Translation, Society and Politics in Timor-Leste
Paulo Castro Seixas (org.), Translation, Society and Politics in Timor-Leste,
Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2010, 200 páginas, ISBN:
9789896430641
Renata Nogueira da Silva
Universidade de Brasília, Brasil, rerenogueira@yahoo.com.br
Translation, Society and Politics in Timor-Leste é um empreendimento
interdisciplinar alinhavado por pesquisadores de quatro diferentes países
(Portugal, Brasil, Holanda e Timor-Leste) e pautado pelo paradigma da cultura
como tradução. A obra foi motivada pelo desenvolvimento do projeto de pesquisa
Traduzindo a cultura, cultura da tradução: a negociação cultural como
património central em Timor-Leste (financiado pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, Portugal).
No decorrer de nove artigos, os autores sugerem que a tradução de tradições em
Timor-Leste orienta as práticas da vida cotidiana bem como seus momentos
extraordinários, como a celebração de alianças contraídas por meio do barlaque,
os rituais políticos, sendo um dos elementos principais da construção da nação
leste-timorense. A disposição dos artigos permite ao leitor reconhecer a
interculturalidade como um fato social estrutural das dinâmicas sociais
existentes em Timor-Leste, operando em várias escalas e contextos nos quais
emergem múltiplas zonas de contatos em que negociações de sentido, seja das
práticas correntes ou do próprio passado, são o modus operandi da vida social.
O livro é dividido em cinco partes interligadas pela mesma chave
interpretativa. Na primeira, a ideia de cultura como tradução é apresentada,
nos textos de Paulo Castro Seixas, Lúcio Gomes Sousa e Aone Van Engelenhoven,
como um framework que articula, em diversas esferas e cenários, a vida social
em Timor-Leste. Com base nos resultados da pesquisa que deu origem ao livro,
Seixas indica, em seu artigo, panoramas e suportes de tradução comuns entre
várias populações leste-timorenses, por meio dos quais a vida social é tecida.
Dentre eles, destacam-se as negociações matrimoniais, os processos de
adjudicação, os rituais religiosos e o campo das artes. Lúcio Gomes Sousa, por
sua vez, explora os suportes materiais da tradução cultural. Baseado na
constatação de que o uso de bétel e areca polvilhados com cal é amplamente
disperso no Sudeste da Ásia insular, Sousa explica como tal mistura opera nos
rituais do ciclo de vida e da comunidade, atuando como dispositivo de partilha.
Bétel e areca são usados em diversas situações da vida cotidiana e, conforme
ressalta o autor, são também mediadores na interação entre os seres humanos e
os ancestrais e outros seres. Aone Van Engelenhoven, a partir de estudos sobre
narrativas orais realizados entre os fatalukos (de Tutuala, Timor-Leste,
falantes de uma língua papua muito diferente do tétum e da maioria das outras
línguas faladas de Timor Leste, que são línguas austronésias) e os leti (do
sudoeste de Maluku, Indonésia, pertencentes ao grupo das línguas austronésias),
aborda a complexa relação entre linguagem e significado. Fortemente ancorado na
linguística descritiva e comparativa, o autor sugere que certas diferenças
identificadas por um público ocidental nas variações das narrativas são
concebidas pelo público local (fatalukos e letis) como digressões pessoais
relacionadas à sacralidade ou um opcional do texto oral para agradar o público,
sem impacto no valor de verdade do texto narrado.
Na segunda seção do livro, Paulo Seixas e Kelly Silva analisam a primeira
crise pós-colonial de Timor-Leste. Desencadeada por um conflito no exército
leste-timorense no ano de 2006, tal crise atingiu a sociedade civil, erigindo
(ou reinstalando) a oposição regional entre populações de origem lorosae e
loromonu como importante mobilizador politico (a esse respeito, Silva salienta
que circunstancialmente tais denominações se impõem sobre as identidades dos
indivíduos, sendo utilizadas inclusive como indicadoras de ethos distintos e
opostos). As interpretações de Seixas e Silva a respeito da crise de 2006
recorrem, em certa medida, a temas centrais da etnologia da Indonésia Oriental,
mas há nuances que merecem nota. Seixas propõe uma tradução mais direta e Silva
uma mais sútil entre a crise e alguns temas que orientam o ethos das
sociabilidades indígenas na região (trocas matrimoniais, reciprocidade e
dualismo complementar, por exemplo). Em todo caso, os dois autores colocam em
diálogo o que poderíamos chamar, grosso modo, de agenda cosmológica das
populações indígenas da Indonésia Oriental com fenômenos que atravessam as
disputas em torno da construção do Estado nacional no país.
Na terceira seção, David Hicks e Kelly Silva, em seu segundo texto no livro,
analisam uma das instituições mais emblemáticas de Timor-Leste, o barlaque,
designação local para o fenômeno abordado na teoria antropológica como
bridewealth. As reflexões de Hicks são ancoradas numa perspectiva mais
estruturalista, que concebe o barlaque como um fenômeno social total que em sua
forma exemplar é considerado o microcosmo da sociedade timorense. Já as
interpretações de Silva são pautadas nas possibilidades de negociar a
realização do barlaque, tendo em vista seus distintos sentidos e apropriações
nas culturas e sociedades leste-timorenses. Por meio da discussão sobre o
barlaque, a autora aborda a gestão do costume, da tradição, da adat e as
tensões em torno deste problema no processo de construção da nação.
Os artigos de Daniel Schroeter Simião e Dionísio Soares Babo tratam da justiça
como tradução. Esses textos analisam os desafios da edificação e consolidação
do sistema judiciário em Timor-Leste, tendo em vista a força do direito
costumeiro na vida de muitos leste-timorenses. Simião destaca que o grande
desafio que se impõe à justiça em Timor-Leste não é tanto o de aproximar o
direito (normas legais) da vida (costumes), mas sim o de construir pontes entre
diferentes sensibilidades jurídicas que permitam traduzir adequadamente
expectativas e atitudes fundadas na cultura para a linguagem jurídica do
Estado. Dionísio Soares Babo, por sua vez, relaciona certos problemas técnicos
do sistema legal, particularmente do poder judiciário, de Timor-Leste '
dificuldades com recursos humanos, financeiros e logísticos e aplicação morosa
do orçamento do governo central ' aos contextos de opressão colonial e ocupação
considerada ilegal internacionalmente.
Na última parte do livro, Rui Graça Feijó e Nuno Mendes Canas abordam a questão
da política como tradução. Ao analisar os desafios de Timor-Leste após o
referendo de 1999, em que os timorenses afirmaram a independência da ocupação
indonésia, Feijó destaca que nesse momento ainda não se poderia falar em
construção da nação, mas na melhor das hipóteses de construção do Estado.
Sugere o autor que tanto a conceção quanto a implementação e execução do Estado
foram arquitetadas nos termos timorenses com auxílio da ajuda internacional, e
passaram assim a compor a agenda das políticas públicas. O texto de Nuno Mendes
Canas, o último do livro, trata das políticas externas leste-timorenses. Na
visão do autor, a política externa é uma das principais bases para a soberania,
por isso se faz necessário que Timor-Leste transite tanto no cenário
multilateral quanto no bilateral, levando-se em conta também a dependência da
ajuda externa para garantir a ordem e a estabilidade, como também a necessidade
de gerir relações cordiais com a Indonésia e a Austrália. Canas salienta que,
geograficamente, Timor-Leste está na encruzilhada entre o Sudeste Asiático e o
Pacífico Sul, e por isso, para os timorenses, as opções de política externa
devem excluir uma escolha definitiva entre dois mundos.
A partir de um estudo de caso, a obra Translation, Society and Politics in
Timor-Leste nos instiga a refletir sobre questões cruciais da antropologia.
Nessa empreitada, a primeira crise pós-colonial (2006) em Timor-Leste, bem como
o sistema de justiça, a política externa, o suporte material da tradução
cultural, os mitos e as negociações matrimoniais são tomados pelos autores
como arenas privilegiadas de tradução e negociação cultural. Zonas de contato,
mundos culturais, fronteiras coloniais e pós-coloniais são temas exaustivamente
debatidos, mas o investimento em pontes interdisciplinares tem sido tímido,
apesar das interfaces com a linguística e a economia, por exemplo.