profissionalizavam, um, os futuros professores das disciplinas de Matemática,
Ciências Físico-Químicas, Histórico-Naturais e Desenho do plano de estudos dos
liceus (Decreto n.º 4, 1901), estoutro, o Curso de Habilitação para o
Magistério Secundário (CHMS) (Decreto n.° 5, 1901), no domínio das ciências do
espírito ' Geografia, Filosofia, História e Línguas. Este modelo, de
reconhecidas limitações, sofreu uma acentuada erosão e não deixou de colher
críticas desde muito cedo, nomeadamente por parte de profissionais e
especialistas que sustentavam uma outra institucionalização para uma escola de
habilitação para o magistério secundário (Nóvoa, 1988) e normal primário
(Santos, 1910).
A reivindicação de uma escola normal do magistério liceal não pode deixar de
ser perspetivada, numa lógica de atualização de construção da modernidade em
Portugal, no campo da Educação. De facto, as propostas educativas,
profundamente marcadas pela Educação Nova, conferiam grande relevância a uma
pedagogia científica e ao seu conhecimento por parte dos professores. A
preocupação com uma educação integral, científica e sistemática fazia com que
autores portugueses republicanos, como Aurélio da Costa Ferreira; Alves dos
Santos ou Faria de Vasconcelos, pretendessem que a formação de professores
devesse dar espaço à pedagogia, à metodologia, à psicologia experimental, de
modo que os professores pudessem agir de acordo com as características de cada
aluno. A formação de professores era pensada, à imagem da dos médicos, como
preparação de profissionais especialmente capacitados para avaliar as condições
de aprendizagem dos alunos e para encontrar as soluções mais adequadas para
cada caso. Trata-se de um discurso portador de marcas de modernidade e, embora
isto não constituísse propriamente uma novidade, não há dúvida que o contexto
ideológico, especialmente após a instauração da República, propiciava que tais
ideias pudessem ser contempladas nas propostas políticas sobre a organização da
formação de professores.
Partindo de um diversificado espólio documental, com destaque para as fontes de
arquivo resultantes do exercício da Escola Normal Superior de Coimbra, sem
perder de vista os recursos humanos e as vicissitudes do funcionamento e do
quotidiano da escola anexa à Universidade de Coimbra, fixamos a nossa atenção
em dimensões de um modelo que procurou compaginar a formação de professores do
ensino liceal com as leis científicas que deveriam governar a educação,
assentes na afirmação da Pedagogia como ciência da educação e no caráter
experimental da Psicologia, nomeadamente reconhecendo a importância do
conhecimento científico da criança para o ato educativo. Neste contexto, à
Metodologia, componente da Pedagogia e saber-charneira entre o conhecimento
científico e a ação de educar, cabia discernir o método, ou os métodos, que
permitissem realizar o ideal individual e social da Educação preconizado.
Do plano de estudos ao corpo docente
Criado pelo Decreto de 21 de maio de 1911, o ensino normal superior constituiu
o primeiro momento na história da instrução em Portugal em que a formação de
professores, com exceção do ensino primário geral, é atribuída ao ensino
universitário acompanhada da criação de instituições para o efeito. As novas
Escolas Normais Superiores, funcionando anexas às universidades de Coimbra e
Lisboa, tinham como missão "promover a alta cultura pedagógica e habilitar para
o magistério dos liceus, das escolas primárias, das escolas primárias
superiores, e para admissão ao concurso para os lugares de inspectores"
(Decreto de 21 de maio, 1911), contribuindo para a dignificação e valorização
da formação de professores e da própria profissão. Um conjunto de razões, com
destaque para a condição de admissibilidade, o bacharelato das recém-criadas
Faculdades de Letras ou de Ciências, determinou, por um lado, o protelamento do
início dos cursos nas escolas normais superiores e, por outro, a necessidade da
publicação de um conjunto de normas transitórias que se destinaram a criar as
condições para que o 4° ano do Curso de habilitação para o magistério
secundário funcionasse, desde logo, no ano letivo de 1911-1912 e até à abertura
da Escola Normal Superior, anexa à Universidade de Coimbra. O próprio currículo
conheceu diversas alterações legislativas, e quando chegou' o 28 de maio de
1926 o plano de estudos em vigor estava datado de 1918 (Decreto n.° 4900),
publicado no Regulamento das Escolas Normais Superiores das Universidades de
Coimbra e Lisboa; contudo, no essencial, manteve o modelo de formação inicial.
Na verdade, independentemente das vicissitudes da política republicana e dos
diferentes projetos sobre a educação, as Escolas Normais Superiores foram
vingando, dando sequência à institucionalização de uma formação de
profissionais do ensino liceal e do ensino normal primário e primário superior,
buscando conferir uma dignidade para estes professores por via da habilitação
específica para a docência. Na medida em que a admissão se realizava com o
bacharelato, obtido nas faculdades de Letras ou Ciências, o plano de estudos da
Escola Normal Superior cuidava apenas, se nos reportarmos às vertentes
enunciadas por Eusébio Tamagnini (1931), da preparação profissional teórica e
da prática profissional. Organizada a formação em dois anos, um era dedicado a
preparação pedagógica e o segundo à prática pedagógica, a efetuar nos liceus,
nas escolas normais primárias ou nas escolas primárias superiores, de acordo
com o curso de habilitação frequentado pelos alunos-mestres. O ano de
preparação pedagógica possuía um elenco de disciplinas anuais, o que lhes
conferia centralidade no desenho curricular do curso, como a Pedagogia (com
exercícios de pedagogia experimental), a História da pedagogia, a Psicologia
infantil e a Metodologia geral das ciências do espírito, apenas para os alunos-
mestres da secção de letras, e a Metodologia geral das ciências matemáticas e a
das ciências da natureza, que se destinavam apenas aos da secção de ciências e
desenho. As restantes eram cursos semestrais, das quais Organização e
legislação comparada do ensino secundário era exclusivamente para o curso de
habilitação ao magistério liceal e Organização e legislação comparada do ensino
primário, e obras complementares e auxiliares da escola se destinava aos
alunos-mestres que frequentavam os cursos de habilitação aos magistérios do
ensino normal primário e primário superior.
Neste 1° ano estavam previstas 3 horas semanais de aulas, sendo uma reservada
aos exercícios práticos na forma de conferências (quatro por ano, dois por
semestre), exercícios orais sobre a matéria já dada nas lições (doze em cada
ano, seis por semestre), exercícios escritos nas aulas sobre a matéria das
lições anteriores (três em cada cadeira anual e dois por curso semestral) e um
exercício escrito em casa (por cadeira ou curso semestral), não perdendo de
vista a apreensão dos conteúdos e a capacidade de discorrer sobre os assuntos,
mas com a preocupação da preparação profissional, patente na determinação dos
professores terem "o máximo cuidado em exigir dos candidatos ao magistério toda
a correcção e esmero possíveis na linguagem, tanto falada como escrita"
(Decreto n.° 4900, 1918). Sublinhe-se a preocupação do legislador em definir um
quadro legal minucioso e exaustivo, bem patente nesta preocupação normativa,
marcadamente racionalizadora e moderna, definindo o tipo e o número de
exercícios previstos para cada cadeira e curso semestral, guardando pouco
espaço para autonomia das instituições e dos seus profissionais.
Era evidente a aposta numa formação que provocasse adesão ao espírito
científico, à observação, à preferência por uma aprendizagem ativa. O
legislador preocupado com os conhecimentos concretos e com o seu valor
educativo, previa a realização de excursões científicas, nomeadamente "passeios
de carácter histórico ou artístico e visitas a escolas, museus, monumentos,
estabelecimentos fabris, instalações eléctricas ou hidráulicas" (Decreto n.°
4900, 1918).
Os candidatos, aprovados no 1º ano, realizavam a prática pedagógica relativa à
disciplina ou disciplinas do grupo liceal normal primário ou normal superior
correspondente à secção a que pertencessem, no 2° ano, sendo dirigida pelo
respetivo professor de metodologia especial Esta opção, não podemos deixar de o
salientar, significa um reconhecimento da validade formativa do saber
experimental e da experiência profissional, conferindo à articulação entre a
teoria e a prática o estatuto de eixo fundamental da formação dos professores.
No ano letivo de 1915-1916, começou a funcionar o 1° ano na Escola Normal
Superior, anexa à Universidade de Coimbra (Gomes,1989). Ao serem anexadas a uma
instituição universitária e aí captando o seu corpo docente, as escolas normais
superiores tendiam a ser servidas por professores com melhor e mais elevada
qualificação. A composição do corpo docente é sempre determinante para a
prossecução das políticas educativas, tanto mais quando estas são decididas de
forma centralizada e, tantas vezes, sem terem em consideração os recursos
disponíveis, muito especialmente os humanos. Mais premente se torna a questão
quando se pretendem promover políticas inovadoras, para as quais são
necessários recursos devidamente preparados e empenhados, em momentos de
transformação social e política mais intensa.
A fórmula escolhida para a seleção do corpo docente, no âmbito da Universidade,
cooptando, em acumulação com outro serviço docente, professores e assistentes,
das faculdades de Ciências, Letras e Medicina, traduziu-se, muito
provavelmente, numa enriquecedora abordagem com diferentes perspetivas e visões
' interdisciplinar, diríamos hoje ' da coisa pedagógica e da problemática do
magistério, contribuindo, simultaneamente, para o envolvimento, na novel Escola
Normal Superior, de diferentes setores da Academia Coimbrã. Contudo, não
deixamos de nos interrogar até que ponto essa diversidade e, particularmente, o
exercício em acumulação, não terão contribuído para dificultar a emergência de
uma cultura de escola e de uma produção científica, no âmbito da educação, mais
intensa.
É inegável que a reflexão e a produção científicas, no âmbito da educação, são
desiguais entre o corpo docente que abraçou o projeto do ensino normal
superior, na Universidade de Coimbra. Mesmo considerando este ponto prévio e
posicionando-os num princípio de "agnosticismo pedagógico" (Nóvoa, 2003, p. 7),
utilizando como critérios os mobilizados pela atual historiografia da educação
para elaborar o dicionário dos educadores portugueses, de que se destaca "a
reflexão teórica e a prática educativa" (Nóvoa, 2003, p. 7) dos biografados,
parece-nos ser de sublinhar a presença, na referida obra, de 75% dos
professores da Escola Normal Superior de Coimbra, nomeadamente: Augusto Joaquim
Alves dos Santos (1866-1924), Eusébio Barbosa Tamagnini de Matos Encarnação
(1880-1972), Henrique Teixeira Bastos (1861-1943), João Pereira da Silva Dias
(1894-1960), João Serras e Silva (1868-1956), Joaquim de Carvalho (1892-1958),
José Joaquim de Oliveira Guimarães (1877-1960), Luciano António Pereira da
Silva (1864-1926) e Maximino José de Morais Correia (1893-1969). Neste corpo
docente encontrar-se-ão, de igual modo, diferentes graus de comprometimento e
de entendimento do projeto pedagógico e educativo da Primeira República onde,
naturalmente, as origens familiares, o percurso individual, a formação
académica e científica influenciaram a receção de um património de ideias onde
podemos destacar a importância da observação e da experimentação para o
conhecimento científico, nomeadamente do conhecimento da criança e da sua
importância para o ato educativo, da afirmação da Pedagogia, como ciência da
educação, e o seu carácter experimental (e laboratorial), caução a pagar' para
ser considerada uma ciência, da Psicologia, enfim, também das fórmulas da
Escola Nova.
Formação psicopedagógica e os meios de transmissão da verdade científica
No ano de preparação pedagógica, as disciplinas de Pedagogia (com exercícios de
pedagogia experimental), de História da pedagogia, de Psicologia infantil e as
três cadeiras de Metodologia geral possuem uma centralidade que lhes advém,
como já destacámos, desde logo, de constituírem cursos anuais. O curso
propunha-se dotar os futuros professores dos ensinos liceal, normal primário e
primário superior de um cabedal científico no âmbito das Ciências da Educação e
de um "espírito profissional metodizado" (Lima, 1927, p. 21), ou seja,
competentes para desempenharem a sua função, realizando as tarefas com ordem,
de forma hierarquizada, tendo em vista um fim e adotando um caminho, sem
desvios, atingindo os resultados com menor esforço possível. Considerações que
colocaram a Metodologia, "a ciência dos métodos pedagógicos" (Nóvoa, 1988, p.
51), no centro do ensino normal, constituindo a Pedagogia e a Psicologia eixos
fundamentais de interpretação e de sustentação da dinâmica educativa.
No plano de estudos das escolas normais superiores, as disciplinas de Pedagogia
(com exercícios de pedagogia experimental) e de Psicologia infantil
constituíram o saber de suporte à ação educativa, num momento em que
progressivamente, por ação de uma geração na qual se integra Alves dos Santos,
se consolida uma matriz científica no estudo da criança e dos processos
educativos (Nóvoa, 2005). Levando em consideração a disciplina de Pedagogia
(com exercícios de pedagogia experimental), os sumários correspondentes ao ano
letivo de 1929-1930, neste período da responsabilidade de José Joaquim de
Oliveira Guimarães, informam que se iniciava com uma noção genérica de
Pedagogia, tratando os fins e limites da educação e da ação educativa da
hereditariedade, para depois passar às qualidades pessoais e sociais e ao seu
aproveitamento na ação educativa. Posteriormente, o tema abordado era a
criança, o seu intuito colecionista e a atividade lúdica. O hábito, a atenção e
a memória eram os assuntos seguintes. Depois da abordagem da Organização e
administração da escola concluía-se com a problemática do método dos testes e a
sua apreciação estatística, com estudo da média, mediana e desvio-padrão, a
avaliação estatística dos testes e os histogramas e os polígonos de frequência
(Arquivo da Universidade de Coimbra).
A influência da Psicologia parece ter sido bastante forte no contexto das
conceções educativas que vingavam na Escola Normal Superior de Coimbra. Eusébio
Tamagnini, por exemplo, considerando que o professor, "além de instruir tem de
inspirar ideais de harmonia com o espírito do tempo nas múltiplas manifestações
do desenvolvimento social" (1927a), discutindo o processo de desenvolvimento de
um ideal na fase de crescimento da adolescência, dá a máxima prioridade à
vertente emocional. As suas palavras são bem eloquentes:
O desenvolvimento dum ideal comporta um processo intelectual e um
processo emocional, mas como o elemento emocional é o mais importante
compreende-se bem porque o período da adolescência corresponde ao
melhor tempo para o seu desenvolvimento. As escolas têm por isso
necessidade de organizarem o seu trabalho em referência especial a
este facto e à alta influência que no processo adquire a
personalidade do professor [ ] Mera instrução didáctica não basta
visto que o espírito emocional da instrução é o facto de maior
importância (Tamagnini, 1927b).
A realização dos exercícios de Pedagogia experimental e Psicologia infantil, no
âmbito do Laboratório de Psicologia Experimental da Faculdade de Letras '
recorde-se que o seu fundador e principal responsável foi Alves dos Santos
(Gomes, 1990) ', constitui uma afirmação da cientificidade das duas disciplinas
e como que uma legitimação científica do saber, construído pelos alunos-
mestres, através da efetiva experimentação, aproximando-os assim da realidade
científica e antecipando, de algum modo, a iniciação à prática pedagógica,
componente do 2° ano. De acordo com a legislação, os exercícios experimentais
realizavam-se com as turmas reduzidas a dez alunos e, como o comprovam os
trabalhos práticos realizados, a título de exemplo, em 1917, sob a orientação
de Augusto Joaquim Alves dos Santos, professor de ambas as disciplinas de 1915
até à data do seu falecimento, em 1924, os alunos levaram a cabo experiências
sobre a medida da memória, formas e condições da atenção, o problema da
memória, condições psicológicas da atenção, a medida da atenção por meio de
tempos de reação (Arquivo da Universidade de Coimbra). O relato de Alves dos
Santos dá-nos ainda conta de experiências, nomeadamente, "sobre a capacidade de
retenção da memória; sobre a psicometria da atenção; sobre a sugestibilidade
das crianças, medida do nível intelectual, pelo método de Binet e Simon (escala
métrica da inteligência); e sobre outros problemas das ciências psicológicas e
pedológicas" (Gomes, 1990, p. 28).
Neste mesmo período, e atestando a importância atribuída à observação e ao
estudo científico do crescimento da criança, Alves dos Santos realizava, com
recurso ao método auxonológico, um estudo sobre o crescimento com os alunos do
colégio Moderno, em Coimbra:
As primeiras mensurações foram realizadas, durante os meses de Maio e
Junho, do ano de 1918 [ ] Em Maio e Junho, deste ano de 1919, ao
perfazerem-se doze meses completos, continuou-se este serviço
antropométrico, que não pode ser executado em Novembro e Dezembro
(fim do 1° semestre), como convinha, mercê das ocorrências políticas,
que perturbaram a vida nacional[ ] Foram observados e mensurados (e
continuá-lo-ão a ser) 115 alunos, de idades que se acham
compreendidas entre os dez e os dezoito anos (Santos, 1919, p. 168).
Alves dos Santos, depois de referir as primeiras medidas e de nos esclarecer
qual o grupo de estudo, indica-nos o material pedométrico utilizado, a técnica
e as instruções, prosseguindo com a descrição dos resultados, com os quadros e
as conclusões a que o estudo permitiu chegar. Estávamos efetivamente, perante
um esforço no sentido da cientificação do estudo da criança que servisse de
fundamento e orientação da prática de ensino.
Eram os conhecimentos adquiridos no âmbito das disciplinas de Pedagogia
Experimental e de Psicologia Infantil, nomeadamente no que consolidavam de
conhecimento científico da criança, articulados com os saberes científicos da
especialidade, adquiridos previamente no curso de bacharelato das Faculdades de
Ciências e de Letras, que habilitavam à compreensão da importância de adotar
sempre o caminho mais seguro para a transmissão de conhecimentos, tendo em
vista "obter um resultado potencialmente múltiplo com o mínimo de esforço
possível" (Lima, 1927, p. 37). Atribuía-se, por isso, capital importância ao
facto de os candidatos à docência, nos ensinos liceal, normal primário e
primário superior, serem conhecedores da utilização dos mais adequados meios e
instrumentos pedagógicos, ou seja, dos "processos e maneiras de ensinar e
educar" (Lima, 1927, p.79).
A existência de três cadeiras de Metodologia geral ' a das ciências do
espírito, a das ciências matemáticas e a das ciências da natureza ' no plano de
estudos explicitava uma preocupação e implicava uma orientação das disciplinas.
Denunciava a ligação entre a componente mais conceptual das Ciências da
Educação e o saber-ensinar presente na prática pedagógica articulada com a
mobilização do saber de ciências como a Pedagogia e a Psicologia, para
encontrar os caminhos, as orientações a adotar, para o ensino cumprir os seus
objetivos. A adoção de um método era determinada pelo conhecimento das
tendências do aluno (Cruz, 1920), os seus interesses e o desenvolvimento da sua
inteligência (Barbosa, 1923), daí ser necessário subordinar a escolha do método
às necessidades individuais da criança.
A inexistência de uma cadeira de Metodologia, de natureza geral, determinou que
as disciplinas de metodologia compaginassem a abordagem duma metodologia geral,
científica e pedagógica, e uma outra mais centrada na processologia. A análise
da documentação existente, os sumários das disciplinas (Arquivo da Universidade
de Coimbra), ainda que de uma fase tardia, e os trabalhos realizados pelos
alunos ' os relatos das conferências realizadas, os exercícios escritos nas
aulas sobre a matéria das lições anteriores (exames de frequência) e o
exercício escrito em casa (Decreto n.º 4900, 1918) ', entre 1915 e 1930
(Arquivo da Universidade de Coimbra), corroboram a nossa asserção.
O apelo', nas disciplinas de Metodologia geral das Ciências, à mobilização do
conhecimento da Pedagogia (com exercícios experimentais) e da Psicologia
infantil confirma-se na análise aos trabalhos existentes, onde transparece a
importância atribuída ao conhecimento da criança, da sua natureza física e
psíquica, por parte dos futuros professores dos ensinos liceal, normal primário
e primário superior, para que melhor pudessem adequar os processos e os métodos
de ensino. O professor devia estar preparado para atender às características
dos alunos. Despertar a curiosidade e o interesse da criança tornava imperativa
a observação científica da criança e o conhecimento profundo das suas etapas de
evolução, e o avanço do conhecimento científico, no âmbito da Pedagogia e da
Psicologia infantil, tinha de ter uma tradução na forma de orientar o ensino,
pois "sem ensino que interesse, provoca-se a falta de atenção, a fadiga, o
desassossego" (Cavacas, 1928), mecanismo de defesa do organismo.
Abordando, no âmbito da cadeira de Metodologia geral das Ciências da Natureza,
a experiência como processo de aquisição de conhecimentos, a educação surgia
definida como a "aquisição de experiência ou experiências, que possam servir
para tornar mais perfeita a adaptação do indivíduo ao meio" (Pestana, 1917),
enquanto os processos eram caracterizados como "as operações materiais da
razão" (Pestana, 1917). Existiam, segundo os trabalhos analisados, três
processos de aquisição de conhecimentos: através da autoridade do saber dos
outros, da observação direta e, finalmente, da experiência, que consistiria
numa observação artificial e condicionada. Na experiência reconhecia-se a
existência de duas categorias de elementos, variáveis e variantes, e para que
ela fosse proveitosa tornava-se necessário as variáveis segundo a vontade do
ator e que, simultaneamente, as condições permanecessem as mesmas. O recurso à
autoridade do saber, reconhecidamente o processo mais rápido na transmissão dos
conhecimentos, não concedia ao aluno tempo para os perceber, reduzindo a sua
capacidade de retenção, e, para além disso, provocava uma atitude mental
passiva habitualmente acompanhada da perda de interesse e da capacidade de
iniciativa. No que se refere à observação direta, considerava-se que se tratava
de um processo mais seguro, que permitia uma maior retenção de conhecimentos,
pelo que se defendia que o aluno, sempre que possível, devia "adquirir os
factos directamente" (Pestana, 1917). O recurso à experiência era tido como o
processo adequado e mais eficaz à aprendizagem. Ainda que se reconhecesse o
inconveniente de exigir bastante tempo para a sua realização, os resultados
justificavam a utilização deste processo pois ele garantia que o fenómeno era
melhor apreendido e registado na memória. Segundo Cruz (1920), com este apelo à
experiência, a atividade intelectual do aluno elevava-se ao máximo e o seu
espírito tornava-se "elástico e original". Como sublinhava na sua conclusão o
aluno José Pestana (1917), "a observação e a experiência [constituíam] os
melhores processos de aquisição dos factos, habilitando o aluno para a
resolução de problemas da vida".
No âmbito da metodologia pedagógica, por distinção da metodologia científica,
tratava-se de empregar meios próprios a qualquer ensino. Transparece dos
próprios trabalhos dos alunos, em consonância com diferentes manuais de
metodologia, que mais do que a preocupação com os conteúdos e a natureza dos
fenómenos de cada disciplina, o que estava verdadeiramente em jogo era a
natureza da criança. Como eloquentemente expressa Adolfo Lima (1927), em obra
publicamente elogiada por Adolphe Ferrière à data da sua publicação, o método
ou metodologia pedagógica tratava de "ensinar a caminhar, a andar por veredas
já conhecidas, já percorridas por tôda ou por muita gente, ' pela experiência
universal da espécie" (p. 374). Consistia, através da aplicação de um conjunto
de processos e de meios, em possibilitar aos alunos uma mais fácil e melhor
aprendizagem. Ao método pedagógico atribuía-se-lhe a função de criar, em cada
aluno, o método científico, isto é, a observação (Lima, 1927).
A metodologia pedagógica constituía a parte da Pedagogia portadora de um
conjunto de meios ativos, que incorporava os métodos que, por sua vez, se
subdividiam em processos e formas. É bem verdade que não existia consenso,
entre a comunidade científica da época, na utilização destes conceitos,
invertendo-se por vezes a sua hierarquização e noutras funcionando como
sinónimos. De resto, é algo que transparece nos diferentes trabalhos que
consultámos, nomeadamente, variando ao nível das disciplinas de metodologia.
Ainda assim, consideramos que os métodos que melhor serviam os fins que vimos
identificando, de acordo com os trabalhos compulsados, eram o heurístico e o
experimental ou de laboratório.
O método heurístico ou da redescoberta era pouco conhecido em Portugal. Através
do método pretendia:-se, de acordo com Carrington da Costa (1930), conduzir a
criança a percorrer os mesmos passos dados pela humanidade para fundar a
ciência. É a consideração da lei biogenética ou da recapitulação, ainda que
aceitando a sua restrição na linha do pensamento de Claparède. A resolução de
um problema por si própria traduzia-se, para a criança, num reforço do
interesse e, por consequência, num apor de atenção que constituía o ponto de
partida de associação de ideias e lembranças, permitindo estabelecer relações
entre os novos conhecimentos e os anteriores.
O método era considerado como essencialmente ativo porque, pelo raciocínio e
reflexão do aluno, articulados com indicações do professor, colocava o
estudante no papel de descobridor dos conhecimentos que se pretendiam ensinar.
Tudo o que a criança alcançava resultava do seu trabalho e esforço, com reflexo
na formação da própria personalidade, ganhando, para além do gosto pelo
trabalho, confiança em si e autoconhecimento. Ao professor competia-lhe
esclarecer todos os dados de uma questão, sugerir conhecimentos adquiridos que
fossem úteis para a sua resolução, saber esperar pelas conclusões a que o aluno
deveria chegar e acompanhar o desenvolvimento do raciocínio do aluno, colocando
perguntas ou fazendo sugestões sempre que se justificasse. Um método que,
segundo Carrington da Costa (1930), faria com que o ensino deixasse "de ser
livresco e verbal, de pura memorização, para procurar desenvolver as faculdades
de observação, de raciocínio e juízo" (p. 76).
Considerado especialmente inovador por um conjunto de trabalhos era o método
experimental ou de laboratório, que consistia, como definia Quintanilha (1920),
"em fornecer as noções matemáticas sob a forma de casos concretos, quer tirados
da observação de fenómenos correntes, quer da experimentação no campo das
ciências físico-químicas ou histórico naturais".
No seu trabalho, Mercês Monteiro (1917) é de opinião que, ao invés de se
apresentar aos alunos mais novos as definições com um aspeto dogmático, deveria
respeitar-se a origem experimental da Matemática, recorrendo-se a experiências
materiais para que o aluno reconhecesse a necessidade da matemática. O recurso
ao jogo e a atividades lúdicas, como o dominó, o loto ou as coleções concretas
de objetos, permitiriam ensinar as crianças a contar sem que duvidassem das
abstrações naturais indispensáveis. Mercês Monteiro, no seu exercício (1917),
sustentava que o aluno, depois de considerar um número suficiente de casos
especiais, seria capaz de generalizar e passar ao abstrato.
Socorrendo-se, na sua conferência, dos conhecimentos da Pedagogia e da
Psicologia, Maria Helena Ferreira de Castro considerava que a condição primeira
para que os alunos aproveitassem o ensino era que tivessem interesse pelo que
se lhes ensinava. No caso particular da Matemática, sublinhava a necessidade de
atender a este fator psicológico, mesmo com sacrifício da exatidão das
proposições. O professor deveria empenhar-se em despertar o interesse dos seus
alunos, embora tivesse de sacrificar, por vezes, a ordem e o rigor que
caracterizavam a Matemática, bastando que aproveitasse a curiosidade natural da
criança, uma vez que, como afirmava o aluno relator, qualquer criança questiona
os factos que observa. Considerava que para a criança só poderia despertar
interesse o que estivesse em relação direta com a sua observação e a sua
atividade. Os problemas que o professor de Matemática deveria passar aos seus
alunos nunca deveriam ser alheios à sua experiência e observação, única maneira
de obter a sua curiosidade pela solução de problemas (Alcântara, 1930).
Na medida em que a ciência, fundada na experiência e na observação, tinha
demonstrado que era mais difícil adquirir uma noção nova do que aqueloutra
ligada com outras já apreendidas, os modernos pedagogos aconselhavam, ainda de
acordo com a conferencista, que se realizasse o estudo da Matemática de modo a
relacionar os diferentes capítulos da Matemática entre si e com outras
disciplinas, especialmente com a Física e a Geografia. Acreditava Maria Helena
Castro que ao colocar em evidência estas relações, sempre que surgisse a
oportunidade, o aluno mais facilmente lixaria as novas noções (Alcântara,
1930).
A preocupação em captar a atenção e o interesse da criança partindo da sua
observação e da sua atividade, a consideração de as noções a adquirir serem a
partir de e interligadas com outras já adquiridas, a condução da aprendizagem
do concreto para o abstrato, o recurso ao jogo e às atividades lúdicas
constituem um conjunto de ideias que sublinha a mediação, no âmbito das
disciplinas de Metodologia geral, entre o conhecimento teórico e aquele mais
prático e, paralelamente, coloca-nos no centro do discurso de afirmação da
Pedagogia enquanto ciência da educação, aglutinador de saberes e fortemente
marcado pelas ideias da Escola Nova.
Vicissitudes de um projeto
As condições de existência da Escola Normal Superior de Coimbra evidenciam bem
' o que em grande medida é válido para as instituições de ensino normal criadas
durante a Primeira República, em particular, e a Educação, em geral ' o grande
desejo de mudança que animava muitos dos intelectuais republicanos e a
dificuldade que os sucessivos governos experimentaram em concretizar um ideário
educativo não só enunciado em muitas ocasiões, e em imensas publicações, como
também em vários diplomas legais, seja por questões de ordem material ou
orçamental, ou em razão da divergência de ideias em função da sua
concretização.
Logo em 1914, ainda não existiam bacharéis para frequentarem as escolas normais
superiores, já uma Representação do Senado universitário, dirigida ao Ministro
da Instrução Pública, apelava à não execução da lei orçamental (Lei n.º 226,
1914) que facultava a abertura de vagas do quadro aos professores provisórios
dos liceus, prejudicando "nos seus mais legítimos interesses" (Representação de
9 de Julho, 1914) os alunos das Faculdades de Ciências e de Letras, ameaçando a
sua saída profissional. O documento, assinado pelo Reitor da Universidade e
pelos diretores das duas faculdades, consubstancia uma crítica mais profunda ao
funcionamento das instituições e ao comportamento da classe política, acusada
de tomar decisões precipitadas e sem discutir devidamente assuntos da maior
relevância como explicitamente se diz na Representação:
Tratou-se de um assunto tão importante, como é a selecção do
professorado, numa lei orçamental votada precipitadamente, sendo as
suas disposições causa de verdadeira surpresa. Não houve sobre tal
assunto o mínimo debate parlamentar, em que se ponderassem os efeitos
que, da medida proposta e aprovada, resultariam. Os interessados não
puderam formular as suas pretensões, que deveriam ser tomadas na
devida consideração [ ] Protestam agora contra a lei (...)
A medida, que servia interesses de "professores sem curso, nem concurso"
(Gomes, 1989, pp. 31-36), traduz o atraso e o desfasamento entre o ensino
normal secundário e as necessidades colocadas pelo crescimento do ensino liceal
que, na falta de professores habilitados, socorreu-se dos recursos humanos
disponíveis. Situação semelhante, de resto, se viverá no ensino normal primário
por força do ritmo de desenvolvimento das Escolas Normais Superiores. A crueza
da realidade entrava em contradição com os ideais e os anseios dos atores,
políticos e sociais.
Em 1916 a escola esteve encerrada desde fevereiro, tendo todos os professores
pedido a sua exoneração sem que a Academia coimbrã conseguisse encontrar, entre
os docentes das faculdades, quem estivesse disponível para os substituir.
As limitações orçamentais que, em muitos casos, se revelaram determinantes na
ação, ou na ausência dela, do Estado e dos sucessivos governos da Primeira
República, afetaram decisivamente o funcionamento e o quotidiano da Escola
Normal Superior de Coimbra. O facto de nunca se terem iniciado as aulas aquando
da abertura regular do ano letivo, uma vez que o Estado não nomeava júris de
admissão por falta de verba para pagar aos professores ou por a ter desviado
para outros fins (Tamagnini, 1931), confirma, em nosso entender, isso mesmo.
Eusébio Tamagnini, diretor da Escola, não se cansará de denunciar até que ponto
as dificuldades de funcionamento da instituição que dirigia eram devidas a
fatores externos à própria instituição e ao seu corpo docente. No primeiro
número do Arquivo Pedagógico, já em plena ditadura nacional, escreverá, a abrir
a publicação:
No presente ano lectivo as aulas ainda não abriram, nem se faz ideia
de quando isso será! De quem é a culpa? Desanexaram-se as Escolas
Normais Superiores das respectivas Universidades. Foram ouvidos os
professores de Coimbra sobre as vantagens ou desvantagens dessa
desanexação? Não foram! Consumado o facto, discutido o assunto, como
é que pretendeu corresponder ao desinteresse pessoal e ao ardor
profissional com que os professores de Coimbra defenderam os seus
pontos de vista? Tentando suprimir a sua Escola!! [ ] O público
precisa conhecer este e outros factos para apreciar a situação e
julgar as nossas acções (Tamagnini, 1927a).
A presença de diferentes respostas para os constrangimentos orçamentais e a
falta de consenso na sociedade portuguesa para os caminhos a trilhar na
edificação e consolidação de um ensino normal secundário adquiriu alguma
visibilidade a partir do segundo lustro da década de 20 do século passado e
contribuiu para um significativo consumo de energias por parte do corpo docente
da Escola Normal Superior, da Universidade de Coimbra, o que não pode ter
deixado de afetar o seu funcionamento. De 1924 a 1930 a instituição foi sujeita
a um processo de extinção (e renascimento) necessariamente desgastante. Afetou,
nomeadamente, todos aqueles que contribuíam para o seu funcionamento e, quiçá,
com consequências no serviço' prestado, para utilizar uma expressão atual.
Vejamos.
Em outubro de 1924, o Ministro da Instrução Pública, António Abranches Ferrão,
remodelava o ensino normal superior em nome da "situação do Tesouro Público"
(Decreto n.º 10.205, 1924). Extinguia a Escola Normal Superior de Coimbra e
reduzia a metade a duração da maior parte das cadeiras e cursos. No preâmbulo
afirmava-se que tais medidas não tinham "o menor inconveniente pedagógico [e
possuíam] toda a vantagem económica" (Decreto n.º 10.205, 1924). Três meses e
meio depois, em face das representações do Senado e da Associação Académica, o
ministro António Joaquim Sousa Júnior restabelece a Escola Normal Superior, da
Universidade de Coimbra.
Dois anos mais tarde, em 1926 (Decreto n.º 12.426, 1926), as escolas normais
superiores foram desanexadas das respetivas universidades. Na Universidade de
Coimbra iniciava-se, aqui, uma intensa semana de reuniões, entre quarta-feira,
dia 8, e terça-feira, dia 14 de dezembro de 1926. A 8, o conselho da Escola
Normal Superior reuniu e denunciou a política do facto consumado, considerando
que a tomada de decisão ocorreu sem consulta da Escola e apresentava o que
considerava serem as desvantagens pedagógicas e financeiras da desanexação,
para além de a considerar uma medida contra os interesses universitários
(Gomes, 1989, pp. 277-280). A 12 do mesmo mês, por correrem rumores merecedores
de preocupação, indiciando a vontade de extinção da Escola Normal Superior, na
ausência do seu diretor, que se encontrava a diligências em Lisboa, o professor
mais antigo, José Joaquim de Oliveira Guimarães, convocou reunião do Conselho,
onde se aprovou que o Presidente deveria dirigir um ofício ao Senado
universitário onde justificaria a conservação da Escola Normal Superior. Assim
fez, apresentando razões de ordem doutrinal e de ordem económica. No dia
seguinte, o Conselho reuniu novamente tendo o diretor dado conta da reunião com
o ministro e as garantias dadas pelo responsável político em como o diretor
seria sempre ouvido antes de qualquer decisão ser tomada. A 14, o Senado
universitário, em resposta ao ofício da Escola, aprova uma moção solicitando do
ministério a "rápida regulamentação das Escolas Normais Superiores" (Gomes,
1989, pp. 287-291). Por causa da tomada de posição da escola e do seu corpo
docente e da Universidade, ou não, o governo acabou por revogar a desanexação
no primeiro trimestre de 1927 (Decreto n.º 13.296, 1927).
Um ano após a reanexação, precisamente em março de 1927, em "virtude dos boatos
de extinção da Escola Normal Superior", o Conselho aprovou uma moção em que,
para "a salvação da sua Escola", os professores dispunham-se a "fazer
gratuitamente o serviço". No mês seguinte a escola seria extinta (Decreto n.º
15.365, 1927). Seguiu-se uma carta dos professores da Escola Normal Superior de
Coimbra ao Ministro da Instrução Pública (Carta dos Professores, 1928, pp. 248-
253) que, conjuntamente com outras reações, os interesses dos alunos, as
necessidades do sistema educativo e a insuficiência de uma só escola normal
superior (Decreto n.º 16.078, 1928), provocou o recuo do governo (Gomes, 1989,
pp. 308-311). Ganhou mais um fôlego, mas foi apenas isso. Encerrando um
processo que se arrastou seis anos, com início ainda na Primeira República e
que atravessou quase todo o período da Ditadura Nacional, as escolas normais
superiores foram extintas em outubro de 1930 (Decreto n.º' 18.973, 1930).
As críticas insertas no preâmbulo do decreto que extinguiu as escolas, bem como
as difundidas na imprensa, foram merecedoras de uma resposta do último diretor
da Escola Normal Superior, anexa à Universidade de Coimbra. Criticando a
extinção das escolas normais superiores e a alternativa adotada para a formação
de professores para o magistério secundário, dava conta da importância da
existência das referidas escolas e do seu significado para a qualidade da
formação dos professores do ensino liceal. No combate às ideias constantes do
decreto de extinção contrapôs as responsabilidades do Estado, nomeadamente do
ministério da tutela, nas dificuldades do funcionamento das referidas escolas e
apresentou alternativas, há muito reclamadas pelo corpo docente da escola que
dirigira.
Quanto às críticas e ataques ao profissionalismo e competência dos professores,
manifestou estranheza face à gravidade das acusações e não compreender que não
dessem lugar a qualquer inquérito ou sindicância (Tamagnini, 1931). Na verdade,
quando seis anos mais tarde são suspensas as matrículas nas escolas do
magistério primário, o governo acautelará a situação, determinando a abertura
de um inquérito à Escola do Magistério Primário de Coimbra, em resultado de uma
campanha previamente construída na imprensa regional (Mota, 2007).
Na tentativa de lançar alguma luz sobre o impacto real da formação na Escola
Normal Superior da Universidade de Coimbra podemos coligir e corrugar elementos
dos anuários estatísticos, de Portugal e da Universidade de Coimbra.
Consideremos aqui apenas os anos letivos de 1917-1918 a 1920-1921 numa
tentativa de elucidar a escala da instituição e da sua oferta educativa.
No ano letivo de 1917-1918 frequentavam o 1° ano 18 alunos e 17 o 2°, num total
de 35. Um aluno frequentava o curso do magistério normal primário, os restantes
estavam matriculados no magistério liceal. Nesse ano letivo, 5 alunos ficaram
aprovados no Exame de Estado, 4 para o magistério liceal e 1 para o ensino
normal primário. No ano letivo de 1918-1919, dos 36 alunos, 2 frequentavam o
curso do magistério primário e os restantes o curso do magistério liceal.
Dezanove alunos, do curso do magistério liceal, foram aprovados no Exame de
Estado. Nos anos lectivos de 1919-1920 e 1920-1921, a escola teve, em cada um
desses anos letivos, 46, distribuídos do seguinte modo: 40 no curso do
magistério liceal, 4 no magistério normal primário e 2 no curso do magistério
primário superior. Em 1919-1920, 12 alunos, 10 do curso do magistério liceal e
2 do primário superior, ficaram aprovados no Exame de Estado. Já no ano letivo
seguinte, também 12 alunos ficaram aprovados; contudo, todos pertenciam ao
curso do magistério secundário. Neste período frequentaram a Escola cerca de
161 alunos, 91 no 1º ano e 70 a realizar a prática pedagógica, embora apenas 48
ficassem aprovados no exame de Estado. Da análise a este quadriénio resulta uma
média de 12 alunos profissionalizados em cada ano e, se definíssemos um ratio
entre alunos aprovados no Exame de Estado e os professores do ano de preparação
pedagógica e os das metodologias especiais, o cálculo daria cerca de 2,5 alunos
profissionalizados, por professor, em cada um destes anos letivos. Resultados
que, mesmo atendendo às taxas de escolarização do país e de frequência do
ensino liceal, bem como à densidade da rede escolar do ensino liceal do
primeiro quartel do século XX e ao período de tempo analisado, ilustram bem as
dificuldades e as limitações que o projeto de ensino normal superior
experimentou.
Conclusão
A Escola Normal Superior de Coimbra viveu, ao longo de toda a sua existência,
diversas vicissitudes e, se ao nível retórico constituiu um momento
significativo na nossa História da Educação, o mesmo já não se pode afirmar
quanto ao seu funcionamento, ficando muito aquém do que seria desejável, como
de resto deixam transparecer relatos da época, seja na imprensa ou nos
relatórios do seu diretor.
Não há dúvida que as ideias pedagógicas que marcavam o discurso republicano
eram generosas e adequadas a uma visão de mundo progressista que acreditava
muito na capacidade de regeneração das pessoas, quando educadas com base no
primado da ciência e numa pedagogia moderna, mas também parece evidente ter
existido uma enorme capacidade de colocar em ação essas ideias.
Para além das alterações frequentes do dispositivo legislativo, de diversa
ordem e razões de diferente natureza ' cujo impacto no funcionamento e no
quotidiano da Escola Normal Superior de Coimbra não é demais sublinhar ', o
próprio modelo obriga-nos a questionar a sua eficácia na formação de
professores dos ensinos liceal, normal primário e primário superior e qual o
seu impacto na transformação das práticas tradicionais, quando, apesar do
investimento na pedagogia experimental por nós assinalado, tudo se parece
conjugar para a manutenção duma didática clássica, assente no método
expositivo, tanto mais que as três horas por semana de aula apontavam mais para
a tendência de se centrar na transmissão de um conjunto de conteúdos
pedagógicos em voga desde o início do século XX do que no seu exercício. Este
modelo de formação apresenta, em nosso entender, dois aspetos nevrálgicos que
interessa ter em atenção: por um lado, a sua natureza sequencial leva-nos a
questionar a articulação entre as dimensões científicas, ou seja, entre os
saberes da especialidade e os do domínio psicopedagógico, e, por outro, a
articulação destes com a prática pedagógica, realizada nos liceus, escolas
normais primárias ou escolas primárias superiores e onde, aparentemente, o
único contacto ocorria com a visita mensal do professor de Pedagogia ou de
História da Pedagogia. Preocupações, de resto, que encontraram um certo eco no
relatório que antecedia o decreto da extinção das escolas normais superiores
(Tamagnini, 1931).
Independentemente do conhecimento que possamos vir a ter com estudos mais
aprofundados sobre o funcionamento dos diferentes estabelecimentos de formação
de professores no período em causa, a efémera existência da Escola Normal
Superior da Universidade de Coimbra, durante a Primeira República e a Ditadura
Nacional, mostra que não só não estava verdadeiramente consolidada uma formação
de professores do ensino secundário de acordo com a modernidade cientificista
cara aos pedagogos republicanos, como não se tinha conseguido difundir um
pensamento pedagógico e generalizar uma prática educativa que obstasse a que
fosse perdendo terreno o entusiasmo por políticas educativas mais
desenvolvimentistas e mais próximas de modelos pedagógicos que se inseriam no
movimento da Escola Nova. Com o esgotar da Primeira República abriam-se outras
possibilidades de entendimento da educação que, refutando alguns dos principais
pressupostos do ideário republicano, estiveram na base das alterações sobre a
formação de professores que surgiram na década de trinta do século XX.