As políticas de Open Access: Res publica científica ou autogestão?
Por conteúdos Open Access entendemos a sua disponibilidade na Internet pública,
permitindo aos utilizadores ler, descarregar, copiar, distribuir, imprimir, ou
relacionar os textos completos destes artigos, inseri-los para indexação,
passar os dados para software, ou utilizá-los com qualquer outro objectivo
legal, sem barreiras financeiras, legais ou técnicas a não ser as inerentes ao
acesso à Internet em si. O único limite para a reprodução e distribuição, e o
único papel para os direitos de autor neste campo deverão ser o de fornecer ao
autor controlo sobre a integridade do seu trabalho e o direito a ser
correctamente citado e reconhecido. (A Iniciativa de Budapeste para o Acesso
Aberto)
Introdução
Ao longo da última década, nenhum outro tema no campo da produção científica,
das ciências da vida às humanidades e da engenharia às ciências sociais, tem
gerado tantas discussões acesas e tantos posicionamentos individuais ou
colectivos como o Open Access. Qualquer pesquisa online sobre a temática do
Open Access mostrará centenas de ligações, demonstrando a vitalidade do tema,
mas também as diferentes perspectivas sobre o mesmo.
A World Wide Web é um enorme repositório da história presente e passada sobre o
que podemos chamar o movimento Open Access, e desde a posição a favor da Bio
Med Central, como a que está presente no documento (Mis)Leading Open Access
Myths
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ou What you can do to promote Open Access
2
de Suber, à dificuldade de aceitação de tais perspectivas por parte de algumas
das editoras de revistas científicas,
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como a Elsevier,
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encontramos vários exemplos. Os milhões de links gerados pela simples pesquisa
do termo na World Wide Web atestam a sua vivacidade, actualidade e importância
(quadro 1).
Quadro 1 - Resultados de pesquisa do termo Open Access na Internet (13/11/2007)
O que está em causa não é a produção científica em si, mas a forma como esta é
partilhada, o que, por sua vez, também é diferente da forma como o conhecimento
científico é legitimado. A distinção entre estas dimensões deve ser clara:
quando se fala de Open Access (OA) discutem-se as restrições de preço
(assinatura) e de permissão (restrições de licença e de copyright) anexadas ao
conhecimento científico (Suber, 2007). É dentro desta lógica que se deve
procurar entender o movimento social de acesso livre ao conhecimento
científico, que tem vindo a ganhar cada vez mais força dentro do mundo
académico.
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O utilitarismo fornece um argumento de peso em prol deste movimento. De facto,
Mill já observara que quanto mais elevados forem os padrões de conhecimento de
uma sociedade, maior será o bem comum (Mill, 1848). Ora, como hoje em dia a
partilha de conhecimento não é um jogo de soma nula,
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a remoção das barreiras e das restrições ao seu acesso na pior das hipóteses
nada mudará, e na melhor das hipóteses funcionará como um elemento
multiplicador do desenvolvimento e do bem-estar social.
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Neste sentido, o OA pode ser entendido como um processo de descentralização
que potencia a reutilização e a disseminação do conhecimento ao mesmo tempo que
minimiza a sua recriação (isto é, repetição de experiências/investigações por
desconhecimento/falta de acesso a resultados já existentes). Todavia, estes
argumentos estão longe de ser consensuais, sendo perspectivados de uma forma
muito diferente pelas editoras e empresas que adoptam modelos de publicação
académicos que restringem o acesso à produção científica (tanto pelo acesso
pago como pela detenção de copyright) (Costa, 2006). Por exemplo, a Elsevier, a
Kluwer e a Springer são algumas das editoras que têm contestado o movimento OA
e entre os seus argumentos encontram-se a validação do próprio conhecimento
científico e o aumento dos encargos que este modelo trará aos cofres públicos.
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O nosso argumento é que, para compreender o Open Access, não devemos considerá-
lo apenas como um debate em prol de uma alternativa aos modelos de publicação,
mas cada vez mais como um movimento social (Castells, 2004). De facto, é um
movimento social particular, que não floresce fora do mundo académico, em
qualquer outra área da vida social, mas antes dentro da comunidade científica,
entre disciplinas e em todo o mundo.
Seguindo o trilho das origens doOpen Access
O Open Access pode ser seguido nas suas origens até aos anos 60, com o sistema
de hipertexto de Ted Nelson, e ao princípio dos anos 70, com o Projecto
Gutenberg de Michael Hart. No entanto, até ao nascimento da World Wide Web e ao
lançamento dos primeiros browsers nos anos 90, a inexistência de uma base
tecnológica capaz de apresentar conhecimento codificado a baixo custo e a
grandes audiências limitou as iniciativas de acesso livre a pequenas
audiências.
Com a finalidade de analisar o Open Access podemos definir três etapas
históricas:
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a paleo-conceptual, a neo-experimental e a fase de movimento social. A fase
paleo-conceptual pode ser referenciada a partir de 1963, com Ted Nelson, até
1979, com o aparecimento da Usenet, e é caracterizada pelas primeiras
experiências da tecnologia digital em rede e a influência mútua que os
desenvolvimentos tanto na ciência como na comunicação conceptual pensavam ter
um sobre o outro. A fase neo-experimental abrange as duas décadas que vão desde
1980 até 2000. Foram duas décadas caracterizadas pela experimentação e pela
difusão social que Himanen, Torvalds e Castells (2001) denominaram a ética
hacker. A experimentação de possibilidades tecnológicas, através de uma
abordagem de tentativa e erro, levaram ao desenvolvimento de aplicações e à sua
difusão a grandes audiências, encorajando o trabalho online em cooperação e em
grande escala. Podem ser encontrados exemplos no sistema operativo Linux, no
Projecto do Genoma Humano, na Wikipédia ou em revistas académicas online
nascidas durante estas duas décadas. Pode-se considerar que a etapa de
movimento social de Acesso Livre, ou Open Access, começou com as iniciativas de
Budapeste e Bethesda, em 2002, e de Berlim, em 2003. Estes três eventos são um
ponto de viragem decisivo, pois foi neles que se chegou a um acordo sobre a
definição do que é Open Access, que foi subsequentemente difundida na
comunidade científica. Estes eventos assinalaram também a existência de duas
estratégias complementares (Amory, Dubbeld e Peters, 2004) dentro do movimento
do Open Access: revistas académicas de acesso livre e repositórios
institucionais. Ambas são estratégias que visam o incremento da acessibilidade
a publicações académicas. Sendo as revistas académicas o principal instrumento
científico de comunicação (Medawar, 1963), o movimento de Open Access escolheu-
as para serem a ponta-de-lança de um movimento que deseja baixar as barreiras
dos preços, e também as barreiras técnicas ou de acesso legal. Durante os
últimos cinco anos as revistas científicas de Open Acess floresceram
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dentro da comunidade internacional, e muitos editores adoptaram, parcial ou
integralmente, os princípios gerais, mudando assim, igualmente, o seu modelo de
negócio.
A mudança para oOpen Access
Se as revistas académicas de Open Access lidam com o presente e o futuro das
publicações científicas, os repositórios institucionais são um instrumento
concebido para funcionar como facilitador do acesso a trabalhos académicos
publicados no passado: não só artigos, mas também livros, teses e qualquer
outro elemento publicável de conhecimento científico. As duas funções
atribuídas aos repositórios visam permitir, apesar da curta vida dos média e
rápida desactualização do hardware, a preservação das publicações em formato
electrónico e fornecer acesso aos conteúdos previamente publicados em sites na
Internet, ou noutros sites de publicação que não garantam o acesso futuro.
Como sustenta Castells (2004), os movimentos sociais têm de ser entendidos nos
seus próprios termos, ou seja, através das suas acções, das suas práticas
discursivas e do seu impacto nas estruturas sociais. O que define um movimento
social é a identidade do mesmo, ou seja, o que ele declara ser, os adversários
do movimento, quem ou o quê eles tencionam enfrentar, e a visão do movimento, o
seu modelo ou objectivo social, isto é, o que ele tenciona atingir. Estas três
dimensões estão claramente enunciadas, e são facilmente encontradas, não só em
declarações fundacionais, como a iniciativa de Open Access de Budapeste, mas
também nos editoriais das revistas científicas e nos repositórios publicados
pelas instituições académicas, centros de investigação ou novas iniciativas de
negócio no campo das publicações científicas.
O movimento de Open Access é, assim, um movimento dedicado à promoção do acesso
ao conhecimento, particularmente ao conhecimento científico, que proclama
identificar os seus adversários, quer nas barreiras de alguns modelos de
publicação académica, quer no uso de mecanismos legais para impedir o acesso
geral aos trabalhos, quer na difusão desigual da tecnologia digital de acesso.
Ao mesmo tempo, o movimento de acesso aberto define o seu objectivo social como
a realização de um espaço intelectual comum (Suber, 2004), ou seja, a
realização de uma ampla alteração na literatura livre com direitos de autor, a
literatura que os autores consintam distribuir sem pagamento, ou pela qual
recebem salários dos seus empregadores, em vez dos seus editores (ou seja, a
pequena categoria de literatura que inclui artigos de revistas peer-review e
também as suas pré-impressões).
As políticas de acesso aberto
O que é a política de acesso aberto, ou melhor: qual é a economia política do
Open Access e quais as suas implicações para a ciência?
O acesso aberto na ciência não tem origem endógena. As suas raízes podem ser
encontradas nas grandes mudanças culturais que penetraram na sociedade
contemporânea. Exemplos desta influência exterior podem ser encontrados no
debate que rodeia o conceito de bens comuns (isto é, commons) sob uma moldura
digital (Benkler, 2003), o Open Source como uma organização social de produção
e forma de inovação tecnológica baseada num novo conceito de direito de
propriedade (Castells, 2005), ou mesmo noutros movimentos sociais como o
Creative Commons,
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que aborda o uso, a circulação e distribuição de bens culturais (Lessig,
2004).
Assim, compreender o movimento de Open Access é também compreender como a
ciência está a ser influenciada pelas grandes mudanças culturais e económicas
do nosso tempo. Só adoptando esta visão podemos compreender porque é que
aplicar os objectivos da abertura ao conhecimento científico não tem sido tão
fácil como o projectado pelos primeiros partidários do acesso aberto (Guédon,
2004).
A discussão geral sobre o acesso aberto vai mais longe do que a mera troca de
processos auto-arquivados, revistas de acesso aberto, autores e editores. O seu
impacto vai além da publicação, visto que bibliotecários, responsáveis por
investigação, directores de universidades, agências de financiamento de
investigação, de origem pública e privada, todos são agentes afectados por
decisões tomadas, e adoptam ou recusam, parcial ou completamente, o estatuto do
acesso aberto. Além disso, os actores sociais envolvidos são tudo menos
homogéneos na sua composição. Particularmente, os editores agem em proveito de
diferentes actores: por um lado cientistas, mas também accionistas e muitas
outras instituições, onde as combinações de ambos os interesses dentro da
comunidade científica e fora dela são muitos e diversificados. O Open Access
traz também novos participantes para o palco, e estes têm um impacto nas
relações de poder estabelecidas no interior e em torno da comunidade
científica. Não só novas revistas de Open Access produzem uma redistribuição do
poder de selecção e aprovação dentro da comunidade de editores e de peer-
reviewers, como devemos também esperar novos participantes na gestão de
indicadores de citações e factores de impacto como, por exemplo, as empresas
tecnológicas como o Google, através do seu Google Schoolar.
Assim, perceber a economia política do Open Access implica compreender a
globalização da produção de ciência, a disseminação e a apropriação social por
um grande grupo de actores sociais e instituições, que pouco se parecem com
qualquer idílica visão histórica de uma ciência fechada por detrás das paredes
do recinto universitário e excluída da acção difusa das sociedades em geral,
instituições e tendências culturais e económicas (Eco, 1996).
Os principais obstáculos do acesso aberto à informação científica não são
científicos, mas sim sociais, legais, económicos e institucionais, etc. Ou
seja, as potencialidades técnicas da ciência (e dasociedade do conhecimento)
estão a ser subaproveitadas, uma vez que as estruturas sociais ainda estão em
larga medida dessincronizadas com a sua filosofia de funcionamento. O movimento
Open Access, o Public Knowledge Project (British Columbia) e o movimento
Science Commons\Creative Commons, entre outros, são uma espécie de plataformas
de empowerment utilizadas essencialmente pela comunidade científica para
diminuir essa dessincronização. Se tivermos em consideração que historicamente
os investigadores nunca esperaram ganhos monetários dos artigos científicos
produzidos para revistas, mas sim o reconhecimento e a progressão na carreira
académica, o financiamento de novos projectos, contratos para consultoria,
convites para conferências, etc., facilmente se percebem os seus esforços para
tornar livre o acesso ao conhecimento científico. Tal como Suber observou (ver
Poynder, 2007: 41):
[ ] este foi o caso desde o aparecimento das revistas científicas em 1665. Os
investigadores não estão só dispostos a publicar artigos em revistas sem uma
compensação monetária directa. Estão ansiosos o fazer. Fazem-no por um conjunto
de recompensas intangíveis, como causar impacto no seu campo, construir bases
para ser promovido ou ser nomeado para um cargo e estabelecer uma prioridade
sobre outros que estudem o mesmo problema. Também o fazem, simplesmente, para
contribuir para o conhecimento ao carregar uma honesta pedra para o monte do
conhecimento, como disse John Lange. Esta é uma mistura bastante humana de
motivos interesseiros e desinteressados.
Os investigadores e os académicos, ao contrário de outros autores, não procuram
os royalties e os direitos de autor como compensação pelo seu trabalho, os seus
interesses focam-se antes no impacto da publicação entre os seus pares. Nesse
campo, estudos recentes têm vindo a demonstrar que os artigos em Open
Accesssãomais citados do que os restantes, pelo que se conclui que também detêm
um factor de impacto maior do que o dos outros.
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É assim óbvio o interesse das universidades, das suas unidades orgânicas
(centros de investigação), bem como dos seus docentes e investigadores em
procurarem publicar em Open Access, de modo a maximizarem o impacto e a
visibilidade do seu produto. A disponibilização livre do conhecimento é
normalmente realizada através de duas vias paralelas e não antagónicas: o
acesso verde (auto-arquivo em repositórios institucionais de livre acesso) e o
acesso dourado (publicação em revistas de acesso livre, nas quais os artigos
ficam disponíveis e sem restrições desde a sua publicação).
Entre os investigadores/académicos não predomina a ideia de que o conhecimento
deve ser reservado só para quem tenha condições de o pagar. Os cientistas só
temem que lhes tirem as ideias e a melhor estratégia de as salvaguardar será
divulgá-las o mais possível sob a sua chancela. Daí a ênfase que as três
declarações fundamentais do movimento Open Access (também conhecidas como os 3B
13
) conferem à protecção do autor, tanto em termos da integridade do trabalho
como da devida citação do seu responsável. Por outro lado, as editoras
edificadas sob modelos económicos assentes na exploração das vendas e de
direitos editoriais sob trabalhos científicos têm muito a perder, pois, nestes
moldes, deixam de realizar mais-valias a partir do momento em que o
conhecimento, então reduzido a uma mercadoria, se torne de livre acesso. Não
existem dúvidas de que é muito mais fácil ter o consentimento do autor para a
publicação em Open Access do que de uma editora. Aliás, de entre estas últimas,
muitas são as que tentam blindar os textos que publicam, podendo mesmo retirar
o direito de auto-arquivo aos investigadores/autores se estes não se
precaverem. Não se quer, contudo, dizer que as editoras são desnecessárias no
modelo de Open Access, mas também não se deve esquecer que não foram elas que
impulsionaram a produção de conhecimento científico. Segundo Suber (em Poynder,
2007) o facto de os investigadores/académicos não terem dependido dos royalties
das editoras no passado é um factor decisivo para que hoje em dia se fale num
sistema de Open Access.
O financiamento providenciado pelas universidades e pelos centros de
investigação libertou os investigadores/académicos de estudarem assuntos que
eles pensassem que seriam populares para passarem a investigar aquilo de que
eles gostassem. Foi assim possível desenvolver estudos em áreas muito
controversas, como o evolucionismo, ou em áreas altamente especializadas e que
directamente apenas interessavam a um cluster de cientistas/académicos.
Apesar de o sistema ter garantido uma maior qualidade da investigação e a sua
independência face ao mercado de trabalho, não se pode esquecer que, por outro
lado, permitiu que as editoras intermediárias no processo de divulgação
científica controlassem cada vez mais os direitos desse conhecimento, que na
grande maioria das vezes resultava de investimento público. E aqui levanta-se
uma questão fundamental, porque se criou um ciclo perverso, no qual o
conhecimento gerado, directa e/ou indirectamente, com capitais públicos é
endossado gratuitamente às editoras privadas, que depois o vendem por quantias
cada vez mais elevadas, tanto em formato digital como em papel, às bibliotecas,
académicos, investigadores, alunos e até ao cidadão comum. Partindo dos dados
que constam no relatório interno da editora Reed Elsevier para o ano de 2005,
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Ortellado e Machado (2006) estimaram que a empresa tenha facturado, incluindo
vendas online e em papel, mais de 10 mil milhões de dólares, vindo uma boa
parte desse financiamento, directa ou indirectamente, dos fundos de pesquisa
públicos. O movimento OA promove o empowerment dos investigadores em relação às
suas descobertas/criações os produtores de ciência deixam de ficar
condicionados pelas editoras, voltando a ganhar o controlo do seu trabalho e,
ao mesmo tempo, um retorno mais justo do investimento público em ciência à
sociedade, uma vez que as barreiras ao seu acesso são esbatidas.
Reconhecendo a importância de devolver o que é público ao público, a OCDE
produziu em 2004 um documento, ratificado por todos os seus membros, que
defende o livre acesso à pesquisa com financiamento público.
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Ainda que nos últimos cinco anos tenham emergido uma série de revistas OA na
comunidade internacional e que muitas editoras tenham adoptado modelos híbridos
de publicação de periódicos (ver quadro 2), a verdade é que as empresas
detentoras das principais revistas internacionais ainda se mostram resistentes
ao modelo aberto. Estas editoras cedo compreenderam as ameaças e as
oportunidades das publicações electrónicas e começaram um plano de transição
que envolveu assinaturas pagas tanto para as edições em papel como para as
electrónicas. O mais irónico é que as assinaturas digitais valem apenas para o
período coberto e não pelo objecto, pelo que passado o prazo as bibliotecas
perdem o acesso a fascículos que já haviam pago.
Quadro 2 - Tipos de arquivo de acesso aberto
A multiplicação das formas e dos modelos de comunicar ciência levou a um
aumento dos actores relevantes e esperam-se no futuro redistribuições de poder,
nomeadamente nas revistas gratuitas que reproduzam os processos editoriais de
peer-review presentes nas edições pagas.
Os actores envolvidos no processo de criação científica (sponsors,
universidades, empresas, centros de investigação, investigadores, professores,
etc.) também disputam algum deste poder, uma vez que as suas acções injectam,
de forma directa ou indirecta, algum controlo sobre a comunicação científica.
Por exemplo, os académicos e os investigadores não estão a aderir ao OA ao
ritmo esperado pelos defensores do movimento. Suber considera que os
investigadores/académicos se envolvem e isolam demasiado no seu trabalho, não
se apercebendo por isso da relevância e das vantagens que o OApode representar
para eles:
Os investigadores não se opõem nem resistem. Estão preocupados e atarefados,
desconhecedores das suas opções [ ] Além do mais, os eruditos estão
sobrecarregados de trabalho e preocupados. Para muitos deles, até há pouco
tempo, o Open Access era a última coisa em que pensavam. Não queriam ouvir
falar de um novo desenvolvimento na comunicação entre eruditos. Queriam
concentrar-se nas suas pesquisas. [ ] Temos de os convencer de que isto
significa aumentar a sua audiência e o seu impacto como autores, e facilitar a
sua pesquisa como leitores. [ ] O truque consiste em fazê-los ver que o Open
Access é interno, e não externo, a esse objectivo (Poynder, 2007: 54-55).
Se admitirmos que os investigadores e académicos são agentes racionais que
procuram a maximização do seu factor impacto,o raciocínio de Suber estará
correcto. Todavia, reduzir a dinâmica do sistema de publicação académico a
apenas uma motivação parece algo redutor. Não se pode esquecer o peso que os
próprios modelos institucionais têm na motivação dos investigadores. Tal como
Gleditsch (2007) argumentou, se os cientistas políticos europeus publicam menos
do que os seus colegas americanos em revistas com um factor de impacto elevado,
é porque têm mais receio de submeter os seus artigos aos julgamentos dos peers
do que os seus colegas americanos. Para o caso da Noruega, o autor concluiu que
o problema provém da falta de incentivos (ou exigências) para publicar, e em
especial no sistema de peer review, uma vez que o impacto de citação não era
importante, tanto para a progressão na carreira onde se privilegiava a posse
do grau de doutoramento , como para obter financiamentos onde o critério que
mais pesava era a qualidade da proposta em si e não os outputs de projectos
anteriores. O que interessa então aqui salientar não é tanto o factor de
impacto que advém do prestígio do sistema de peer review e das próprias
revistas, mas sim que os investigadores europeus de ciência política (e em
especial os noruegueses), por receio de críticas negativas, se contentam em
publicar por convite em capítulos de livros e/ou em revistas mais recônditas.
Na Europa, o peso de um falhanço é diferente de um nos EUA. E essa é uma
questão cultural. Nos Estados Unidos os bancos sabem que um empresário só é bem
sucedido após falir uma ou duas vezes, por isso à terceira tentativa eles estão
lá para conceder o crédito. Já na Europa, e especialmente em Portugal, o caso é
totalmente diferente, pois o primeiro crédito de risco é difícil de se
conseguir e o segundo, após o fracasso do primeiro, é praticamente impossível.
Não se deve esquecer que o OA também é afectado pelas especificidades
socioculturais, pelo que a ideia de Suber de que os investigadores/académicos
estarão apenas demasiado concentrados no seu trabalho para se aperceberem das
vantagens do OA, não será inteiramente correcta. O caminho para o OA passa
também pela redefinição de novos modelos de gestão das carreiras académicas e
de investigação.
Novas direcções
O Open Access implica uma ciência mais aberta dentro da comunidade dos seus
pares, e a tendência actual parece demonstrá-lo. Editores institucionais e
internacionais parecem contemplar o acesso aberto já não como uma ameaça, mas
antes como uma oportunidade, e os cientistas parecem usar cada vez mais o
acesso aberto para publicar e recuperar artigos publicados (Ortellado e
Machado, 2006). O acesso aberto implica, também, uma ciência mais aberta,
porque permite uma maior escolha para os cientistas construírem as suas
estratégias de publicação. O modelo que parece estar a desenhar-se, através da
apropriação do autor, é aquele em que tanto o acesso aberto como o acesso não
aberto partilham a paisagem de publicação e onde os autores escolhem, de acordo
com os seus objectivos de audiência a atingir, publicar artigos apenas em
papel, em formato electrónico e em papel ou apenas em formato digital. O nosso
ambiente de publicação está também a tornar-se num lugar onde cientistas podem
publicar versões beta dos seus trabalhos e de seguida, quando o trabalho está
publicado, proceder à publicação noutra revista. O acesso aberto promove a
mudança, ao permitir às revistas, originalmente publicadas nas línguas maternas
dos países, envolver a cena internacional, ao permitir aos autores escolher que
comunidade científica pretendem alcançar com o seu trabalho. Por exemplo, numa
mesma revista pode-se querer abranger a comunidade internacional de
investigação ao publicar em inglês, a comunidade científica nacional ao
publicar na língua materna, ou académicos, fora da comunidade nacional, que
partilham o conhecimento de uma determinada língua (Cardoso e Espanha, 2007).
Como o Science Commons (Wilbanks, Boyle e Reynolds, 2006) demonstra, um
movimento social baseado na abertura não se confina à publicação e preservação
do conhecimento. O Science Commons pode, por exemplo, ser encarado como uma
segunda fase da estratégia de mobilização dentro do movimento de Open Acess em
geral. Através do seu projecto de autorização e acessos, tenta-se simplificar e
acelerar os procedimentos de investigação. Por exemplo, o uso de uma atribuição
pública de uma denominação Science Commons a um dado projecto ou investigação
poderia ajudar doenças negligenciadas, ao permitir que a investigação
financiada especifique que os seus resultados têm de estar disponíveis para
todos os investigadores do ramo. Outra nova área do acesso aberto é a proposta
de intervenção pelo Science Commons no MTA (acordos de transferência de
material) possibilitando uma diminuição da burocracia e acesso a bases de
dados, resultados preliminares ou matérias-primas de investigação. Assim, o
Science Commons pretende facilitar a troca de procedimentos dentro da
comunidade científica, ao propor acções mais simples que as actuais, baseando-
as também num processo de licença ou autorização. Por fim, olhando para uma
outra área de intervenção específica, podemos considerar o projecto
Neurocommons, também promovido pelo Science Commons como um passo em direcção
da construção de uma rede semântica da ciência, ou seja, formatos comuns para
intercâmbio de dados e linguagem para registar a forma como os dados se
relacionam com objectos do mundo real. Apesar de se concentrar, numa fase
inicial, nas ciências da vida, não há razão para não considerar que, de alguma
forma, estas novas aproximações ao Open Acess não atingirão em breve tanto as
ciências sociais como as humanidades, mudando, mais uma vez, o grau de abertura
nestes campos científicos.
Conclusão
A análise da economia política do Open Access diz-nos que as suas implicações
não estão limitadas à publicação e troca de conhecimento dentro da comunidade
científica. Como vivemos num mundo de reflexividade e sistemas especializados
(Giddens, 1991), e a ciência é um dos elementos fulcrais de modernidade,
consequentemente, a mudança na ciência, assim como a mudança nos seus modelos
de comunicação, tem seguramente de se reflectir na mudança da sociedade em
geral. É essa compreensão, por parte dos estudos económicos e sociais da
ciência, que importa descodificar nos próximos anos, pois se os indícios de
mudança parecem despontar, falta medir e analisar as efectivas transformações
no quadro produtivo da ciência e na sociedade em geral. Só assim se poderá
desvendar a resposta à questão: res publicacientífica ou autogestão?