Ensino superior, trabalho e emprego na actual sociedade de risco: um olhar
sobre o caso de mestres e doutores
Introdução: o contexto da sociedade de risco
A utilização da expressão sociedade de risco para designar a sociedade
contemporânea constitui o título de uma obra já considerada clássica do
sociólogo alemão Ulrich Beck (1992 [1986]), e tem vindo a ser amplamente
difundida no quadro dos debates sobre as mudanças sociais da actualidade. Na
tentativa de ultrapassar outras tipificações da sociedade contemporânea, como
pós-fordista ou pós-moderna, esta proposta de Beck tem suscitado debate de
ideias com outros sociólogos contemporâneos como, por exemplo, Scott Lash e
Anthony Giddens (Beck, Giddens e Lash, 2000 [1994]).
Longe de pretender reproduzir este debate, adoptamos o termo sociedade de
risco no título deste texto porque consideramos que as relações entre o ensino
superior e mundo do trabalho e emprego são um dos domínios da realidade social
em que a reflexividade e a destradicionalização, enquanto duas
características marcantes da sociedade contemporânea (ainda que possam ser
entendidadas de modo ligeiramente distinto por cada um dos autores), se têm
vindo a observar.
Num contexto de mudança das relações entre ensino superior e emprego, a
expressão sociedade de risco pretende significar a necessidade de aceitar que
a incerteza e a imprevisibilidade são cada vez mais inerentes às nossas vidas
individuais e colectivas, desafiando a racionalidade técnica e científica
típica de outras etapas societárias e exigindo uma maior reflexividade na
construção das biografias de cada indivíduo e dos nossos destinos colectivos.
Sabemos como o trabalho tem ocupado diferentes lugares em diferentes modelos de
sociedade. Na Antiguidade trabalhar era um factor de exclusão social, mas na
Modernidade o trabalho remunerado é o principal elemento de referência
identitária e factor de inclusão social (Beck, 2000 [1999]). Na
contemporaneidade é esta herança do trabalho como elemento primordial de
referência identitária que nos provoca dificuldades, num contexto em que o
acesso ao trabalho remunerado não se encontra nem assegurado nem garantido a
não ser por períodos limitados das trajectórias dos indivíduos, traduzindo-se
num clima de democratização da insegurança no emprego (Brown, 2003). O que se
verifica é que, se no passado as formas burocráticas de organização
pressupunham carreiras marcadas pela segurança de emprego e pela progressão,
hoje em dia emergem formas alternativas de organização que desafiam os
critérios de sucesso pessoal no mundo contemporâneo e tornam impossível aos
indivíduos, designadamente aos diplomados de ensino superior, planear as suas
carreiras a longo prazo, dada a imprevisibilidade e incerteza que caracterizam
o mundo actual.
Paralelamente, se no passado um diploma de ensino superior constituía um
passaporte para o mundo profissional, o mesmo não tem vindo a suceder nos
anos mais recentes, desde que a massificação do ensino superior significa que o
respectivo diploma não é mais do que um recurso que os indivíduos mobilizam
no acesso ao emprego, entre muitos outros elementos que interferem nessa
transição para a esfera profissional. Com efeito, sublinhámos em trabalho
anterior que, em nosso entender, o processo de inserção profissional resulta do
confronto e da interacção entre um conjunto de actores com diferentes lógicas,
estratégias e posicionamentos, não podendo de modo algum ser considerado uma
consequência directa e exclusiva da acção do ensino superior (Alves, 2005).
Não obstante, o prolongamento dos percursos escolares dos indivíduos e a
procura crescente de diplomas escolares parecem constituir, pelo menos em
parte, uma estratégia que pode ser apelidada de credencialista e
utilitarista, no sentido em que se orienta, predominantemente, por uma lógica
consumista de acquisitive learning (Brown, 2003) associada à acumulação de
diplomas escolares que se espera que favoreçam a empregabilidade. De modo
constrastante, uma lógica de inquisitive learning corresponde a um interesse
genuíno pelo conhecimento e pela aprendizagem em si mesmos, recusando o
predomínio de finalidades utilitaristas ou credencialistas nas escolhas
efectuadas durante os percursos escolares e nas trajectórias de formação ao
longo da vida.
Tendo em conta estas tendências evolutivas, o presente texto pretende
contribuir para o aprofundamento da reflexão e da compreensão em torno das
relações entre ensino superior e mundo do trabalho, tendo por base os
resultados de um projecto de pesquisa desenvolvido por uma equipa
multidisciplinar de investigadores.1 Este projecto centrou-se no estudo das
trajectórias profissionais e educativas de diplomados de ensino superior que
escolheram frequentar mestrado e/ou doutoramento, assim como na análise das
estruturas organizacionais, pedagógicas e curriculares de mestrados e
doutoramentos nas universidades.
Num contexto de sociedade de risco, em que a questão não é apenas como obter um
primeiro emprego após a conclusão do ensino superior, mas também como manter
esse emprego ou voltar a reinserir-se profissionalmente se tal for necessário,
qual é o papel dos diplomas de mestrado e de doutoramento oferecidos pelo
ensino superior? Quais as suas lógicas de funcionamento na perspectiva dos seus
responsáveis? Com que motivações os indivíduos os procuram? E que efeitos
ocorrem nas suas vidas após a obtenção desses diplomas?
Para dar resposta a estas questões, importa analisar as lógicas e
posicionamentos de diplomados, académicos e empregadores, procurando aprofundar
a reflexão sobre os percursos profissionais e formativos dos indivíduos. Os
empregadores não foram objecto de nenhuma recolha de informação empírica
directa no quadro deste projecto, mas, de algum modo, obtivemos um conjunto de
indicações sobre os seus posicionamentos, através das operações de recolha de
dados junto dos académicos e dos próprios diplomados.
Metodologia da pesquisa empírica
Os resultados de pesquisa que estão na base deste artigo têm origem no projecto
de investigação já referido, o qual integra operações de recolha empírica
dirigidas a dipolomados de ensino superior e a académicos. Designadamente,
neste artigo baseamo-nos nos dados recolhidos através de inquérito por
questionário a mestres e doutores, aplicado por via postal no ano de 2005, com
o objectivo de caracterizar as trajectórias de trabalho e formação desses
diplomados. A equipa optou por contribuir para o autoconhecimento das
instituições universitárias em que os investigadores trabalham, tendo sido
inquiridos 145 mestres e doutores diplomados nas instituições de ensino
superior que participam no projecto (Universidade de Aveiro, Universidade Nova
de Lisboa/Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Lisboa/Faculdade
de Psicologia e Ciências da Educação e Universidade Técnica de Lisboa/Instituto
Superior de Economia e Gestão), nos anos lectivos 1995/1996 e 2000/2001. Esta
amostra de inquiridos corresponde a 32,95% do universo em estudo (mestres e
doutores diplomados em 1995/96 e 2000/01 nas instituições referidas), o que é
considerado um valor expectável para uma operação de inquirição por via postal.
Todavia, não se pode afirmar que obtivemos uma amostra representativa do ponto
de vista estatístico, visto que a nossa amostra se constitui por si própria,
decorrendo das decisões individuais de responder ou não ao questionário, pelo
que desconhecemos com exactidão quais os motivos que levaram alguns indivíduos
a não responder.2 A razão para a escolha das duas datas de conclusão dos
cursos (diplomados de 1995/96 e 2000/01) está relacionada com o facto de
existir uma crise de emprego entre estas duas datas, pois a taxa de desemprego
teve o seu valor máximo em 1997 e foi diminuindo depois até cerca de 2001/02.
Ou seja, com base no pressuposto de que o ano de obtenção do diploma é aquele
em que se procura a inserção (ou reinserção) no mercado de trabalho, escolhemos
inquirir diplomados daqueles dois anos lectivos, de modo a constituir dois
grupos que se podem controlar reciprocamente, no sentido em que um deles
engloba sujeitos que se diplomaram e tentaram a inserção numa fase de crise de
emprego, enquanto os diplomados do outro grupo o fizeram num período de
relativamente boa conjuntura laboral.
Quadro 1
Distribuição dos inquiridos por área de formação (em %)
A amostra de inquiridos inclui 27 doutores e 118 mestres de diferentes áreas
científicas.
Os resultados que estão na base deste artigo decorrem, também, de uma operação
de recolha de dados dirigida aos académicos através da realização de
entrevistas semiestruturadas. Foram entrevistados sete coordenadores de
mestrado, que haviam sido seleccionados para entrevista pelo facto de os cursos
de mestrado pelos quais eram responsáveis no momento da entrevista serem
aqueles que haviam tido um maior número de respostas no inquérito por
questionário a mestres e doutores.
O guião de entrevista semidirectiva divide-se em duas grandes partes, com os
objectivos, por um lado, de caracterizar os cursos em termos do seu historial,
público e enquadramento institucional e, por outro lado, detectar o modo como
os entrevistados avaliavam os efeitos dos cursos a diferentes níveis
(mestrandos, instituição universitária, articulação com o mercado de trabalho,
etc.). As entrevistas foram realizadas no último trimestre de 2005 e os
entrevistados eram coordenadores de cursos de mestrado de áreas disciplinares
diversificadas no Instituto Superior de Economia e Gestão (dois casos), na
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (dois casos),
na Universidade de Aveiro (dois casos) e na Faculdade de Psicologia e Ciências
da Educação da Universidade de Lisboa (um caso).
A perspectiva dos académicos
O debate em torno das finalidades do ensino superior tem decorrido ao longo dos
séculos e encontrado diferentes respostas consoante os tempos históricos e os
contextos sociais, culturais ou geográficos, dando origem a diversos modelos de
universidade. Algumas abordagens, que designaremos instrumentalistas
(Barnett, 1994 [1990]), assentam no pressuposto de que o ensino superior tem
uma determinada função relativamente à sociedade envolvente, enquanto no quadro
de outras perspectivas, apelidadas liberais (Barnett, 1994 [1990]), rejeita-
se aquele pressuposto funcionalista, argumentando-se que o ensino superior tem
valor por si mesmo. Estes posicionamentos correspondem a dois modelos distintos
para entender a articulação entre ensino superior e mundo do trabalho, sendo
ambos questionáveis mas úteis enquanto pólos opostos em permanente tensão que
configuram o espaço das possibilidades daquela articulação.
Alguns autores sustentam, aliás, que um certo conflito em torno desta temática
é endémico, notando-se que enquanto os representantes do ensino superior, as
mais das vezes exprimem opiniões de que o ensino superior pode ser forçado em
demasia por pressões utilitaristas, os actores externos com maior frequência
censuram o ensino superior por ser demasiado auto-reflexivo, demasiado parecido
com uma torre de marfim, demasiado elitista (Teichler e Kehm, 1995: 120).
É possível identificar, ao longo da História, modelos e reformas do ensino
superior que se aproximam mais de um ou de outro extremo. O espírito da
abordagem funcionalista parece-nos estar presente na reforma napoleónica em
França, quando são reorganizadas as grandes écoles e criada a universidade
imperial, ou ainda nos anos 60 do século XX, quando em Inglaterra se decide a
criação dos politécnicos. Mas o essencial da abordagem académica parece poder
ser associada a Newman, que em 1852 publica The Idea of a University, afirmando
que o conhecimento e a educação universitária devem ser valorizados em si
mesmos, ou a Von Humboldt que, na Alemanha do início do século XIX, defende que
as escolas profissionalizantes só deveriam integrar a universidade quando a sua
formação básica enaltecesse a capacidade de pensamento e imaginação e não
apenas a prática.
Tomando como referência este quadro de diversas possibilidades para a
articulação entre ensino superior e espaço profissional fora deste, a análise
das sete entrevistas a coordenadores de mestrado permite, como seria de
esperar, identificar diferentes posicionamentos que podemos agrupar em três
conjuntos distintos. Estes conjuntos foram constituídos tendo em conta a
informação contida nas entrevistas sobre os objectivos dos cursos de mestrado,
o perfil e as expectativas do público que os frequenta e a atitude face à
colaboração/parceria com instituições não académicas.
No quadro seguinte, podemos identificar os mestrados que se inserem em cada um
destes conjuntos, sendo de notar que a criação de qualquer um destes cursos
ocorreu no período entre meados da década de 80 e meados da década de 90, não
sendo estas datas um elemento explicativo das lógicas diferenciadas subjacentes
aos conjuntos.
Quadro 2
Cursos de mestrado segundo as lógicas de articulação com o espaço profissional
fora do ensino superior
O grupo A3 corresponde aos cursos de mestrado cuja lógica subjacente é,
sobretudo, a de constituírem um contributo para a investigação, sendo menos
valorizadas as colaborações com instituições não académicas. O conjunto B
engloba os cursos de mestrado que, nas suas finalidades, associam a formação
para a investigação com a formação de cariz profissionalizante, atribuindo
algum destaque à colaboração com instituições não académicas. O grupo C
coincide com os mestrados que se caracterizam por claramente visarem a formação
de profissionais, sendo bastante valorizada a articulação com instituições não
académicas.
No grupo A, incluímos os dois cursos de mestrado em Ciências da Educação,
considerando que ambos se vocacionam, predominantemente, para o desenvolvimento
da investigação. Numa das entrevistas refere-se que a orientação destes cursos
foi sempre encarada desde início como algo que tinha como objectivo central o
desenvolvimento da investigação nesse campo e portanto, digamos, quaisquer
efeitos de carácter profissional eram encarados como enfim, um resultado
paralelo mas subordinado claramente à investigação. Afirma-se também que, num
período mais recente, esta linha de orientação se manteve, procurando-se
articular cada vez mais a organização dos cursos de mestrado e a orientação de
teses com projectos de investigação de maior fôlego, com financiamento externo
nomeadamente da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), no sentido de não
dissociar, digamos, as actividades de investigação.
Em todas as edições do curso têm predominado as mulheres, sendo que a média
etária do público tem vindo a diminuir e as expectativas têm-se vindo a
alterar. Nas primeiras edições eram pessoas que já tinham uma carreira
profissional e que visavam a progressão na carreira (docentes dos ensinos
básico e secundário ou superior ou ainda enfermeiros), ou então pessoas já em
final da carreira que procuravam o mestrado por questões de prestígio ou de
aprofundamento de conhecimentos. Ora, actualmente as coisas tendem a inverter-
se e a ser um público jovem que prolonga os estudos uma vez que se desvalorizam
os diplomas. E portanto é um investimento em diplomas mais elevados, não é?.
Registam-se algumas parcerias, nos anos mais recentes, com organismos estatais
como o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) ou o Ministério da
Saúde.
No caso do outro mestrado em Ciências da Educação os objectivos têm estado
também ligados à investigação, tendo-se inicialmente sublinhado a necessidade
de abrir para um pensamento, uma reflexão e um estudo que extravasasse as
questões do mundo escolar [ ] era muito essa preocupação de romper fronteiras
dos contextos que, normalmente, eram objecto mais de estudo e de investigação.
Também neste curso o público tem sido sempre constituído maioritariamente por
mulheres, registando-se alguma evolução na média etária. Igualmente se constata
que nas primeiras edições estava um público mais adulto, para quem o mestrado
não era uma sequência da licenciatura, pelo que se apostava no potencial
formativo e de construção de conhecimento que a experiência tinha dado às
pessoas, com inserções profissionais diversificadas (em escolas, centros de
formação profissional, câmaras municipais, etc.) e que procuravam o mestrado
motivadas pela progressão na carreira, e outras apenas pelo aprofundamento do
conhecimento e da reflexão. Hoje em dia o curso é frequentado por um público em
média mais jovem. Não se registam parcerias com instituições não académicas,
mas considera-se que essa deverá ser uma área na qual investir no futuro.
O conjunto B abrange o mestrado em Economia, que terá sido o primeiro curso
deste tipo neste domínio científico em Portugal. Inicialmente dirigido para os
sujeitos que estavam na carreira académica, ou seja, para formar fornadas de
assistentes aqui na escola e prepará-los para doutoramento, o perfil do
público tem vindo a alterar-se. Actualmente frequentam o curso, por um lado,
indivíduos que se inserem num percurso académico em que o mestrado é a etapa
obrigatória que medeia entre a licenciatura e o doutoramento, mas, por outro
lado, sujeitos que trabalham em grandes empresas (referidos os exemplo da EDP e
PT) ou em grandes organismos estatais, já com alguma experiência profissional
de três ou quatro anos, e que têm como expectativa um aprofundamento de
natureza teórica ou instrumental na área da Economia e é por isso que eles
vêm. O público do curso é constituído, equilibradamente, por homens e
mulheres. Os protocolos com empresas têm tido lugar pontualmente, em diferentes
momentos da história deste mestrado.
O curso em Electrónica e Telecomunicações também integra o grupo B, pois tem
procurado desde a sua criação responder a duas questões: à necessidade de
formar investigadores nesta área e para ir ao encontro das necessidades do
tecido económico/empresarial. O público é fundamentalmente masculino (cerca de
90%), registando-se uma evolução no sentido de uma maior diversidade ao nível
de idade e do número de anos de experiência profissional. Inicialmente havia
muitas pessoas recém-licenciadas apenas com um ano de experiência, mas hoje em
dia a maioria são indivíduos que terminaram a licenciatura há dois ou três
anos, embora também existam alguns já com dez anos de experiência. A maior
parte está ligada a empresas e uma minoria a centros de investigação ou
institutos politécnicos. De acordo com os inquéritos que se realizam
periodicamente sobre as expectativas dos mestrandos, conclui-se que estes
procuram a progressão na carreira mas sobretudo uma valorização profissional.
Há colaboração com a indústria por parte do departamento, bem como se
desenvolvem esforços no sentido de estabelecer parcerias com empresas no âmbito
do curso de mestrado.
O terceiro curso de mestrado a incorporar neste grupo é o de Supervisão, que
tem como objectivo desenvolver um conjunto de conhecimentos, capacidades,
estratégias e criar um espaço de reflexão e investigação sobre a problemática
da supervisão, articulando-se com áreas profissionais diversificadas que
abrangem desde os professores, aos bancários e profissionais das áreas da saúde
e formação profissional, e sendo escolhido também por docentes do ensino
superior com o objectivo de progredirem na carreira. O mestrado tem como
critério que os sujeitos têm de ter alguma experiência profissional, sob pena
de o curso não ter para eles qualquer sentido, tal como é sublinhado na
entrevista: em muitos outros mestrados que eu sei que estes jovens
desempregados acabam a licenciatura e imediatamente se matriculam no mestrado e
que vão. Nós aqui procuramos que não seja embora tenhamos gente ainda jovem,
com pouca experiência. Neste curso, as mulheres são tendencialmente em maior
número. As expectativas do público, de acordo com questionários que
anteriormente realizavam, parecem ser bastante para progressão na carreira e
com a intenção de protagonizar alguma mobilidade profissional, mas também
muito genuinamente para aprenderem mais. Existiu colaboração com empresas do
sector bancário numa das edições e com organismos ligados à saúde noutras
edições.
No grupo C, o mestrado em Qualidade dos Materiais terá sido, desde a sua
origem, patrocinado sempre com o apoio do PEDIP [ ] o objectivo era apoiar a
indústria portuguesa. Actualmente esse apoio desapareceu, registando-se, por
um lado, uma diminuição do público que frequenta o curso e, por outro lado, uma
evolução desse mesmo público, que deixa de ser composto apenas por quadros de
empresas industriais ou prestadoras de serviços às indústrias, passando a
englobar desempregados e recém-licenciados. As expectativas do público vão no
sentido de colmatar alguma carência de conhecimentos em certas áreas que no
seu dia-a-dia das suas empresas não tiveram correspondente formação
universitária. Há colaboração com as empresas, procurando-se aproveitar todas
as oportunidades neste domínio, pois essa colaboração é considerada vital para
o desenvolvimento do mestrado.
O segundo curso que englobamos neste conjunto é o mestrado em Gestão (mais
tarde MBA), que inicialmente esteve vocacionado para a formação de assistentes
da carreira académica que pretendiam progredir na mesma, mas progressivamente
passou a haver mais gente ligada à indústria que se interessou pelo curso e em
meados da década de 90 [ ] o mestrado passou a assumir-se como mestrado
marcadamente profissionalizante, portanto como um MBA. Neste sentido, o
objectivo é a formação de gestores e a expectativa do público a de procurar
potenciar a capacidade que têm para fazer uma carreira profissional,
basicamente é isto. A noção que eu tenho é a de que existe uma noção no
mercado hoje em dia, de que fazer um MBA é bom para potenciar a capacidade de
sucesso de um indivíduo promissor no interior de uma organização. Assinala-se
que o curso é frequentado maioritariamente por homens de média etária
relativamente jovem (cerca de 29 ou 28 anos), pois são sujeitos com cerca de
quatro ou cinco anos de experiência. A ligação às empresas é considerada
fundamental para o desenvolvimento do mestrado.
Em síntese, procuramos com esta breve análise criar uma tipologia dos cursos de
mestrado analisados que permita explicitar diferentes lógicas, no modo como se
equacionam os objectivos e finalidades da aprendizagem no quadro do mestrado e
as colaborações com instituições exteriores ao meio académico. Consideramos
relevante sublinhar que, globalmente, parece verificar-se uma tendência no
sentido de uma maior aproximação entre os cursos de mestrado e o mundo
profissional (seja empresarial ou estatal), muito embora a situação seja
bastante diversificada consoante os cursos de mestrado e a área disciplinar em
que se situam. Em alguns domínios (grupo C) esta ligação já está bastante
consolidada, enquanto noutros existem apenas algumas experiências pontuais
(grupo B) que noutros casos são mais incipientes (grupo A). As explicações para
estas diferenciações têm de ser procuradas na diversidade de filosofias
subjacentes ao funcionamento de cada curso, que não são dissociáveis do perfil
da área disciplinar em que cada um deles se insere.
O ponto de vista dos diplomados
Na tentativa de aprofundar a compreensão sobre as relações entre ensino
superior e mundo do trabalho, do ponto de vista dos diplomados, importa ter em
conta diversas dimensões de análise, das quais destacamos as motivações/
expectativas destes sujeitos relativamente aos mestrados e doutoramentos
oferecidos pelo ensino superior, as articulações entre trajectórias
profissionais e percursos formativos, ou ainda as características dos percursos
dos indivíduos que podem ser associadas à formação frequentada no ensino
superior. No estudo destas diferentes dimensões de análise importa destrinçar
claramente os mestres dos doutores, não só porque sabíamos desde o início que
os dois grupos têm perfis bastante diferenciados relativamente a diversos
aspectos, mas também porque o número de doutores inquiridos é diminuto (apenas
27 doutores e 118 mestres num total de 145 inquiridos).
No que diz respeito às razões apresentadas pelos sujeitos para frequentar
mestrado e doutoramento, podemos notar que aspectos como contribuir para o
desenvolvimento intelectual, adquirir mais conhecimentos e, no caso do
doutoramento, pertencer à comunidade científica são considerados importantes
ou muito importantes por uma maioria de inquiridos (cerca de 90% em qualquer
dos casos). Paralelamente, também a razão poder fazer melhor o meu emprego é
considerada importante ou muito importante por cerca de 85%, quer dos mestres
quer dos doutores.
Entre as razões que os inquiridos consideram pouco ou nada importantes para
escolher frequentar mestrado ou doutoramento, destacam-se não ter expectativas
de emprego, iniciativa da entidade patronal e a família sempre esperou que
fizesse um curso, bem como, no caso do mestrado, a exigência da entidade
patronal (em qualquer um dos casos com valores acima dos 80% ou mesmo dos
90%).
A observação do quadro seguinte, e a análise das razões consensualmente mais e
menos importantes para frequentar mestrado e doutoramento, permitem questionar
a noção de que o mestrado e o doutoramento são procurados, sobretudo, por
indivíduos que não conseguem aceder a um emprego no mercado de trabalho actual.
Do que se trata, aparentemente, não é de procurar aceder ao emprego, mas sim de
desempenhar melhor o emprego.4
Quadro 3
Razões dos inquiridos para a frequência de cursos de mestrado e doutoramento
(em %)
Paralelamente a estas motivações profissionais, razões relacionadas com o
desenvolvimento intelectual e a aquisição de conhecimentos são importantes para
escolher mestrado e doutoramento. Tal parece revelar que as formações na
universidade são procuradas por motivações relacionados com a esfera
profissional da vida dos indivíduos, mas também por elementos que traduzem uma
valorização daquela instituição como um espaço de aprendizagem e
desenvolvimento pessoal.
Um outro aspecto que os dados que temos vindo a apresentar permitem questionar
é o interesse e incentivo que as entidades empregadoras demonstram sobre o
facto de os seus empregados frequentaram este tipo de formação. Como já
referenciámos, assumem um carácter de pouca ou nenhuma importância o incentivo
e exigência das entidades patronais para a frequência deste tipo de formação,5
bem como o apoio financeiro destas mesmas entidades no pagamento de propinas.
Na verdade, quer o mestrado quer o doutoramento significam custos
significativos que são suportados fundamentalmente pelo próprio (54,9%) ou
através de bolsas de organismos públicos (24,3%) e raramente pela entidade
empregadora (13,2%). É de notar, adicionalmente, que quando interrogados sobre
se os aspectos financeiros constituem um obstáculo à frequência de outros
cursos e formação, cerca de 40% afirmam que são um grande obstáculo e 33,1%
consideram este aspecto um pequeno obstáculo, existindo cerca de 1/4 que afirma
que tal não constitui obstáculo.
Assim, muito embora a análise das entrevistas a coordenadores de mestrado
permita colocar a hipótese de que há alguma aproximação entre as universidades
e as instituiçãos empregadoras, os dados que agora apresentamos parecem indicar
que estas últimas não valorizam significativamente a frequência destas
modalidades de formação por parte dos seus empregados.
Para melhor compreender todas estas articulações, parece crucial caracterizar
sucintamente as situações e actividades profissionais, bem como as entidades
patronais dos inquiridos. De notar que, na actualidade, os mestres e doutores
se ocupam maioritariamente em profissões que se enquadram no grande grupo dos
especialistas das profissões intelectuais e científicas (82,1%), detendo
também um valor assinalável os quadros superiores da administração pública,
dirigentes e quadros superiores de empresas (15%). Em termos de situação na
profissão são, sobretudo, trabalhadores por conta de outrem (89,1%) que, em
mais de metade dos casos, têm um contrato sem termo (58,3%), estando os
restantes distribuídos por formas mais precárias de contratação. Apenas 10,4%
dos inquiridos já estiveram desempregados desde a conclusão da licenciatura,
dos quais 9% apenas por uma vez.
Os graus de satisfação com a situação profissional actual são bastante
elevados, afirmando-se os sujeitos muito satisfeitos (53,9%) e satisfeitos
(31,2%). As razões apontadas para justificar estes elevados níveis de
satisfação estão, em grande parte dos casos, relacionadas com a progressão
futura, do tipo possibilidade de melhorar a situação profissional ou
possibilidade de evoluir na carreira profissional.
Quadro 4
Graus de satisfação com a formação académica (em %)
No que diz respeito aos graus de satisfação com a trajectória académica,
importa notar que os inquiridos se afirmam maioritariamente satisfeitos ou
muito satisfeitos, sendo esta tendência mais acentuada no caso dos doutores.
Consequentemente, há 88,6% dos inquiridos que afirmam que, no caso de terem de
escolher novamente, mantinham o mesmo percurso académico. No grupo minoritário
daqueles que não fariam o mesmo percurso académico, quase metade teriam optado
por um curso de doutoramento, dispensando a etapa do mestrado, e apenas um ou
dois inquiridos colocam a hipótese de um percurso escolar que não incluisse o
ensino superior. Ou seja, estamos perante uma população com elevados níveis de
escolaridade, que parece manifestar satisfação por completar graus ainda mais
elevados. Tal observação está em concordância com aquilo que havíamos concluído
em trabalho de investigação anterior (Alves, 2005) sobre o facto de os
indivíduos com mais elevados níveis de escolaridade protagonizarem trajectórias
profissionais em que há uma maior apetência para continuar um percurso escolar
e formativo, seja através do retorno ao sistema educativo, seja pela frequência
de acções de formação.
A observação do quadro 5 sobre os contributos que, na opinião dos inquiridos,
estas formações no ensino superior significaram em diversas vertentes, permite
perceber um pouco melhor as perspectivas dos mesmos sobre os efeitos do
mestrado e doutoramento.
Quadro 5
Contributos do processo de formação académica de mestres e doutores (em %)
A observação do quadro favorece o entendimento de que, para a quase totalidade
dos inquiridos, os contributos do processo de formação académica que se
inscrevem no plano da aprendizagem e desenvolvimento pessoal (98,7% dos mestres
e 97,4% dos doutores consideram que os cursos contribuíram ou contribuíram
muito para aprender coisas novas e desenvolver no plano pessoal) e no quadro
do conhecimento científico (94,9% dos mestres e 97,4% dos doutores apontam como
contributo desenvolver a cultura científica, enquanto 91,9% dos mestres e
94,7% dos doutores indicam construir conhecimento na área científica) são
muito valorizados. Inversamente, os aspectos para os quais os cursos parecem
ter contribuído de forma menos significativa correspondem a garantir um
estatuto social elevado (76,5% dos mestres e 59,5% dos doutores consideram que
o curso contribui pouco ou nada nesta vertente) e alterar a situação familiar
(89% dos mestres e 78,4% dos doutores consideram que contribuiu pouco ou nada).
Procurando detectar o destaque conferido às opções de resposta mais ligadas à
esfera profissional que, como vimos, são importantes razões para justificar a
frequência dos cursos, apercebemo-nos de que as mesmas alcançam valores
bastante elevados. Contudo, essas razões não são objecto de um consenso tão
alargado como os elementos ligados à aprendizagem e desenvolvimento pessoal:
- no que diz respeito a conseguir responder às necessidades no plano
profissional, 73% dos mestres e 83,3% dos doutores consideram que os
respectivos cursos contribuíram ou contribuíram muito;
- no que se refere a progredir na carreira profissional, 69,6% dos mestres e
78,9% dos doutores indicam que os respectivos cursos contribuíram ou
contribuíram muito;
- quanto a participar para a organização do trabalho em que exerce a
actividade profissional, 71,9% dos mestres e 89,2% dos doutores afirmam que os
respectivos cursos contribuíram ou contribuíram muito;
- em termos de estabelecer contactos pessoais e profissionais para o
desenvolvimento do percurso profissional, 53,3% dos mestres e 69,2% dos
doutores apontam que os respectivos cursos contribuíram ou contribuíram muito.
De notar também que, no plano de elevar o rendimento económico, os mestres
dividem-se quase em igualdade entre os que consideram que o curso contribuiu ou
contribuiu muito e os que indicam que contribuiu pouco ou nada, enquanto entre
os doutores 66,7% afirmam que contribuiu ou contribuiu mesmo muito.
Em síntese, esta sucinta apresentação de alguns resultados do questionário
realizado permite considerar a perspectiva dos diplomados, apontando para que
possa existir alguma concordância entre as expectativas dos diplomados face aos
cursos e os efeitos desses mesmos cursos. Nomeadamente, nota-se que aspectos
ligados à esfera profissional têm destaque, a par com dimensões relacionadas
com a aprendizagem e desenvolvimento pessoal, na justificação da escolha de
frequentar mestrado e doutoramento, sendo os efeitos destes cursos sobretudo
destacados a nível de aprendizagem e desenvolvimento pessoal e também, embora
menos consensualmente, no plano profissional. Ainda que assim seja, os
inquiridos manifestaram-se bastante satisfeitos com a sua formação académica.
Outro aspecto que importa sublinhar, relaciona-se com o facto de não ser
possível associar linearmente a ausência de expectativas de emprego e as
dificuldades no acesso ao mesmo com a procura de cursos de formação pós-inicial
no ensino superior. Muito embora esta associação possa ter algum significado em
grupos restritos de sujeitos, não constitui uma tendência generalizável ao
conjunto da população em estudo que, aliás, se caracteriza por situações
profissionais que os próprios consideram bastante satisfatórias.
Conclusão: convergências e divergências entre académicos, diplomados e
empregadores
O trabalho empírico que está na base deste artigo não tem qualquer pretensão de
originar resultados que sejam estatisticamente generalizáveis a todas as
universidades, diplomados e empregadores de diplomados de ensino superior, uma
vez que abrange um número restrito de instituições e sujeitos em apenas algumas
áreas disciplinares. No entanto, consideramos que constitui um contributo
significativo face à escassez de estudos desta natureza, em particular no caso
português, pelo que importa reflectir sobre os resultados alcançados,
formulando hipóteses e interrogações que permitam aprofundar o nosso
conhecimento e a nossa compreensão sobre as matérias em análise.
Existem, naturalmente, diferentes interpretações possíveis. Poderíamos fazer
uma leitura interpretativa dos dados que nos levaria a sublinhar a necessidade
de adequar as universidades às necessidades dos profissionais, como muitas
vezes fazem a opinião pública e os empregadores. Contrastando, é possível uma
outra leitura interpretativa dos nossos resultados, que desse relevo à
importância conferida ao ensino superior, sobretudo pelos académicos e
diplomados, enquanto espaço de aprendizagem e desenvolvimento pessoal e
intelectual, traduzindo o posicionamento daqueles que consideram que a
empregabilidade não deve ser uma das preocupações do ensino superior.
Contudo, os resultados do nosso estudo apontam para a necessidade de evitar
estes dois extremos dicotómicos e os equívocos que ambos encerram,
considerando-os antes como orientações contrastantes mas coexistentes.
Com efeito, por um lado, a análise das motivações expressas pelos diplomados
inquiridos para procurarem cursos de mestrado e de doutoramento revela que nas
mesmas se combinam elementos que valorizam os aspectos profissionais o que
pode ser associado àquilo que no início deste texto designámos como uma lógica
consumista de aquisitive learning (Brown, 2003), no sentido da acumulação de
diplomas escolares para melhorar o desempenho profissional com elementos que
valorizam a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal possibilitados pela
frequência do ensino superior o que pode ser relacionado com uma lógica de
inquisitive learning(Brown, 2003), que corresponde a um interesse genuíno pelo
conhecimento e pela aprendizagem em si mesmos.
Por outro lado, também a análise das lógicas subjacentes aos cursos de mestrado
revela a coexistência de orientações mais próximas do desenvolvimento sobretudo
da investigação que podem ser associadas a posicionamentos de tipo liberal
(Barnett, 1994 [1990]) , com orientações que valorizam a relevância dos cursos
de mestrado para os contextos e percursos profissionais as quais podem ser
relacionadas com perspectivas instrumentalistas (Barnett, 1994 [1990]).
Aliás, o modo como estas duas orientações se combinam, dando mais relevo a uma
ou a outra, permitiu a criação da tipologia de cursos de mestrado que atrás
explicitámos.
Ainda que assim seja, importa notar que, aparentemente, é conferido algum
destaque aos aspectos profissionais nas motivações para frequentar cursos de
mestrado, mas que os efeitos que esses cursos parecem ter para aqueles que os
frequentaram tendem a ser menos consensualmente identificados no plano
profissional do que no plano do conheciemnto e desenvolvimento pessoal. Tal não
implica que os sujeitos se revelem globalmente insatisfeitos com a frequência
de formação académica, mas indicia que os efeitos da formação académica no
plano profissional, embora assinalados por muitos inquiridos, não parecem ser
tão consensualmente valorizados, nem pelos próprios diplomados nem sobretudo
pelos seus empregadores.
Noutros termos, os dados apresentados revelam que existem em algumas vertentes
convergências e noutras divergências entre as lógicas e intencionalidades de
académicos, diplomados e empregadores. Note-se, porém, que entre os académicos
podemos registar alguma intencionalidade de aproximação das lógicas dos cursos
aos contextos profissionais fora do ensino superior, mas a informação que
pudemos recolher sobre os empregadores aponta para que os mesmos tendam a
desvalorizar a formação pós-inicial nas universidades. Ou seja, as
convergências parecem ser mais procuradas pelos académicos e universidades.
Por seu turno, os diplomados tendem, como sabemos, a procurar cada vez mais a
frequência de cursos de formação pós-graduada nas universidades,6 o que é, por
vezes, justificado como uma estratégia que visa fazer face a situações de
emprego precárias, ou pelo menos incertas e desfavoráveis. Contudo,
aparentemente, não pudemos associar linearmente a procura de formação pós-
inicial universitária aos sujeitos que se encontram excluídos do mercado de
emprego, até porque essa formação encerra custos relativamente elevados, que
tendem a ser suportados essencialmente pelos próprios.
A procura de cursos de mestrado e doutoramento parece ser constituída, muito
significativamente, por indivíduos que visam melhorar a sua situação e/ou
desempenho profissionais. Ou seja, os diplomados tendem a investir em
qualificações mais elevadas, num clima de democratização de insegurança no
emprego (Brown, 2003) e de percursos profissionais marcados pela incerteza e
pela imprevisibilidade. Mas acresce que, como os dados também revelam, as
razões para frequentar formação pós-inicial que se relacionam com a esfera
profissional surgem estreitamente associadas a razões que têm a ver com o gosto
pelo aprofundamento do conhecimento e com a sua realização pessoal.
Assim sendo, em nosso entender, os dados desta investigação reforçam a
necessidade de recusar perspectivas instrumentais e adequacionistas da
educação, contribuindo para a valorizar também como processo de aprendizagem e
de construção pessoal. Como refere Canário (1999), importa evitar uma visão
adaptativa e instrumental da educação face ao trabalho/emprego, salientando
que não se trata de ajustar a primeira ao segundo, reflectindo sobre os
conhecimentos e competências que preenchem necessidades sentidas no mundo do
trabalho. Alternativamente, importa encarar a educação como processo que tem
como referência o próprio sujeito, conduzindo à construção de conhecimento e da
sua visão de si próprio, dos outros e do mundo envolvente.
Uma nota final centra-se no facto de os dados discutidos neste texto se
referenciarem a um contexto pré-Bolonha, o que não significa, em nosso
entender, uma menor pertinência dos resultados da investigação realizada. Pelo
contrário, numa época em que as instituições de ensino superior têm vindo a
reformular a sua oferta formativa, o conhecimento sobre os percursos escolares,
formativos e profissionais dos diplomados e sobre os cursos de formação pós-
graduada afigura-se-nos particularmente relevante, de modo a apoiar a reflexão
e a decisão sobre modalidades e estratégias de formação inicial e contínua a
privilegiar neste nível de ensino. De facto, também no interior do ensino
superior os movimentos de reflexividade e destradicionalização,
características da sociedade de risco, são desafios marcantes da
contemporaneidade.