Movimentação e Diferenciação Narrativa ao Longo do Processo Terapêutico: Um
Estudo de Caso Longitudinal à Luz do Modelo de Complementaridade Paradigmática
Movimentação e Diferenciação Narrativa ao Longo do Processo Terapêutico: Um
Estudo de Caso Longitudinal à Luz do Modelo de Complementaridade Paradigmática
O movimento integrativo em psicoterapia tem permitido visões progressivamente
mais abrangentes dos pacientes e dos problemas e reflecte o reconhecimento da
importância de adequar as intervenções aos pacientes mais do que encaixá-los
nas abordagens interventivas preferenciais (Beutler, Consoli, & Lane, 2005;
Gold, 1994; Lazarus, 2005; Moleiro, 2005; Norcross, 2005; Vasco, 2001, 2006) .
Intensificou, assim, o foco nas características dos pacientes (Beutler et al.,
2005; Lambert & Bergin, 1994) e introduziu a necessidade de avaliações ao
longo do processo terapêutico, reconhecendo que estas características não são
necessariamente estáticas e que as necessidades de trabalho podem ser
diferentes em momentos diferentes da terapia (Gold, 1994; Lazarus, 2005;
Prochaska & DiClemente, 2005; Vasco, 2001, 2006). Esta perspectiva remete-
nos para a importância de considerar as modificações e o movimento das
necessidades dos pacientes e dos objectivos e trabalho terapêuticos ao longo do
processo terapêutico.
O reconhecimento do processo terapêutico como um processo evolutivo tem levado
vários autores a investigar e defender a importância de, não só avaliar as
necessidades dos pacientes, mas também os ganhos terapêuticos já conquistados,
possibilitadores de conquistas posteriores (Conceição, 2005; Stiles et al.,
1991; Tallman & Bohart, 1999; Toukmanian, 1986). Este é, também, um dos
pressupostos do Meta-modelo de Complementaridade Paradigmática (MCP) onde se
insere o presente estudo (Vasco, 2001, 2006).
Meta-modelo de Complementaridade Paradigmática
O MCP é um modelo meta-integrativo, que contempla quatro componentes: (a)
princípios gerais de mudança terapêutica (o quê da terapia); (b) a aliança
terapêutica (o estar em terapia); (c) conceptualização do paciente e do
problema (o quê mais o como da terapia); e (d) sequência temporal de
fases relativas a objectivos (o quando da terapia). (Vasco, 2006, p. 15).
O presente estudo assenta primordialmente neste último componente, não
desconsiderando, ainda assim, as características do paciente, o problema
apresentado e a relação e trabalho terapêuticos.
O modelo postula sete fases tendencialmente sequenciais de mudança terapêutica.
Crê-se que numa sessão um terapeuta possa promover estratégias gerais ou
objectivos estratégicos de várias dimensões, mas que exista uma predominância
num determinado tipo de estratégias gerais, estando a ideia de fase associada a
essa predominância.
As fases do modelo são: 1 ' Confiança, motivação e estruturação da relação; 2 '
Aumento da consciência da experiência e do Self; 3 ' Construção de novos
significados relativos à experiência e ao Self; 4 ' Regulação da
responsabilidade; 5 ' Implementação de acções reparadoras; 6 ' Consolidação da
mudança; e 7 ' Antecipação do futuro e prevenção da recaída. Cabe ao terapeuta
determinar quando promover predominantemente que objectivos estratégicos
específicos de que fase.
Conceição e Vasco (2008) esquematizaram a versão actual dos objectivos
estratégicos (baseados em factores comuns) para a sequencialização do processo
terapêutico segundo uma pirâmide de sete fases em sentido crescente (Apêndice
A). Estes objectivos estratégicos (ou estratégias gerais) podem ser vistos como
trabalho terapêutico a promover (ou a não promover) e no sentido da capacitação
de competências nos pacientes e de diminuições de vulnerabilidades.
Os estudos empíricos na componente fases do MCP dos últimos 10 anos têm
sustentado esta dimensão temporal relativa aos objectivos estratégicos
(Conceição, 2005; Conceição & Vasco, 2009; Vasco, 2006). Têm também dado
conta das potencialidades da prossecução sequencial dos objectivos estratégicos
na intervenção com perturbações sérias da personalidade (Gonçalves & Vasco,
2001), apontado para um aumento da estimativa de melhoras por parte do paciente
à medida que este avança nas fases do modelo (Vasco, 2006), e têm alertado para
a importância de articular a promoção (por parte do terapeuta) com a capacidade
(por parte do paciente) para melhores alianças e resultados terapêuticos
(Conceição, 2005; Conceição & Vasco, 2009).
Uma vez que o modelo defende que, por mais que o paciente necessite de
desenvolver competências de fases mais avançadas, os resultados terapêuticos
são mais sólidos quando as competências de fases precedentes estão
suficientemente asseguradas (Osatuke et al., 2004), torna-se importante avaliar
nos pacientes a presença de indicadores, ou marcadores, de capacidades de
processamento já adquiridas. Crê-se que esses marcadores poderão apoiar uma
tomada de decisão mais fundamentada, relativamente à pertinência de avançar
para trabalho de promoção de objectivos de fases posteriores, ou de
consolidação dos de fases anteriores. A questão central de investigação do
presente artigo prende-se com se porventura esses marcadores de capacidade de
processamento estarão evidentes nas narrativas dos pacientes.
Capacidade de Processamento
Assemelhamos capacidade de processamento ao processo Piagetiano de acomodação
(e.g. Battro, 1978; Lourenço, 2005; Piaget, 1977), uma vez que procuramos
reconhecer indicadores de mudança nas formas habituais de processamento, já bem
integradas no reportório dos pacientes, e não apenas anexação do que é
promovido pelo terapeuta nos esquemas de significação habituais (assimilação).
Contudo, este estudo assume uma postura mais neo-piagetiana, que congrega a
teoria Piagetiana com os modelos de processamento da informação, acreditando
que esta capacidade/acomodação é reflectida em mudanças nos processos de
atenção e memória e nas estratégias de tratamento da informação, e pode ser de
natureza cognitiva, emocional, sensorial e/ou interpessoal (Greenberg &
Pascual-Leone, 2001).
Processos narrativos
No sentido de estudar a evolução na capacidade de processamento dos pacientes
ao longo do processo terapêutico, julgámos pertinente analisar os processos
narrativos presentes em momentos diferentes da terapia, uma vez que as mudanças
terapêuticas são acompanhadas de mudanças narrativas, e a progressiva riqueza,
profundidade e diferenciação das narrativas permite avaliar e compreender a
mudança no paciente (Hardtke & Angus, 2004; Osatuke et al., 2004).
Esta ênfase nos processos narrativos advém da nossa identificação com Piaget
(citado em Lourenço, 2005), que dá prioridade ao conhecimento estrutural (o
modo de conhecer e pensar) em detrimento do conhecimento factual (os
conhecimentos adquiridos em si).
Também Greenberg, Rice e Elliott (1993) apresentam o conceito diagnóstico de
processo, defendendo que não é a modificação ou compreensão de conteúdos
específicos que prediz bons resultados terapêuticos, mas antes a análise e
intervenção no modo corrente de processamento cognitivo-afectivo do paciente.
Postulam que as decisões dos terapeutas se devem basear no como os clientes
organizam a sua experiência no momento, e que o trabalho interventivo deve
apostar na facilitação da mudança na forma de processamento dos indivíduos,
modificando aquilo a que estão atentos e como o simbolizam. A título de
exemplo, sabendo como promover um processamento no paciente que repare ou
transforme as suas clivagens de auto-crítica em instâncias de auto-aceitação, é
possível facilitar-se esse mesmo processo em cinquenta pacientes,
independentemente dos conteúdos específicos das auto-críticas serem diferentes
em cada um. Isto é, em vez de se trabalhar ao nível do conteúdo da auto-
crítica, trabalha-se ao nível do processo da auto-crítica, ainda que para isso
se atenda aos conteúdos, naturalmente.
Modelos de Evolução do Processo Terapêutico
Qualquer processo evolutivo, de desenvolvimento ou de mudança, pode dar-se em
diferentes escalas temporais, desde segundos, minutos, horas, semanas, meses ou
anos. O presente estudo situa-se na metade direita do contínuo: semanas, meses
e anos; no entanto, diversos modelos, mesmo situados na metade esquerda do
contínuo, contribuíram para a projecção deste estudo.
Destacamos o Modelo de Assimilação (Detert, Llewelyn, Hardy, Barkham, &
Stiles, 2006; Honos-Webb, Stiles, & Greenberg, 2003; Osatuke et al., 2004;
Stiles et al., 1990, 1991; Stiles, Honos-Webb, & Lani, 1999) que se
assemelha ao MCP no que concerne a especificação de passos sequenciais, embora
se constrinja à exploração e resolução de áreas problemáticas específicas,
identificadas momento-a-momento. Sustenta oito estádios sequenciais de
assimilação de experiências problemáticas, com narrativas distintas para cada
estádio: Estádio 0 ' Evitante/dissociado, Estádio 1 ' Pensamentos indesejados/
evitamento activo, Estádio 2 ' Consciência vaga/ emergência, Estádio 3 '
Afirmação do problema/clarificação, Estádio 4 ' Compreensão/insight, Estádio 5
' Aplicação/lidar com, Estádio 6 ' Apropriação de recursos/resolução do
problema, Estádio 7 ' Integração/mestria.
Atrevemo-nos a apontar que o modelo de Assimilação procura promover, para
histórias/experiências particulares, o que o MCP procura capacitar de forma
mais geral. Neste sentido, é uma evolução narrativa semelhante à do Modelo de
Assimilação que esperamos encontrar nas sessões terapêuticas segundo o MCP, com
a diferença de não considerarmos manifestações esporádicas como reflexo de
capacidade, mas procurando, outro sim, manifestações regulares e transversais a
diferentes situações apresentadas.
Neste sentido, o estudo de Rudolf et al. (2002), que sustenta uma escala de
sete fases, Heidelberg Structural Change Scale (HSCS), equivalente ao Modelo de
Assimilação mas adaptado à abordagem psicanalítica, apresenta um estudo de
caso, no qual, paralelamente ao estudo momento-a-momento da evolução de um
problema-alvo, é possível comparar a evolução temporal para problemas-alvo
diferentes. Neste estudo, verifica-se, por um lado, uma evolução sequencial
para todos os problemas e, por outro, uma proximidade temporal em termos do
posicionamento na HSCS para os diferentes problemas. Esta última verificação já
permite extrapolar para um nível mais molar, assente em mudanças fase-a-fase e
menos momento-a-momento, sugerindo que, num processo terapêutico (pelo menos
psicanalítico) em que surgem diversos problemas, os pacientes tendem a evoluir
paralelamente nas diversas áreas e não a resolver um problema de cada vez. Como
é sugerido pelo MCP, parece fazer sentido capacitar os pacientes para um
determinado nível de processamento nas várias áreas problemáticas, mais do que
voltar ao nível inicial para cada novo problema.
Também o Modelo de Processo Narrativo (Angus, Levitt, & Hardtke, 1999;
Angus, Lewin, Bouffard, & Rotondi-Trevisan, 2004) nos possibilitou
reflexões interessantes. Este modelo defende que a mudança terapêutica implica
movimentos dialécticos entre três processos narrativos ' a descrição de eventos
(sequências narrativas externas), a diferenciação emocional (sequências
narrativas internas) e a reflexão e articulação daqueles para a atribuição de
significado (sequências narrativas reflexivas). Diferentes abordagens, todas
com ganhos terapêuticos, sequenciam diferentemente os processos a promover
(Angus et al., 1999).
O trabalho destes autores parece desafiar a tendência à sequencialidade
postulada pelo MCP, contudo, as possibilidades de comparação dos dois modelos
poderão ser limitadas, o Modelo de Processo Narrativo parece ser mais
transversal aos vários momentos da terapia, sendo possível promover estes
movimentos dialécticos em cada uma das fases do Meta-modelo.
Ainda no âmbito do trabalho de Angus e colaboradores, destacamos Angus,
Bryntwick, Boritz, Warwar, & Greenberg (2008), em que discriminam
marcadores narrativos de emoção, metáforas em que enquadram tipos específicos
de narrativas, como UntoldStory ou UniqueOutcome Story. O reconhecimento e
nomeação de marcadores narrativos, que funcionam como categorias onde se podem
incluir diferentes conteúdos, aproxima-se do pretendido com este estudo.
Outros estudos na área trazem contributos pertinentes. Um deles refere-se ao
Modelo Psicoterapêutico Cognitivo-Narrativo (Gonçalves, Henriques, &
Machado, 2004; Moreira, Beutler, & Gonçalves, 2008), que sugere três fases
de trabalho sequenciais: recolha, adjectivação e projecção. Outro estudo
refere-se aos Níveis de Processamento Perceptual dos Clientes (Toukmanian,
1986), que apontam para sete níveis sequenciais de processamento dos pacientes
ao longo da terapia, desde afirmações indiferenciadas e externalizadas, a
afirmações mais diferenciadas, internalizadas e integradas. Baptista (2000),
por sua vez, elabora sobre o tipo de narrativas presentes em cada estádio de
Mudança de Prochaska: Pré-Contemplação ' narrativas impermeáveis à mudança,
dada a falta de consciência quanto às suas consequências; Contemplação '
narrativas exteriorizadas; Preparação ' o indivíduo demonstra estar preparado
para mudar parte da narrativa; Acção ' mudança activa das narrativas, com
experimentação de narrativas alternativas (adopção de diferentes papéis,
antecipação de selves possíveis, consideração de diferentes projecções no
futuro); e Manutenção ' narrativas mais estáveis e adequadas à pessoa.
Processos moleculares e molares
Ao longo do estudo, fomos tomando como que duas frentes de trabalho, uma
assente na investigação no que consideramos serem processos narrativos mais
moleculares e outra assente no que consideramos serem processos narrativos mais
molares. Para clarificar, estabelecemos a analogia com os conceitos biológicos
de célula e de tecido, respectivamente: as células integram os tecidos e são
fundamentais para que os tecidos exerçam as suas funções, mas é difícil
distinguir dois tecidos analisando uma célula de cada um, que sem o contexto do
tecido poderiam parecer-nos iguais. Movimentos dialécticos entre estes dois
níveis de análise são importantes: ir ao molecular para perceber como é que o
molar é constituído, e voltar ao molar para perceber a arquitectura geral.
No presente estudo, os processos moleculares estão associados aos processos
mais transversais, identificados momento-a-momento, como por exemplo o processo
de diferenciação emocional (Angus et al., 2004) e o processo de
subjectivaçãocognitiva (Gonçalves et al., 2004), e os processos molares estão
associados aos objectivos estratégicos das fases do Meta-modelo, mais
abrangentes mas também mais diferenciáveis ao longo do processo.
O objectivo do estudo prende-se com a identificação e diferenciação de
marcadores narrativos de capacidade de processamento, verificada ao longo de um
processo terapêutico com base no MCP, de forma a avaliar se existe evolução dos
processos narrativos ao longo do processo terapêutico de acordo com a proposta
de sequencialização de fases do referido meta-modelo. De certa forma,
procuramos verificar se os objectivos estratégicos de cada fase do MCP são
traduzíveis em processos narrativos, ou indicadores verbais do paciente, que
funcionem como marcadores de conquistas terapêuticas intermédias, reflexo de
capacidade de processamento, e se existe uma evolução nesses processos
narrativos ao longo do processo terapêutico de acordo com a sequência de fases
proposta. Sendo um meta-modelo que tem tido algum apoio empírico desde 1999, os
resultados deste estudo poderão, paralelamente, corroborar, descartar ou
aprimorar a identidade/definição de cada fase e a sequência terapêutica
proposta.
Método
Procedeu-se à análise longitudinal de um estudo de caso no sentido de
investigar as variações intra-individuais ao nível do processamento narrativo.
Não se trata, contudo, de um estudo de caso nos moldes tradicionais de
avaliação do trabalho e eficácia terapêuticos; trata-se, isso sim, de um estudo
de caso ao serviço da corroboração (ou desconfirmação) da sequencialidade
proposta pelo MCP. O foco é, por isso, no processamento do paciente em momentos
diferentes do processo terapêutico, independentemente da eficácia da terapia em
si, ainda que a eficácia possa ser inferida com base na evolução narrativa.
A paciente consentiu, por escrito, a realização do estudo, incluindo gravação e
cotação das sessões, mediante certificação da confidencialidade no que concerne
dados identificativos. Foram, nomeadamente, partilhados com ela os excertos do
seu discurso que apresentamos no artigo de forma a assegurar que ela não se
sentia demasiado exposta.
Paciente
A paciente é uma adulta do sexo feminino, com 29 anos à data do início do
processo, licenciada e com uma ocupação profissional na área da saúde mental.
Procurou ajuda por razões de desenvolvimento pessoal, sem queixas sintomáticas
marcadas, apresentando traços evitantes e dependentes de personalidade.
Apresentava queixas de ordem depressiva e de insatisfação conjugal na sua
relação com o parceiro com quem namorava há nove anos, e dificuldade de
diferenciação, de exposição e de afirmação face aos outros.
No caso desta paciente, o terapeuta optou deliberadamente por não utilizar
quaisquer instrumentos de avaliação formais.
À data da conclusão deste estudo, o processo ainda decorria e tinha já a
duração de 3 anos, com sessões semanais.
Terapeuta
O terapeuta é o segundo autor deste estudo, trabalha em clínica privada, e
tinha 33 anos e 10 anos de experiência clínica à data da última sessão
observada. Tem formação em várias abordagens psicoterapêuticas, considera-se um
terapeuta integrativo que procura respeitar os princípios de tomada de decisão
clínica postulados pelo MCP, e integra princípios e estratégias de abordagens
experienciais e existenciais, motivacionais e relacionais, e cognitivo-
comportamentais.
Procedimento
Inicialmente, categorizando-se os processos reconhecidos na literatura,
identificaram-se os processos narrativos a verificar nas sessões terapêuticas,
tendo-se chegado aos processos enunciados na Figura_1.
Estes processos foram considerados na construção do protocolo de análise
(Apêndice_B), a ser preenchido pelo avaliador imediatamente após a visualização
da sessão, onde se classificam, numa escala de 0 a 8, os processos narrativos
reconhecidos em cada sessão terapêutica visualizada.
Seguidamente, procedeu-se à selecção do caso. De uma base de sessões gravadas
em vídeo utilizadas em Conceição (2010), seleccionou-se, aleatoriamente, um dos
casos cotados nas fases do MCP por avaliadores independentes do estudo actual.
Nenhum dos casos disponíveis inicialmente tinha gravações desde o início do
processo ou estava finalizado, facto que não interfere com os objectivos do
presente estudo.
Para a selecção das sessões a visualizar, esquematizaram-se graficamente as
várias sessões, sobrepondo a promoção do terapeuta com a capacidade do
paciente. Discriminaram-se as sessões que combinavam um grau médio-elevado de
promoção do terapeuta numa determinada fase, com um grau médio-elevado de
capacidade da paciente na mesma fase. A intenção foi garantir que, não só a
paciente já tinha alcançado os ganhos terapêuticos específicos de determinada
fase, como, através da promoção do terapeuta, estes eram trabalhados (surgiam)
em sessão. Visualizaram-se e analisaram-se 9 sessões terapêuticas, em momentos
diferentes do processo terapêutico: três sessões predominantemente em fase 2,
três predominantemente em fase 3 e outras três predominantemente em fase 4. A
fase predominante das sessões foi calculada em Conceição (2010) com base nas
avaliações de três juízes que utilizaram o Inventário de Estratégias Gerais na
perspectiva de observador (IEG-O, Conceição & Vasco, 2008), que faz parte
de uma bateria de instrumentos de avaliação associada ao MCP. Entre outras
dimensões não relevantes para este estudo, O IEG-O é composto por 2 conjuntos
de sete escalas tipo Likert de 10 pontos, correspondentes às sete fases do
Meta-modelo. O primeiro conjunto corresponde às operações do terapeuta,
demonstradas na sessão, em termos dos objectivos estratégicos que está a
promover, e o segundo conjunto corresponde à capacidade demonstrada pelo
paciente nos mesmos objectivos estratégicos. A escala que obtém o valor mais
alto ao nível das operações do terapeuta é dada como a fase predominante
(Conceição, 2005). O treino e o procedimento de cotação dos juízes associados a
esta avaliação é descrito em Conceição (2010) e o índice de acordo entre os
juízes ICC(3,3) (Shrout & Fleiss, 1979) é superior a .90 nas avaliações do
caso utilizado no presente estudo.
Nenhuma das 9 sessões segue imediatamente a anterior, existindo, pelo menos, 5
semanas entre cada uma (foram visualizadas as sessões 31, 36, 46, 51, 65, 80,
90, 100 e 105). Cronologicamente, as sessões em fase predominante 2 precedem as
sessões em fase predominante 3, que, por sua vez, precedem as sessões em fase
predominante 4. Não foram visualizadas sessões em fase 1, dada a inexistência
de registos de vídeo destas sessões (só se havia negociado permissão para
gravar o processo volvidos já seis meses de terapia, sensivelmente 24 sessões),
nem de fase 5 e posteriores, uma vez que a paciente se encontrava em fase
predominante 4. Além do mais, enquanto as 6 últimas sessões são claramente
representativas das fases 3 e 4, as primeiras três sessões não são tão
específicas da fase 2, estando já a paciente em transição para a fase 3. Mais
uma vez, por falta de material audiovisual, não foi possível seleccionar
sessões francamente representativas da fase 2. Também, apesar das últimas três
sessões representarem, claramente, a fase 4, a paciente ainda se encontrava
nesta fase do processo, pelo que a sua capacidade nesta fase é ainda reduzida
(os objectivos estratégicos ainda não estão totalmente promovidos e
capacitados). No total, a janela temporal de onde foram retiradas as 9 sessões
contempla 2 anos de terapia.
O passo seguinte passou pela visualização das sessões, acompanhada da
respectiva cotação segundo o protocolo de análise e da recolha dos excertos do
discurso da paciente que mais se salientaram (análogos aos excertos que nos
lembramos quando estamos a resumir uma sessão ou a apresentá-la em supervisão).
Estes excertos foram recolhidos pela primeira autora do estudo e a sua análise
passou por diversas fases, geralmente em articulação com o segundo autor: 1)
aprimoramento das definições dos processos incluídos no protocolo de cotação
das sessões; 2) inclusão de novos processos, que os excertos sugeriam e não
eram captados pelos processos já considerados; 3) atribuição de exemplos
narrativos a cada processo definido; 4) ponderação da exclusão de processos
pouco discriminatórios; 5) reflexão sobre possibilidades de os tornar mais
discriminativos; 6) contagem dos processos identificados que possibilitassem
comparações com os dados recolhidos através do protocolo de análise; 7)
ponderação da categorização dos processos em supra e sub-classes; 8)
reenquadramento das fases e objectivos estratégicos das fases do meta-modelo
como, respectivamente, supra e sub-classes de processos; 9) alocação dos
excertos narrativos da paciente nas respectivas fases e objectivos
estratégicos; 10) questionamento, a um primeiro perito, do seu acordo quanto à
alocação dos excertos nas fases; 11) estimação do acordo entre avaliadores; 12)
alteração das alocações conforme correcção do perito; 13) questionamento, de um
segundo perito, do acordo relativo à alocação dos excertos nas fases, já com as
correcções; 14) estimação do acordo entre os dois últimos avaliadores. O acordo
entre a avaliadora e o 1º juiz foi de 86% e o acordo entre os dois juízes foi
de 100%.
Como já foi referido, ao longo do estudo, foram-se estabelecendo como que duas
frentes de trabalho: uma ligada ao reconhecimento e análise dos processos
narrativos a nível molecular (a partir da revisão da literatura em narrativa,
na base da formulação do protocolo de cotação), e outra a nível molar (a partir
da teoria do MCP, no objecto da sua componente sequencial).
Resultados
Análise dos processos narrativos a nível molecular
Na Figura_2 ilustram-se, com exemplos do discurso da paciente, os processos
narrativos moleculares considerados.
Da análise descritiva dos processos identificados nas sessões visualizadas,
surgiram algumas diferenças que vale a pena referir.
As médias e os desvios-padrão dos processos narrativos para a amostra total,
sugerem que a paciente utiliza, preferencialmente, os processos narrativos de
elaboração (M=6.89, DP=1.05), exploração (M=6.56, DP=1.42), consciencialização
(M=6.33, DP=1.00), ediferenciação(M=6.22, DP=1.72).
Tabela_1
A análise das amostras segundo as 3 fases consideradas denota, no entanto, que
há alguns processos que apresentam valores elevados especialmente numa ou duas
delas, em comparação com os restantes processos narrativos na mesma fase: na
fase predominante 2 destaca-se o processo especificação/concretização(M=5.33,
DP=.58), na fase predominante 3 salienta-se o processo narrativo
estabelecimento de relações (M=5.33, DP=2.08), e na fase predominante 4 elevam-
se os processos estabelecimento de relações (M=6.33, DP=1.53) e generalização/
abstracção (M=6.33, DP=1.15). Testes t-student de comparação de médias não
indicaram, contudo, que as diferenças entre as fases consideradas fossem
significativas.
De forma a tornar a contabilização de cada processo narrativo em cada sessão
menos inferencial, a cada excerto recolhido do discurso da paciente foram
atribuídos os processos narrativos representados e estabelecida a percentagem
de cada processo no total dos processos por fase predominante. A Figura_3 dá
conta das diferenças nas percentagens dos diversos processos narrativos entre
as diversas fases.
Nesta figura, já se denotam elevações não encontradas nos resultados obtidos em
função da análise do protocolo de cotação, nomeadamente, a maior elevação do
processo diferenciação na fase predominante 2, mais descriçãonas fases
predominantes 2 e 3 e menos na fase predominante 4, um ligeiro destaque do
processo atribuição de significado e um grande destaque do processo
contextualização na fase predominante 3, e a saliência dos processos afirmação
e responsabilização na fase predominante 4.
Análise dos processos narrativos a nível molar
Os excertos narrativos da paciente foram alocados aos objectivos estratégicos
que representam e a Figura_4 ilustra, com exemplos do discurso da paciente, os
objectivos estratégicos das três fases consideradas.
A distribuição dos excertos pelas três fases do MCP permitiu clarificar os
processos narrativos dentro de cada fase e entre fases predominantes. Não
havendo homogeneidade na quantidade de excertos recolhidos nas 9 sessões, e de
forma a efectuarmos uma comparação mais realista entre as fases predominantes,
estabelecemos a percentagem de excertos representativos de cada fase em função
do total dos excertos recolhidos em cada sessão. A Figura_5 dá conta das
diferenças a nível de processos narrativos dentro de cada fase predominante e
entre fases.
A distribuição sugere que, para cada conjunto de três sessões (correspondentes
às fases predominantes), há narrativas mais representativas de uma ou duas
fases: no primeiro conjunto as narrativas são especialmente representativas das
fases dois e três, no segundo conjunto as narrativas são mais representativas
das fases dois e três, com a fase três cada vez mais sólida, e no terceiro
conjunto as narrativas são mais representativas da fase quatro. Paralelamente,
exceptuando para as sessões da fase predominante 2 (já em transição para a fase
três), a distribuição sugere que quando há trabalho predominante de uma fase, a
fase precedente ainda está bastante activa e a fase posterior ainda é
praticamente inexistente. As sessões de fase predominante 4 sugerem, ainda, que
se a fase imediatamente precedente ainda está bastante activa, a fase anterior
a esta última já está bastante desvanecida.
Discussão dos resultados
Processos narrativos a nível molecular
A coincidência das elevações, na amostra total e nas três fases predominantes,
dos processos elaboração, exploração , consciencialização e diferenciação, não
permite retirar ilações quanto aos movimentos destes processos entre as fases.
Ao nível da análise do discurso da paciente notou-se maior elevação do processo
diferenciação na fase predominante 2, de acordo com o esperado à luz do modelo,
mas a diferença de elevação com as fases seguintes é, contudo, reduzida. Esta
transversalidade (nos quatro processos) pode dever-se a: 1) os processos serem
característicos do estilo de funcionamento da paciente e não resultado do
trabalho terapêutico; 2) os processos terem sido conquistados na fase 2 (ou
mesmo na fase 1) e mantidos nas fases posteriores; 3) os processos serem, de
facto, transversais às diferentes fases e/ou a diferentes pacientes; ou 4) os
processos estarem pouco discriminados e, consequentemente, encaixarem nas
diferentes fases, embora materializando-se de formas diferentes. Apesar da
transversalidade destes processos, eles podem ter funções diferentes em cada
fase predominante, como a análise dos processos a nível molar sugere (referir-
nos-emos a esta mais à frente).
Quanto aos processos que permitiram fazer diferenciações, o destaque do
processo especificação/concretização na fase predominante 2 é congruente com os
objectivos estratégicos da fase, relacionados com a ampliação da consciência da
experiência e do self, apelando à necessidade de concretizar/analisar a
realidade subjectiva de cada um. Para além disso, é nesta fase que se começa a
procurar mais activamente o acesso e a partilha de acontecimentos
autobiográficos concretos, em vez de acontecimentos episódicos gerais ou
inespecíficos, acreditando que é no concreto e específico que está a
experiência, o impacto do meio, e a interpretação que a pessoa faz de ambos
(Greenberg et al., 1993). A não elevação deste processo na fase predominante 3
é também congruente com os objectivos estratégicos desta fase, que se prendem
com a elevação no nível de abstracção para perceber a ligação entre vários
elementos. Por outro lado, a elevação deste processo na fase predominante 4,
sugerida pela análise dos excertos do discurso da paciente, não deixa de ser
coerente, uma vez que o detalhe, o pormenor, a subtileza das escolhas ou
possibilidades trabalhadas nesta fase pode fazer elevar esse processo.
Por outro lado, o relevo do processo de estabelecimento de relações na fase
predominante 3 é também congruente com os objectivos estratégicos da fase,
relacionados com a construção de novos significados relativos à experiência e
ao self. Facilmente se reconhece que a atribuição de significado implica
estabelecimento de relações. Contudo, comparações entre fases revelam que este
processo não é particular a esta fase, elevando-se, também, na fase
predominante 4.
Nesta última fase considerada, destacam-se os processos estabelecimentode
relaçõesegeneralização/abstracção. A análise dos objectivosestratégicos da fase
quatro revela que a compreensão, por parte do paciente, do seu papel nos seus
problemas, ou nas soluções para estes, implica estabelecimento de relações, e o
reconhecimento da sua responsabilidade e o compromisso por respeitar as suas
necessidades, implicam abstracção. Por outro lado, lembrando que o
estabelecimento de relações se eleva também na fase predominante 3, esta
elevação pode, adicionalmente, reflectir a consolidação das conquistas de fase
três.
Conceptualmente alocados à fase predominante 4 estão os processos
afirmaçãoeresponsabilização, com valores baixos ao nível dos resultadosda
cotação do protocolo. Lembrando, contudo, que a paciente ainda se encontra em
fase predominante 4, não tendo capacidade robusta nesta fase,
os resultados podem reflectir que as conquistas terapêuticas da fase quatro
ainda não estão asseguradas. Por outro lado, os dados decorrentes da análise
dos excertos do discurso da paciente revelaram resultados animadores
relativamente aos processos afirmação e responsabilização nesta fase, tendo,
estes, elevado bastante em comparação com as fases predominantes anteriores. A
análise mais cuidada dos excertos das sessões poderá ter revelado capacidades
mais subtis, que a cotação inferencial, imediatamente após as sessões, deixou
escapar.
Relativamente ao processo descrição, a transversalidade sugerida pelos
resultados da análise do protocolo faz sentido à luz da visão do processo
terapêutico como um espaço de revelação/partilha. A sugestão, a partir da
análise do discurso da paciente, de diminuição gradual deste processo ao longo
das três fases predominantes, pode estar relacionada, não com a sua extinção
gradual, mas com a perda de primazia, comedindo-se aos bastidores de processos
mais reflexivos.
Também ao nível da análise dos excertos narrativos, o destaque acentuado do
processo contextualização na fase predominante 3 está de acordo com o sugerido
pelo modelo, uma vez que a construção de novos significados relativos à
experiência e ao Self implica perceber as ligações contextuais que acompanham
os problemas em foco; e por último, o ligeiro destaque do processo atribuição
de significado na fase predominante 3 está claramente de acordo com o modelo,
como o próprio nome da fase indica.
Processos narrativos a nível molar
A distribuição dos excertos narrativos da paciente pelas três fases do meta-
modelo consideradas dá conta de movimentação entre sessões, no sentido de,
progressivamente, a paciente reconstruir as suas narrativas na sequência
proposta pelo modelo, pelo menos entre as fases dois e quatro. Esta progressão
sequencial das narrativas vai, também, ao encontro do paradigma organísmico-
desenvolvimentista, referido por Achenbach (1986), que defende que o
desenvolvimento humano é sequencial, em que níveis mais avançados estão
dependentes da emergência de níveis menos avançados, e consolida a componente
sequencial do MCP.
Apesar da movimentação verificada, as fases predominantes 2 e 3 contêm muitas
narrativas uma da outra. Estudos anteriores têm mostrado que o trabalho
efectuado nunca é puramente de uma fase mas que há frequentes sobreposições,
particularmente entre fases adjacentes, como é o caso. Ressalva-se que quanto
mais sobreposição entre fases adjacentes maior a probabilidade de estarmos
perante uma fase de transição, pelo que podemos ter vindo, curiosamente,
encontrar um conjunto de sessões que, consideradas sessões de transição,
poderão ser alvo de investigações muito interessantes para estudar os processos
de transição de fase (Piaget, 1977; Raijmakers & Molenaar, 2004).
A revelação que, em termos narrativos, para este caso e nestas três fases
predominantes, a fase anterior à fase predominante ainda está muito activa mas
a fase anterior a esta última já está muito desvanecida, faz pensar no conceito
gestalt figura-fundo, em que os ganhos de fases precedentes se vão tornando
cada vez mais fundo, permitindo que os ganhos da fase predominante se tornem
cada vez mais figura. No mesmo sentido, a análise qualitativa dos excertos
permitiu perceber que se, por um lado, o foco avança naturalmente ao longo das
fases, a análise mais cuidada dos excertos das sessões em fase predominante 4
revela que os processos de ampliação de consciência (fase dois) estão lá, só
que muito mais ao serviço do reconhecimento das próprias necessidades e
responsabilidade.
Conclusão
No geral, os resultados do estudo apontam para diferenciação dos processos
narrativos ao longo do processo terapêutico. A análise dos processos
moleculares não permitiu, contudo, retirar um padrão. Com o intuito de promover
uma organização/estrutura para o processamento narrativo ao longo da terapia,
recorremos à teoria da componente sequencial de fases do MCP para formular
novas categorias, também elas ancoradas em processos mais do que em conteúdos,
que representam as fases predominantes contempladas nas sessões em estudo, a
fase dois, a três e a quatro respectivamente. Tratando-se de categorias mais
molares, já permitiram inferir um padrão mais claro de movimento narrativo,
funcionando como uma heurística interpretativa da diferenciação e movimentação
narrativa ao longo do processo terapêutico. Para além disso, este dado
constitui evidência longitudinal, na voz de uma (primeira) paciente, que
corrobora a sequência proposta pela componente sequencial do meta-modelo,
complementando os dados quantitativos transversais recolhidos em estudos
anteriores.
Adicionalmente, o estudo veio evidenciar a pertinência de articular o MCP com
modelos como o de Processo Narrativo (Angus et al., 1999) e de Assimilação
(Stiles et al., 1990, 1991). Por um lado, o MCP complementa o modelo de Angus
et al. (1999), na medida em que especifica capacidades narrativas sequenciais
ao longo do processo terapêutico que o Modelo de Processo Narrativo não
discrimina; e por outro complementa o Modelo de Assimilação (Stiles et al.,
1990, 1991), na medida em que considera processos mais molares, menos momento-
a-momento (fases e objectivos estratégicos) que permite maior articulação com
as macro-narrativas dos pacientes. A introdução de uma reflexão ao nível dos
objectivos estratégicos mais gerais, a um nível fase-a-fase, em complemento à
ponderação do trabalho clínico a realizar momento-a-momento, pode ser muito
produtiva ao nível da prática clínica, contexto em que é essencial não nos
perdermos em aspectos muito particulares, negligenciando o panorama mais
abrangente, nem focarmo-nos exclusivamente nas circunstâncias gerais,
descurando as suas particularidades.
Adicionalmente, o MCP é bastante abrangente e integrativo, contemplando
processos emocionais, cognitivos, interpessoais, motivacionais, comportamentais
e organísmicos, baseados em factores comuns, de que dá conta nos objectivos
estratégicos das fases. Esta abrangência é de extrema importância para a
construção de narrativas mais coerentes e que permitam a regulação da
satisfação de necessidades psicológicas, pois apesar da coerência narrativa ser
um grande objectivo terapêutico, procurá-la apenas com métodos narrativos pode
ser insuficiente.
O MCP mostrou, ainda, ser promissor no estudo da mudança narrativa em
psicoterapia.
Apesar das potencialidades apontadas, várias limitações surgiram no caminho,
algumas para cuja minimização o próprio estudo veio dar o seu contributo,
outras que é importante que estudos posteriores venham colmatar.
O enfoque nos processos narrativos, dentre a vastidão de processos e
comportamentos que influenciam e demonstram a capacidade dos indivíduos, não
permite análises tão holísticas como desejado da mudança nos pacientes, embora
o presente estudo pretenda ser já um pequeno passo possibilitador de maiores
investimentos futuros.
A selecção e definição dos processos considerados no estudo foi, também, pouco
sustentada na literatura e investigação na área, pelo que beneficiariam de
pesquisas mais cuidadas. A falta de material audiovisual que contemple as sete
fases do modelo e a dificuldade de garantir sessões absolutamente
representativas de uma única fase constituiu uma outra limitação.
O recurso ao próprio terapeuta como um segundo avaliador, apesar de várias
vantagens, traz também limitações ao nível da falta de neutralidade.
A recolha de excertos, em vez da transcrição das sessões, limitou, também, as
possibilidades de análise e comparação dos dados, uma vez que as narrativas
mais salientes não são, necessariamente, as mais frequentes.
O presente estudo veio mostrar, contudo, o potencial do MCP como uma ferramenta
de análise e de conceptualização da evolução dos pacientes (e das suas
necessidades) através das próprias narrativas, bem como um auxiliar da tomada
de decisão clínica.
O investimento na análise longitudinal de um estudo de caso, foi uma grande
aposta do estudo, com implicações produtivas em diversas áreas. Na prática
clínica tem implicações ao nível da avaliação das capacidades e
vulnerabilidades do paciente, e do favorecimento da tomada de decisão clínica
quanto ao avanço, manutenção e recuo na prossecução dos objectivos
estratégicos. Na formação/treino e supervisão à luz do modelo, favorece a
disponibilização de exemplos mais precisos e ao nível concreto do discurso dos
pacientes do que promover ou atender neles em termos narrativos. Ao nível da
teoria psicológica e psicoterapêutica, traz a nova corroboração da
sequencialidade do modelo e especificação dos objectivos estratégicos ao longo
do processo terapêutico em termos narrativos. Por último, favorece a
investigação, abrindo portas para a integração de conhecimentos e novas vias de
investigação, no sentido do aprofundamento do tema.
A este nível da investigação, parece-nos pertinente analisar outros casos
clínicos e em mais fases da componente sequencial do meta-modelo, averiguando a
replicação dos resultados no sentido de permitir generalizações, e continuar a
reflectir sobre supra e sub-categorias de processos narrativos, independentes
das fases do meta-modelo, de forma a aprimorar os próprios objectivos
estratégicos das fases e contribuir para conceptualizações teóricas do
desenvolvimento narrativo do adulto no processo terapêutico.