Inclusão no Ensino Superior: Perceções dos estudantes com Necessidades
Educativas Especiais sobre o ingresso à universidade
Introdução
A problemática da inclusão tem sido cada vez mais abordada. Nos nossos dias
torna-se impensável falar em educação sem falar de inclusão, um reflexo de
políticas emergentes que buscam garantir a escolaridade obrigatória.
Os esforços em prol da construção de uma educação inclusiva têm-se centrado,
na maioria dos países, na educação básica. No entanto, o facto de o acesso ao
Ensino Superior ser cada vez mais possível para mais jovens, o facto de a
formação universitária ser cada vez mais essencial para obter uma formação
profissional e emprego, e ainda o facto de as instituições de Ensino Superior
integrarem o ensino público, implicam que atualmente se equacione o caráter
inclusivo da universidade sobretudo para jovens com Necessidades Educativas
Especiais (NEE) (Rodrigues, 2004).
São grandes os desafios num mundo cada vez mais multicultural; no entanto,
identificamos esse multiculturalismo como real e essencial sustentáculo da
integração social e democrática, tendo consciência e respeito pela diversidade,
em particular na escola de nível superior (Barbosa, 2002). Duarte, Rafael,
Filgueiras, Neves, e Ferreira (2013) afirmam que pouco se tem investigado sobre
a inclusão no Ensino Superior, sendo este um dos fatores que dificultam a
formulação de políticas públicas que contemplem ações para uma educação
inclusiva também no Ensino Superior.
Dessa preocupação nasceu o desejo de contribuir com a investigação neste campo,
bem como de analisar as políticas educativas voltadas a essa problemática.
Assim, neste artigo, apresentamos parte de uma investigação mais ampla sobre
este tema que conduziu a uma dissertação de mestrado já concluída e defendida,
sendo nosso objetivo apresentar e discutir os fatores que constituíram e/ou
constituem os principais apoios para o ingresso no Ensino Superior, na ótica
dos próprios estudantes com Necessidades Educativas Especiais. O estudo foi
realizado com um grupo de 11 estudantes com NEE da Universidade de Aveiro (UA)
no ano letivo de 2013/2014.
Segundo dados do Diretório Geral do Ensino Superior (DGES), no ano letivo de
2012/2013, em Portugal, 45.429 estudantes concorreram às vagas existentes para
o Ensino Superior. Deste número significativo, 40.415 estudantes foram
colocados na primeira fase do concurso nacional de acesso. Concorreram às vagas
de contingente especial para estudantes com deficiência 530 estudantes, e
destes somente 115 foram colocados. Este número, apesar de relevante, se
comparado a anos anteriores, ainda é considerado reduzido.
Acreditamos que todos os estudantes com NEE têm direito à educação, direito a
experimentar e vivenciar aprendizagens e experiências tão diversas, por isso
salientamos a importância do acesso/ingresso à universidade. Entendendo o
desenvolvimento social como prioridade dentro das políticas públicas e a
educação como principal agente transformador, preocupa-nos primeiramente o
número significativo de estudantes com NEE que ingressam nas universidades
portuguesas. Está disponível um contingente de cerca de 2% de vagas para este
grupo de pessoas e, face aos dados anteriormente apresentados, preocupa-nos só
terem entrado no Ensino Superior 0,2% dos jovens com NEE, apesar de se ter
candidatado um número muito superior. Depois, preocupam-nos igualmente as
condições que essas universidades disponibilizam, já que incluir não significa
simplesmente inserir a pessoa com NEE como mais uma na instituição educacional.
No presente artigo começamos por enquadrar teórica e contextualmente a
problemática, em seguida relatamos a metodologia de investigação utilizada e
finalmente apresentamos e discutimos os resultados.
Inclusão no Ensino Superior
O Ensino Superior desempenha um importante papel no desenvolvimento das
sociedades, bem como na liderança e nos processos de transformação desta.
Entretanto, talvez esse papel nunca tenha sido tão reconhecido como atualmente
(Llorent & Santos, 2012). A Declaração Mundial sobre o Ensino Superior
(1998) afirma que a Educação Superior é um dos pilares fundamentais dos
direitos humanos, da democracia, do desenvolvimento sustentável e da paz, e
que, portanto, deve ser acessível a todos no decorrer da vida. De um lado, a
universidade é lócus do conhecimento, sendo da sua competência a produção
científica e a articulação com as distintas áreas do saber, mas, de outro, deve
ser também o lócus da pluralidade, da diversidade e do respeito às diferenças
(Moreira, Bolsanello, & Seger, 2011).
Todos os seres humanos carregam características comuns e, ao mesmo tempo,
possuem as próprias singularidades de desenvolvimento, revelando a sua condição
humana. Cada pessoa é diferente pela interação entre o que é, de onde vem e
onde está, situação social, ambiente e factos atuais (França, 2010).
Contrariamente a essa afirmação, percebe-se cada vez mais uma busca pela
homogeneização educacional onde regras, práticas e manuais têm a finalidade de
abranger a totalidade, padronizando-a, enquadrando tantas diferenças num termo
e prática iguais.
A universalização do ensino e o direito à educação para todos são avanços
significativos; porém, apesar dessa profunda mudança, a qualificação do ensino
tem sido colocada em risco e a massificação é vista como uma problemática cada
vez mais percetível. Ao refletirmos sobre a problemática da homogeneização nos
contextos educativos e na sociedade, cresce de maior forma o desejo pela
abordagem da diversidade e do respeito às diferenças, o que nos motiva a, mais
uma vez, enfatizarmos a importância da inclusão.
O número de estudantes com NEE no Ensino Superior tem aumentado gradualmente
nas últimas duas décadas, devido à implementação de medidas políticas e sociais
de acesso e democratização que promovem a inclusão educativa neste nível de
ensino (Faria, 2012). A universidade entrelaça-se com a inclusão, ela convida-
nos a pensar na e para a inclusão. Os sistemas educativos que apresentam níveis
de excelência são os que mais vivenciam e investem na inclusão, pois a inclusão
desassossega a universidade. Confrontamo-nos, pois, com uma temática emergente
que necessita de ser discutida para além da educação básica e secundária, para
que, assim, estudantes com NEE ingressem no Ensino Superior, tendo a
oportunidade de concluir mais um percurso na trajetória estudantil.
Castanho e Freitas (2005) ressaltam que os contextos educacionais onde os
estudantes são incluídos são responsáveis pela promoção de cidadania e, para
tal, propiciam e incentivam a educação para todos, configurando-se a
universidade como um espaço de construção e trocas de conhecimento, além do
convívio social. A universidade pode considerar o significado da sua função
social no sentido de que as pessoas com NEE deixem de ser representadas pelas
categorias de ineficiência, de desvio, do atípico e do improdutivo, e a elas
sejam assegurados os direitos à igualdade de oportunidades e à educação
(Moreira, 2005).
O princípio da educação inclusiva requer das instituições escolares o
reconhecimento e o encaminhamento de práticas que respondam às necessidades
educacionais, por meio de uma educação que garanta às pessoas com NEE o
atendimento de acordo com as suas especificidades (Garcia, Rodriguero, &
Mori, 2011).A efetiva inclusão de estudantes com NEE no Ensino Superior deve-se
à atenção à trajetória escolar dos estudantes como parte fundamental no
processo que se compõe do acesso, ingresso, permanência e saída. Tendo em conta
o caminho percorrido por cada um desses atores sociais, bem como o significado
que lhe atribuem, entende-se que a permanência na universidade implica um
trabalho constante.
O processo de inclusão é determinado pela interação entre as variáveis
individuais e as variáveis do meio. Ninguém é aceite só pelas suas capacidades
individuais nem contra elas, só pelas características do meio, nem contra as
características do meio. É, pois, um processo interativo e dinâmico, resultante
da influência de múltiplos fatores (Rodrigues, 2004). Ao reconhecermos a
inclusão como um processo global, entendemos que potencializar o investimento
em políticas educacionais, a fim de que estas invistam em espaços inclusivos,
no desporto, lazer, inclusão no mercado de trabalho, escolas, universidades,
dentre outras mudanças que o setor social tem vindo a promover, é essencial e
urgente, para desenvolver o potencial e respeitar as necessidades e diferenças
de cada indivíduo.
O conceito de escola inclusiva está relacionado com a modificação da estrutura,
do funcionamento e da resposta educativa, de modo a que se tenha lugar para
todas as diferenças, quer sejam individuais, sociais ou culturais, inclusive
aquelas que estão associadas a alguma deficiência (Guijarro, 1998). Percebe-se
cada vez mais a necessidade de atender à inclusão como uma totalidade na
diversidade, para que os quatro pilares propostos pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) para a educação -
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser
- possam constituir realidade e prática pedagógica.
As últimas décadas foram marcadas por movimentos importantes para a educação
especial e inclusiva, sendo pautadas por debates, reflexões e investigação no
âmbito da educação básica. Segundo Rodrigues (2004), atualmente estamos a
incidir sobre a inclusão no Ensino Superior, como reflexo dos avanços na
escolarização que se foram verificando nos diferentes graus de ensino. As
principais práticas voltadas ao Ensino Superior apontam para estratégias
multifacetadas e globais, envolvendo todos os atores deste processo: docentes,
estudantes, currículos, instituições e contextos de aprendizagem (Watzlawick,
2011), pois a aprendizagem influencia o seu contexto e é influenciada por ele.
Ingresso ao Ensino Superior
Cada vez mais instituições de Ensino Superior têm apresentado medidas para a
inclusão de estudantes com NEE, a começar pelo ingresso destes à universidade.
Conforme refere Rodrigues (2004), o ingresso é um dos campos onde se tem
verificado maior evolução atualmente.
De acordo com a UNESCO (1998), é necessário desenvolver uma política ativa de
facilitação do acesso ao Ensino Superior para os membros de certos grupos
especiais, tais como os povos indígenas, as minorias culturais ou linguísticas,
os grupos sociais desfavorecidos, os povos sob ocupação e as pessoas com
deficiência, dado que esses grupos, tanto como pessoas coletivas como em termos
individuais, podem ser detentores de experiências e talentos de grande valor
para o desenvolvimento das sociedades e nações. A elaboração de materiais
especiais de apoio e de soluções educativas específicas pode ajudar a
ultrapassar os obstáculos que tais grupos enfrentam, tanto no que respeita ao
acesso como à continuação de estudos de nível superior.
A palavra 'acesso' pode trazer embutida a ideia de sair de um
determinado lugar ou situação e ir para um lugar ou situação diferente do/da
anterior. Esse lugar ou situação pode referir-se a um espaço físico ou a uma
situação que reflete status social - por exemplo, ter acesso ao Ensino
Superior (Watzlawick, 2011). Noutra perspetiva, mais lata e abrangente,
entendemos por acesso o conjunto de possibilidades específicas que permitem ao
estudante com NEE frequentar e relacionar-se com a comunidade académica
(Rodrigues, 2004).
Percebe-se que a barreira do acesso/ingresso ao Ensino Superior tem vindo a ser
ultrapassada, apesar da necessidade de muitos avanços, principalmente no que
diz respeito à informação sobre as diferentes formas de candidatura às
universidades e às condições especiais para as provas de acesso. Medidas como a
ampliação do tempo para eventuais provas de ingresso, intérpretes de língua
gestual, salas adaptadas, vagas de estacionamento nas proximidades,
equipamentos adequados para os universitários - quer sejam eles
portadores de deficiência física, visual, auditiva ou deficiências múltiplas
-, entre outras, enquadram as condições especiais para a realização dos
exames nacionais aos estudantes com NEE do Ensino Secundário (Ministério da
Educação e Ciência, 2013).
É notório o crescente número de estudantes com NEE que ingressa no Ensino
Superior nos últimos anos, mas ainda temos uma população muito reduzida se
compararmos com os números gerais dos estudantes que entram na universidade.
Para Garcia, Rodriguero, e Mori (2011), estes resultados são resquícios da
segregação, da extinção e da discriminação sofridas pelas pessoas com NEE ao
longo da história. Percebe-se que o paradoxo da inclusão e da exclusão dos
sistemas educacionais universalizaram o acesso, mas a exclusão sucede-se para
pessoas e grupos que não se enquadram nos 'padrões de
homogeneização' estabelecidos por esse sistema educacional (Garcia,
Rodriguero, & Mori, 2011).
Metodologia
Este estudo, de cariz qualitativo, centra-se no paradigma da investigação
interpretativa (Amado, 2013), buscando a compreensão das intenções e
significações, crenças, opiniões, perceções, representações, perspetivas e
conceções que os seres humanos colocam nas suas próprias ações, na relação com
os outros e com os contextos em que e com que interagem. Procura-se o que faz
sentido na realidade e como faz sentido para os sujeitos investigados, os
fenómenos tal como são percebidos e manifestos pela linguagem, investigando sem
isolar os contextos natural, histórico, socioeconómico e cultural em que se
desenvolvem, à procura da compreensão (Amado, 2013, p. 40).
Objetivos
Esta investigação teve dois objetivos fundamentais:
1) Conhecer o percurso pré-universitário de estudantes com NEE, visando a
identificação e a compreensão dos fatores pessoais, educativos e socioculturais
que tornaram o seu acesso possível. Pretendemos, portanto: caraterizar o
percurso pré-universitário destes estudantes; identificar quais foram os
suportes essenciais no percurso pré-universitário; e descrever o processo e as
escolhas referentes ao ingresso na universidade.
2) Identificar, através das perceções dos estudantes universitários com NEE,
os fatores organizacionais e políticos utilizados pela instituição de Ensino
Superior para atender às suas especificidades. Aqui buscamos: especificar os
fatores identificados como essenciais para a permanência no Ensino Superior;
descrever como são percebidos os fatores organizacionais da UA pelos estudantes
com NEE; e elencar as políticas nacionais e/ou específicas da UA referentes à
inclusão no Ensino Superior.
Participantes
As especificidades do grupo participante são apresentadas no Quadro_1 e os
critérios para a escolha dos participantes foram considerados de acordo com as
seguintes características: diversidade de ciclos e anos letivos do percurso
académico; diversificação de departamentos e de cursos; diferentes NEE; número
equilibrado de estudantes de cada género. Procura-se a diversidade e não a
homogeneidade, e, para garantir que a investigação aborda a realidade
considerando as variações necessárias, é preciso assegurar a presença da
diversidade dos sujeitos ou das situações em estudo (Guerra, 2006).
Técnicas de recolha e análise dos dados
Objetivando conhecer o percurso universitário de estudantes com NEE e visando a
identificação e compreensão dos fatores pessoais, educativos e socioculturais
que tornaram possível o seu acesso à universidade, bem como descrever o
processo e as escolhas referentes ao ingresso, realizámos entrevistas
semiestruturadas a 11 estudantes da UA, no ano letivo de 2013-2014, sendo 6 do
sexo feminino e 5 do sexo masculino.
O guião de entrevista adotado foi construído a partir dos objetivos da pesquisa
e da análise prévia a estudos voltados para a inclusão no Ensino Superior. Com
base nesta análise, foram construídas perguntas referentes às seguintes
dimensões, estipuladas como essenciais na trajetória dos estudantes
universitários: I) Caracterização pessoal e sociodemográfica; II) Percurso pré-
universitário; III) Acesso à universidade; e IV) Permanência.
As entrevistas foram realizadas nos espaços da UA, em ambiente reservado;
apenas uma foi realizada via Skype, tendo a duração média de uma hora. Foram
registadas com o apoio de um gravador, após o consentimento de todos os
entrevistados.
A análise dos discursos produzidos foi norteada pelo prisma da análise de
conteúdo de Bardin (2006). Num primeiro momento, a partir da leitura inicial
dos conteúdos, organizámos as dimensões, desenhadas pelos objetivos traçados
através da entrevista semiestruturada, na qual as categorias e subcategorias
emergiram; estas categorias emergiram, não só do guião e da consulta prévia às
investigações internacionais, mas também da própria fala dos entrevistados.
A credibilidade da investigação realizada deve-se a exaustiva análise, sendo
que fomos igualmente apoiados pelo software de análise qualitativa WebQDA, para
auxílio quanto ao rigor e qualidade da análise dos textos, a fim de que fossem
corretamente codificadas as categorias e subcategorias. Esse software auxiliou-
nos com maior versatilidade, permitindo-nos criar, codificar, editar, organizar
documentos e questionar os dados de forma a responder aos nossos objetivos. No
Quadro_2 pode-se visualizar um esboço das categorias e subcategorias emergentes
na dimensão 'Ingresso à UA'.
Apresentação dos resultados
Não havendo legislação a nível nacional no âmbito do apoio aos estudantes com
NEE, a UA foi construindo procedimentos de apoio caso a caso. A estrutura
referenciada aos estudantes da UA que apresentam NEE chama-se Gabinete
Pedagógico. Este gabinete não se dedica exclusivamente ao atendimento a
estudantes com NEE, encontrando-se disponível em igualdade de circunstâncias
para todos os estudantes da Universidade de Aveiro; porém, tem centrado a sua
atenção na criação de estratégias a fim de possibilitar ações que promovem a
inclusão dos estudantes, tais como: intercâmbio com o Ensino Secundário;
ingresso/acolhimento; organização para a acessibilidade no campus; ações de
voluntariado; adaptação nas avaliações; projetos sociais.
Após o estudo sobre os recursos que a UA oferece, sentimos a necessidade de
ouvir as perceções dos estudantes quanto ao conhecimento e satisfação sobre
esses recursos no seu percurso universitário e perceber quais são os fatores
inibidores e facilitares da inclusão na fase de ingresso ao Ensino Superior.
Ingresso ao Ensino Superior
A escolha da universidade faz parte do imaginário de muitos estudantes que
idealizam o acesso ao Ensino Superior. Quer seja por escolha própria ou
incentivo de outrem, essa opção é obviamente importante. Para os estudantes
entrevistados, os principais motivos para a escolha da UA correspondem à
excelência académica, através de 8 unidades de texto, conforme explicitado pela
opinião do/a estudante AP: "Tenho conhecimento que a Universidade de
Aveiro tem qualidade a nível de ensino, então pronto, essa foi uma das
principais razões". O facto de ser inclusiva foi também referenciado em 8
unidades de texto, e AS exemplifica-o ao dizer: "Eu vim estudar
pr'aqui e ainda bem que vim porque a UA é uma das melhores universidades
a nível de acessibilidade de materiais, a universidade tem um bom serviço de
documentação que nos coloca o material acessível".
Relativamente à prova de acesso com que concorreram à universidade, foram
questionados sobre se tinham conhecimento do contingente especial e se
consideravam que esse era importante. Nenhum estudante expressou não ser
importante ou pouco importante. Todos os 11 estudantes tinham conhecimento do
contingente especial; porém, explicitaram em quatro momentos a preocupação com
a falta de informação relativamente a esse recurso - IG relata-nos que:
"Às vezes há muita falta de informação sobre os apoios que existem para os
cidadãos com NEE. Acho que há falta de informação". Contudo, nenhum
estudante expressou não ser importante ou pouco importante; unanimemente
referiram ser um grande apoio para o acesso ao Ensino Superior. Com efeito,
reforçamos que o contingente é um dos principais apoios ao ingresso de
estudantes com NEE no Ensino Superior, e conforme ressalva AS na sua
entrevista:
Nós temos várias limitações, nós precisamos de mais tempo para fazer as coisas,
mais tempo… É assim: se eu não tivesse o contingente especial, eu certamente… a
probabilidade de eu ficar aqui era relativamente significativa, mas imagina que
eu não ficava aqui e tinha que estudar, sei lá, p'ro Algarve ou sei lá… É
assim: eu acho que o contingente especial serve, eu acho que, de uma certa
forma, é uma boa ideia para dar oportunidade às pessoas com NEE.
Número ainda reduzido de estudantes com NEE
Os estudantes entrevistados foram questionados quanto aos motivos do número
ainda reduzido de estudantes com NEE no Ensino Superior e verificou-se que,
segundo as suas perceções, esse facto deve-se em primeiro lugar ao receio dos
estudantes. Para AA, um fator impeditivo "é o receio da rejeição, do medo
de não conseguir, de achar que é demasiado difícil, difícil em termos de se
adaptar, de acharem que se calhar não conseguem, que é complicado, que é… Acho
que é mais isso, o desconhecimento, o medo e o receio". Ao longo da vida
foram tão estigmatizados que um dos reflexos dessa realidade é a dificuldade em
perceber que têm possibilidades e capacidades. Essas reações são percetíveis na
fala dos entrevistados e exemplificadas pela fala de IG:
Eu dizia à minha mãe: "Ó mãe, eu sei que não tenho possibilidades de me
manter numa universidade, mas eu gostava de ir p'ra universidade, nem que
seja um ano, para ver como é que é, como é o ambiente, como são as pessoas,
como é que… como é que… como é a vida académica.
O segundo motivo do número ainda reduzido de estudantes com NEE no Ensino
Superior apontado pelos estudantes refere-se à falta de informação. São
apresentadas 10 unidades de texto nas quais referem, como AP, que "a
informação relativamente ao facto de esses alunos, essas pessoas com NEE
poderem ter acesso ao Ensino Superior ainda está muito pouco divulgada".
Além da falta de informação, as dificuldades relacionadas com as questões
financeiras são também referenciadas pelos estudantes, conforme descreve SM:
"É claro, às vezes a componente financeira também é, porque, quer
queiramos quer não, uma pessoa que tenha alguma limitação…as famílias dessa
pessoa ou dessa criança têm que sempre gastar mais algum dinheiro extra
p'ra completar essa limitação…". Através dos dados apresentados,
entende-se que a questão financeira é considerada um dos principais motivos
para o número ainda reduzido de estudantes que ingressam no Ensino Superior,
podendo isso ser comprovado através do número escasso de auxílios financeiros
recebidos pelos estudantes. De entre os 11 estudantes entrevistados, 7 não
recebem bolsa de estudo e somente 4 recebem algum tipo de auxílio; segundo AM:
"Pagar quase 200 euros por cada prestação de propinas não é fácil, pagar
mais um tanto por alojamento e depois, por exemplo, gastar mais 50 euros como
muitas vezes eu gasto por mês em medicamentos, não é fácil".
A falta de apoio, quer seja por parte da família (8), da escola (7) ou de forma
geral (7), foi também referenciada como um dos motivos para um número ainda
reduzido de estudantes com NEE no Ensino Superior. Para SM,
(…) o mais importante ainda é preparar o aluno desde o primeiro ano para entrar
na universidade e não começar a pensar no aluno: "Ah, ele tem uma
limitação ou X ou Y, enfim, e nunca vai dar p'ra vir para a
universidade". É claro que não, não é. Essa mentalidade é que não… é que
às vezes não deixa os alunos progredirem mais; é a falta de apoio no ensino
básico, no ensino secundário.
Além dos fatores já descritos até aqui, o preconceito foi também evidenciado.
Para AS, "Ainda há muito a ideia de que uma pessoa com deficiência não tem
que ter, por exemplo, de que um cego não consegue ser professor, não consegue
ser psicólogo, não consegue ser… percebes?, um cego só serve para ser
telefonista e pronto".
Maior incentivo para o ingresso no Ensino Superior
O maior incentivo para o ingresso no Ensino Superior foi referenciado pelos
estudantes, através de 9 unidades de texto, como sendo o da família: "Mais
uma vez foram os meus pais, me incentivaram muito", relata MS. Em segundo
lugar, o incentivo está relacionado com a própria vontade, o que pode perceber-
se em 7 referências e como descreve SM: "Por incrível que pareça, foi o
meu próprio orgulho, eu simplesmente decidi". Os antigos professores
também têm um importante papel no incentivo ao ingresso no Ensino Superior e
foram referenciados 5 vezes durante as entrevistas. O suporte familiar e o
incentivo de que todos temos capacidades são essenciais para a conquista de
objetivos, conforme expressa um dos entrevistados:
(…) o que me caracteriza é a minha força de vontade, nunca ter desistido dos
meus objetivos. Porque também sempre tive a família que me apoiou, isso também
é muito importante, que por vezes há famílias com crianças com NE que não
valorizam as competências que aquela criança obteve. E por vezes até olham só
para as incapacidades, e não para as competências...
Suporte da universidade no ingresso dos estudantes com NEE
Quando questionados os estudantes sobre o suporte da UA na fase de acesso,
averiguamos se o suporte social foi satisfatório ou insatisfatório e percebemos
que, na sua perspetiva, a UA organiza-se e disponibiliza um suporte social
satisfatório aos estudantes. Segundo eles, os principais motivos são:
informações, com 16 unidades de texto, e apresentação dos recursos, referida em
14 unidades de texto e descrita por AS:
Eu sei os recursos que a universidade tem e se eu posso utilizá-los. No momento
que eu estava a fazer a minha matrícula, disseram-me: "Olha, antes de se
ir embora, é importante que vocês falem com a responsável do gabinete
pedagógico, porque como esta aluna tem NE, ela não vê, é preciso ter alguns
cuidados, e dado que vocês estão cá hoje, ela pode-os receber.
Apesar de o maior número de referências ser de satisfação, apresentamos
seguidamente os aspetos descritos pelos estudantes como insatisfatórios. É
interessante perceber que são os mesmos fatores referidos como satisfatórios,
porém de forma menos positiva. Foram então evidenciados dois aspetos: a falta
de informação, descrita em 11 unidades de texto, e a falta de apresentação dos
recursos, em 6 referências, sendo esta lacunas apresentadas como fator gerador
de maior dificuldade no ingresso, conforme salienta RP: "A minha sorte é
que já tinha cá um irmão e também tinha alguns amigos cá, que eu entrei aqui e
eles disseram que eu tinha que fazer isso".
Conforme os dados anteriormente apresentados, os estudantes afirmam que a UA
possibilita um suporte social satisfatório referente ao acesso à universidade.
Apesar disso, ainda existem situações preocupantes, referenciadas
principalmente no que diz respeito à falta de informação, que necessitam ser
sanadas, o que, segundo Ferreira (2007), é de suma importância, pois o
acompanhamento do estudante inicia-se por um momento de acolhimento, para lhe
assegurar que não é um mero número na universidade e ouvir as suas solicitações
quanto ao apoio institucional.
Considerações finais
O ingresso de estudantes com NEE no Ensino Superior tem vindo a ser uma
realidade cada vez mais presente, e esse número acrescido tem impulsionado as
organizações políticas e instituições a oferecer recursos; porém, esse acesso
ainda não é percebido por todos como sendo para todos. Percebe-se, em todo o
caso, que a barreira do acesso ao Ensino Superior tem vindo a ser ultrapassada
aos poucos, apesar da necessidade de muitos avanços, principalmente no que diz
respeito à informação sobre as diferentes formas de candidatura às
universidades e às condições especiais para as provas de acesso.
A nível político, um dos principais recursos mencionados tem sido o acesso pelo
contingente especial e, ao nível institucional, as acessibilidades, presentes
desde o momento do ingresso na universidade e durante o percurso académico.
Apesar de o ingresso/acesso ao Ensino Superior ser um dos aspetos mais
referenciados e em que se investe na área da inclusão, atualmente, ainda há
muito a ser feito e considerado de forma a dar conhecimento sobre as
oportunidades que os estudantes com NEE têm, os seus direitos, os apoios
oferecidos, bem como a investir em políticas e financiamento para os estudos
aos estudantes que apresentam maiores dificuldades financeiras, podendo ser
este um dos fatores impeditivos para o ingresso e permanência no Ensino
Superior.
Com efeito, por um lado, compreender as dificuldades e expectativas da pessoa
com deficiência é fundamental; contudo, noutra perspetiva, e tal como afirma
AS: "Nós temos que nos fazer ouvir e nós temos que ser persistentes, fazer
com que as pessoas satisfaçam as nossas necessidades, porque se nós não
dissermos que precisamos de uma coisa, a pessoa não vai adivinhar".
Evidencia-se, pois, a necessidade de ser organizado um sistema de informações
facilmente acessível aos estudantes com NEE, mas também a necessidade do
conhecimento prévio dessas necessidades por parte da instituição como um todo
e, mais especificadamente, por parte dos docentes. Tanto a necessidade de
conhecer os apoios oferecidos pela universidade como a necessidade de
conhecimento prévio são fatores fundamentais para a adaptação destes estudantes
ao Ensino Superior, Deve ter-se em atenção que tal adaptação, bem como o
desempenho e os sentimentos por eles experienciados, dependem também da forma
como são acolhidos pela instituição (Abreu, 2013). De entre todas as
estratégias apresentadas, salientamos a importância do suporte das políticas
educativas e o reflexo da não existência de medidas sistemáticas e legais nas
universidades. Poderíamos afirmar que a retórica é tendente à valorização da
inclusão dos estudantes com NEE, os estudantes reconhecem e valorizam o papel
desempenhado pelas estruturas e agentes de apoio, relevando de maneira especial
o constante e importante papel da coordenadora do Gabinete Pedagógico no apoio
individualizado, através de medidas avulsas e pontuais que visam a inclusão
destes alunos na UA. Existem sobretudo iniciativas que necessitam de ser
afirmadas de uma forma mais clara e sistemática, a fim de assegurar as suas
práticas numa regulação legalmente explícita.
Conclui-se referindo que o intuito destas reflexões não é propriamente o de
apontar o que está bem ou os aspetos que necessitam de mudanças, mas antes dar
a conhecer as condições satisfatórias para que os estudantes possam aprimorar-
se no que lhes é oferecido e, principalmente, apontar as necessidades presentes
para que essas sejam conhecidas, a fim de serem superadas e sanadas, bem como
apresentar a realidade da inclusão no Ensino Superior como algo acessível a
todos, para que outras famílias e futuros universitários percebam que existem
desafios, sim, mas que também existe inclusão.
As principais limitações implicadas na pesquisa foram as relacionadas com o
tempo e com o consentimento dos participantes. A conclusão de uma pesquisa
desta extensão é um desafio e, portanto, algumas alterações tiveram que ser
pensadas e realizadas para que a falta de tempo não prejudicasse a condução do
trabalho. A pesquisa, que visava atentar também na perceção do corpo docente,
juntamente com o discente, passou a englobar somente a perceção dos estudantes
e a análise documental, que acreditamos terem sido igualmente ricas em dados e
correspondentes aos nossos objetivos.
Outro aspeto a referir foi a adesão dos alunos ao estudo. Idealizámos um número
um pouco maior de participantes, mas principalmente que englobasse maior
diversidade de NEE. Contudo, além da dificuldade em contactar e de organizarmos
as entrevistas conforme a disponibilidade de muitos deles, percebemos que um
grande número de estudantes não se sente à vontade para falar sobre as suas
limitações e tem receio da participação, mostrando-se inseguros também quanto à
incerteza do seu anonimato, mesmo esse sendo referido e assegurado.
É da realidade da UA que surge mais uma preocupação: a necessidade de suporte
aos estudantes surdos, NEE que não é encontrada na universidade e que o
Gabinete Pedagógico relata não ter condições para receber.
Refletindo sobre possíveis implicações e objetivos de estudo futuro, notamos a
necessidade de uma pesquisa que faça o cruzamento dos dados de forma mais
global, o que, conforme referido acima, não foi possível tendo em conta os
constrangimentos temporais. Será importante cruzar os dados referentes às
perceções dos estudantes e a perceção dos docentes, bem como os desafios que
eles enfrentam.
Em síntese, notamos que há ainda muito a ser investigado na área da educação
inclusiva no Ensino Superior e, apesar das limitações e de projetarmos algumas
implicações futuras, concluímos esta investigação certos de que muito
aprendemos e queremos compartilhar.