Editorial
Editorial
Sociologia, Problemas e Práticas encerra o presente ano com a edição do seu
número 58. Nele, os leitores encontram em primeiro lugar o artigo de Gilberto
Velho sobre Gilberto Freyre e a singularidade da sua obra e trajectória.
Referência marcante do século XX, reconhecido internacionalmente, Freyre tem
suscitado o interesse analítico de vários estudiosos que, como Velho afirma,
vêem na riqueza da sua produção campo fértil para dela fazerem leituras
multifacetadas, de que decorrem múltiplas classificações.
Uma reflexão crítica sobre classificações dúbias e respectivas consequências
para o avanço do conhecimento científico, mas também do ponto de vista ético,
poderá ser o modo de sumariamente caracterizar o artigo de Nora Machado acerca
da utilização dos conceitos de raça e etnia na investigação médica. A autora
procura evidenciar como apesar do desenvolvimento verificado nas ciências
médicas, em vários países, estas continuam a mobilizar categorias pouco
rigorosas e a praticar uma medicina racializada, que associa determinados
padrões de saúde e doença a traços fisionómicos ou a auto-definições de
identidade étnica.
É igualmente do tema da saúde e da medicina que se ocupa Helena Serra, em cujo
texto faz a análise dos processos de tomada de decisão por parte dos médicos, e
de como tais processos se consubstanciam em práticas de poder e saber,
accionadas num campo de relações com múltiplos protagonistas, disso sendo
exemplo o caso da unidade hospitalar de transplantação hepática onde desenvolve
a pesquisa.
Vítor Sérgio Ferreira, por sua vez, examina as práticas de marcação do corpo
que se inscrevem na indústria do designcorporal, bastante desenvolvida nos
anos mais recentes. O texto mostra como esta tendência acompanha um conjunto
vasto de outras actividades contemporâneas relacionadas com a construção e
manutenção do corpo e com o afirmar de novas formas identitárias, por um lado,
ao mesmo tempo que tem vindo a transformar-se em meio de vida e estratégia de
profissionalização para alguns jovens, que assim combinam um estilo de consumo
com uma inserção laboral.
Ana Delicado propõe-se analisar os factores de mobilidade e as relações de
diáspora dos cientistas portugueses que optaram por trabalhar, pelo menos
temporariamente, noutros países. Numa conjuntura em que se valoriza cada vez
mais a carreira internacional e o trabalhador global, a partir do estudo dos
fluxos de mobilidade é possível conhecer a posição dos diversos países no mapa
do sistema científico, quanto à sua capacidade de atracção e, consequentemente,
de produção e disseminação de conhecimento. Com base num inquérito aos
cientistas portugueses no estrangeiro a autora procura compreender a situação
de Portugal neste domínio.
O artigo de Ana Belchior foca o estudo da democracia nos partidos políticos
portugueses, centrando-se no exame do perfil dos eleitores, dos programas
político-partidários e da organização dos partidos, enquanto dimensões
analíticas que lhe permitem concluir serem os valores democráticos
omnipresentes em todos eles.
Por fim, Eduardo Cintra Torres transporta-nos a textos literários do século XIX
e início do século XX, sobre amores não aprovados socialmente e mal sucedidos
no seu desfecho, relativamente aos quais estabelece comparações e explora
homologias, no quadro do que designa por percurso sociológico ( ) em busca da
relação entre Eros e a multidão.
Maria das Dores Guerreiro