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EuPTHUHu0871-91872015000200014

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variedadeEu
ano2015
fonteScielo

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Matemática e música: Sistematização de analogias entre conteúdos matemáticos e musicais

Introdução A associação entre música e matemática é conhecida desde a Antiguidade (Garland & Kahn, 1995; Harkleroad, 2006; Walker & Don, 2013), quando os pitagóricos exploraram a sua ligação (Harkleroad, 2006). Ao longo dos tempos, a música tem vindo a acompanhar a História da humanidade, exercendo diferentes funções. Encontra-se presente em todas as regiões do mundo, sendo transversal a culturas e épocas. Paralelamente, a matemática também é universal, transpondo fronteiras culturais, históricas e intelectuais (Garland & Kahn, 1995).

Embora a música e a matemática possuam funções dissemelhantes na sociedade, diríamos mesmo aparentemente opostas, estão mais relacionadas do que possa parecer (Beer, 2008). Ambas partilham diversas variáveis, cujas ligações emergem entre determinados conteúdos da matemática e conteúdos musicais. Apesar da presença dos conceitos matemáticos na música, estes encontram-se essencialmente no âmbito da teoria da música e não na música em geral (Bahna- James, 1991).

Matemáticos e físicos como Pitágoras, Euclides, V. Galilei, G. Galilei, L.

Euler e J. Kepler, entre outros, sentiram as analogias entre matemática e música. Por outro lado, os músicos recorreram à matemática para descrever a sua arte, tais como J.-P. Rameau, J. S. Bach, F. Chopin, A. Schöenberg, J. Cage e I. Xenakis, entre outros (Rothstein, 2006). A música grega desempenhou um papel importante na evolução da matemática pura. Pitágoras protagonizou as experiências efetuadas no monocórdio, destacando-se a construção da escala musical com base nas razões perfeitas entre números naturais (Rodrigues, 2006).

No tempo de Pitágoras, os estudos das proporções e razões harmónicas estabeleceram a essência da música. Porém, no final da Idade Média, esta perspetiva foi perdendo relevância à medida que a música se foi tornando mais complexa (Beer, 2008).

A divisão das ciências matemáticas em quatro partes pertence à escola pitagórica: Aritmética, Geometria, Música e Astronomia. Com base nesta categorização estabeleceu-se o Quadrivium, parte fundamental das sete artes liberais do curriculum medieval, que se completa com o Trivium (Gramática, Dialética e Retórica) (Devlin, 2002; Monteiro, 2012; Rodrigues, 2006). No contexto do Quadrivium a música assumiu uma posição relevante. A permanência do Quadrivium na Península Ibérica nas universidades (portuguesa e salmantense) e mosteiros (Santa Cruz de Coimbra, São Vicente de Fora de Lisboa e Santa Maria de Ripoll, entre outros) deu-se até finais do século XV e decénios do XVI, para além da presença noutros países (Monteiro, 2012).

De facto, matemática e música têm interagido até ao presente (Harkleroad, 2006). No decurso do século XX, a linguagem musical foi matematizada (Lima, 2006), surgindo ideias matemáticas usadas pelos compositores como ferramentas básicas, desde a linha dodecafónica de A. Schöenberg e os quadrados mágicos de P. M. Davies até ao uso da teoria dos grupos, fractais e superfícies geodésicas por I. Xenakis (Cross, 2006; Rothstein, 2006).

Não obstante alguns estudos identificarem ligações entre matemática e música, carece-se de literatura que elenque de forma sistemática estas relações abarcando simultaneamente outros domínios, tais como os programas escolares.

Para além do estudo de Kells (n.d.), que fornece alguns exemplos a partir do documento Curriculum Focal Points for Prekindergarten through Grade 8 Mathematics da National Council of Teachers of Mathematics (2006), não nos foi possível encontrar outros estudos que compendiassem aquelas associações combinadas com programas ou recomendações sobre organização de programas escolares de matemática. Deste modo, a sistematização que elaborámos, e que é objeto deste estudo, é de nossa exclusiva autoria. Pretendemos, assim, constituir e contribuir com uma síntese de associações que sirva de base de trabalho para investigações futuras que se debrucem sobre as ligações entre matemática e música. Entre as possíveis áreas de intervenção destacamos o ensino e a aprendizagem da matemática por meio de aulas integradas de matemática e música, assim como a associação entre aprendizagem musical e desempenho matemático.

No seio da temática das aulas integradas de matemática e música, alguns estudos têm verificado que as lições que visam a inclusão de atividades musicais nas aulas de matemática têm efeitos positivos na aprendizagem desta disciplina (An, Kulm, & Ma, 2008), dado o ensino integrado ser desenhado através das ligações entre conteúdos das duas áreas (Still & Bobis, 2005).

Exemplificando, no estudo de An e colaboradores (2008) foram selecionados aleatoriamente 35 alunos do ano de escolaridade e submetidos a sessões de matemática de 90 minutos com música integrada. Os estudantes aprenderam a compor música pop e recorreram a notação gráfica com o intuito do ato de composição ser baseado em regras matemáticas simples. Como resultados, os autores observaram uma melhoria nos alunos ao nível da atitude e crença relativamente à aprendizagem da matemática. Mais recentemente, An, Tillman, Boren, e Wang (2014) conduziram uma investigação com pré e pós-teste em crianças do ano do Ensino Básico, com grupo experimental (classe de alunos com lições integradas de música e matemática) e grupo de controlo (classe equivalente de alunos, mas apenas com aulas de matemática convencionais), para avaliar e comparar as suas disposições para aprender matemática. Os grupos eram semelhantes no pré-teste no referente às variáveis em estudo. Porém, as medições no pós-teste mostraram que, após a intervenção com aulas integradas no grupo experimental, estes alunos obtiveram pontuações mais elevadas em crenças, atitude, utilidade, sucesso e confiança. Numa análise referente apenas ao grupo de estudantes de música, as mudanças das disposições para a matemática do pré para o pós-teste revelaram uma subida significativa nas seis medidas (motivação, atitude, crenças, utilidade, confiança e sucesso; efeitos experimentais classificados de médios a elevados). Os autores recomendam aos professores que dinamizem atividades musicais como contexto de aprendizagem da matemática, criando-se assim um ambiente de aprendizagem aliciante e agradável, conducente a melhorias nas disposições para aprender matemática.

Adicionalmente, e na continuação da mesma linha de investigação, An e Tillman (2015) concluíram que "the students' mathematics achievement improved throughout the music mathematics lesson interventions" (p. 56).

Num estudo dedicado ao modo como os professores integram atividades musicais nas aulas convencionais de matemática dos e anos do Ensino Básico, An, Capraro e Tillman (2013) mostraram que esta integração conduziu a resultados positivos em diversas aptidões matemáticas, designadamente ao nível do sentido numérico, álgebra, funções, medida, geometria, estatística, análise de dados, probabilidades e raciocínio matemático.

Paralelamente à área de investigação agora apresentada, referimos outra que respeita aos contributos da aprendizagem musical no desempenho académico, em particular matemático. De forma abrangente, os estudos apontam para uma associação positiva entre ambas as áreas (Cabanac, Perlovsky, Bonniot-Cabanac, & Cabanac, 2013; Helmrich, 2010; Hille & Schupp, 2015; Schellenberg, 2006; Southgate & Roscigno, 2009). É de realçar que é possível continuar a observar uma associação positiva entre aprendizagem musical e performance matemática mesmo quando se controla o efeito do desempenho matemático prévio (Helmrich, 2010; Southgate & Roscigno, 2009), da inteligência (Schellenberg, 2006) e do nível socioeconómico (Hille & Schupp, 2015; Southgate & Roscigno, 2009).

Face ao exposto, o presente artigo tem por objetivo apresentar ligações entre conteúdos da matemática e conteúdos musicais. Em particular, pretendemos sistematizar associações entre tópicos/temas ou domínios de conteúdos matemáticos e elementos/conceitos musicais tendo por base os Programas de Matemática dos Ensinos Básico ( ciclo) e Secundário portugueses.

Metodologia O artigo consiste numa análise qualitativa da literatura que identifica ligações entre matemática e música, e posterior sistematização da relação entre conteúdos da matemática e conteúdos musicais. Os procedimentos adotados que permitiram constituir as bases para a identificação e exame das relações entre conteúdos matemáticos e musicais foram os seguintes: (1) pesquisa de artigos e livros em repositórios de bases bibliográficas (e.g., B-on, Web of Knowledge, Emerald, Ebsco), usando a palavra-chave no título e no abstract "Matemática e Música", e (2) consulta de artigos e livros centrados na musicologia histórica e sistemática (Duckles et al., 1980); os procedimentos (1 e 2) permitiram revelar ligações intrínsecas entre matemática e música no âmbito das temáticas da Teoria e análise musicais, Acústica e Composição musical. Seguidamente, procedeu-se à sistematização das relações entre matemática e música atendendo à organização por: a) domínios de conteúdos matemáticos e conteúdos matemáticos do Programa de Matemática do Ensino Básico ( ciclo) (Ponte et al., 2007), e respetivas Metas Curriculares definidas pelo governo português para o Ensino Básico da Matemática (Bivar, Grosso, Oliveira, & Timóteo, 2012); e b) tópicos e temas matemáticos dos Programas de Matemática A e B dos 11º e 12º anos do Ensino Secundário português (Silva, Fonseca, Martins, Fonseca, & Lopes, 2002a, 2002b, 2002c, 2002d).

No âmbito deste trabalho, a palavra "música" é usada no contexto da música erudita Ocidental, ou seja, no sistema musical utilizado na Europa Ocidental e Américas (Grout & Palisca, 1994).

Resultados Expomos a ligação entre conteúdos matemáticos e musicais repartidos por três temáticas musicais e que identificámos no âmbito das Teoria e análise musicais, Acústica e Composição musical. Em cada secção fazemos uma síntese dessa relação apresentando a literatura em que nos suportámos. Finalizamos com uma exposição em quadro, que sistematiza as ligações entre conteúdos da matemática e conteúdos musicais segundo os Programas de Matemática dos Ensinos Básico ( ciclo) e Secundário portugueses.

Teoria e análise musicais No que concerne à teoria e análise musicais, o vínculo entre conteúdos da matemática e conteúdos musicais é exposto sob vários aspetos na literatura, a seguir elencados: (a) os intervalos musicais estão associados a relações numéricas e proporções (Beer, 2008; Benson, 2008; Ferreira, 2005; Harkleroad, 2006; Henrique, 2014; Miller, Vandome, & McBrewster, 2010; Wright, 2009), a operações aritméticas (adição, subtração, multiplicação e divisão) (Benson, 2008; Ferreira, 2005; Miller et al., 2010; Rodrigues, 2006; Wright, 2009), a logaritmos (Benson, 2008; Miller et al., 2010; Wright, 2009) e a exponenciais (Wright, 2009); e, ainda, aos números racionais nas escalas Pitagórica e Natural (Benson, 2008; Wright, 2009), aos números racionais nas escalas temperadas (Mesotónica e Temperamento igual), aos números irracionais nas escalas temperadas (Mesotónica e Temperamento igual) (Benson, 2008; Wright, 2009) e ao trítono (Rothstein, 2006); (b) as escalas Pitagórica, Natural e Mesotónica ligam-se com as relações numéricas e proporções (Beer, 2008; Ferreira, 2005; Harkleroad, 2006; Henrique, 2014; Miller et al., 2010; Wright, 2009) e os números racionais (Wright, 2009); (c)  as escalas temperadas (Mesotónica e Temperamento igual) associam-se com os números irracionais (Beer, 2008; Wright, 2009) e os números racionais (Wright, 2009); (d) os acordes ligam-se com as relações numéricas e proporções (Beer, 2008; Rothstein, 2006); (e) a harmonia relaciona-se com os múltiplos inteiros (Beer, 2008) e as relações numéricas e proporções (Beer, 2008; Ferreira, 2005; Harkleroad, 2006; Miller et al., 2010; Rothstein, 2006; Steinhaus, 1969); (f)  o timbre associa-se a funções trigonométricas (Harkleroad, 2006; Wright, 2009).

A afinidade estrutural entre música e matemática é visível quando fazemos uma análise relativa à representação simbólica e de padrão. Na execução de uma partitura, um músico tem de reconhecer símbolos próprios e, seguidamente, convertê-los numa ação motora. De forma idêntica, a tarefa da matemática consiste numa representação de padrões, assim como de relações, através de símbolos personalizados (Bahr & Christensen, 2000). Deste modo, a matemática e a música usam um sistema de notação especializado (Wollenberg, 2006).

A representação gráfica da música faz-se por meio de notação musical numa partitura, sendo que os conceitos matemáticos estão evidentes na sequência das notas em função do tempo (melodia e ritmo). Isto é, na partitura musical, a sucessão realizada da esquerda para a direita (eixo dos xx) representa a passagem do tempo (ritmo/duração), ao passo que o eixo vertical (eixo dos yy) reproduz a melodia (altura do som/frequência). No caso da matemática, o tempo é vulgarmente parametrizado pelo eixo horizontal (eixo dos xx) (Bahr & Christensen, 2000; Rothstein, 2006; Wright, 2009). Assim, o processo de leitura de música tem paralelismo com o uso de gráficos por matemáticos (Bahr & Christensen, 2000). Saliente-se, ainda, que as notações musical e matemática possuem configurações muito abstratas (Devlin, 2002). Ao especificarmos o carácter simbólico da notação musical, emergem conceitos associados ao tempo/ duração (pulsação, figuras musicais/duração das notas/sons, pausas, pontos de aumentação, ligaduras, barras e compassos), ao ritmo (acentuação e agrupamento das notas em tempos) e à altura do som (claves, pentagrama e nota/frequência) que integram um espaço musical bidimensional, ou seja, de altura do som e de tempo (Geometria da música) (Bahr & Christensen, 2000; Harkleroad, 2006; Hodges, 2006; Nisbet, 1991; Rothstein, 2006; Wright, 2009). Adicionalmente, Hodges (2006) propõe a intensidade do som/sensação de intensidade como pretendente à terceira dimensão do espaço musical, a qual é observável na partitura através dos sinais de dinâmica (sinais de gradação de intensidade).

Sistematizando o agora mencionado, a associação entre conteúdos da matemática e conteúdos musicais emerge da seguinte forma: (a) o tempo associa-se com relações numéricas, proporções racionais e proporção irracional/proporção dourada (Ferreira, 2005); (b) a duração das notas (figuras musicais)/sons relaciona-se com múltiplos inteiros (Scimemi, 1999), relações numéricas (Scimemi, 1999), proporções (Wright, 2009) e operações aritméticas nas notas (multiplicação e divisão) (Miller et al., 2010), notas e pausas (adição, multiplicação e divisão), tercina (divisão) e ligaduras de prolongação (adição) (Wright, 2009); (c)  os compassos ligam-se a relações numéricas (Nisbet, 1991); (d) o ritmo associa-se com relações numéricas e proporções (Ferreira, 2005); (e) a nota musical/som/frequência/altura do som liga-se com múltiplos inteiros (Benson, 2008; Harkleroad, 2006; Miller et al., 2010), operações aritméticas na Escala do Temperamento igual (multiplicação e divisão) (Miller et al., 2010), funções trigonométricas (Harkleroad, 2006; Wright, 2009) e logaritmos (Benson, 2008; Everest & Pohlmann, 2015; Howard & Angus, 2009; Wright, 2009); (f)  a intensidade/sensação de intensidade relaciona-se com logaritmos (Benson, 2008; Everest & Pohlmann, 2015; Henrique, 2014; Howard & Angus, 2009).

No que se refere aos padrões geométricos/musicais ("frisos") e aos motivos musicais classificados pelas suas simetrias, assim como às séries de 12 sons, como elementos integrantes de composições musicais de certos compositores, os mesmos enquadram-se no domínio das ideias geométricas (Bahr & Christensen, 2000; Benson, 2008; Harkleroad, 2006; Hodges, 2006; Rothstein, 2006; Simões, 1999, 2006; Wright, 2009). A título de exemplo de obras e compositores citem-se: fugas de J. S. Bach (Hodges, 2006), Sonata 2 em M para piano, KV 280, de W. A. Mozart (Simões, 2006), Le courlis cendré do Catalogue d'oiseaux de O. Messiaen (Hodges, 2006) e Concerto para piano e orquestra, Opus 42, de A. Schöenberg (Simões, 1999).

Segundo Wright (2009), o conceito de simetria aplica-se em música associado aos fenómenos de transformação (repetição de padrões) e de repetição de secções.

Nas transformações encontramos a transposição, a retrogradação e a inversão (Harkleroad, 2006; Hodges, 2006; Rothstein, 2006; Scimemi, 1999; Simões, 2004, 2006; Wright, 2009) em várias obras, tais como nas de compositores de música de 12 sons (ex., A. Schöenberg e M. Babbitt). No que diz respeito à repetição de secções, a palavra simetria é aplicada ao conceito de forma musical (Benson, 2008; Hodges, 2006; Wright, 2009), como é o caso da forma binária (AABB) e da forma ternária (ABA) (Wright, 2009). Estas temáticas remetem-nos para a composição musical, adiante abordada.

Os números de Fibonacci (sequência de números inteiros) e o número de ouro são conceitos matemáticos também interessantes (Beer, 2008; Harper, 2007), apesar de Wright (2009) mencionar que a associação entre matemática e música através destes conteúdos parece distante. No entanto, alguns estudiosos encontraram o número de ouro em peças musicais, nomeadamente ao nível da composição musical (ex., divisões formais e desenvolvimento de uma linha melódica) (Ferreira, 2005; Garland & Kahn, 1995). Como exemplo, este conceito foi observado em determinadas sonatas de D. Scarlatti (Harper, 2007), entre outras obras.

Acústica Na música, durante o século XVII, ocorreu um processo de mudança no sentido da mesma mudar de ciência para arte, apesar de manter um vínculo com as duas áreas. É possível encontrar várias ligações entre ciência e música neste período. Foi no século XVII que se iniciou a ciência acústica moderna, considerada a ciência do som (Wollenberg, 2006).

A música é uma arte que usa o som (Miller et al., 2010), sendo que este é considerado a matéria-prima da música e o fundamento da sua estrutura (Henrique, 2014). Na produção, propagação e perceção do som e da música encontramos relações sonoras e simbólicas que podem ser relacionadas com as ciências matemáticas (Lima, 2006; Rodrigues, 2006). Através da física concretiza-se um contacto evidente entre matemática e música. Por outro lado, a vertente acústica da música recorre à análise por meio da matemática (Harkleroad, 2006; Henrique, 2014). Adicionalmente, Henrique (2014) refere que a acústica musical, ao ser uma área de caráter científico, necessita da física e da matemática para abordar com rigor a maioria dos temas que dela fazem parte.

De seguida, recorrendo a literatura específica, mencionamos alguns trabalhos que focam conteúdos e temas no círculo da acústica musical. Henrique (2014) expõe uma panóplia de assuntos, dos quais se destacam os fundamentos físicos do som, a acústica dos instrumentos musicais (cordofones, aerofones, membranofones e idiofones), a acústica de salas, a perceção dos sons musicais, e a afinação, intervalos, escalas e temperamentos. Sempre que possível, o autor explora a associação entre matemática, física e música. O trabalho de Bibby (2006) explana também os temas da afinação e temperamento, reportando que na Grécia Antiga os sons musicais considerados consonantes associavam-se a relações numéricas simples. O autor analisa esta questão associada à transposição musical até à adoção da Escala do Temperamento igual. Ainda na esfera da temática da afinação, escalas e temperamentos, Harkleroad (2006), Benson (2008) e Walker e Don (2013) apresentam e comparam determinados sistemas de afinação.

Para além do mencionado por Wright (2009) acerca dos intervalos musicais, o autor foca também a medição destes através dos cents, assim como a conversão dos cents em relação matemática e a conversão da razão de um intervalo musical em cent. Entre outros aspetos abordados, encontramos a aplicação da escala logarítmica à altura do som, bem como a associação de funções periódicas à Trigonometria. O trabalho de Benson (2008) expõe uma série de assuntos onde é possível observar uma ligação com a matemática, particularmente no que se refere à caracterização do som puro, à análise de Fourier, à teoria da consonância e dissonância, aos instrumentos musicais, à música digital e à síntese de sons musicais. De modo semelhante, Walker e Don (2013) fornecem informação sobre síntese de áudio digital. Taylor (2006) descreve vários temas dedicados à física do som, aos fenómenos acústicos, à psicoacústica e a aspetos associados à acústica dos instrumentos musicais. Henrique (2006) aborda igualmente os instrumentos, expondo os aspetos lineares e não-lineares concernentes ao comportamento dos mesmos do ponto de vista físico. A acústica do espaço, sendo este considerado um prolongamento do instrumento musical, é relatada por meio dos painéis de Schroeder, os quais são fundamentados na teoria dos números.

Composição musical No âmbito da composição musical, a matemática pode assumir uma função relevante. Apesar de muitos compositores terem construído obras tendo por base aspetos puramente musicais, as mesmas peças podem também ser descritas segundo princípios matemáticos. Como exemplos, refira-se a técnica de transposição aplicada a um determinado padrão musical, como no caso da melodia da primeira marcha Pomp and Circumstance de E. Elgar, ou da combinação da transposição com outras operações. Neste último caso, mencione-se Das Musikalische Opfer (A Oferenda Musical)de J. S. Bach, em que a segunda metade da peça consta da primeira metade mas tocada de forma retrógrada. Noutras situações, os compositores usaram a matemática de forma explícita nas composições musicais (Harkleroad, 2006). Rafael (2006) chega a referir que uma composição musical pode ter um resultado interessante mesmo que seja baseada em elementos matemáticos simples.

Como supradito, a presença da matemática na composição musical apenas se impôs no século XX (Lima, 2006). Deste modo, e ao longo do tempo, o próprio conceito de música foi sendo ampliado paralelamente ao alargamento dos horizontes no campo da composição musical (Henrique, 2014). A. Schönberg foi o primeiro compositor que aplicou de forma evidente a matemática na composição musical, nomeadamente por meio do dodecafonismo, um método de composição com 12 sons (Lima, 2006). Contudo, "o primeiro grande caso na história da música onde a composição musical está () associada à acústica, à musicologia, à filosofia e às matemáticas é o de Iannis Xenakis, que realizou () uma síntese genial entre arte e ciência" (Lima, 2006, p. 46). Outro compositor de aplicação explícita da matemática na composição musical é M. Babbitt, utilizando a teoria de grupos de um modo muito complexo (Harkleroad, 2006).

Refira-se o trabalho de determinados investigadores onde é possível encontrar alguns aspetos que associam a matemática à composição musical. Começando por Rafael (2006), o autor declara que "ao nível da composição, as relações mais importantes, entre a matemática e a música, encontram-se essencialmente ao nível das alturas (), ao nível dos timbres (), mas também fundamentalmente ao nível dos ritmos, durações e forma (temporal)" (pp. 116-117). Grattan- Guinness (1999) aborda a utilização da numerologia em peças musicais de W. A.

Mozart e de L. van Beethoven, bem como da gematria em obras de W. A. Mozart.

Simões (1999, 2001, 2002, 2004), numa série de trabalhos, descreve algumas regras de composição propostas por determinados compositores no decurso do século XX, sendo que estas regras podem ser expressas em termos matemáticos. De modo idêntico, algumas propriedades musicais resultam daquela representação matemática. A autora apresenta as regras de composição no seio da música dodecafónica, do serialismo integral, da música minimal e da música estocástica. Harkleroad (2006) relata diversas técnicas de composição musical.

Analisa técnicas usadas para variar temas, assim como alguma matemática que permite compreender a forma como essas técnicas se encontram relacionadas entre si, como acima aflorado. Cite-se a transposição, a inversão ou a retrogradação de um determinado padrão musical, bem como a composição por meio de 12 sons aplicando ou não a teoria de grupos. Do mesmo modo, Oliveira (2009) utiliza a matemática explorando a teoria de grupos. Harkleroad (2006) consagra, ainda, um capítulo ao modo como certos compositores utilizam a aleatoriedade e a probabilidade. Através da análise de obras, Patriarca (2006) apresenta a música espectral como um sistema composicional relevante do final do século XX e início do século XXI, o qual utiliza a série de harmónicos. Expõe também a aplicação de fractais no âmbito da composição espectral.

Na secção seguinte apresentam-se em quadro os resultados analíticos acima expostos, que reportam as relações existentes entre matemática e música identificadas na literatura. Pretende-se que cada quadro sistematize as ligações entre conteúdos da matemática e conteúdos musicais seguindo os Programas de Matemática do ciclo do Ensino Básico (e respetivas Metas Curriculares) e do Ensino Secundário.

Sistematização dos resultados de acordo com os programas nacionais de matemática dos Ensinos Básico ( ciclo) e Secundário O Quadro_1 foi elaborado a partir da associação dos domínios de conteúdos matemáticos e conteúdos matemáticos do Programa de Matemática do Ensino Básico ( ciclo) (Ponte et al., 2007) e das Metas Curriculares (Bivar et al., 2012) com os elementos e conceitos musicais mencionados na bibliografia especializada supracitada. O Quadro_2 resultou da combinação dos tópicos e temas matemáticos dos Programas de Matemática A e B dos 11º e 12º anos do Ensino Secundário (Silva et al., 2002a, 2002b, 2002c, 2002d) com os elementos e conceitos musicais igualmente mencionados na literatura supradita. Foram excluídos dos quadros os conteúdos matemáticos que não pertencem aos Programas de Matemática dos Ensinos Básico e Secundário portugueses, apesar desses conteúdos terem sido identificados nas rubricas anteriores.

Discussão e conclusões Com o presente artigo pretendeu-se contribuir para o entendimento abrangente da ligação entre "ciência do número" e "arte dos sons", ou seja, entre matemática e música. Especificamente, procurou-se apresentar conteúdos matemáticos e musicais que apontam para esta relação.

Os conteúdos matemáticos e musicais foram identificados em três temáticas musicais no seio da musicologia histórica e sistemática, ou seja, ao nível da Teoria e análise musicais, Acústica e Composição musical. Como acima mencionado, Bahna-James (1991) considera que as semelhanças entre matemática e música ocorrem sobretudo ao nível da teoria musical. O nosso estudo encontra-se em linha com o deste autor, dado termos identificado a maioria das associações no âmbito desta temática. Adicionalmente, Bahna-James (1991) reporta que a correlação entre matemática e teoria musical é maior quando a matemática é considerada a um nível elementar, designadamente no que toca à Aritmética, à Álgebra e à Geometria.

Da sistematização das ligações entre conteúdos matemáticos e musicais segundo a organização dos Programas de Matemática do ciclo do Ensino Básico (e respetivas Metas Curriculares) e do Ensino Secundário, sobressaíram quatro áreas da matemática, isto é, a Aritmética, a Álgebra, a Trigonometria e, especialmente, a Geometria. No nosso estudo, foi possível identificar uma série de conteúdos matemáticos e musicais que se enquadram no tema da Geometria e que tornam a relação entre matemática e música muito percetível, concretamente no que toca à ligação da transformação geométrica (conteúdos matemáticos) com a transformação e repetição de secções (elementos e conceitos musicais). Um dos conteúdos refere-se aos padrões, aspeto que Bahr e Christensen (2000) consideram importante na sobreposição da matemática com a música, como acima mencionado. Tanto a música como a matemática utilizam símbolos e desenvolvem padrões (musicais no caso da música e numéricos no referente à matemática) e ambas baseiam-se em construções abstratas (Bahr & Christensen, 2000; Devlin, 2002). A compreensão do simbolismo e dos padrões é crucial às tarefas dos músicos e é uma regra usada na resolução de problemas matemáticos (Bahr & Christensen, 2000). Segundo estes autores,

() the more advanced the musician becomes, the greater is their capacity for comprehension of complexity, and the requirement to decipher and act upon the presentation of these abstract symbols.

(...) As for the musician, as a mathematician becomes more advanced their capacity to abstract from and comprehend complex symbolic representations increases (Bahr & Christensen, 2000, p. 192).

Concretamente, o sistema de notação musical ao ter uma representação simbólica (Bahr & Christensen, 2000) tenta retratar os fenómenos auditivos de um modo espacial, permitindo aos músicos a exploração da associação visão-audição (Harkleroad, 2006). Os aspetos relacionados com o tempo e a altura do som correspondem a duas dimensões do espaço musical (Geometria da música) e encontram-se registados por meio de um sistema de representação escrita denominado partitura (Hodges, 2006). Para além da representação simbólica, uma composição musical (Lewin, 2011; Rothstein, 2006), assim como a matemática (Rothstein, 2006), explora o espaço através de uma topologia própria (Lewin, 2011; Rothstein, 2006). No caso específico da música refira-se, como exemplo, os fenómenos de transformação de melodias, por meio de padrões e motivos musicais, operados por compositores que utilizaram abundantemente ideias geométricas, tais como J. Desprez, J. S. Bach, L. van Beethoven, B. Bartók e A.

Schöenberg (Hodges, 2006).

Além desta ligação da música com a Geometria, concluiu-se também pela existência de associações entre um conjunto de conteúdos da matemática e conteúdos musicais que se enquadram na esfera de outras áreas da matemática, tais como a Aritmética, a Álgebra e a Trigonometria. As áreas temáticas da Aritmética, da Geometria e da Trigonometria tinham sido identificadas por Santos-Luiz (2007). Ao nível de uma análise mais fina, isto é, da ligação entre alguns conteúdos matemáticos e musicais, o nosso estudo, apesar de mais abrangente, suporta o de Bahna-James (1991). A investigação deste autor consistiu numa análise às respostas a um inquérito, aplicado a 124 estudantes de música de uma escola do Ensino Secundário, sobre as ligações entre matemática e música. Os resultados revelaram-se coincidentes com os nossos, embora apenas se tenham centrado ao nível da altura do som com a Aritmética, das relações tonais com a Aritmética e Álgebra, dos acordes com a Álgebra, e do ritmo com a Álgebra.

Apesar das limitações inerentes a qualquer investigação de natureza qualitativa, este estudo pretendeu ser um avanço no que toca à sistematização entre conteúdos da matemática e conteúdos musicais. O enquadramento, atendendo aos Programas de Matemática dos ensinos Básico e Secundário portugueses, apresentou, também, um caráter inovador. Como proposta de investigação futura pretendemos dar continuidade a esta investigação estendendo-a a outros níveis de ensino, designadamente ao Pré-escolar, aos e ciclos do Ensino Básico e ao Ensino Superior. Outra proposta consiste em sensibilizar os agentes educativos para as vantagens decorrentes do processo ensino-aprendizagem da matemática através de aulas integradas de matemática e música, onde a ligação e a sistematização entre conteúdos da matemática e da música sejam aplicadas.


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