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EuPTHUHu0873-65612013000300013

EuPTHUHu0873-65612013000300013

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0873-6561
ano2013
Issue0003
Article number00013

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Naturalezas en Conflicto: Conservación Ambiental y Enfrentamiento Social en el Parque Natural Cabo de Gata-Níjar José Antonio Cortéz Vázquez, Naturalezas en Conflicto: Conservación Ambiental y Enfrentamiento Social en el Parque Natural Cabo de Gata-Níjar, Valência, Germania, 2012, 323 páginas, ISBN: 978-84-15660-29-3.

Humberto Martins Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; Centro em Rede de Investigação em Antropologia, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Portugal, humbmsm@yahoo.com

Cortéz Vázquez apresenta neste livro os resultados de um estudo sobre o Parque Natural Cabo de Gata-Níjar (PNGN) na Andaluzia (Espanha). Por um lado, tenta captar os impactos sociais (e naturais) de uma política de conservacionismo ­cultural e natural que tem sido implementada pela administração ambiental andaluza nas últimas décadas, e, por outro, o modo como as populações humanas têm interagido no território ao longo do tempo com os elementos (recursos) agora patrimonializados. O livro especial relevo às medidas proibitivas e regulatórias com o objetivo de garantir usos respeitosos do meio ambiente e suas implicações (materiais e ­simbólicas) sobre diferentes grupos sociais, em particular aqueles que sempre têm vivido no PNGN, não esquecendo uma retórica ambientalista (verde) mais global que tem ajudado à própria redefinição da natureza e do mundo. O autor reconhece que, na Andaluzia, a política de áreas protegidas tem gerado disputas e conflitos que resultam de posições e interesses antagónicos de diferentes grupos sociais relativamente às mesmas ' análise que é extensível a todas as áreas protegidas criadas em territórios humanamente construídos ou reconhecidos.

Na verdade, o estudo de caso apresentado visa refletir sobre a política ambiental andaluza em termos mais globais da gestão (e patrimonialização) de valores culturais e naturais, não descurando, todavia, uma análise de profundidade histórica que faz explicar a paisagem, a natureza e o território por via das diferentes ocupações e usos humanos. Assumindo uma base etnográfica, a investigação aborda conflitos e perceções diferenciadas do ambiente/áreas protegidas, tendo como referência os diversos usos e apropriações dos recursos do Parque Natural por grupos sociais com interesses e objetivos distintos. Numa perspetiva diacrónica procura averiguar diferentes etapas do desenvolvimento económico e social do PNGN e da sua área envolvente, considerando histórias diferenciadas dos stakeholders locais e as próprias dinâmicas inerentes às transformações das representações, perceções e práticas face ao ambiente.

Cortéz Vázquez desenvolve a ideia de que a natureza e a paisagem se apresentam como valores (referentes) social e culturalmente construídos, que não determinam usos dos recursos e atividades mas também o modo como o território (o espaço social) é entendido. Em particular, fala sobre as populações locais (agricultores, pescadores, pastores) que têm vivido e desenvolvido atividades no PNGN e abre a reflexão sobre memória e identidade, reconhecendo dimensões sociais e culturais como cruciais para o entendimento da relação dos indivíduos humanos com o seu meio envolvente (natural, que também é, neste sentido, cultural) e da perceção dela resultante. Esta relação entre o vivido (histórico) e o percebido (presente-representacional) joga-se no âmbito de contingências sociopolíticas que o autor reconhece. Os discursos (em torno de práticas e representações) produzidos sobre o ambiente e a paisagem surgem-nos assim como dependentes de experiências concretas (micro), mas também de influências políticas e culturais mais vastas (macro) que informam a vida dos grupos sociais. É nesta produção diversificada e historicamente contingente que Cortéz Vázquez situa a compreensão das estratégias dos atores e dos grupos sociais com vista ao futuro das suas práticas e representações face às áreas protegidas, em geral, e ao PNGN, em particular. Ou seja, a criação do PNGN ou de áreas protegidas tem de ser vista como geradora de novas predisposições face aos próprios recursos (onde se incluem os humanos).

Do ponto de vista teórico, o argumento parte de debates antropológicos prementes sobre a construção sociocultural da natureza (e a recusa da clássica dicotomia sociedade-natureza) e o ambiente como discurso, abordando, igualmente, dimensões do desenvolvimento ligado ao turismo e, em particular, ao ecoturismo ou turismo étnico (com base num maior envolvimento das comunidades locais), conhecimentos e saberes locais ou indígenas, ecologia política (a consideração do acesso, gestão e utilização dos recursos naturais numa perspetiva global com referência ao modo como localmente os recursos naturais são geridos e utilizados sob pressão dos grandes interesses económicos mundiais). Isto é, inscreve a produção do discurso e das práticas sobre o ambiente numa escala que também torna as populações locais produtoras criativas dos mesmos. A proposta estende o seu alcance para além das perspetivas construtivistas, enfatizando uma dimensão diacrónica de análise (ecologia histórica) que torna a perceção do ambiente dependente de uma história das próprias ideias sobre o ambiente, das relações e interações das populações com o meio ambiente e de estruturas sociais e dinâmicas sociais mais vastas. Ou seja, situa as práticas e os discursos sobre a natureza, paisagem e ambiente nas próprias condições históricas de produção daquelas.

Cortéz Vázquez explora o pressuposto de que as áreas protegidas são dinâmicas e não são apenas áreas de natureza, ou, dito de outra forma, que as populações humanas que nelas têm vivido são constituintes imprescindíveis a ter em conta para a sua compreensão integrada. Por outro lado, reconhece a inevitabilidade dos conflitos que resultam de perceções, discursos (representações), relações e interações (práticas) distintos face aos restantes coelementos dos ecossistemas. Por outras palavras, estes elementos são moldados por políticas económicas, culturais, ambientais e de desenvolvimento, nas quais se inclui o turismo.

O texto recenseia um conjunto considerável de fontes muito atualizadas, convocando não a antropologia, mas, igualmente, áreas das ciências naturais que nos permitem conhecer muito pormenorizadamente a biodiversidade do PNGN. Do ponto de vista metodológico, os treze meses intervalados de trabalho de campo, entre 2005-2008, permitiram ao investigador uma metodologia circular, como o próprio denomina, facilitando intercalar e complementar revisões bibliográficas com novos dados, que correspondiam à própria necessidade de captar uma realidade dinâmica e em transformação constante. Esta é também uma etnografia multilocal (com base em três núcleos populacionais) que visa igualmente o conhecimento e reconhecimento de diferentes atores, grupos e atividades/ práticas que se desenvolvem no PNGN (diferentes tipos de turismo, agricultura, pastorícia). Esta abrangência é reconhecida, ainda, na atenção às diferentes formas como as populações humanas foram apropriando os espaços e os seus recursos ao longo do tempo, processo que culmina presentemente num relativo abandono de áreas anteriormente exploradas para fins agropastoris, paralelamente à reinvenção turística das mesmas.

Em suma, o livro contribui para a necessária desconstrução de consensos sobre áreas protegidas, em particular aqueles produzidos por discursos ambientalistas oriundos da biologia, que tendem a negligenciar o papel ativo e produtor dos humanos na natureza e na paisagem ' as abordagens biocêntricas/ecocêntricas. É de destacar, neste sentido, uma perspetiva que faz reconhecer o caráter transformativo e dinâmico do território ' os espaços têm história ' e dos agentes sociais envolvidos. O livro revela-se, assim, como um contributo relevante para a antropologia ambiental e o estudo das áreas protegidas (abordando um contexto europeu que, de alguma forma, tem sido esquecido), podendo ser igualmente apreciado pelos conhecimentos gerados na ótica dos gestores e stakeholders do PNGN na Andaluzia; importa, neste sentido, valorizar a sua dimensão de aplicabilidade e transdisciplinaridade (em especial, na receção e difusão), servindo o propósito de, através de uma abordagem etnográfica, fazer redescobrir diversidades e pluralidades de pontos de vista que desde a ordem normativa se afiguram inacessíveis. No âmbito dos estudos sobre relações entre indivíduos humanos e indivíduos não humanos, as perspetivas antropológicas são, cada vez mais, necessárias como forma de reconhecer a inevitável humanidade da wilderness das áreas protegidas.


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