Helenismo, filosofia e cultura no Renascimento italiano, de Giovanni
Argyropulus a Constantino e Janus Lascaris
I
Preâmbulo: o trabalho de Eugenio Garin (1909‑2004): evocação do erudito de
Rietti no centenário do nascimento
Em 1937 ocorriam, no plano da História da Edição filosófica e cultural, dois
acontecimentos verdadeiramente marcantes. Enquanto no universo francês se
verificou a publicação da obra exemplar de Marcel Bataillon, sobre Erasmo e
Espanha[1], na Itália, mais precisamente em Florença, era editada a obra de um
jovem universitário Eugénio Garin, que há pouco concluíra 28 anos de idade,
intitulada Giovanni Pico della Mirandola, vita e dottrina[2].
Este homem, ainda jovem, já então trabalhava também, em Florença, na cultura
helénica, tanto nas vertentes do platonismo e do aristotelismo na Renascença[3]
como nas da própria mitologia clássica. Tratava‑se de duas vertentes que,
sobretudo a primeira, jamais deixaria de cultivar, a partir de então, com
persistência e talento.
Esses seus começos de actividade verificaram‑se no período em que, em
Florença, principiou a ser publicada, em 1938, a revista Rinascità. Esta
publicação, inicialmente de carácter trimestral, era então dirigida por
Giovanni Papini[4]. O secretário de redacção era Ettore Allodoli e, entre os
colaboradores, Garin passou a ser, desde então, um dos colaboradores.
Por decorrer este ano o centenário do seu nascimento ' ele que veio ao mundo na
cidade de Rietti, um pouco a norte de Roma, em 9 de Maio de 1909 ' poder‑se‑á
dizer, dela, que orgulhosa urbe que (tal como o lendário imperador Vespasiano
[5]) tais filhos tem[6].
Já nesses inícios do percurso de Eugenio Garin como investigador, com
visibilidade na comunidade académica, ele era dotado de uma invulgar
curiosidade intelectual. Sentia‑se atraído em particular, até em resultado dos
mestres universitários que tivera, pela problemática do Renascimento italiano,
nas suas extensões pelas vias da helenização e da latinização dos principais
meios cultos do seu país.
Essa sua curiosidade intelectual por temas da cultura grega tê‑lo‑á levado,
nessa fase inicial, a redigir um trabalho de incidência mitológica (e com
repercussões para a área do hermetismo) sobre a morte de Hermes e o Liber
Alcidi[7]. Essa divindade da mitologia helénica, que parece ter sido originária
da Arcádia, já havia surgido, como ele mesmo reconhecia, nos tempos mais
remotos desde Homero a uma grande parte dos autores clássicos.
Durante a segunda metade dos anos quarenta Eugenio Garin dedicou-se a explorar
alguns filões documentais respeitantes ao humanisto italiano, em particular
sobre Nicoletto Vernia, Pietro de Mântua, Landino, Filelfo e o sempre presente
(aliás inseparável da sua carreira) Giovanni Pico. Nos fins dos anos quarenta e
nos começos dos anos cinquenta voltava a visitar a sua Hélade, os seus
filósofos precursores, tanto Platão como Aristóteles, ou os seus naturais
continuadores, como o neo‑platónico Plotino[8]. Deste modo, um tanto na
qualidade de leitor compulsivo, é significativo o número das recensões que
passa a redigir nesse período.
Uma dessas recensões fá‑la publicar na revista Rinascimento (iniciada em 1950
e natural continuadora da Rinascità), sobre a obra de Raimondi, a Defensio
Epicuri[9]. Este filósofo ateniense (341‑270 a.C.) também o atraía de algum
modo, como representante de um pensamento que, a partir das sensações,
estabeleceu um critério de incidências no plano do conhecimento, da moral e do
prazer com vista à felicidade humana.
Entre os seus múltiplos testemunhos de erudição ' que tivemos ensejo de receber
deste mestre de Florença ' alguns foram, para nós, deveras frutificadores.
Tratou‑se dos primeiros grandes levantamentos, em obras diversas, das figuras
fundadoras como Giovanni Argyropulus, Constantino Lascaris e Janus Lascaris. É
deles, pois, que iremos tratar no presente estudo.
II
Decorrem três décadas sobre a nossa primeira missão na Grécia antiga, mais
precisamente entre Janeiro e Fevereiro de 1978. Atraídos, nesse período, pelo
estudo da epigrafia grega e pela representação dos anjos e outras figuras
aladas (nas suas múltiplas tipologias) na arte grega, e também na romana,
aterrámos em Atenas quando, insuspeitadamente ' e de uma forma indirecta guiado
pelos ensinamentos de mestres como Jean‑Pierre Vernant[10] e Eugenio Garin '
um complexo mundo de fascínio se abria imorredoiramente para nós.
Em fins dos anos quarenta ' cerca de duas épocas antes do precursor estudo de
Geanakoplos[11] sobre a difusão da cultura helénica na Europa mediterrânica '
Eugenio Garin continuava a investir na difusão dos filósofos gregos na
Renascença italiana. Nesse período, porém, ele passou a debruçar‑se com mais
regularidade sobre grandes mestres da intelectualidade bizantina, entre eles
Giovanni Argyropulus e Constantino Lascaris e Janus Lascaris.
O nosso projecto ' tomando a exigência heurística de Vernant como referência e
modelo ' foi então, desde os fins dos anos 70, partir do território de eleição
desse helenista francês à descoberta do mundo grego recriado, na Itália do
Renascimento, por filólogos da craveira de Argyropulus ou dos Lascaris[12]. É
pois dos recriadores desse mundo antigo, desses escultores, ou seja, de
filólogos de um mundo já então perdido nesses séculos XIV e XV, que vamos aqui
tratar.
1 ‑ Giovanni Argyropulus na difusão do helenismo, através do trabalho
filológico na Itália renascentista
O filólogo helenista Giovanni Argyropulus nasceu em Constantinopla, no coração
do império bizantino, em 1393‑94[13], de uma família nobre, tendo enveredado,
muito presumivelmente, pela carreira eclesiástica. Encontrando‑se hoje
inequivocamente provada a tradição textual ' no âmbito da produção caligráfica
de textos ' nessa capital religiosa, ela está documentalmente estabelecida por
testemunhos vários desde os séculos VII e VIII[14] até aos tempos mais
recentes.
Importa relevar aqui, com efeito, o papel que o primeiro dos referidos mestres
bizantinos teve na difusão da língua e cultura grega na Itália do Renascimento.
Poder‑se‑á dizer, até, que os impressos e os manuscritos de e em torno de
Argyropulus permitiram, a Garin ' estudando inclusivamente a obra de Donato
Acciaiuoli[15] ' uma melhor interpretação quer do platonismo quer do
aristotelismo renascentistas.
Argyropulus tinha cerca de 45 anos quando, em 1438‑39, por ocasião do Concílio
de Ferrara-Florença, terá vindo pela primeira vez, de Constantinopla, até à
região levantina de Itália. Pouco depois ele regressou a terras da grande
Grécia. Muito em breve voltava pelo que, entre 1441 e 1444, já se encontrava
com residência de certo modo fixa, em Pádua, junto a Palla Strozzi (c.
1373‑1462)[16], que se vira forçado a deixar Florença, e que agora ali passava
a dedicar‑se aos estudos clássicos, entre os quais a língua grega,
precisamente sob a direcção deste mestre bizantino.
Em 1448 já este estudioso da cultura bizantina se encontra a residir em Roma,
muito presumivelmente à procura de apoios influentes para o seu trabalho junto
da Cúria Régia. Não é conhecido o período em que permaneceu nos meios
pontifícios. Apenas em 1453, já tinham decorrido cinco anos, se detecta a sua
presença, como docente, nas terras natalícias de Bizâncio, mais precisamente em
Constantinopla, numa instituição então bem credenciada, o Katholicon Mouseion.
Também nessa cidade a sua permanência não vai ser muito dilatada no tempo, pois
empreende então longas viagens pela Itália, Grécia, França[17] e Inglaterra.
Entre 1456 em 1471 dedica‑se à actividade docente, como helenista, em
Florença. Aí, segundo Paolo Eleuteri e Paul Canart, leu e comentou sobretudo
textos aristotélicos[18].
O filólogo bizantino optou, então, por partir de novo para Roma[19], onde
desenvolve também a sua primeira missão pedagógica nessa cidade até c. de 1476.
Entre 1477 e 1480 volta a leccionar (presumivelmente também sobre temas
aristotélicos) em Florença. Ele, porém, não esquecera o ambiente romano e
voltou à cidade dos pontífices e a parti de 1481 não mais abandona essa cidade
até ao fim dos seus dias[20].
Nesse segundo período do seu magistério romano Giovanni Argyropulus contou,
entre os seus discípulos, Johannes Reuchlin bem como o francês Jacques Lefèbre
d'Étaples. Aquele que veio a ser, também, mestre de Ângelo Poliziano ' autor de
uma carta dirigida (através do humanista Luís Teixeira, ao rei de Portugal, D.
João II, em 15 de Agosto de 1489[21] ' ou ainda de Palla Strozzi e de
Constantino Lascaris, acabou os seus dias em 1487.
1.1 ‑ A tradição textual de Argyropulus e alguns contornos que envolve
Eugenio Garin procurou desenvolver primeiramente como que uma pesquisa em torno
das características psicológicas de Giovanni Argyropulus enquanto homem e
cidadão (já então com um filho a seu cargo) ' que chegara a Florença para
exercer o seu munuspedagógico ' mais do que do helenista. Pretendia‑se, pelo
que se antevê numa epístola hoje conhecida, que este humanista ' de que se
conhece um retrato[22] quinhentista ' levasse por diante, em Novembro de 1456,
os seus ensinamentos em Florença, no âmbito das Belas‑Letras.
Neste aspecto o estudioso de Giovanni Pico procura fundamentar,
documentalmente, os meandros dessa sua pesquisa argiropuliana numa carta que
foi enviada, em 9 de Novembro daquele ano, por Acciaiuoli, de Florença a
Alamanno Rimuccini.
Em tal epístola Acciaiuoli regista, apesar de tudo, não sem alguma
perplexidade:
Quanto ao nosso Argiropulo, que suscitara tanta expectativa nas suas
lições, e quem com tanta avidez desejávamos ouvir, nada se sabe dele.
Eu não deixo de admirar‑me pela sua negligência e pela sua falta de
seriedade, e não gostaria de falar de uma subtil e enganadora
astúcia: de facto não se preocupou em enviar nem uma linha sequer
depois da sua partida[23].
Regista‑se, ainda, na referida epístola, acerca do filho que aquele helenista
deixara em Florença:
Até parece que se esqueceu completamente desse filho que tanto dizia
estimar. Precisamente queria dizer‑te qualquer coisa sobre esta
questão. Há alguns dias a mulher que o tem a seu cuidado queixava‑se
com grande discrição e medida daqueles que detêm a tutela da criança,
a quem faltam muitas coisas necessárias; e pediu‑me que te
escrevesse sobre este assunto. Esforça‑te, portanto, para que se
faça tudo o que for preciso[24].
Mais pertinentes, decerto, no tocante à acção pedagógica desenvolvida por
aquele mestre bizantino em Florença, são alguns manuscritos (também) revelados
por Eugenio Garin[25], que dão testemunho de alguns passos fundamentais do
percurso intelectual[26] deste grande difusor em Florença, para além da língua
da Hélade, também do pensamento grego.
Gravura quinhentista com retrato de Argyropulus, numa edição suíça, por Paolo
Giovio, de 1577
A questão da ampla difusão da filosofia platónica e aristotélica no
Renascimento transalpino ' em particular graças a Argyropulus ' constitui, após
essas primeiras incursões de Garin pelos terrenos do pensamento helénico, uma
das suas coroas de glória. Ele veio a registar, algum tempo depois, que o
intelectual bizantino, na introdução de 1460 ao seu curso de Psicologia, já
tinha passos deveras significativos acerca da evolução da filosofia grega nos
seus primeiros séculos de história conhecida e documentada.
Argyropulus sustentava, então, uma ideia de continuidade, desde Zaratustra e os
pré‑socráticos, autores de uma filosofia obscura e poética, até Sócrates,
que impulsionava os homens para as ciências através da moral; Platão,
divino e perfeitíssimo em qualquer ramo do saber e Aristóteles, durante
vinte e um anos discípulo de Platão, que elaborou uma ordem perfeita das
ciências[27].
Na perspectiva daquele mestre bizantino não existia, efectivamente, uma
verdadeira oposição entre os ensinamentos de Platão e os de Aristóteles. O que
se verificava, isso sim, era uma forma diferenciada de abordar os problemas,
atendendo à diversidade das ciências, dentro da unidade do saber e da pesquisa.
As divergências, na óptica de Argyropulus ' que, para o efeito considerava,
comparativamente, as posições de Alexandre de Afrodísia e de Temístio, a
propósito da alma ' dependem do desenvolvimento das várias possibilidades em
questões equívocas, possibilidades que o pensador, que abordou essas questões
pela primeira vez, deixou sem explorar[28].
Esta forma de ver, por parte de Argyropulus não deixa, na Florença do
Renascimento, por ser um tanto precursora. Tal sucede, com efeito, várias
décadas antes de em Veneza, na oficina de Aldo Manuzio, ser produzida, entre
1495 e 1498, também com a colaboração do mesmo Argyropulus, a impressão dos
Opera Omnia do Estagirita[29].
Opera Omnia de Aristóteles, na edição veneziana, por Aldo Manuzio, de 1497
Estas últimas considerações ' a partir de uma obra de que se veio a socorrer,
anos depois, também Erasmo de Roterdão[30] ' permitem, de igual modo, constatar
o papel que aquele pensador bizantino teve na difusão das artes do livro quer
na já referida cidade de Veneza, quer em Florença.
Mapa - Itinerário de Arogyropulus, desde a sua saída de Constantinopla até ao
seu falecimento em Roma
1‑2. Da preparação por Argyropulus de alguns manuscritos à utilização das suas
versões aristotélicas por impressores transalpinos
Sendo especialista, como de facto era, na língua e na cultura grega, tal facto
explica que Argyropulus tenha preparado, por sua livre iniciativa, alguns
manuscritos na língua helénica.
Um dos manuscritos gregos de Argyropulus, existente nos fundos da Biblioteca
Nacional de França
Nesse sentido ele apresenta‑se como que estabelecendo, nessa segunda metade do
século XV em Itália, uma interessante ponte entre a cultura de Bizâncio e a das
terras que ali o acolhiam. Um caso que prova tal postura, de uma forma notória,
é o de uma comédia bizantina, daquele período, de que deu testemunho num dos
seus manuscritos, estudado por P. Canivet e por N. Oikonomides[31].
Ele contribuiu também, por outro lado ' tanto em vida como a título póstumo '
para que vários impressores, particularmente os venezianos, beneficiassem das
suas versões, preparadas a partir da língua helénica, na (re)edição de diversos
originais de clássicos gregos (para além da já referida colaboração com Aldo,
na mesma cidade). Apresentamos, aqui, apenas quatro exemplos, dois manuscritos
e dois impressos.
Encontram‑se, com efeito, na Biblioteca Marciana, em Veneza, entre outros,
estes códices quatrocentistas (que já tivemos ensejo de analisar):
1 ‑ [LOG.DE ANIMA (lat.): trad. J. Argiropulus, pref. T. Gaza;
Comm. Boethius, Marsilius de Inghem; anot N. Vernia][32],cart. do
séc. XV (de 227 fls.).
Assinale‑se que, neste códice, para além das traduções de Porfírio, Boethius,
ou Marsilius de Inghem, todas as outras, incluindo os textos aristotélicos De
Interpretatione, Analytica priora, ou De Anima (este último in fls. 35 rº‑47
vº.) são da responsabilidade precisamente de Argyropulus.
2 ‑ [ETHICA NICOMACHEA (lat.): trad. J. Argiropulus, comm. D.
Acciaiuoli][33],cart. do séc. XV (de 270 fls.).
Sabe‑se que este manuscrito provém dos Canonici regolari di S. Leonardo fuori
Verona. Indica‑se ainda o esforços de Eugenio Garin, em 1951, na
interpretação desta fonte[34].
Na mesma instituição, por seu lado, encontram‑se, na secção de fundos
impressos antigos, outras edições, com conhecidos textos do pensamento medieval
como estes, com comentários do Aquinate a textos de Aristóteles, resultantes de
igual modo dos esforços de Argyropulus:
1 ‑ [LOG. (lat.): trad. mediev. antiqua e J. Argyropulus,
comm., S. Thomas Aquinas, ecc.][35]
Trata‑se, afianal de um impresso em cujo frontispício se pode ler:
S. THOMAE AQVINATIS / Praeclarissima Commentaria / in Libros
Aristotelis / Peri hermenias & Posteriorum / Analiticorum, / CVM
ANTIQVA TEXTVS TRANSLATIONE, / atque etiam nouaIoannis Argyropyli
(sic): Ite(m) Thoma Caietani Cardinalis / Supplementum Commentariorum
in reliquum / secundi libri Peri Hermenias
VENETIIS,/ Apud Hieronymum Scotum. / MDLVII.In fine:Apud Hieronymum
Scotum. / 1555.
Esta última edição (impressa) insere‑se, naturalmente, numa iniciativa de
maiores dimensões, por parte daquele editor veneziano, em empreender, em meados
do século XVI ' cerca de quatro décadas após a morte de Aldo Manuzio ' um plano
de várias edições aristotélicas, autor muito em voga nos meios universitários
veneto‑paduanos da época. Daí que passemos à identificação de uma nova fonte
argiropuliana:
2 ‑ [PHYSICA (lat.): trad. mediev. J.Argyropulus; com. S. Thomas
Aquinas][36]
Trata‑se de uma nova edição quinhentista impressa, em cujo frontispício se
pode ler:
S. Thomae AQVINATIS / In octo Physicorumm Aristotelis / libros
commentaria, / EX VETVSTISSIMO AC FIDISSIMO / manu scripto exemplari,
nuper diligentissime castigata, & locis quam / plurimis integrati
restituta: Cum duplici textus tralatione, / antiqúe, & ARGYROPOLI
recognitis./
Ad haec accesit ROBERTI LINCONIENSIS / in eosdem Summa./ Quibus etiam
nuper sunt additi Sancti Thome libelli asd ne‑/ gocium Physicum
spectantes[a duas colunas‑ col. I] De Principiis Naturae, / De
Natura Maeriae,/ De Loco, / De Tempore libri Duo / De Aeternitate
mundi: / ACTHOMAE DE VIO CAIETANI / Questiones
VENETIIS,/ Apud Hieronymum Scotum / MD LVII,No fim:Apud Hyeronymum
Scotum / MDLVIII.
Estas quatro obras, duas manuscritas e duas impressas, vêm dar, afinal, uma
perspectiva sobre como o trabalho de Argyropulus ' com tradutor de Grego '
ainda se mantinha actuantee era procurado, em meios cultos, na segunda metade
do período quinhentista em Veneza, isso para não falar de algumas das edições
verificadas na Alemanha e em França a partir de versões textuais por si fixadas
(ver nota, adiante, em Algumas conclusões).
2 ‑ A discussão em torno das traduções de Platão: a polémica entre J. de
Trebizonda e Bessarione
Quando Argyropulus, com cerca de 45 anos de idade, se encontrava no auge da
sua produção helénica transapina, deflagrou, por assim dizer, a polémica entre
Johannes Basilius Bessarion, mais frequentemente referenciado por Bessariona
(1399‑1400/1472) ' que na hierarquia eclesiástica atingiu o cardinalato ' e
Jorge de Trebizonda (1395 / 1472‑73)[37]. Aquele religioso italiano tinha
regressado do império de Bizâncio, em 1440, onde, entre outras façanhas, se
contava a de ter conseguido transportar para Veneza uma soma considerável de
códices helénicos medievais de uma importância fundamental.
Recuando um pouco no tempo, importa estabelecer que Bessarione ' que estivera
activo em Nápoles em 1455 e que em 1460‑61 se encontrava de novo em Roma '
pouco depois passou a ensinar em Veneza onde, em 1465, o papa Paulo II o enviou
em missão a Constantinopla. Esta missão constituiu, sem dúvida, o primeiro
momento fulcral da luta deste religioso na união de dois mundos, o de Bizâncio
e o da cultura humanística do Renascimento.
O Cardeal Bessarione, numa gravura constante da edição quinhentista suíça de
Paolo Giovio, de 1577
Foi neste período, à volta de 1468‑69, que as discussões, no âmbito do
platonismo, entre Jorge de Trebizonda e Bessarione vieram a ganhar uma
significativa dimensão. Elas acabaram por despoletar, como se sabe, a inimizade
do Cardeal italiano por aquele intelectual bizantino[38].
Assinale‑se que Jorge de Trebizonda tinha publicado, recentemente, a sua
versão das Leisde Platão. Nessa sua produção teórica (e como tradutor) aquele
intelectual ' que chegara a Veneza proveniente de Cândia, na ilha de Creta '
insurgia‑se conta a deficiência de algumas das traduções de obras de Platão em
Itália.
Veio então à luta Bessarione, que fez publicar a obra Adversus Calumniatorum
Platonis. Correctio Lirorum Platonis De Legibus Giorgio Trapezuntio Interprete.
De Natura et Arte adversus Georgium Trapezuntium, obra que saiu na oficina
romana de C. Sweynheym e de A. Pannartz, antes de 28 de Agosto 1469.
Trata‑se, ao fim e ao cabo, na expressão de J. Hankins, de um dos mais
importantes textos na história do platonismo[39] na Itália renascentista, num
período em que ele tinha também comentado o De factis et dictis Socratis
(constante da edição dos Opera de Xenofonte, de Lyon, de 1551, existente no
CEHLE).
Tudo indica que esta polémica teve uma significativa importância na decisão de,
anos depois, o humanista fiorentino, Marsilio Ficino (1433‑1499), passar a
esse exemplar empreendimento de traduzir e editar o verdadeiro monumento dos
Opera de Platão. Essa edição ocorreu em Veneza, recorde‑se, na oficina de
Bernardino de Core e de Andrea Torresani (o sogro de Aldo Manuzio), em 1491
(com trabalhos tipográficos terminados antes de 13 de Agosto desse ano)[40].
Uma das folhas iniciais da edição dos Opera de Platão, na edição veneziana
(Andrea Torresani), de 1491
3 ‑ O papel do vasto clã dos Lascaris, de Constantinopla, na difusão da
cultura helenística em Itália
Outros casos importam, ainda, ser considerados neste âmbito da difusão do
helenismo em Itália nos séculos XV e XVI. É a situação de Constantino Lascaris,
gramático bem conhecido, e de Janus Lascaris, professor exilado em Florença,
ambos provenientes do império de Bizâncio. Esta problemática, de âmbito mais
alargado, insere‑se na perspectiva da fixação em Itália de alguns membros das
famílias Lascaris, no período de transição da idade Média para o Renascimento.
Importa com efeito, neste contexto, traçar uma (mesmo que breve) retrospectiva
acerca de algumas das movimentações no seio destas famílias, indo até ao
período final das cruzadas cristãs.
Entre 1204 e 1261, no período do império de Niceia[41] ' situando‑se esta
cidade, como é sabido, a sudeste de Constantinopla ' os destinos das populações
foram regidos pela família aristocrática dos Lascaris (ou Laskaris). Desde o
primeiro imperador aí em funções, Teodoro I Lascaris[42], o seu continuador
Teodoro II Lascaris[43], até ao último titular, Miguel VIII Paleólogo (que
reocupou com êxito a cidade de Constantinopla), decorreu mais de meio século.
Num período um pouco posterior, embora não muito distante, há a registar,
ainda, que uma dama, descendente daquele clã, D. Vataça Lascaris, acaba por
deixar aquela região em direcção à Península Ibérica. Associa‑se a Isabel de
Aragão (com quem a sua família já mantinha laços) e acaba por a acompanhar
quando esta, c. 1288, deixa aquela região com destino a Portugal, onde se casa
com o rei D. Dinis[44].
Avancemos, porém, no tempo, até ao final dos anos cinquenta do século XV. É
desse período, com efeito, que subsistem as primeiras informações acerca de um
pré‑humanista bizantino ' decerto que proveniente de um desses clãs dos
Lascaris, de Constantinopla, de nome Constantino, que chegará a Milão por volta
desse período e se virá a notabilizar como gramático.
4 ‑ Um gramático bizantino de renome, Constantino Lascaris na difusão do
helenismo na Itália do Renascimento
Um dos primeiros humanistas bizantinos que contribuiu significativamente para a
afirmação da cultura helénica em meios cortesãos e cultos no centro norte e no
nordeste de Itália, a partir de meados do século XV, foi Constantino Lascaris.
Passemos em revista, primeiramente, alguns aspectos sobre a sua origem e
proveniência e, de seguida, acerca das premissas históricas do seu trabalho.
Ele tinha nascido em Constantinopla em 1434[45], provavelmente mais de uma
dezena de anos antes de Janus Lascaris, um outro helenista da mesma cidade de
quem nos iremos ocupar um pouco adiante. Em 1453 foi feito prisioneiro pelos
Turcos, conseguindo a sua libertação pouco depois. Após ter passado por Corfu e
por Rhodes, já se encontrava em Milão, em 1458, com 24 anos de idade[46].
4 ‑1. Do período de Milão ao de Nápoles
Nessa cidade ele entrou ao serviço do Duque Francesco Sforza (1401‑1466). Este
homem de estado italiano, recorde‑se, casado com uma filha da poderosa família
Visconti, tinha‑se feito proclamar Duque de Milão em 1450. Ele mesmo o
incentivou e contratou para ensinar publicamente a língua grega, posição que o
humanista de Constantinopla conservou até 1464.
Foi durante a sua permanência nessa cidade ' tudo indica que até 1464 ' que
Constantino Lascaris ' que algum tempo depois virá a ser aluno de Giovanni
Argyropulus[47] ' compôs uma das suas mais influentes obras, o tratado
gramatical Erotemata[48] (impresso cerca de duas décadas depois nesta mesma
cidade). O códice com este tratado destinava‑se à formação de Hipólita[49],
precisamente filha de Francesco Sforza.
Ainda antes de Francesco Sforza vir a falecer, o que sucedeu em 1466, sabe‑se
que já C. Lascaris tinha deixado essa cidade.
4 ‑ 2. Do seu período de Messina e da escola grega na Sicília
Encontramo‑lo primeiramente a leccionar em Nápoles, em 1465. De registar que
um pouco antes, mais precisamente em 1443, D. Afonso V, o Magnânimo
incentivador das artes[50] em geral, tinha criado o Centro Humanístico de
Nápoles. Nele acabaram por se distinguir, entre outros, Filelfo, Pogio, Jorge
de Trebizonda, Bessarione, Teodoro de Gaza ou Valla, todos protegidos pelo
monarca (castelhano como o seu sobrinho, Príncipe de Viana, trradutor de
Aristóteles[51]).
Terá Constantino Lascaris rumado em 1465 de Milão para Nápoles, atraído pela
fama de que desfrutava, ainda então, esse centro de Humanidades? Tudo indica
que sim. Também é provável, no entanto, que a actividade então aí desenvolvida
já tivesse decrescido, qualitativa e quantitativamente, um vez que ele só aí
permaneceu alguns meses, pois no ano seguinte já se encontra na cidade de
Messina, no sul de Itália. Aí veio, com efeito, a abrir uma escola de Grego que
em breve conhecia uma notória popularidade[52].
É sensivelmente nesse período, segundo P. Eleuteri e P. Canart, que o gramático
bizantino vem a conhecer aí Giogio Valla (1447‑1500) e, um pouco mais novo do
que este, Pietro Bembo (1470‑1547).
Já Constantino Lascaris vivia e ensinava há cerca de uma década em Messina,
quando viu criadas as condições para ser impresso, pela primeira vez, o seu
tratado gramatical Erotemata. Tinha‑se iniciado, há pouco, em Milão, a
actividade tipográfica. Curiosamente uma das primeiras obras escolhidas para
ser ali impressa foi, precisamente, a gramática grega de Constantino Lascaris
(em oito partes: Finis compendii octo orationis partium, segundo Renouard).
Tal veio a suceder na oficina de Dionysius Paravisinus, para Demetrius de
Creta. Os trabalhos tipográficos para esse livro foram concluídos em 30 de
Janeiro de 1476. Esta obra, que pouco depois foi objecto de reedição na mesma
cidade[53], já beneficiou, assinale‑se ainda, de uma edição em fac‑símile
[54].
Cerca de duas dezenas de anos depois daquela edição princeps, o impressor
veneziano Aldo Manuzio ‑ que, como erudito (e para além do seu conhecimento
das línguas clássicas) tinha, na qualidade de editor, uma particular
sensibilidade para o negócio de livros que eram de assegurado êxito comercial '
optou por editar, observando presumivelmente a edição milanesa de 1476, essa
mesma obra.
É hoje conhecido, com efeito, que não se tornou necessário a esse editor,
entrar em contacto epistolar com o autor para este efeito da realização daquela
obra. Foi Pietro Bembo quem, viajando em 1494 daquela escola de grego, em
Messina, para Veneza, levou com ele ' como mensageiro, tal Mercúrio, a unir
duas entidades com interesses comuns ' o manuscrito da gramática grega,
corrigido pelo autor, bem como uma narrativa da sua própria ascensão ao monte
Etna[55].
A cedência daquele manuscrito ocorria num período em que os contornos de
direitos autorais eram ainda bastante diferentes dos de hoje[56].
O que é certo é que em Fevereiro‑Março de 1495 estava concluída a impressão,
naquela oficina venezina, desta obra. Na abertura da mesma consta esta
dedicatória‑prefácio:
Aldus Manutius Romanus studiosis, s. d. / Constantini Lascaris viri
doctissimi, institutiones grammaticas, introducendis in litteras
Graecas adolescentulis quam utilíssimas, quoddam quasi praeludium
esse summis nostris laboribuset impendiis tantoque apparatui ad
imprimenda Graeca volumina omnis generis, fecit cum multiudo eorum
qui Graecis erudiri litteris concupiscunt ' nullae enim extabant
impressae venales et petebantur a nobis frequenter ' tam status et
coditio horum temporum et bella ingentia, quae nunc totam Italiam
infestant irato Deos vitiis nostris, et mox totum orbem commotura ac
potius concussura videntur, propter omnifariam hominum scelera multo
plura maioraque iis, quae causa olim fuere ut totum humanum genus
summergeret aquisque perderet iratus Deus[57].
Não deixa de ser um facto que, neste aspecto do seu mester, e em relação aos
manuscritos que pretendia editar, Aldo Manuzio era um pouco exigente e
perfeccionista. Nessa sua introdução aos textos gramaticais gregos de
Constantino Lascaris, Aldo professava, segundo Martin Lowry, um certo desprezo
pelas versões impressas que circulavam. O manuscrito trazido de Messina por
Bembo (e, ainda, por Gabriel, regista ele), tinha sido corrigido pela mão do
próprio Lascaris em cerca de cento e cinquenta passagens diferentes'. Graças a
este manuscrito, Aldo podia suprimir certas secções, corrigir outras, bem como
juntar novos textos'. A tradução latina teria sido acrescentada por sua
iniciativa' para ajudar aqueles que principiavam no estudo do Grego[58].
O genro de Asola, que poucos meses depois (já em 1497) punha em marcha, em
letra de forma, o seu plano ' prolongado por alguns anos, dada a vastidão de
tal empreendimento ' da restituição do Aristoteles grego, entendeu, cerca de
seis anos depois da sua 1ª. impressão de Erotemata, voltar à difusão dos
trabalhos eruditos de Constantino Lascaris. Tal sucedeu com a publicação, em
1501-1502, de Constantino Lascaris De Octo Partibus Orationis[59] ' com
reedição em Veneza, em 1512 e 1549 ' quando aquela gramática impressa também
dava origem a algumas cópias manuscritas[60].
Reedição de De Octo Orationus Partibus (1540), de Constantino Lascaris
Acerca dessa edição de 1501-1502, os dados em presença ' na concisa
interpretação de Giovanni Orlandi[61] ' apontam que tal poderá ter sucedido,
ainda, nos últimos meses de vida do conceituado helenista do quatroccento,
presumivelmente a partir de Fevereiro-Março de 1501. Nos trabalhos
preparatórios dessa edição interveio, também, o intelectual veneziano, Angelo
Gabriel, que tinha estado, por sinal sob a tutela do próprio humanista
bizantino. Esta afirmação é fundamentada no prólogo dessa edição onde, logo no
início, o próprio impressor, deixa registado:
Aldus Manutius romanus Angelo Gabrieli patritio Veneto s. p. d. / Cum
plurimis in rebus, Angele humanissime, novi te plenissimum amoris,
humanitatis, officii, diligentiae, tum praecipue tua in Contantinum
Lascarem Byzantinum, praeceptorem tuum [62]
Tudo parece indicar que esta obra beneficiou de um bom acolhimento nos meios
italianos universitários da época (e em outros meios cultos em geral).
Mapa - Itinerário de Constantino Lascaris, desde a sua partida de
Constantinopla até à sua morte na vila de Messina, na Sicília (sul de Itália)
Não é sabido, ao certo, até que período o autor de Erotemata continuou, na sua
escola grega de Messina, com o seu intenso labor de restituição de fontes
gregas. Do que se conhece, com mais rigor, é que ele acabaria por falecer, em
Agosto de 1501 nessa cidade (curiosamente antes de vir ao mundo um novo
helenista, Giovanni Ettore Lascaris[63]). Ele ficaria reputado, afinal, como
um dos máximos difusores da cultura grega na Itália do século XV[64].
5 ‑ Uma súmula do legado grego impresso por Aldo, apenas nos primeiros seis
anos (entre 1494 e 1499)
Nem tudo se encontra ainda cabalmente estudado, até hoje, quanto à multímoda
produção tipográfica veneziana de Aldo Manuzio em caracteres gregos. Isso
apesar de os estudos ' alguns dos quais temos vindo aqui a seguir ' de Martin
Lowry, de Giovanni Orlandi e outros, terem já contribuído para se superarem
muitas das inexactidões que haviam sido escritas.
Um dos problemas que continua a não ser, apesar de tudo, pacífico, é se o livro
de Constantino Lascaris, Erotemata, de 1495, foi efectivamente ou não o
primeiro a ser impresso por ele em Veneza.
Retrato em gravura (do século XVI) de Aldo Manuzio
Em 1979, quando Martin Lowry lançou a 1ª. edição da sua obra sobre a tipografia
aldina, deixou nela, num quadro de interesses mais vastos, uma súmula das obras
gregas impressas por este técnico e humanista, nos primeiros seis anos da sua
actividade. Sintetizamos, aqui essa faceta da sua produção tipográfica grega no
seguinte quadro. Ela é obtida, no essencial, do 1º. catálogo das edições gregas
que Aldo Manuzio tinha produzido até 1498[65]:
1º. catálogo de edições gregas por Aldo Manuzio (Veneza,1498)
Produção tipográfica grega de Aldo: 1494-99
Assim, e num cômputo geral, pode estabelecer‑se que, nesse espaço de seis anos
' com a parte mais avultada da sua produção tipográfica com caracteres gregos '
Aldo Manuzio fez imprimir aos técnicos seus colaboradores cerca de 4.250 folhas
de texto. Para se dar apenas uma ideia muito geral, estes números correspondem,
se tal produção fosse regular e constante, a uma média de 700 f. de texto grego
(apesar de em muitas delas haver também texto em latim, ou coabitando as duas
línguas em muitas páginas comuns) em cada um desses anos de produção. Ou,
ainda, se se preferir, tal acção corresponde a uma média de cerca de seis
dezenas de f. em caracteres gregos por mês.
Trata‑se, efectivamente, de uma produção gráfica, de algum modo,
quantitativamente avultada. Se se pensar, ainda, na exigência que aquele
impressor punha na sua produção, estes dados revelam a existência de quadros
humanos técnica e cabalmente preparados para lidarem, quase no dia a dia, com
uma língua clássica, manifestamente diferenciada da sua.
O sentido de exigência que, como referimos, Aldo punha neste seu labor oficinal
' tão rigoroso como o trabalho filológico que lhe estava na base ' levou‑o, em
várias fases da progressão de tais trabalhos, a tentar encontrar soluções,
quanto ao desenho dos próprios caracteres, que melhor se adequassem às missões
editoriais específicas que a sua equipa de técnicos tinha em mãos. Daí
resultou uma estreita colaboração com o bem conhecido técnico Francesco
Griffo.
Esse facto legitimou a necessidade de que este impressor ' quando editou
Aristofanes em 1498 ' tinha já na sua oficina, pelo menos, uma tipologia de
caracteres gregos[66]. Um estudo mais atento, como o de G. Mardersteig, vem
provar, no entanto, que nessa mesma obra foi utilizada uma segunda tipologia de
caracteres na mesma língua.
Duas tipologias de caracteres gregos na impressão, por Aldo Manuzio, da obra de
Aristofanes (1498)
Veja‑se um outro caso. Em 1499, Aldo imprimiu as obras de Dioscórides e
Nicandro. Pode‑se estabelecer, assim, que os caracteres gregos utilizados na
edição desta nova obra não correspondem, já, aos jogos de caracteres de que os
seus funcionários se haviam servido no referido trabalho do ano anterior.
Uma nova tipologia de caracteres gregos na impressão, por Aldo Manuzio, das
obras de Dioscoridese Nicandro(1499)
Uma outra conclusão poderia ainda ser tirada. Quando na oficina de Aldo é
publicada a edição de Sofocles, de 1502 ' obra já fora do presente quadro
cronológico e à qual faremos referência mais adiante ' os caracteres gregos de
que se serviu este impressor e a sua equipa já não correspondem a nenhuma das
tipologias[67] anteriormente empregues.
Uma nova tipologia de caracteres gregos na impressão, por Aldo Manuzio, da obra
de Sofocles(1502)
6 ‑ Dos códices de Constantino Lascaris (alguns levados para Castela) à sua
disputa com Pomponazzi sobre as línguas clássicas
Mais de uma década depois da morte do helenista bizantino, aquele seu tratado
doDe Octo Partibus Orationisacabou por vir a ser reeditado[68], por Aldo
Manuzio, em Outubro de 1512. Tal sucedeu cerca de dois anos antes de ele
próprio vir a falecer em Veneza (e 37 anos antes de o mesmo vir a ser de novo
publicado, na mesma cidade, em 1549).
Nesse período, em Messina, o legado de Constantino Lascaris ' a recordação dos
seus ensinamentos e, presumivelmente, ainda os seus códices ' continuavam na
memória dos homens. Parte desse legado, ou seja, a soma dos códices deixados
para a posteridade (após a sua morte) não foi, efectivamente, de reduzida
importância.
A produção codicológica deste filólogo bizantino avant la lettre ' quer em
Messina quer antes de chegar a essa cidade ' é também hoje, de facto, de uma
reconhecida importância para o estudo da língua e da cultura grega em Itália
nesta segunda metade do século XV. Paolo Eleuteri e Paul Canart assinalam,
ainda, a existência de uma Vita di San Demetrio martire e uma introdução a
Argonautiche Orfiche, para além de outras traduções[69].
A letra caligráfica grega de Constantino Lascaris, perspectivada através de
dois testemunhos (apud Annaclara Palau; e P. Eleuteri e P. Canart)
De não menor interesse, em particular para os leitores da Península Ibérica, é
que uma parte dos códices helénicos de Constantino Lascaris acabariam ' em
função dos trâmites políticos e dos interesses que ligaram a Coroa de Castela
àquela região do sul de Itália ' por ser transportados para esse país.
Encontram‑se hoje na Biblioteca Nacional de España, onde mereceram a atenção,
nomeadamente, de Iriarte, no catálogo dos manuscritos da então Biblioteca Real
[70].
Um outro aspecto a considerar no seu legado é que este humanista contribuiu, de
igual modo com elevação, no seu tempo de intelectual activo e militante, para a
discussão da problemática da língua. Nesta questão ' sucintamente relevada por
Eugenio Garin ' importa avançar c. de quatro décadas após a morte deste
intelectual bizantino. Assim, perspective‑se um excerto da obra Dialoghi del
Sign. Speron Speroni, nobile padovano, di nuovo ricorrentti: á quali sono
aggiunti molti altri non più stampati e di più l'apologia dei primi.
Assinale‑se que Sperone Speroni (1500‑1588) ' natural de Pádua e que foi
educado sob a orientação de Pomponazzi[71] ' apresenta, nesta sua obra, vários
diálogos, reunidos pela primeira vez em 1542 (e com uma outra edição, a
utilizada por Garin para o efeito, de 1592). Neles, segundo o autor de Idade
Média e Renascimento, estão particularmente presentes as disputas sobre as
línguas' e sobre a retórica', onde ressoa o eco, provavelmente puro, da escola
de Pomponazzi[72].
No diálogo das línguas reproduz‑se uma suposta discussão entre Constantino
Lascaris e Pietro Pomponnazzi (1462‑1525), este 28 anos mais novo do que
aquele (mas que à altura da referida edição também já havia falecido).
Na primeira parte do diálogo ' que não escapa a aspectos autorais
caracterizados como algo insidiosos, mesmo que propositados ' Lazzaro Buonamici
sustenta, contra Pietro Bembo, a perfeição paradigmática dos antigos e, em
seguida, das línguas clássicas: o mundo greco‑romano, e depois as línguas
grega e latina, constituem a perfeição total, milagre alcançado de uma vez para
sempre, e irrepetível[73].
Eugénio Garin explicita que, ante os dados em presença, o extremo da tese
classicista aniquila a história. Se já tudo foi alcançado, só falta morrer de
sofrimento.
A tese oposta, porém ' que Peretto[74] defende aí contra Constantino Lascaris '
ao destruir todo o vínculo entre expressão' e conceito', reduz também, e de
modo mais subtil mas não menos radical, na feliz expressão de Eugenio Garin,
as línguas a meros disfarces arbitrários e indiferentes de uma formação
humana. E acrescenta: Por paradoxal que pareça, a tese tão franca, tão
revolucionária, tão democrática' de Pomponazzi (que tão bem filosofa o
camponês como o gentil‑homem, o lombardo como o romano'), negava qualquer
valor ao esforço do homem, excluía qualquer evolução e desenvolvimento da
verdade[75].
Nesta contenda as posições de Constantino Lascaris e de Poponazzi acabam por se
extremar. Assim este segundo autor, ainda que não conhecesse outra língua que
a de Mântua[76], recusa vigorosamente a posição de Lascaris, segundo a qual
as diferentes línguas constituem outras tantas formações históricas
e, portanto, terá existido uma ligação muito estreita entre os
conceitos dos Gregos e a sua língua. Considero,escreveu ele, que
quando se traduziu para latim, o grego de Alexandre de Afrodísia o
seu texto mudou tanto como de estar vivo para estar morto As
diferentes línguas significaram diferentes conceitos'[77].
Esta posição de João Lascaris acerca da língua grega, como se sabe, não foi
bem aceite por Pompanazzi.
7 ‑ Janus Lascaris, um humanista em Florença ao serviço de Lourenço o
Magnífico e da sua biblioteca
O terceiro filólogo helénico de que vamos tratar é Janus Lascaris. Cerca de uma
década e meia antes de ser detectada a presença de Constantino Lascaris em
Milão ' presumivelmente nos fins da década de cinquenta como atrás se disse '
veio a nascer (por volta de 1445) este outro membro da vasta família bizantina
dos Lascaris. Esta figura central no estudo e na difusão da helenização da
região central e nordestina de Itália, estudada por Paolo Giovo[78], nasceu em
Constantinopla.
Este provinha (também ele, tal como Constantino), da estirpe[79] dos
imperadores Lascaris bizantinos activos em Niceia. Acabaria por se notabilizar,
como se observa adiante, no mundo das Belas‑Letras, para além da Itália,
ainda na França do Renascimento[80].
Janus Lascaris partiu de Constantinopla, ainda muito novo, para Itália,
fixando‑se então em Veneza. Aí foi, primeiramente, um protegido do Cardeal
Bessarione[81].
Sabe‑se que, como se regista em P. Eleuteri ' P. Canart, esteve desde muito
cedo aos cuidados ' e, também, sob a formação ' do helenista Demetrio
Calcondilla[82] (o qual em 1463 já se encontrava empossado como professor de
Grego em Pádua), onde também aprofundou os conhecimentos do latim.
Após a morte do Cardeal Bessarione, em 1472, Janus acabou por se fixar em
Florença. Nesta capital do Renascimento ganhou particular notoriedade pelo
curso de Grego que aí ministrou. Foi então convidado, por Lourenço de Médicis,
para desempenhar as funções de director da Biblioteca Laurenziana, onde já se
encontrava na última década do século XV.
É bem conhecida quer a grande apetência cultural de Lourenço de Médicis por
fontes bibliográficas antigas e raras como, também, o incentivo que deu às
BelasLetras, à Filosofia, sendo disso um inequívoco testemunho as benesses que
concedeu a Marsilio Ficino ou a Gionni Pico della Mirandola, entre outros.
Ao serviço de Lourenço de Médicis e da sua biblioteca Janus Lascaris terá
empreendido uma ou mais missões de pesquisa e aquisição de fontes antigas[83]
por regiões da Itália central, por exemplo no período de 1490‑91, em
particular na região de Modena[84]. Com o mesmo intuito deslocouse, entre 1491
e 1492, por centros de produção cultural da Grécia e da Ásia Menor, missão de
que se encarregou com grande sucesso[85]. Ao regressar, porém, a Florença, o
seu protector, Senhor de Florença, tinha expirado (já em 1492) há algum tempo.
De assinalar, no entanto, que se veio a verificar uma relativa indiferença, por
parte de Pedro de Médicis, por todo este esforço de colecta, por Janus
Lascaris, de todas essas fontes codicológicas gregas. Assim esse helenista '
até em consequência das dificuldades sentidas então pelo regime em 1494 '
acabou por conservar, durante algum tempo, um certo número dessas preciosas
fontes[86].
Nesse período, este membro do clã Lascaris, na sua especialidade na língua
grega, ligouse ao Studium de Florença, onde passou a ministrar os seus cursos.
Essa sua actividade docente terseá prolongado, estamos em crer, entre 1492 e
1496[87]. Enquanto duravam estes seus cursos, sabese que Janus estreitou os
seus contactos ' e passou a dar a sua colaboração como helenista ' à oficina de
um bem conhecido impressor, Lorenzo de Aloppa, que nesse período operava em
Florença.
Há que registar que, só entre 1494 e 1496, foram produzidas nessa cidade e
oficina dez edições gregas, tendo sido aí ensaiados três tipologias de
caracteres diferentes, entre eles um oncial universalmente admirado pelos
críticos modernos pela sua notoriedade e clareza[88].
Nessa Itália prérenascentista Janus Lascaris e, tal como ele, Accursius,
apresentavase, decerto, como um daqueles que, ainda na segunda metade do
século XV ' e depois da introdução da imprensa naquele território graças ao
contributo alemão ' levaram mais longe a concepção e o estudo de várias
tipologias de caracteres gregos (os quais, ao longo de gerações de tipógrafos,
foram passando de mão em mão, de oficina para oficina)[89].
Assinalese, por outro lado, que o conjunto de produções tipográficas ' a que
Janus Lascaris associa o seu nome em Florença ' compreende, entre outras
obras, a Antologia Planudea, de 1494, extractos das tragédias de Eurípides,
poemas de Calímaco, os diálogos de Luciano, bem como Argonauticos, de Apolónio
de Rhodes[90], estas últimas obras de 1496.
7 ‑ 1. Da presença de Juan Lascaris entre os cortesãos de Carlos VIII de
França ao início da sua colaboração veneziana com Aldo Manuzio
Esse foi o período em que o rei de França, Carlos VII ' que presidiu aos
destinos daquele país entre 1483 e 1498 ' na fase final do sua governação,
invadiu a Itália. Partidário da sua acção, Janus Lascaris acabou, então, por o
acompanhar no regresso a terras francesas. Tendo aquele monarca falecido em
1498, e sendo empossado no trono Luís XII, este acabou por ' tal como fizera o
seu antecessor ' fazer também a sua campanha em Itália.
Sabe‑se, assim, que Janus Lascaris integrou a missão régia francesa de Luís
XII, a caminho de terras transalpinas. Giovanni Orlandi estabelece que, em
Abril de 1500, este bizantino se encontra, nesse âmbito, em Milão. Aí o podemos
encontrar, também, em Julho do ano seguinte, bem como em Pavia. Nesta última
cidade vem a encontrar‑se com um outro helenista, Musurus[91].
Entretanto em Veneza, Aldo Manuzio ' graças a Girolamo Amaseo, estudante da
Universidade de Pádua ' tinha acabado por tomar conhecimento do papel
desempenhado em Florença, por Janus Lascaris, quer como bibliotecário ao
serviço de Lorenzo de Médicis, quer como editor de numerosos textos
impressos, designadamente ao serviço da tipografia Aloppa.
Terá sido, assim, entre 1490 e 1491 que se iniciaram os contactos entre Janus
Lascaris e Aldo Manuzio[92]. A ampla cultura deste humanista bizantino passou a
servir, inequivocamente, desde muito cedo, os interesses universalistas daquele
impressor. O genro de Andrea Torresani ' também ele impressor e de quem herdou
a oficina, em 1494‑95 'era já, como depois se veio a confirmar, um erudito de
excelência[93].
Apesar do início da relação entre J. Lascaris e Aldo se ter iniciado naquele
período de 1490‑91, tudo indica que, desde então, e por mais meia dúzia de
anos, as suas relações se tenham mantido à distância.
Entretanto depois desse período, mais precisamente em 1495, Aldo principiou a
imprimir, entre as suasprimeiras obras[94], Erotemata, do já referido
Constantino Lascaris[95]. E dali a cerca de meia dúzia de anos, mais
precisamente em Agosto de 1502 ' e quando Janus Lascaris ainda não se
encontrava a viver (de novo) na cidade de Veneza ' fez com que ali se editasse,
sob os seus cuidados filológicos, a obra Sophocles Tragoedia Septem, cum
Commentariis[96].
Já ano ano anterior, porém, ou seja, em fins de 1501 Janus Lascaris ' que já
lhe era bastante familiar para o poder encorajar no sentido de uma recentivação
da tipografia em caracteres gregos[97] ' censurava‑o abertamente de ter
abandonado a Grécia e tê‑la trocado por Itália[98]. Aconselhava‑o, assim, a
ter perseverança em levar por diante o seu programa inicial de difusão de
fontes helenísticas. Isso apesar de posteriormente se saber que o sogro deste,
Andrea Torresani (como consta de uma epístola de Johannes Conon de 1505), era
contra continuarem‑se, nesse período, a publicar obras em grego[99].
Códice grego de Janus Lascarus
As aludidas relações distanciadas (geograficamente) de Janus Lascaris com Aldo
vieram de facto a alterar‑se poucos meses depois. Tal sucedeu na sequência de
o rei de França Luís XII ' retribuindo a Janus Lascaris os serviços até aí
prestados ' o nomeou, em 1503‑04, seu embaixador em Veneza[100], substituindo
assim nessas funções o advogado de Avignon, Accursio Mainer (ou Maynieri).
É na realidade a partir de 1504 que este intelectual bizantino estreita, na
cidade dos dodges, os seus contactos, quer com Aldo Manuzio, quer com alguns
dos helenistas então activos[101]. Foi o caso de Marcus Musurus[102] (c.
1470‑1517), que é também conhecido como autor de uma elegia sobre Platão.
No respeitante à colaboração, desde então, de Janus Lascaris com Aldo, as
funções diplomáticas[103] que ele desenvolveu inicialmente em Veneza (e, mais
tarde, durante a sua permanência de novo em França), não impediram que ele e o
genro de Andrea Torresanus continuassem, de uma forma ou de outra, em estreito
contacto.
Este período ' para além daquele em que, em Florença, trabalhou em estreita
proximidade em relação ao impressor Aloppa ' constitui um dos mais fecundos da
actividade de Janus Larcaris como helenista. Entre 1507 e 1508 ele trabalha
intensamente na sua versão de Rhetores Graeci. Esta obra acaba por ser dada aos
prelos, nessa cidade, na oficina de Aldo Manuzio, em Novembro de 1508.
Importa registar ainda, a este respeito, que chegou até aos dias de hoje um
códice contemporâneo daquele período da produção de Janus Lascaris. Trata‑se
de uma interessante fonte que Annaclara Cataldi Palau identificou na
Bibliotheque Nationale de Paris, como Ermogene (XVI secolo, inizio). Modello
di stampa dell'edizione aldina, Rhetores Graeci (1508‑1509). Copista Anonimo
[104].
Modelo de impressão de Rhetores Greci, Veneza, oficina de Aldo Manuzio, 1508
É sabido, de igual modo, que o erudito bizantino contribuiu também nesse
período (das duas primeiras décadas do período quinhentista, pelo menos), para
uma maior afirmação da tipografia grega aldina em França, para uma maior
atenção dos humanistas ' em particular os franceses, mas também outros ' para a
produção que ia saindo daquela oficina do genro de Andrea Torresani[105].
Uma situação documentada deste período ocorre quando, em Julho de 1508, o
humanista Aleandro, escrevia, muito alarmado, a Aldo, que as três caixas de
livros que ele tinha trazido de Itália se encontravam perdidas. Ele tinha uma
absoluta necessidade, para começar as suas aulas, de uma dezena de exemplares
da obra [de Janus Lascaris] Erotemata[106], de 1495 (retomando, com novo
aparato gráfico, a edição princeps desta obra, ocorrida em Milão em 1476[107]),
que constitui, como dissemos atrás, a mais antiga obra saída da oficina de Aldo
Manuzio.
Seja como for, sentiu‑se uma significativa redimensão da produção tipográfica
helenística naquela cidade do Adriático, na oficina de Aldo Manuzio, a partir
do momento em que Janus Lascaris ' após ter abandonado Florença ' fixou a sua
residência nesta outra cidade, na sua qualidade de embaixador de França em
Veneza, onde já se encontrava em 22 de Novembro de 1504[108].
Não muito tempo depois, Janus Lascaris forneceu a Aldo Manuzio um códice com a
obra de Salústio. Fruto as boas relações entre ambos, Aldo não apenas imprimiu
em 1508 (presumivelmente poucos meses antes da partida deste membro do clã
Lascaris para França) esta obra, como a dedicou, ainda, aquele humanista
bizantino[109].
7 ‑ 2. De alguns passos fulcrais da actividade de J. Lascaris e dos seus
ensinamentos entre Paris, Roma e Castela
Entretanto em 1509 ' logo após a guerra da Liga de Cambraia ‑ este filólogo e
diplomata já se encontrava (proveniente de Veneza) na capital francesa, onde
ficou associado à Corte de Luís XII[110]. Não é abundante a documentação
referente às suas actividades e à sua produção textual, então naquela cidade.
É por demais evidente que Janus Lascaris deixou si gnificativos frutos da sua
permanência em França. Um dos mais importantes terá sido o do ensino da língua
grega na capital do país contando‑se, entre os seus mais dilectos discípulos,
o humanista Guillaume Budé.
Há a registar, com efeito, que entre os seus discípulos se contaram, nessa
cidade, os humanistas Guillaume Budé[111] e Germain de Brie[112]. Uma outra
particularidade a referenciar é o facto de Léon E. Halkin, enquanto
investigador e erasmista, identificar este helenista ' nesse período da sua
permanência em Veneza em 1508 ' como sendo então porta‑voz do rei de França
[113], Luís XII.
Pode referir‑se, ainda, que esse é um período de que chegaram até hoje, de
igual modo, vários testemunhos sobre as relações de Aldo com Janus Lascaris,
inclusivamente sobre alguns volumes impressos naquela oficina com dedicatória a
ele, já na sua qualidade de diplomata ao serviço do rei de França[114].
Sabe‑se, por outro lado, que em 1513 o Papa Leão X chamou Janus Lascaris a
Roma. A partir de então ele passou a trabalhar em estreita colaboração com a
Cúria[115], num período em que ele ficou associado ao Colégio grego, Gymnasium
Caballini montis, fundado no monte Quirinal[116], na casa de Angelo Colocci. Aí
ele responsabilizou‑se pelo ensino da língua grega, trabalhando também aí
nessa área o já referido helenista Musurus.
Sabe‑se, ainda, que, em resultado de vicissitudes várias, tanto o próprio
Janus Lascaris, como Zachararias Callierges, com quem então também trabalhou,
passaram, a pouco e pouco, a desinteressar‑se, cada vez mais, deste processo
de comunicação tipográfica helénica[117].
Durante esse período romano ' e quando em França, depois da coroação de
Francisco I, em 1515[118], principiava um florescente período para as Artes '
este bizantinólogo continuou em contacto, à distância, decerto, com Aldo
Manuzio. É muito provavelmente deste período da maior colaboração dada por
Janus Lascaris a Aldo Manuzio que datará a preparação da sua conhecida
Anthologia Graeca[119].
Outro dado de interesse é que, dos contactos estreitos de Janus Lascaris com a
Cúria Romana resultou uma sua missão diplomática na Península Ibérica. Em 1525,
como efeito, segundo registam Paolo Eleuteri e Paul Canart, o papa Clemente VII
enviou‑o a Espanha, até junto de Carlos V[120]. Tal decorria no período de
ajustes matrimoniais entre Carlos V e Isabel de Portugal[121].
Sabe‑se que Carlos V, neste como em posteriores períodos, optou por amplos
périplos, em termos de governação, pelos vastos territórios que detinha. Assim,
mesmo não se sabendo, com precisão, em que espaço decorreram os contactos
havidos entre Janus Lascaris e Carlos V (em Castela ou não), estes revestem‑se
de uma significativo interesse para a História da Técnica e da Cultura neste
período.
Roland Mousnier estabelece, com efeito, que Janus Lascaris transmitiu, num dado
período, a Carlos V, o segredo de um arco de vapor à roues, à aubes[122].
Este projecto acabaria, no entanto, por ser posto em prática, já cerca de uma
década depois da morte do próprio J. Lascaris[123].
É um facto que a permanência de Janus Lascaris em Castela[124], nesse ano, terá
sido de não muito longa duração. Não abundam, por outro lado, as investigações
que documentem as relações deste bizantinólogo com intelectuais ou agentes
diplomáticos, seja do período da sua deslocação à Península Ibérica em 1525,
seja do período anterior, particularmente da sua vida social em Florença ou em
Roma.
O que sabemos, em rigor, graças a Artur Moreira de Sá ' e em relação a um
período anterior (em cerca de três décadas) à sua deslocação a Castela, é que
Janus Lascaris se encontrava a viver em Florença, em Janeiro de 1495,
precisamente no período em que o humanista e latinista lusitano, Henrique
Caiado, também residia nessa cidade.
Tal pode ser afirmado na medida em que Caiado escreveu, em 23 de Janeiro
daquele ano, de Florença, uma epístola dirigida ao Professor Marcelo Virgílio
[125]. Acontece que, nesse período, João Lascaris vivia e ensinava nesse cidade
fiorentina, uma das capitais do Renascimento.
E será lícito, decerto, interrogarmo‑nos. Terá Henrique Caiado, interessado
com estava no estudo das culturas clássicas, estreitado conhecimento com esse
mestre helenista, um dos mais reputado, então, a viver naquela urbe? Na
realidade não o sabemos, tudo apontando que tal terá acontecido.
Ignorando‑se se voltou para Roma ou para Veneza, o que é certo é que essa
permanência decorreu, porém, por não muito mais tempo. Fosse num lugar ou
noutro, ele continuou a desenvolver as suas investigações e, presumivelmente
também, o seu trabalho de versões a partir do Grego. Só que não o fez já num
período dilatado, uma vez que acabaria por falecer, com cerca de 90 anos de
idade, na cidade de Roma, em 1534.
Pelo exposto pode concluir‑se que, na Itália do Renascimento, a introdução e o
aprofundamento da cultura grega decorreu por parte de intelectuais como
Argyropulus, Constantinus e Janus Lascaris, todos eles oriundos de ambientes
culturais bizantinos. Estes ' a par de diversos outros como Musurus, Teodoro de
Gaza, ou Georgius Trapezuntius (ou Jorge de Trebizonda, mesmo que natural de
Creta), souberam, com afã, levar por diante um ambicioso projecto de helenizar
a cultura latina numa Itália em transformação.
Mapa - Itinerário de Janus Lascaris, desde a sua saída de Constantinopla até ao
seu desaparecimento em Roma, após regressar da Península Ibérica
Do intelectual dos sécs. XIV e XV como hermeneutaà sua postura comoangelos-
mensageiro
Pelo exposto, configura-se pelo presente estudo que, tanto Giovanni Argyropulus
como Constantino Lascaris e Janus Lascaris desenvolveram um substancial
trabalho de transportepara terras de Itália ' e a consequente vivificação ' de
alguns elementos bibliográficos essenciais da cultura helénica, no essencial de
matriz bizantina.
Esse seu esforço ' a par do de diversos outros helenistas dessa geração
fundadora, como Jorge de Trebizonda ou Theodoro de Gaza ' não pode hoje ser
desligado, no entanto, dos gestos empreendedores de intelectuais como o Cardeal
Bessarione, que trouxeram de Bizâncio (ou adquiriram mesmo em Itália em
variadas circunstâncias) fontes codicológicas gregas da mais elevada
importância para os trabalhos filológicos e editoriais que se lhe seguiram.
Sobretudo com Argyropulus e com os Lascaris criaram-se, enfim, as condições de
trabalho para muitos dos esforços filológicos que se seguiram, sobretudo na
Itália do Renascimento. Essas condições criadas, vieram a dar origem a outras
manifestações de trabalho ' no sentido da helenização da província itálica
nesse período ' repercutidas em vários domínios das artes.
Identificamos, por outro lado, um momento alto em que se sintetiza todo o
esforço de helenização em humanistas transalpinos nessa época, sejam eles de
cultura helénica ou latina. Tal sucede entre 1509 ' faz precisamente agora meio
milénio ' e 1511, quando um pintor de Urbino, de nome Raphael, faz cristalizar
em pintura o cerne de todo esse movimento da implantação da Grécia e da sua
cultura na Itália de Theodoro de Gaza e de Marsilio Ficinio, de Jorge de
Trebizonda e de Ângelo Politiano.
Raphael já é então, embora novo, um homem respeitado. Tem 26 anos e viajapelo
espírito ao encontro de Platão e Aristóteles, cuja presença materializa na sua
pintura Scuola di Atene,na Stanza della Segnatura (por nós agora revisitada e
reavaliada) no Vaticano.
Essa presença dos grandes vates helénicos não se restringe, nessa sua pintura,
apenas a dois filósofos sem dimensão humana, tal o poder e a não perenidade dos
seus discursos. Ela é extensiva a outras figuras como Hipatia de Alexandria
[126] que, um pouco por detrás (e à esquerda) da representação do homem sentado
em estado de melancolia, desafia com o seu olhar questionador o leitor do
quadro. Ostentando as vestes de uma brancura impoluta ela remete também para
uma outra configuração dos anjos (entre pecadores terrenos e mártires).
O tema da helenização italiana nesse quadro de Raphael é conhecido desde que
tal ideia principiou a burilar no espírito do artista. Na Pinacoteca da
Ambrosiana de Milão[127] ' instituição que, como é sabido, celebra precisamente
em 2009 o 4º. centenário desde que foram patentadas pela primeira vez ao
público as suas colecções[128] ' conserva-se ainda hoje, com efeito, o
cartãoque veio a dar origem a essa pintura do mesmo.
Cartão de Raphael, da Pinacoteca da Ambrosiana de Milão, que veio a dar origem
à sua pintura Scuola di Atene
Numa leitura comparativa com o referido cartão,registe-se que o quadro La
Scuola de Atene ostenta, bem visíveis ' para além de Platão e de Aristóteles
(este personificado pela figura corpórea do próprio Leonardo da Vinci, em
termos de vera efígie) ' todos os elementos da helenização da província itálica
nos séculos XIV e XV. Lá se encontram os rolos pregaminácios, os códices a
serem escritos, o acto de elucubração mental, ante e depois da leitura, enfim,
o Homem na sua essência cultural, espiritual e multidimensional.
La Scuola di Atenede Raphael, 1509-1511
Observando-se, por outro lado, mais atentamente a fala que se evola desta
pintura de Raphael ' e centrando, em particular, as nossas atenções em duas das
figuras centrais, as de Platão e de Aristóteles (porque inequivocamente, a
nosso ver, as figuras do homem melancólico e Hipatia são também, aí, duas das
figuras centrais) podem tirar -se, por outro lado, outras poderosas ilações
discursivas.
Registe-se primeiramente, porém, que houve na preparação deste quadro diversos
condicionalismos da entidade encomendante do mesmo, a Igreja, ao pintor,
questões essas que, ainda hoje, se encontram sem resposta. O historiador de
Arte, Burckardt, interrogou-se, perpicazmente a esse respeito: que informações
ou instruções terá recebido previamente Raphael para a preparação deste seu
quadro? O que pôs ele, verdadeiramente, em termos de execução, da sua própria
maneira de ver e de sentir? que partes gostaria de ter posto e não lho
permitiram?[129]
É por demais evidente que, observando-se as figuras de Platão e Aristóteles,
elas transmitem posições filosóficas, se não opostas pelo menos diferenciadas.
Platão, leva o Timeu debaixo do braço e aponta o céu com a mão direita.
Aristóteles, por seu lado, é visto com o braço estendido diante dele, a palma
da mão aberta para baixo, levando, por sua vez com ele, um exemplar da sua obra
a Ética.
Um outro historiador de Arte, o francês André Chastel, sistematizou essas
posições diferenciadas indicando que
O gesto horizontal de Aristóteles simboliza a organização do mundo
pela Ética e o gesto vertical de Platão, o movimento do pensamento
cosmológico que se eleva do mundo sensível ao seu princípio ideal. É
a ilustração directa do princípio de Ficino: os peripatéticos dão as
razões positivas, os platónicos as razões superiores[130].
Veja-se de igual modo que Raphael ' de que subsistem os interessantes
tstemunhos coevos de Paolo Giovio[131] e de Giorgio Vasari[132] ' na parte
superior esquerda do seu quadro, e do lado de Platão, inseriu a representação
de Apolo, deus grego da beleza, da luz, da arte e da adivinhação. Na parte
superior direita, por sua vez, do lado de Aristóteles, inseriu a representação
da deusa itálica Minerva ' correspondente à grega Athena ' portanto, a deusa da
sabedoria e da inteligência e patrona dos artistas.
Importa articular, assim, os conteúdos do produto artístico rafaelita final e o
enquadramento espacial e ideo lógico que ditava, no Vaticano, a sua inserção.
Ao que estabelece Andrea Emiliani, os elementos platónicos e neo-platónicos
que se podem encontrar na doutrina cristã são, essencialmente, provenientes
das obras dos Padres da Igreja. Eles, ao fim e ao cabo, não foram aceites
senão depois de os seus ângulos terem sido adaptados de forma a estarem
perfeitamente adequados à doutrina cristã no seu conjunto[133].
Outro aspecto a considerar, em termos de conteúdo ideológico-religioso do mesmo
quadro, diz respeito à conciliação das doutrinas de Grimm e de H. B. Gutmann. O
primeiro sustentou, com efeito, que Raphael poderá ter partido, para os
elementos sémico-artísticos que inseriu nesta obra, de uma passagem do texto
bíblio, Actosdos Apóstolos, 17, acerca de um momento da pregação de Paulo,
entre os Atenienses[134].
H. B. Gutmann, por seu lado ' e esta sua doutrina parece ganhar hoje cada vez
mais consistência ' sustenta que o redactor deste programa pictórico em que
repousa a Scuola di Athene tenha seguido, nos escritos de S. Boaventura, os
elementos que permitiam conciliar as doutrinas platónica e aristotélica,
aceitando assim a distinção entre sermo sapientiae e sermo scientiae,
mencionada pelo teólogo franciscano, que considerava primeiramente a missão de
sondar os mistérios superiores, para reservar a um segundo plano o domínio da
criação[135].
Poder-se-ia levantar ainda, em termos interpretativos, a questão se há ' com a
exposição sémico-visual dessas duas obras, o Timeu de Platão e a Ética de
Aristóteles ' alguma relação de causalidade com edições desses dois filósofos
surgidas sensivelmente nesse período em que Raphael pintou este seu quadro. O
que se nos afigura, como mais plausível, a este respeito é que no espírito do
pintor estivessem as edições dos Opera, quer do primeiro quer do segundo
filósofo gregos, de grande formato, saídas em fins do século anterior (como
atrás referimos) da oficina de Aldo Manuzio.
Tal não invalida, porém, que Raphael, como homem de cultura, tivesse ele
próprio, ou eventualmente conhecesse, para além das referidas edições aldinas '
mas o que continua, a nosso ver, por se provar ' exemplares de edições
aristotélicas até então impressas em Itália ou ou outras regiões como Alemanha,
a França, ou a Espanha[136].
Outra particularidade a assinalar tem a ver com a figura de Hipatia de
Alexandria. Tal como no cartão da Ambrosiana, esta mulher filósofa no quadro do
Vaticano está totalmente independentizada do grupo de homens que lhe estavam
por detrás. Acontece, que quando Raphael ultimou esta sua obra (nas duas
versões, desde o cartão à representação em arte final) pôs, a poucos
centímetros da cabeça daquela mulher, o punho de uma espada que uma mão,
decerto intranquila, está a aconchegar.
Ao fundo, centrada, a figura de Hipatia de Alexandria; por cima da sua cabeça
uma mão sobre o punho da espada, poderá induzir para o martírio da mesma pelas
armas
Será que essa espada, por cima da cabeça da jovem alexandrina (que veio a ser
martirizada), representa um signo ali posto pelo pintor com
pressupostosinocentes? Não o cremos.
Uma particularidade que tem entretanto passado desapercebida dos investigadores
que têm estudo o quadro de Raphael, La Scuola di Atene é o facto de o pintor só
se ter feito representar no quadro, numa fase tardia da sua evolução
conceptiva. Assim, enquanto no cartãoda Ambrosiana de Milão desta obra ainda
ainda não se detecta a presença do artista de Urbino, muito provavelmente terá
sido já no seu trabalho no Vaticano que lhe veio a ideia de dar entrada naquele
contexto cénico de transposição para o universo ateniense.
Na postura de um hermeneutada filosofia ateniense
Neste caso concreto Raphael surge, neste preciso contexto, como um hermeneuta
do pensamento grego. Numa leitura (contraria à dos ponteiros do relógio), da
direita para a esquerda, e depois, de cima para baixo, ele estabelece, a partir
do seu olhar de observador retratado, a presença ' numa atitude rasante que
varre toda a cena (e num sentido cronológico inverso aquele em que tais
filósofos viveram) ' de Aristóteles, Platão, Sócrates, aparecendo então, num
plano inferior, Diógenes mais perto de si do que Pitágoras.
Quadro I
Identificação de cinco filósofos da magna Grécia, vendo-se à direita auto-
representado o próprio Raphael que para o efeito teria recorrido à técnica do
espelho
Para nós, como semioticistas do discurso histórico, La Scuola di Atene não é
apenas uma pintura. Ela é, sobretudo, parafraseando Roland Barthes e Umberto
Eco, uma fala. Ela representa, no essencial, a helenização da Itália do
Renascimento.
Sendo esta pintura de Rafael uma fala, ela constitui uma mensagem na oralidade.
Mais do que matéria-prima, de carga estética, portanto um discurso sobre uma
tela, ela é uma fala de Raphael na oralidade, e daí coloquial.
O pintor de Urbino está a transmitir aos seus leitores ' tanto há cinco séculos
como hoje ' a sua própria voz,uma voz que ecoa no éter, portanto projectada na
imaterialidade das coisas e dos seres. É como se Raphael fosse o pintor grego
Eufrónio que, já no séc. VI a.C., ou seja, um pouco antes de Platão e de
Aristóteles, transmitisse a representação da linearidade.
As falas, voláteis no éter, que saem das bocas das personagens representadas
num dos vasos do pintor Eufrónios (séc. VI a.C.)
É essa linearidadeque, na óptica de Elsa Ruiz, constitui uma das
características do signo linguístico, sendo a direccionalidade um dos rasgos
essenciais do signo gráfico[137]. O signo volátil (discurso tal pomba que voa)
que sai da boca de uma das entidades falantesno referido vaso pintado pelo
grego Eufrónio, mais não é do que a seta apontada, que sai da boca simbólica de
Raphael, convidando à imitação dos Antigos, dos gregos que povoam o seu
discurso pictórico. Foi essa a grande virtude de filólogos ' se é que Raphael
não foi aqui, com as suas falas, também um filólogo simbólico ' como
Argyropulus, Constantino Lascaris e Janus Lascaris.
Um contemporâneo de Argyropulus e dos Lascariscoado na luminosidade da sua
pintura à luz de Veneza
Se o sentido etimológico de angelos, na língua grega, remete para o conceito de
mensageiro, há que estabelecer, ainda, uma ponte entre a pintura de Raphael,
contemporâneo de Argyropulus e dos Lascaris e a pintura de um outro
mensageiro, Hieronymus Bosch, de que uma das suas obras mestras, A Ascensão
para o Empíreo[138], se encontra precisamente depositada em Veneza, no Palazzo
Ducale. Voltemos, porém, primeiramente a Raphael.
Pretendeu o pintor de Urbino com o seu quadro La Scuola di Atene, recorde-se,
com as ideias e gestos aí expostos, uma ascensão ' na sua caminhada para o mais
profundo da Filosofia grega da Antiguidade ' uma catarse dói seu espírito, uma
ascensão?
A teoria do angelos como mensageiro e a ideia de espiral
Foi precisamente nessa caminhada que Hieronymus Bosch (c. 1450-1516), a dado
passo da sua vida ' e de certo modo também inspirado por autores gregos, como o
Pseudo-Dionísio, o Areopagita, autor de Hierarquias celestes ' prosseguiu na
sua caminhada argumentatitiva.
Aceitando-se a premissa de que toda a Retórica envolve uma componente
argumentativa, esta é extensiva, muito para lá da oralidade e da escrita, a
diversas escritas simbólicas como a pintura ou o desenho. Neste sentido
detenhamo-nos em alguns dos aspectos retórico-argumentativos expostos por Bosch
no referido quadro (hoje visivelmente como parte apenas de um todo), A Ascensão
para o Empíreo[139], de c. 1490, ou mesmo de uma data um pouco posterior. Foi
essa uma forma de Bosch, não como visionário (como muitas vezes tem sido
referenciado) partir à descoberta de outros mundos da espiritualidade cristã.
Retrato anónimo de Hieronymus Bosch, de c. 1550 compilação de Arras, fl. 275
(Arras, Biblioteca Municipal)
Nesse período Bosch sentiu-se chamado para empreender uma pintura ' que, como
já referimos, se sabe que pertenceu a um projecto pictórico mais amplo, o do
Julgamento Final.
Nessa última década do século XV Bosch empreendeu, com efeito, uma caminhada
argumentativa, povoando, no caso deste painel (que aqui mais nos interessa) a
paisagem celestial por alguns anjos, que ascendem ao supra-terreal, ao Empíereo
[140], por uma superfície concebida com um manifesto e subjectivo empolgamento.
Esta faz-nos lembrar, de algum modo, a representação de Scala Coeli medieval em
meios artísticos bizantinos.
Este quadro ' que pudemos revisitar no referido Palazzo ducale veneziano ' foi
concebido precisamente ' embora em outra latitude geográfica, na Flandres ' num
período em que em terras mediterrânicas tanto Argyropulus com os Lascaris se
empenhavam em restituir textos do pensamento helénico que, também eles, nalguns
casos, vieram a ser aproveitados ' em termos conciliatórios ' pelo pensamento
cristão dessa época.
Nesta pintura é bem visível e apreciada a estética da espiral, como uma
projecção para a infinitude (teorizada entre outros, e já no século XX, por
Emmanuel Lévinas). Nessa indagação artística de Bosch ' e detendo-nos, apenas,
sobre o efeito espiral ' dois anjos caminham, na sua ascensão, ao encontro de
uma terceira figura que já se encontra mais próxima do Empíreo.
O Julgamento final;em baixo observa-se um aspecto particular da espiral emA
Ascensão para o Empíreo
Será que o flamengo Bosch, leitor ou não do Pseudo-Dionísio o Areopagita,
pretendia ' tal como o seu contemporâneo, o pintor transalpino Raphael (c. de
30 anos mais novo do que ele) ' com esta sua incursão pelos terrenos do
pensamento da Hélade, encontrar também no homem motivações para o seu
renascimento, isto é, para a sua renascença espiritual. Nesse caso ' e sendo
hermeneuta pela pintura, como ele ' seguia ainda pelos domínios da catarse.
O hermeneuta transformava-se então, inequivocamente, no angelos(mensageiro),
também portador da mensagem do homem novo, renascido. Foi esta mensagem,
afinal, que se veio a materializar e cristalizar, no plano de retórica e da
argumentação boschiana, em termos de paralelismo, também no quadro La Scuola di
Atene, de Raphael.
A representação de Pitágoras, neste quadro rafaelita, mais não personifica,
pois, do que o hermeneuta que há em cada um de nós. Aquele pensador grego da
Antiguidade apresenta-se, nessa pintura, mostrando a um aluno a essência da sua
teoria musical.
Na base da imagem ostenta-se o número triangular, a tetractis dos Pitagóricos
(1+2+3+4=10), um número considerado divino (ou mágico, se quisermos), que
simboliza o todo. As palavras diatesseron ' quarto ' e diapente ' quinto,
exprimem proporções de ordem musical. Ao que nos deu testemunho ainda a nossa
Colega, a helenista Prof. Maria de Fátima Silva, a palavra transcrita no topo '
EPOGLOWN ' aplica-se ao tom[141].
Estamos todos ainda hoje, afinal, como hermeneutas do conhecimento, nesse
percurso, sempre revigorado e motivador, na procura do renascimento do homem
(direccionados para um passado distante ou não), tendo sempre no horizonte a
velha Hélade, as terras da outrora grande Grécia.
Veja-se que, ao fim e ao cabo, tanto Argyropulus como Constantino Lascaris e
Janus Lascaris trilhavam, nesses séculos XV e XVI, um mesmo caminho de
redescoberta do homem. Esse homem, essa grande maravilhaenunciada por Giovanni
Pico no início da sua Oratio Hominis Dignitate, estava efectivamente a ser
reencontrado ou, se se preferir (tal estátua simbólica), reconstruído.
Quando o tradutor de Aristóteles, Argyropulus (e, como ele, os Lascaris),
procurava(m) encontrar ' e, mais do que isso, restituir, filologicamente, aos
seus contemporâneos ' outros filões do pensamento da Hélade, mais não pretendia
(m), decerto, do que reencontrar essa grande maravilha que é o homem.
(Lisboa, Julho de 2007 / Veneza e Florença, Setembro de 2009)
Notas
[1] Após o êxito da edição francesa desta obra de Marcel Bataillon,
seguiram‑se, pouco mais de uma década depois, a primeira edição em espanhol
corrigida e aumentada, em 1950; bem como uma segunda edição, na mesma língua
(também corrigida e aumentada), em 1966.
[2] Esta edição ocorreu naquela cidade, com a chancela da Le Monnier.
[3] Não muito tempo depois este intelectual dava à estampa, na revista
Rinascità(vol. II, nº. 8‑9, de 1939), o estudo (que fazia adivinhar já novos
voos nessa mesma vertente) Aristotelismo e platonismo del Rinascimento.
[4] Tal veio a suceder até um pouco antes de Giovanni Papini vir a falecer,
em 1956.
[5] Por Vespasiano ter nascido em 9 d.C. numa localidade nas imediações da
antiga Reate (Rietti), Falacrinae, ocorreu recentemente naquela cidade uma
grande mostra histórica e arqueológica sobre este imperador de Roma , sob o
tema Divus Vespasianus (com um catálogo exemplar a cargo da editora italiana
Electa).
[6] Essa a razão porque este nosso trabalho, cuja redacção teve lugar, na
sua grande parte em Lisboa, no primeiro semestre de 2009, se destinou a ser
publicamente apresentado em Rietti. A conclusão do mesmo, afinal, veio a ter
lugar, já após a nossa nova missão de pesquisa em Veneza, Florença e Roma (a
partir de inícios de Setembro do mesmo ano) ' sobretudo na segunda daquelas
cidades.
[7] Una fonte ermetica poco nota, in revista Rinascità, vol. III, nº. 12,
1940, pp. 202‑232.
[8] Vejam‑se, em particular, os estudos de Garin deste período Contributi
alla storia del platonismo medievale, primeiramente editado nesse período in
Annali della Scuola Normale Superiora di Pisa, vol. XX, Pisa, 1951; Versioni
umanistiche di Aristotele, in revista Rinascimento, vol. I, 1950, pp.
108‑109; ou Plotino nell '400 fiorentino, inRinascimento, vol. I, 1950, pp.
104‑107.
[9] La defensio Epicuri di Cosma Raimondi, in revista Rinascimento, vol.
I, 1950, pp. 101‑102.
[10] Foi um pouco em jeito de gratidão que, em 2008, pouco depois de esse
sábio do Helenismo francês vir a falecer, que planeámos e dirigimos, em sua
homenagem, com colaboração de colegas nacionais e estrangeiros, o volume
especial (nº. 22) da Revista Portuguesa de História do Livro.
[11] D. J. Geanakoplos, Greek Schollars in Venice. Studies in the
dissemination of Greek learning, from Byzantium to Western Europe, Cambridge,
Mass., Harvard University Press, 1962.
[12] Uma parte das nossas investigações seguiu, de perto, nessa sua primeira
fase,algumas das indicações apontadas, nesse âmbito, por Giovanni Orlandi, in
Aldo Manuzio Editore. Dediche ' Prefazione ' Noti ai Testi, 2 vols., Milão,
Edições Il Polifilo, 1975 (com introdução de Carlo Dionisotti). Vários anos
depois ' e à medida que este projecto foi sendo desenvolvido e manifestamente
ampliado ' beneficiámos ainda de indicações constantes da obra de Paolo
Eleuteri e Paul Canart, Scrittura Greca nell'Umanesimo Italiano, Milão, Edições
Il Polifilo, 1991.
[13] Para o nascimento de Argyropulus perfilhamos muito mais esta data do
que a proposta por Thomas G.Bergin e Jennifer Speake, in The Encyclopedia of
the Renaissance, Nova Iorque ' Oxford, Facts on File Publications, 1987, p. 26,
que admitem que ele tenha vindo ao mundo apenas c. de duas décadas depois, c.
de 1415.
[14] Gullielmo Cavallo,Funzione e Strutture della maiúscula greca tra i
secoli VIII‑XI, in La Paléograpie Grecque et Byzantine, Paris, 1977, pp.
95‑137. Remetemos, de igual modo, para o estudo de J. Irigoin, Paléographie
et codicologie. ' La production d'un scriptorium de Constantinople peu après
le milieu du XIe. Siècle, in Miscelanea codicologica F. Masai dicata, sob os
cuidados de P. Cockshaw, M. C. Garand, P. Jodogne, 1979, pp. 175‑183.
[15] Eugénio Garin, Idade Média e Renascimento, Lisboa, Editorial Estampa,
1994; já algum tempo antes Eugenio Garin havia editado o estudo La giovinezza
di Donato Acciaiuolli (1429‑1456), na revista Rinascimento, vol. I, 1950, pp.
43‑68.
[16] Paolo Eleuteri e Paul Canart, Scrittura Greca nell'Umanesimo Italiano,
edição ant. cit., p. 82.
[17] Thomas G. Bergin e Jennifer Speake, in op. cit., sustentam que a viagem
de Argyropulus a França decorreu em 1456.
[18] Paolo Giovio, em 1577, in Elogia Virorum literis illustrium, Basileia,
na oficina de P. Perna, estabeleceu, com efeito, entre outros aspectos, acerca
destes interesses de Argyropulus por Aristóteles: Grati idcirco animi erga
Mediceae gentis proceres vigiliarum praeclara extant monumenta, consecrata in
ea domo altrice verae virtutis. Aristotelis enim Naturalia atque Moralia
generosè transtulit: ita applaudente Gaza vetere sodali: qui diuersas
Aristotelis partes vertendo desumpserat, ut quaedam abse pariter translata
combureret.
[19] Não se tornou possível apurar se esta partida de Argyropulus de
Florença para Roma, em 1471, foi ditada pelas circunstâncias da peste que
grassava naquela região. Paolo Giovio estabeleceu, com efeito ' embora sem
precisar a data em que tal flagelo assolara Florença ' o seguinte: Pestilentia
denum Etruriam enastante, Roma venit, profitendoque Graecè Aristotelem, ita
optimis stipendijs vitam traduxit, vt tota substantia quotidianis sumptibus
aequaretur, sin extremo vitae actu iocatus, ditiores amicos, aeris alieni,
condito testamento haeredes relinqueret.
[20] D. J. Geanakoplos, The Italian Renaissance and Byzantium: The career
of the Greek Humanist‑Professor John Argyropulus in Florence and Rome
(1415‑1487), in Conspectus of History, nº. 1, 1974, pp. 13‑28; e Eugenio
Garin, Note su scritti politici del Platina e dell'Argiropulo, in Culture et
societé en Italie du Moyen Âge à la Renaissance. Hommage à André Rochon, Paris,
1985, pp. 75‑82.
[21] Guido Batelli, La corrispondenza del Poliziano col re Don Giovanni II
di Portogallo, in revista Rinascita, Ano II, nº. 6, Abril de 1939, pp.
280‑298. Veja-se, ainda, Poliziano, Rime, prefácio de Pietro Mastri, Florença,
1929.
[22] Sabe‑se que Paolo Giovio possuiu, na sua galeria de retratos de homens
de Letras ilustres (de que a maior parte se conserva hoje, em cópia, nas
galerias dos Uffizzi, em Florença), uma representação de Giovanni Argiropulus
adiante publicada. Remete‑se, para Paolo Giovio, edição ant. cit., 1577, p.
50. Vide, ainda, Paolo Giovio, Lettere, a cura di Giuseppe Guido Ferrero,
volume Primo (1514‑1544), Roma, 1956, p. 92; e José V. de Pina Martins,
Humanisme et Renaissance de l'Italie au Portugal. Les Deux Regards de Janus,
edição ant. cit., (1989), vol. I, pp. 315‑316.
[23] Eugenio Garin, Donato Acciaiuoli, cidadão florentino, texto de
introdução a uma edição das cartas desse humanista, mais tarde retomado pelo
autor aqui evocado na sua obra Idade Média e Renascimento, edição ant. cit.,
1994, p. 102.
[24] Idem, ibidem.
[25] Entre as fontes manuscritas de Argyropulus (como as suas conhecidas
introduções, também conhecidas numa edição de Mullner), merece um lugar
especial o manuscrito Riccardiano, 120, estudado e divulgado, em mais de uma
ocasião, por Eugenio Garin. É o caso do seu já referido estudo sobre Donato
Acciaiuoli, cidadão florentino.
[26] A proposito della biografia di Giovanni Argiropulo, in revista
Rinascimento, vol. I, 1950, pp. 104‑107.
[27] Eugénio Garin, Donato Acciaiuoli, cidadão florentino, edição port.
ant. cit., p. 206. ' Remete-se ainda, acerca deste filólogo bizantino, para Ch.
Lohr, in Traditio,26, 1970, p. 153; e Dizionario Bibliografico degli Italiani
(Roma, desde 1960), t. IV, pp. 129-131.
[28] Eugénio Garin, op. cit. (loc. cit.).
[29] Ant. Aug. Renouard, Annales de l'Imprimerie des Alde ou Histoire des
Trois Manuce et de leurs éditions, 1834, pp. 7‑16.
[30] Na nova saída da edição dos Operade Aristóteles, sob os cuidados de
Erasmo (em Basileia, em 1550, portanto 14 anos após a morte do humanista de
Roterdão, que se tinha servido para o efeito da edição veneziana de Aldo de
1495‑1498) foi ainda deixada bem claro ' na dedicatória a John More, filho de
Thomas More ' o contributo de Argiropulus naquele monumental trabalho
filológico de fins dos período quatrocentista: Nam Argyropilum arbitror post
aeditionem Aldinam eam prouinciam agressum. Sed Aldina uolumina quoniam magno
emebantur, submoubant tenues philosophiae candidatos, Nec fere inueniebant ur
nisi in Italia: post vix vnquam reperit coeperunt, diuenditis omnibus aut certe
plerisque.
[31] P. Canivet e N. Oikonomides,[Jean Argyropulus] La comédie de
Katablattas. Invective byzantine du XVe. s., i] «Δíπτυχα», vol. 3, 1982-1983,
pp. 597.
[32] Veneza, Bibl. Naz. Marciana, Cod. Lat. VI, 146 (=2658). Veja‑se, a
propósito, a referência ao mesmo códice no catálogo Manoscritti e Stampe Venete
dell'Aristotelismo e Averroismo (Secolo X‑XVI),descrições bibliográficas por
Elpidio Mioni, Veneza, Biblioteca Nazionale Marciana, 1958, pp. 36‑37 (nº.
59).
[33] Veneza, Bib. Naz. Marciana, Cod. Lat. VI, 78 (=2491).
[34] Manoscritti e Stampe , edição ant. cit., pp. 66‑67.
[35] Manoscritti e Stampe , edição ant. cit., pp. 121‑12. Regista‑se,
ainda, que este exemplar das colecções da Marciana provém da Biblioteca
patrícia de Girolamo Contarini (1843).
[36] Manoscritti e Stampe , edição ant. cit., pp. 123‑125.
[37] J. Monfasani, George of Trebizond, A Biography and a Study of the
Rhetoric and Logic, Leiden, 1976.
[38] P. Eleuteri e P. Canart, Scrittura Greca , edição ant. cit. (1991), p.
136.
[39] J. Hankins, Plato in the Italy of the Renaissance, p. 215.
[40] Tal a dimensão desta obra que, ao longo do século XVI, ela foi
reeditada sucessivas vezes. Na biblioteca do CEHLE existem as edições
quinhentista de Basileia e de Lyon (ambas in folio).
[41] Recorde‑se que os imperadores bizantinos tinham sido desapossados de
Constantinopla pelos cruzados, transferindo‑se para Niceia. Nesta cidade,
aliás, já se haviam realizado dois concílios, um promovido pelo imperador
Constantino, no ano de 325; e um outro, em 787, por instigação da imperatriz
Irene.
[42] De assinalar que Teodoro I Lascaris, primeiro imperador bizantino de
Niceia, exerceu, de facto, essas funções entre 1208 e a sua morte, em 1222.
Veio a suceder‑lhe, algum tempo depois, nessas funções, o seu neto Teodoro II
Doukas Lascaris (avô materno, precisamente, da aportuguesa D. Vataça Lascaris)
' o qual nasceu precisamente no ano da morte de Teodoro I Lascaris ' que foi
empossado em 1254 e reinou até 1258.
[43] Deste suserano ' que reinou no império bizantino de Niceia entre 1254 e
1258 ' têm sido editados, mais recentemente, alguns pertinentes estudos tanto
no plano histórico como no científico. Nesta segunda vertente de destacar, por
exemplo, o trabalho de John Lascaratos e Panaghiotis Vassilios Zis, The
Epilepsy of Emperor Theodore II Lascaris, 1254‑1258, in Journal of Epilepsy,
Atenas, Departamento de História da Medicina (Escola Médica, Universidade
Nacional de Atenas), vol. 11, tomo 6, Nov.‑Dez. 1998, pp. 296‑300.
[44] Sobre esta aristocrata, que virá a falecer em Portugal e a ser
sepultada na Sé Velha de Coimbra, remete‑se para o nosso estudo Seis
momentos , Secção I (também editado do presente volume desta Revista).
[45] Segundo Manuel Fernández Galiano, in Gran EnciclopediaRialp(Humanidades
y Ciencia, II, Linguas Classicas) Constantino Lascaris e Janus Lascaris não
eram aparentados.
[46] Paolo Eleuteri e Paul Canart, Scrittura Greca nell'Umanesimo Italiano,
edição ant. cit. (1996), p. 89.
[47] Idem, ibidem, p. 82.
[48] Remete‑se para H. Rabe, Konstantin Lascaris, in Zentralblatt fur
Bibliothekswesen, vol. XLV, 1928, pp. 1‑7; ou Antonio Bravo García, En torno
a Constantino Lascaris. Una pequeña aclaración, in Durius, 6, 1978, pp.
225‑227.
[49] Giovanni Orlandi, Aldo Manuzio Editore, vol. II, edº. ant. cit.,
(1975), p. 315.
[50] Allan W. Atlas, Music of the Aragonese Court of Naples, Cambridge
University Press, 1985; Isabel Pope e Masakata Kanazawa (eds.), TheMusic
Manuscript Montecassino, 871, Oxford, Clarendon Press, 1978; e Luca Chantiore,
Alfons V El Magnanim (1396‑1458), El Cancionero de Montecassino, 2001
(estudo que acompanha a produção, em CD, de Jordi Savall sobre a referida obra
poético‑musical, versão espanhola, pp. 26‑32.
[51] Manuel Fernández Galiano, Gran Enciclopedia Rialp (Humanidades y
Ciencia. Filologia II, Lenguas Classicas).
[52] L. Perroni Grande, La scuola di greco a Messina prima di Constantino
Lascari, Palermo, 1911; e A. de Rosalia, La vita di Constantino Lascari, in
Archivio storico siciliano, s. III, vol. IX, 1957‑1958, pp. 2‑70.
[53] A partir de 1481, regista Martin Lowry ' in Le Monde d'Alde Manuce,
edº. ant. cit., p. 89 ' Bonus Accursius, em Milão, retomou os caracteres de
Demetrius e produziu sete edições [gregas], entre as quais duas emissões do
léxico grego de Crastone e uma nova emissão da gramática de Lascaris.
[54] C. Laskaris, Greek Grammar (Milão, 1476), edição em fac‑símile e
introdução de J. J. Fraenkel, A. M. Hakkel, Amesterdão, 1966.
[55] Martin Lowry, op. cit., p. 227.
[56] Apenas em 1486 o humanista Marcantonio Sabellico (c. 1436‑1506) ' o
autor de Historiae Rerum Venetarum, editada no ano seguinte ' depositou o
primeiro privilégio conhecido em matéria de direito de autor. A este respeito
remete‑se para Martin Lowry, op. cit., p. 227.
[57] Giovanni Orlandi, Aldo Manuzio Editore, vol. I (edição ant. cit.), pp.
3‑5 (Dediche 'Prefazioni).
[58] Martin Lowry, op. cit., p. 232.
[59] Giovanni Orlandi, op. cit., I, pp. 37‑38.
[60] Martin Lowry regista ainda, in op. cit., p. 272, que um certo Johannes
Drach, de Spira, en 1498 copiou, nas sete primeiras folhas (de um códice
contendo Varia de Re Grammatica) o capítulo da gramática de Lascaris sobre os
nomes gregos no texto grego e latino da edição aldina. Essa fonte encontra‑se
hoje depositada na biblioteca da Universidade de Basileia.
[61] A este investigador também se deve, recentemente, a edição das
Collationes, de Pedro Abelardo (Oxford, Oxford Medieval Texts, 2003).
[62] G. Orlandi, op. cit., I, p. 37.
[63] Paolo Eleuteri e Paul Canart, op. cit., pp. 188‑189.
[64] A expressão é de Giovanni Orlandi, op. cit., vol. II, p. 315.
[65] Este 1º. catálogo aldino de 1498 (referente às suas edições em
caracteres gregos feitas até então), é editado por Giovanni Orlandi, edição
ant. cit., I, pp. 22‑23.
[66] G. Mardersteig, Aldo Manuzio e I caratteri di Francesco Griffo , in
Studi in onore di T. de Marinis, 1964.Estas diferentes tipologias são também
reproduzidas (por imagem) na obra de Giovanni Orlandi, Aldo Manuzio Editore,
edição ant. cit., I, p. XXIV.
[67] Idem, ibidem.
[68] G. Orlandi, op. cit., I, pp. 105‑106.
[69] Paolo Eleuteri e Paul Canart, edição ant. cit., p. 92.
[70] J. M.Fernández Pomar, La colección de Uceda y los manuscritos griegos
de Constantino Lascaris, in revista Emerita, vol. 34, de 1966, pp. 211‑288; e
Ch. Graux, A. Martin, Fac‑similés des manuscrits grecs d'Espagne, Paris, 1891,
nn. 60‑62.
[71] Ao que registam Thomas G. Bergin e Jennifer Speake, in Encyclopedia of
the Renaissance, Nova Iorque ' Oxford, Facts on File Publications, 1987, pp.
376‑377, Sperone Speroni, tendo sido graduado em Filosofia e Medicina em 1518,
usou o diálogo como meio de exposição das suas ideas, sendo a sua obra mais
importante Delle lingue (1542), em que sustentou que a língua italiana era
capaz de alcançar os efeitos do latim. Saliente-se ainda que a obra Dalla
Apologia dei Dialogui, de Sperone Speroni (1500-1588) data de 1574 e integra '
como um dos seus mais célebres diálogos ' o Dialogo d'Amore. Aí é apresentada
Tullia d'Aragona (que entretanto falecera em 1556) como protagonista. Esta
intrépida escritora tinha editado, em 1547 em Veneza ' e dedicada a Cosmo I de
Médicis, Duque de Florença, empossado nessas funções em 1537 ' a sua obra Della
Infinità di Amore, objecto de edição francesa, com um estudo introdutório de
Yves Hersant, Paris, Éditions Rivages, 1997.
[72] Eugenio Garin, Discussões sobre a Retórica, in Idade Média e
Renascimento, edição port. ant. cit. (1994), p. 118.
[73] E. Garin, op. cit., p. 120.
[74] Nesta obra o seu autor, Sperone Speroni, apresenta Peretto como mestre
de Buonamici.
[75] E. Garin, op. cit., p. 121.
[76] Fora precisamente em Mântua que em 1462 (como aliás já referimos)
nascera Pomponazzi. ' Remete‑se ainda para Manuel Cadafaz de Matos, De
Raphael de Volterra a Pietrro Pomponazzi, no seu estudo As edições italianas
de Aristóteles nas três últimas décadas do século XV , in A Apologia do Latim,
Lisboa, CEHLE, 2005, pp. 251‑282, em particular, 274‑275.
[77] E. Garin, op. cit., 121.
[78] Pavli Iovii Novocomensis edição ant. cit., Basileia, 1577, pp. 39‑40.
[79] Stirpem enim sanguinis incorrupti ad Imperatores Constantinopolitani
decus generosis moribus referebat, vtpote quiab ingénua educatione optmas
literas imbebisset (Pauli Iovii Novocomensis , Elogia Virorum illustrium ,
edição ant. cit., 1577, p. 39).
[80] Entre os mais abalizados estudos sobre Janus Lascaris, contam‑se, K.
Muller, Neue Mittheilungen uber Janos Lascaris und die Mediceishe Bibliothek,
in Zentralblatt fur Bibliothekswesen, I, 1884, pp. 333‑412; M. E. Cosenza, J.
Lascais, in Biograpical and Bibliographical Dictionnary of the Italian
Humanists and of the World of Classical Scholarship in Italy, 1300‑1800 (6
vols.), Boston, 1962‑1967, vol. III, pp. 1935‑1940; e vol. V, pp. 984‑985;
A. Meschini, La produzione forentina di Giano Laskaris, in Miscelanea Branca,
pp. 69‑113; V. E. Alfieri, La Lettera di Giano Lascaris, sui caratteri
alfabetici greci, in Instituto Lombardo, Classe di Lettere e Scienze Morali e
Storiche. Rendiconti,nº. 118, de 1984, pp. 77‑83; A. Pontani, Paralipomeni
dei Turcica: gli Scritti di Gianno Lascaris per la Crociata contro i Turchi,
in Romische Historische Mitteilungen, nº. 27, de 1985, pp. 213‑338; S.
Gentile, Giano Lascaris, Germain de Ganay e la prisca theologia' in Francia,
in revista Rinascimento, Florença, nº. 27, de 1986, pp. 51‑75.
[81] quando quidem praeclara Graecae Latiaeque linguae lumina, peregrinorum
requisita oculis, circa eum triuijs ciuium digito monstrarentur. In His enim
saepe conspecti sunt Trapezuntius, Gaza, Argyropylus, Plethon, Philelphus,
Blondus, Leonardus, Pogius, Valla, Sipontinus, Campanus, Platina, Domitius,
nullo aeuo perituri. Quibus viris domi stipatus, vsque adeò extra inuidiam
gloriosa sui fama fruebatur vt Eugenius, Nicolausn & Pius eum sibi
successorem, si fas esset adoptare percuperent: neque optimè de Republica
mérito, senatorum studia deerant. ' Paolo Giovio, edição ant. cit. (Basileia,
1577), p. 29.
[82] P. Eleuteri e P. Canart, edição ant. ci. (1991), p. 76.
[83] Lascaris tutò abdita Graeciae perscrutans, cùm patriae opus victoribus
cessissent, nobiliora diuitijs antiquae dignitatis volumina collegit, vt in
Italia seruarentur. ' Paolo Giovio, edição ant. cit. (Basileia, 1577), p. 40.
[84] Em 1491, num intenso período de pesquisa, por parte de Janus Lascaris,
em códices helénicos, trabalhou nos fundos gregos da biblioteca do erudito
Giorgio Valla, situada em Modena. É também M. Lowry quem regista este facto in
op. cit., p. 192; Paolo Eleuteri e Paul Canart, Giano Lascaris, in Scrittura
Greca nell'Umanesimo Italiano, Milão, edições Polifilo, 1991, pp. 76‑79;
Giovani Orlandi e Carlo Dionisotti (introdução), Aldo Manuzio Editore. Dediche.
Prefazioni. Note ai Testi, 2 vols., Milão, edições Polifilo, 1991, em
particular as notas biográficas, II, pp. 342‑343;
[85] Martin Lowry alude ao facto de que, em 1508 e em 1513, Aldo Manuzio
prestou homenagem, agradecendo a Janus Lascaris e ao seu protector Lourenço de
Médicis, os esforços que tinham tido de forma a serem trazidos da Grécia, por
aquele, os manuscritos dos oradores antigos. Remete‑se para Martin Lowry (com
base em Muller), Le Monde d'Alde Manuce (1979), nova edição, Paris, Promodis '
Éditions du Cercle de la Librairie, 1989, pp. 251‑252.
[86] E. Piccolomini, Delle condizioni e delle vicende della libreria
Medicea privata dal 1494 al 1508, in Archivio Storico Italiano, Série III,
XIX, de 1875, pp. 101‑129.
[87] Idem, ibidem, loc. cit.
[88] Martin Lowry, op. cit., p. 82 e 90.
[89] Passariam várias décadas até que, em 1542, em Roma, um bela tipologia
de caracteres gregos tenha sido gravada, por ordem do Cardeal Cervini, com
vista a imprimir algumas das mais raras obras existentes na Biblioteca do
Vaticano. O pôr essa medida em prática era de tal modo onerosa que a Igreja
acabaria por deixar de parte este pretendido empreendimento (Martin Lowry, op.
cit., p. 96).
[90] O catálogo de incunábulos em bibliotecas espanholas (2 vols.), no vol.
II, Índices, secção Florença, dá testemunho da produção então ocorrida
naquela cidade em caracteres gregos, devendo‑se uma parte significativa dessa
actividade precisamente a Janus Lascaris.
[91] Giovanni Orlandi, edição ant. cit. (1996), pp. 342‑343.
[92] Idem, ibidem, p. 287.
[93] Devem‑se a Aldo Manuzio (que também sabia grego, para além do latim),
uma apreciada obra, a gramática Institutiones.
[94] Entre os investigadores da imprensa aldina, como Martin Lowry, continua
como cenário a possibilidade de o genro de Torresanus poder ter principiado a
sua obra tipográfica, em caracteres gregos, com Musée / Galaemyomachie, 10 fls.
(M. Lowry, op.cit., p. 121).
[95] Um dos primeiros testemunhos (Renouard considera o primeiro) da obra
tipográfica ocorre, precisamente, quando Aldo imprime a primeira obra do seu
atelier veneziano, a gramática (em reedição) de Janus Lascaris, Erotemata.
[96] Aldo Manuzio Edditore, I, pp. 61‑62.
[97] Martin Lowry sustenta, a dado passo, que não é mais evidente, a seus
olhos, contrariamente ao que escreveu Proctor, que a oncial de Lascaris era
muito mais legível que a cursiva, sua concorrente, nem que a imprensa
florentina tenha sido forçadapor Aldo a sacrificar a sua legibilidade à moda
(op. cit., pp. 143‑144).
[98] Nos fins daquele ano ' cerca de três anos depois de Aldo ter iniciado o
ambicioso projecto de edição tipográfica dos Opera de Aristóteles ' Janus
Lascaris apresentava-lhe, com efeito, estas suas censuras (atendendo a
documentação revelada por P. de Nolhac).
[99] Pierre de Nolhac, Les correspondants d'Alde Manuce: matériaux nouveaux
d'histoire littéraire, 1483‑1515, in Studi e documenti di Storia e di
Diretto, VII, de 1887; e IX, de 1888, 24; e Martin Lowry, op. cit., pp. 94‑95.
[100] Transiuit demum in Galliam, legatum Ludouici regis apud Venetos egit. '
Paolo Giovio, edição ant. cit. (Basileia, 1577). Vide, ainda, Giovanni Orlandi,
edição ant. cit. (1996), p. 343.
[101] Lascaris tutò abdita Graeciae perscrutus, cùm patriae opus victoribus
cessissent, nobiliora diuitijs antiquae dignitatis volumina collegit, vt in
Italia seruarentur Pauli Iovii Novocomensis , Elogia Virorum illustrium ,
edição ant. cit., 1577, p. 40).
[102] P. Eleuteri e P. Canart, op. cit., pp. 80‑82.
[103] M. Lowry explicita que Janus Lascaris ' enquanto embaixador de do Rei
Luís XII em Veneza ' abandonou o seu posto quando as relações com a França
cessaram quase completamente (op. cit., p. 171). Não distará muito desse
período aquele em que o erudito bizantino cedeu a Aldo o manuscrito dos
Oradores Gregos, então também ali impresso (loc. cit.).
[104] Annaclara Cataldi Palau, Gian Franceso d'Asola e le Tipografia Aldina.
La vita, le edizioni, la biblioteca dell'Asolano, Génova, SAGEP, 1998, p. 804.
[105] Idem, ibidem, p. 288‑289.
[106] Idem, ibidem, pp. 289‑290. Ant. Aug. Renouard, Annales , edição ant.
cit., p. 1.
[107] Ant. Aug. Renouard, Annales , edição ant. cit., p. 4.
[108] Tal apreende‑se de uma carta constante de Sanudo, precisamente desta
data (divulgada por M. Lowry, op. cit., pp. 207 e 222).
[109] Idem, ibidem, p. 168.
[110] Idem, ibidem, p. 287.
[111] Esta relação de Janus Lascaris com Guillaume Budé veio a reflectir‑se
na edição, por este último, entre outras obras, da intitulada De transitu
Hellenismi ad Christianismume Commentarii Linguae Grecae.Foi precisamente na
segunda destas obras, editada em Paris em 1529, que este humanista francês
(como registou Pina Martins, 1989, II: p. 334) lembrou ao rei de França,
Francisco I, a promessa que ele havia feito de fundar em Paris um colégio ' na
sequência da instituição dos Leitores Reais ' para o ensino das três línguas
clássicas sagradas, do género daquele que Leão X tinha tentado fundar em Roma e
do que já existia em Lovaina, por onde também andou André de Resende. '
Remete‑se ainda (para além da referenciada obra de Pina Martins) para o estudo
de Jean Plattard, Guillaume Budé (1468‑1540) et les origines de l'Humanisme
Français, Paris, 1924.
[112] Nos primeiros dias de 1508, quando Erasmo, nas suas deslocações por
Itália, visita em Veneza Aldo Manuzio e a sua oficina tipográfica, encontra‑se
aí, com efeito, quer com Janus Lascaris quer com Germain de Brie (que tinha
sido aluno deste em Paris). ' Remete‑se para Léon E. Halkin, Érasme parmi
nous, Paris, edições Fayard, 1987, p. 106.
[113] Léon E. Halkin, Érasme parmi nous, edição ant. cit., p. 143.
[114] Com o andar dos anos ' e até cerca de 1514 (um ano antes de Aldo vir a
falecer em Veneza) ' foi‑se verificando, no entanto, uma atonia (a expressão
é de Lowry) cada vez maior quanto às impressões aldinas em caracteres gregos.
' Martin Lowry, op.e loc. cit.
[115] Giovanni Orlandi,Aldo Manuzio Editore,edº. ant. cit., vol. II, p. 343,
n. 1.
[116] Nec multo post Leone veteris amicitiae nomine liberaliter eum attolente,
nobiles è Graecia pueros aduxit instituto ludo in Quirinali, ne Graeca língua
seitè loquentium soboles interiret. ' Paolo Giovio, edição ant. cit.
(Basileia, 1577).
[117] Idem, ibidem, pp. 155 e 214.
[118] Esta data ' e a permanência de J. Lascaris então em Roma ' parece
impossibilitar a expressão de F. Galliano (na Enciclopédia Rialp), de que ele
ajudou Francisco I, de França, na fundação da Biblioteca Real, em
Fontainebleau. Tal só poderá ter acontecido se, à distância, este erudito de
Constantinopla tiver remetido códices gregos de Itália para aquela instituição,
depois de criada.
[119] Este códice ' que contava ainda com os comentários de Gianfrancesco
Torresani, veio a conhecer uma aventurosa itinerância. Acabou por ' pelas mãos
do embaixador francês em Veneza, Guillaume Pellicier, já num período bastante
posterior (por volta de 1540) ' ser comprado naquela cidade dos doges e ter a
França como destino. Depois dessa compra Pellicier enviou, com efeito, esse
valioso códice (integrando um conjunto de cerca de duas centenas de manuscritos
gregos) com a Anthologia Graeca para França, com destino à Biblioteca do Rei.
Admite‑se que se trata, hoje, do códice Yb 484, da Biblioteca Nacional de
França (idem, ibidem, p. 144).
[120] Paolo Eleuteri e Paolo Canart, Janus Lascaris, in edº. ant. cit.
(1996), p. 76.
[121] Corpus Documental de Carlos V, vol. I, 1516‑1539, Edições da
Universidade de Salamanca, 1973 (onde se patenteia um documento acerca desta
matéria, uma epístola redigida por Carlos V, na sua permanência então em
Toledo, de 24 de Outubro de 1525, data do período em que Janus Lascaris esteve
supostamente em Castela).
[122] Roland Mousnier,Les XVIe. et XVIIe. Siècles, Paris, Presses
Universitaires de France, colº. Histoire Général des Civilizations, 1954, p.
126.
[123] Este historiador regista que esse barco só viria a ser experimentado em
1543, no porto de Barcelona. E adianta que se ignora como é que esse barco se
movia, podendo talvez ser através do eólypilo em reação de Héron de
Alexandria.
[124] Afigura‑se interessante relevar que, mais de cinco séculos depois de
Janus Lascaris ter estado diplomaticamente activo na Península Ibérica, um ramo
da família com esse nome se podia ainda encontrar em Madrid. Assinale‑se, a
propósito, que em 9 de Janeiro de 1954, reuniu em Madrid (calle Medinacelli,
4), a assembleia constitutiva da Sociedade Espanhola de Estudos Clássicos (a
que passou a presidir Fernández‑Galiano e que tinha, entre outras finalidades,
a tradução de textos gregos e latinos interessantes). Curiosamente um dos
vogais dessa nova associação era Constantino Láscaris Comneno, presumivelmente
de origem grega. Este, no primeiro órgão dessa agremiação ' a revista Estudios
Classicos, do Instituto San José de Calasanz de Pedagogia ' no volume de
Fevereiro desse mesmo ano de 1954, assinava uma recensão à edição da Política,
de Aristóteles (Madrid, 1951), in p. 214.
[125] Artur Moreira de Sá, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, colº.
Textos Portugueses, 1983, pp. 148‑149.
[126] Adrián Lopéz, Hipatia de Alejandria, La Muerte de la Virtud, in
Memoria. Historia de cerca, nº. 22, Cuenca, 2009, pp. 76-84. Trata -se de uma
filósofa de renome dos séculos IV e V. De salientar que esta mulher, cujo fim
foi trágico, nasceu entre os anos 350 e 370, «filha de um astrónomo e
matemático, Theón, possivelmente um sábio estreitamente ligado à Biblioteca do
Serapeum,e uma personalidade claramente influente na cidade, respeitada nos
círculos da alta sociedade», op. cit., pp. 78-79. Sabe-se, ainda, que esta
mulher viajou por terras da Grécia e de Roma na sua juventude, tendo vivido uma
parte da vida fora do Egipto, sendo «uma autêntica instituição moral e cultural
nos começos do século V». Tendo-se dedicado ao magistério, entre os seus alunos
mais destacados conta-se Sinésio de Cirene, Bispo de Ptolomaida (falecido em
413, com 43 anos de idade) e com quem ela manteve sempre uma profunda amizade.
O seu fim viria a ser dramático pois, na Primavera de 406, acabaria por ser
assassinada por uma multidão de cristãos fanáticos que a apunhalaram e
esquartejaram.
[127] De destacar que também no Ashmolean Museum, de Oxford, existem desenhos
ao pormenor do trabalho preparatório de Rafael para o seu quadro LaScuola di
Atene.
[128] Foi precisamente em 1609 que as colecções bibliográficas e outras
(algumas das quais tinham sido pretença do humanista e religioso, mais tarde
santo, Carlos Borromeu), da Ambrosiana, passaram a ser desfrutadas por todos
aqueles que as quisessem visitar ou mesmo estudar. Nós próprios, em Setembro de
2009, tivemos ensejo de estar presentes nessa instituição, no período
correspondente às celebrações do seu quarto centenário.
[129] Andrea Emiliani, Raphael, La Chambre de la Signature, edº. francª.,
Paris, Gallimard, 2002, p. 12.
[130] André Chastel, Art et Humanismo à Florence au temps de Laurent le
Magnifique, Paris, 1959 (passagem identificada, também, por Andrea Emiliani,
op. cit., p. 120.
[131] O Bispo de Nocera, Paolo Giovio foi amigo íntimo do Papa Leão X e o mais
antigo biógrafo de Raphael. A história da vida deste pintor, com efeito ' como
também, sublinha A. Emiliani, op. cit., p. 60, nº. 8 ' consta da obra daquele,
Elogia Virorum Doctorum (já composta antes do saque de Roma em 1527), editada
em Florença, em 1546 (quatro anos antes do testemunho de G. Vasari; vide n.
sgt.).
[132] Giorgio Vasari, Le Vite dei più eccelenti pittori, scultori e
architettori, Florença, 1550, nova edeição 1568, secção Rafael. Desta obra
são de referenciar as edições de Florença de 1976; e, sobretudo, a de André
Chastel, La Vie des meilleurs peintres, sculpteurs et architectes, Paris, 1984-
1989; e, mais recentemente, a edição castelhana integral da mesma obra
vasariana.
[133] Andrea Emiliani, op. cit., pp. 123-124.
[134] Idem, ibidem, p. 123.
[135] H. B. Gutmann, The Medieval Content of Raphael's School of Athens, in
Journal of History of Ideas, t. II, 1941, n.º 4; e Andrea Emiliani, op. cit.,
p. 121.
[136] Podem ser aqui referenciadas algumas das muitas edições com textos
impressos de Aristóteles até então ocorridas. É o caso, quanto a vilas ou
cidades italianas (ou, com mais mais rigor, que constituem a Itália actual) de
edições como a veneziana, de 1501, por Simone de Luere (Adams, 1894); uma outra
do mesmo ano e do mesmo burgo (Adams, 1927); uma outra dessa cidade, de 1503
(Adams, 1850); outra da mesma cidade, de 1503-04, por Teodoro de Gaza (Adams,
1761); uma outra veneziana, de 1504, por Egídio Romano (Adams, 1790); uma outra
veneziana, de 1505 (Adams, 1928); uma outra, da mesma cidade, de 1506 (Adams,
1763); uma edição de Fano, de 1504, por Nicolau Perotto, de 1504 (Adams, 1820).
Quanto a edições de Aristóteles germânicas registem-se os casos de uma edição
de Colónia, de 1508 (Adams, 1964(; ou uma uma de Leipzig, por Argyropulus, de
1501 (Adams, 1819); uma outra da mesma cidade germânica, de 1503 (Adams, 1851).
Quanto a edições aristotélicas francesas, registem-se os casos de uma
parisiense, de 1502 (Adams, 1839); uma parisiense, de 1504 (Adams, 1777); uma
outra dessa cidade francesa, também esta por Argyropulus, do mesmo ano (Adams,
1821); uma outra, da mesma cidade, de 1506, por Faber Stapulense (Adams, 1762);
ainda uma outra parisiense, de 1511, por Aretino (Adams, 1764); uma lionesa, de
c. 1510 (Adams, 1924).
É o caso ainda, finalmente, de uma castelhana, de Saragoça, por Carlos,
Príncipe de Viana, de 1509 (Adams, 1838), edições essas referenciadas aqui
sempre no terreno das hipóteses, precisando-se ainda que nenhuma delas contém
exclusivamente a Ética (e algumas nem sequer inserindo esse tratado).
[137] Elsa Ruiz, Hacia una Semiología de la escritura,Madrid,1992, p. 222
[138] O conceito de Empíreo (do grego empurios, em fogo), no âmbito da
Mitologia helénica, remete para a parte mais elevada do céu, só habitada pelos
deuses, ou seja, o paraíso.
[139] Optamos, aqui, por essa designação desse quadro de Bosch, em detrimento
de outros investigadores que preferem designar tal obra como Ascent of the
Blessed to the Heavenly Paradise. Esta última designação é a perfilhada por
JosKoldeweij, Paul Vandenbroeck e Bernanrd Vermet, in Hieronymus Bosch, The
Complete Paintings and Drawings, Ludion Ghent ' NA Publishers, Amsterdão, 2001,
p. 174.
[140] Luís de Camões, em Os Lusíadas, segue também, a dado passo da sua
argumentação, o conceito de Empíreo.
[141] Agradecemos à Prof. Maria de Fátima Silva, da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, o apoio que nos deu, na sua qualidade de helenista,
para a interpretação desta passagem. Para mais informações, consultar http://
www.dartmouth.edu/~matc/math5.geometry/unit3/unit3.html
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