Poetica delle emozioni: I bijagó della Guinea Bissau
Chiara Pussetti
Poetica delle emozioni ' I bijagó della Guinea Bissau
Bari, Editori Laterza, 2005, 275 páginas.
Este livro de Chiara Pussetti nasce do trabalho de campo que constituiu a base
empírica da sua tese de doutoramento em antropologia cultural e etnologia, pela
Universidade de Turim.
Esse trabalho decorreu em Bubaque, a ilha principal do arquipélago de Bijagós,
pertencente à Guiné-Bissau e formado por um conjunto de oitenta e oito ilhas,
que se distinguem entre si por assinaláveis diferenças linguísticas e
socioculturais. A autora desenvolveu as suas pesquisas entre 1994 e 2001, em
períodos de permanência de duração diversa, perfazendo um total de dezasseis
meses. A população do arquipélago é de quinze a vinte mil pessoas e a de
Bubaque é de cerca de duas mil pessoas. A pesquisa desenvolveu-se
exclusivamente entre os Iagbaaga, os habitantes de Bubaque, sobretudo na
aldeia de Bijante. Com mais de quinhentos habitantes, e contando entre eles os
elementos de maior autoridade ritual da ilha, esta aldeia é considerada por
muitos, segundo a autora, como aquela que melhor preservou os traços da
organização social tradicional, a que mais resiste à mudança.
No início da sua pesquisa, a autora foi seduzida por um ritual específico
(manras iarebok), de possessão feminina, mas as observações e reflexões
posteriores deslocaram o foco da sua atenção para alguns dos temas recorrentes
do quotidiano Iagbaaga: a responsabilidade no confronto com os outros, o
respeito pelos anciãos, os ciúmes e as invejas entre parentes, as lágrimas das
mulheres, as paixões confusas dos jovens, a necessidade de dominar-se (p. 13;
esta e as seguintes traduções são minhas).
Pussetti entregou-se a um longo e desejado processo de impregnação da
experiência vivencial dos Iagbaaga e foi categorizada pelos habitantes de
Bubaque como uma criança, porque, tal como uma criança, ainda tinha de
aprender, nada tinha na cabeça, não ouvia/não entendia (v. pp. 58, 65-69),
ainda não pertencia ' de corpo inteiro e de pleno direito, com a
responsabilidade (v. p. 84) que dá o saber ' ao mundo Iagbaaga.
A autora assume-se, então, como aprendiz desse universo e procura entender como
se expressam as emoções em Bubaque, como são designadas e avaliadas pelos que
as sentem e as nomeiam, que papéis desempenham essas emoções no quotidiano dos
habitantes da aldeia de Bijante e que códigos morais são manifestados através
delas.
Pussetti começa por chamar a atenção para a dificuldade de sabermos do que
falamos quando falamos de emoções, reconhecendo a concorrência de factores
biológicos e culturais na sua formação e expressão. Na investigação que
desenvolve, recolhe e reflecte sobre as apreciações dos habitantes da ilha de
Bubaque a propósito de práticas próprias e alheias, indaga sobre emoções
íntimas e estados mentais, reflexões e diferentes concepções relativas a esses
estados, em relação com o contexto cultural e como forma de discurso social
(p. 15), analisa algumas configurações emocionais que, segundo a estética
local, constituem a tonalidade afectiva e a forma retórica privilegiada para a
narrativa do eu (idem) e toma conhecimento de como as emoções são manipuladas
com fins estratégicos.
Para os Bijagós em geral, as emoções, tal como as doenças, podem passar de uma
pessoa a outra, circulando e contagiando especialmente as que mantêm entre si
uma relação próxima. Esse processo é independente das vontades dos envolvidos,
acontece no decorrer da vida quotidiana e de modo tão mais intenso quanto maior
for o conflito ou a crise.
No contacto com os nativos da aldeia de Bijante, a autora iniciou o seu
trabalho fazendo emergir as diferentes concepções de emoções das pessoas em
presença, incluídas as suas. Os resultados dessa iniciativa empurraram-na para
mais longe das teorias que encaravam as emoções como essências universais,
inatas, pré-culturais (v. p. 25), e, para demonstrar a indispensabilidade da
sociedade humana na formação e desenvolvimento do mundo emocional dos
indivíduos, a autora recorre a estudos de neurocientistas, psiquiatras e
antropólogos, situa-se no campo da antropologia das emoções (os autores de
referência são: Michele Rosaldo, Toward an Anthropology of Self and Feeling,
1984; Lila Abu-Lughod, Veiled Sentiments, 1986; e Catherine Lutz, Unnatural
Emotions, 1988) e cruza a teoria antropológica com a sua experiência de terreno
entre os Bijagós. Assim, traça um percurso entre autores e escolas desde quando
as emoções eram consideradas como parte de um mundo privado, psicológico,
inefável, inato e independente da cultura (v. pp. 48 e 49), até à actualidade,
recorrendo nomeadamente às teorias construtivistas, e considera, sustentando-se
nas observações que faz entre os Iagbaaga, que o discurso (entendido no sentido
que lhe atribui Foucault, em La Volonté de Savoir, 1976, e L'Usage des
Plaisirs, 1984) sobre as emoções envolve poder, política, parentela,
transformações históricas, diferenças de género, conceitos de normalidade e
desvio (p. 51).
A investigação é intensiva e centrada, maioritariamente, no universo feminino.
O mundo masculino, até pelas próprias características da sociedade estudada,
não se revela facilmente aos olhos da autora. O volume de informação recolhida
e a qualidade da reflexão produzida são notáveis, no entanto, refere-se
essencialmente ao mundo das mulheres. O quarto capítulo, parcialmente dedicado
ao estudo da bruxaria e da feitiçaria, é aquele que lança um pouco mais de luz
sobre o quotidiano dos homens de Bubaque.
Pussetti recorre às reflexões das mulheres Iagbaaga sobre as suas experiências
de vida, centra a sua atenção nas apreciações que elas fazem sobre modelos de
conduta, valores a preservar, perigos a evitar, conflitos entre pessoas e
emoções, e procura identificar como esse modo de pensar contribui para dar um
sentido à existência dessas mesmas pessoas. Lembrando a gravura de Escher, na
qual duas mãos se desenham mutuamente, as emoções surgem, na obra de Chiara
Pussetti, como modelos construídos pelos humanos que por sua vez os constroem a
eles mesmos.
Ao longo dos capítulos do livro são analisados sentimentos, alguns deles
perigosos devido à sua intensidade e impetuosidade, bem como a forma como devem
ser expressos para minorar os seus efeitos nefastos. No trabalho exaustivo que
levou a cabo com as mulheres de Bijante, Pussetti esclareceu os papéis a
desempenhar pelas mulheres no mundo emocional Iagbaaga, nomeadamente através da
relação que mantêm com a morte e da função libertadora dos cantos que entoam.
Para além dos cantos fúnebres existem outros três tipos de canto, que funcionam
como contraponto às rígidas normas dos anciãos relativas ao controlo das
emoções e à responsabilidade do indivíduo Iagbaaga. Através da análise do
conteúdo desses cantos, a autora identifica como as normas determinadas pelos
anciãos são subvertidas pela prática quotidiana e como os excessos, a falta de
controlo das emoções, das paixões dilacerantes, são assumidas (e, em alguns
casos, purgadas) através dos cantos, os quais representam um modo de ser
alternativo e encorajam, reflectindo-o, um lado da experiência mais tolerante,
mais humano' (p. 223).
O objectivo mais ambicioso e mais interessante de Poetica delle Emozioni é o de
utilizar as conclusões da pesquisa de Bubaque para fazer emergir aspectos
relevantes da nossa sociedade, superando a tendência para a naturalização, a
reificação e as múltiplas convenções construídas a propósito das emoções,
procurando, desse modo, revelar a natureza política e social que as caracteriza
(v. p. 231). Esta obra constitui um excelente contributo para uma reflexão
crítica que torne os indivíduos mais conscientes do modo como nas emoções se
conjugam percepções, sensações, avaliações, aprendizagem, orientações
cognitivas, moralidade pública e ideologia cultural (p. 232).
Luís Silva Pereira
Antropólogo, prof. associado no Instituto Superior de Psicologia Aplicada