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variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Translation, Society and Politics in Timor-Leste Paulo Castro Seixas (org.), Translation, Society and Politics in Timor-Leste, Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2010, 200 páginas, ISBN: 9789896430641

Renata Nogueira da Silva Universidade de Brasília, Brasil, rerenogueira@yahoo.com.br

Translation, Society and Politics in Timor-Leste é um empreendimento interdisciplinar alinhavado por pesquisadores de quatro diferentes países (Portugal, Brasil, Holanda e Timor-Leste) e pautado pelo paradigma da cultura como tradução. A obra foi motivada pelo desenvolvimento do projeto de pesquisa Traduzindo a cultura, cultura da tradução: a negociação cultural como património central em Timor-Leste (financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Portugal).

No decorrer de nove artigos, os autores sugerem que a tradução de tradições em Timor-Leste orienta as práticas da vida cotidiana bem como seus momentos extraordinários, como a celebração de alianças contraídas por meio do barlaque, os rituais políticos, sendo um dos elementos principais da construção da nação leste-timorense. A disposição dos artigos permite ao leitor reconhecer a interculturalidade como um fato social estrutural das dinâmicas sociais existentes em Timor-Leste, operando em várias escalas e contextos nos quais emergem múltiplas zonas de contatos em que negociações de sentido, seja das práticas correntes ou do próprio passado, são o modus operandi da vida social.

O livro é dividido em cinco partes interligadas pela mesma chave interpretativa. Na primeira, a ideia de cultura como tradução é apresentada, nos textos de Paulo Castro Seixas, Lúcio Gomes Sousa e Aone Van Engelenhoven, como um framework que articula, em diversas esferas e cenários, a vida social em Timor-Leste. Com base nos resultados da pesquisa que deu origem ao livro, Seixas indica, em seu artigo, pano­ramas e suportes de tradução comuns entre várias populações leste-timorenses, por meio dos quais a vida social é tecida.

Dentre eles, destacam-se as negociações matrimoniais, os processos de adjudicação, os rituais religiosos e o campo das artes. Lúcio Gomes Sousa, por sua vez, explora os suportes materiais da tradução cultural. Baseado na constatação de que o uso de bétel e areca polvilhados com cal é amplamente disperso no Sudeste da Ásia insular, Sousa explica como tal mistura opera nos rituais do ciclo de vida e da comunidade, atuando como dispositivo de partilha.

Bétel e areca são usados em diversas situações da vida cotidiana e, conforme ressalta o autor, são também mediadores na interação entre os seres humanos e os ancestrais e outros seres. Aone Van Engelenhoven, a partir de estudos sobre narrativas orais realizados entre os fatalukos (de Tutuala, Timor-Leste, falantes de uma língua papua muito diferente do tétum e da maioria das outras línguas faladas de Timor Leste, que são línguas austronésias) e os leti (do sudoeste de Maluku, Indonésia, pertencentes ao grupo das línguas austronésias), aborda a complexa relação entre linguagem e significado. Fortemente ancorado na linguística descritiva e comparativa, o autor sugere que certas diferenças identificadas por um público ocidental nas variações das narrativas são concebidas pelo público local (fatalukos e letis) como digressões pessoais relacionadas à sacralidade ou um opcional do texto oral para agradar o público, sem impacto no valor de verdade do texto narrado.

Na segunda seção do livro, Paulo ­Seixas e Kelly Silva analisam a primeira crise pós-colonial de Timor-Leste. Desencadeada por um conflito no exército leste-timorense no ano de 2006, tal crise atingiu a sociedade civil, erigindo (ou reinstalando) a oposição regional entre populações de origem lorosae e loromonu como importante mobilizador politico (a esse respeito, Silva salienta que circunstancialmente tais denominações se impõem sobre as identidades dos indivíduos, sendo utilizadas inclusive como indicadoras de ethos distintos e opostos). As interpretações de Seixas e Silva a respeito da crise de 2006 recorrem, em certa medida, a temas centrais da etnologia da Indonésia Oriental, mas nuances que merecem nota. Seixas propõe uma tradução mais direta e Silva uma mais sútil entre a crise e alguns temas que orientam o ethos das sociabilidades indígenas na região (trocas matrimoniais, reciprocidade e dualismo complementar, por exemplo). Em todo caso, os dois autores colocam em diálogo o que poderíamos chamar, grosso modo, de agenda cosmológica das populações indígenas da Indonésia Oriental com fenômenos que atravessam as disputas em torno da construção do Estado nacional no país.

Na terceira seção, David Hicks e Kelly Silva, em seu segundo texto no livro, analisam uma das instituições mais emblemáticas de Timor-Leste, o barlaque, designação local para o fenômeno abordado na teoria antropológica como bridewealth. As reflexões de Hicks são ancoradas numa perspectiva mais estruturalista, que concebe o barlaque como um fenômeno social total que em sua forma exemplar é considerado o microcosmo da sociedade timorense. as interpretações de Silva são pautadas nas possibilidades de negociar a realização do barlaque, tendo em vista seus distintos sentidos e apropriações nas culturas e sociedades leste-timorenses. Por meio da discussão sobre o barlaque, a autora aborda a gestão do costume, da tradição, da adat e as tensões em torno deste problema no processo de construção da nação.

Os artigos de Daniel Schroeter Simião e Dionísio Soares Babo tratam da justiça como tradução. Esses textos analisam os desafios da edificação e consolidação do sistema judiciário em Timor-Leste, tendo em vista a força do direito costumeiro na vida de muitos leste-timorenses. Simião destaca que o grande desafio que se impõe à justiça em Timor-Leste não é tanto o de aproximar o direito (normas legais) da vida (costumes), mas sim o de construir pontes entre diferentes sensibilidades jurídicas que permitam traduzir adequadamente expectativas e atitudes fundadas na cultura para a linguagem jurídica do Estado. Dionísio Soares Babo, por sua vez, relaciona certos problemas técnicos do sistema legal, particularmente do poder judiciário, de Timor-Leste ' dificuldades com recursos humanos, financeiros e logísticos e aplicação morosa do orçamento do governo central ' aos contextos de opressão colonial e ocupação considerada ilegal internacionalmente.

Na última parte do livro, Rui Graça Feijó e Nuno Mendes Canas abordam a questão da política como tradução. Ao analisar os desafios de Timor-Leste após o referendo de 1999, em que os timorenses afirmaram a independência da ocupação indonésia, Feijó destaca que nesse momento ainda não se poderia falar em construção da nação, mas na melhor das hipóteses de construção do Estado.

Sugere o autor que tanto a conceção quanto a implementação e execução do Estado foram arquitetadas nos termos timorenses com auxílio da ajuda internacional, e passaram assim a compor a agenda das políticas públicas. O texto de Nuno Mendes Canas, o último do livro, trata das políticas externas leste-timorenses. Na visão do autor, a política externa é uma das principais bases para a soberania, por isso se faz necessário que Timor-Leste transite tanto no cenário multilateral quanto no bilateral, levando-se em conta também a dependência da ajuda externa para garantir a ordem e a estabilidade, como também a necessidade de gerir relações cordiais com a Indonésia e a Austrália. Canas salienta que, geograficamente, Timor-Leste está na encruzilhada entre o Sudeste Asiático e o Pacífico Sul, e por isso, para os timorenses, as opções de política externa devem excluir uma escolha definitiva entre dois mundos.

A partir de um estudo de caso, a obra Translation, Society and Politics in Timor-Leste nos instiga a refletir sobre questões cruciais da antropologia.

Nessa empreitada, a primeira crise pós-colonial (2006) em Timor-Leste, bem como o sistema de justiça, a política externa, o suporte material da tradução cultural, os mitos e as negociações matrimoniais são tomados pelos ­autores como arenas privilegiadas de tradução e negociação cultural. Zonas de contato, mundos culturais, fronteiras coloniais e pós-coloniais são temas exaustivamente debatidos, mas o investimento em pontes interdisciplinares tem sido tímido, apesar das interfaces com a linguística e a economia, por exemplo.


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