Utilização de serviços de saúde relacionados com a infecção VIH por parte de
homens gays: acesso a informação, prevenção e teste
Introdução
Desde o início da epidemia nos anos 80, os homens homossexuais, bissexuais e
outros homens com identidades e orientações sexuais diversas que têm relações
sexuais com homens, designados desde 1994 pelo termo mais abrangente de homens
que têm sexo com homens (HSH) (Young & Meyer, 2005), têm sido
desproporcionalmente afectados pelo VIH (WHO, 2011). A infecção pelo VIH entre
os homens que têm sexo com homens permanece num elevado número de países, como
os da Europa Ocidental, EUA e Austrália, da América Central e do Sul e do
Sudoeste Asiático, verificando‑se nos últimos anos um aumento da prevalência
nestas populações (Likatavicius et al., 2008; UNAIDS, 2010a; van de Laar, 2009;
van Griensvena et al., 2009). Mesmo em regiões e países em que a infecção é do
tipo generalizado (a prevalência na população geral com idade entre os 15 e 49
anos é superior a 1%), os homens que têm sexo com homens tendem a ser mais
afectados pelo VIH do que a população geral (Baral et al., 2007).
Dados internacionais estimam que, dos casos de VIH reportados em 2009 nos
países da Região Europeia da OMS, cerca de 18% referem‑se a transmissão
homossexual masculina, e que o número de casos diagnosticados nesta população
aumentou em 27% entre 2004 e 2009, taxa que é superior à do aumento da infecção
por via heterossexual ou relacionada com a utilização de drogas injectáveis
(ECDC/WHO, 2010).
Os dados relativos à infecção pelo VIH/sida em Portugal indicam que, em 2009,
este era um dos países da União Europeia com maior incidência de infecção (9.9
diagnósticos por 100.000 pessoas) e maior prevalência do VIH (0.6% entre os
indivíduos do grupo etário dos 15‑49 anos) (ECDC/WHO, 2010; UNAIDS, 2010a). As
principais vias de transmissão estão associadas à transmissão sexual
(heterossexual e homossexual masculina) e à utilização de drogas injectáveis
(Coordenação Nacional para a Infecção VIH/sida, 2007; INSA, 2011). A epidemia
do VIH/sida em Portugal é do tipo concentrado, observando‑se prevalências
superiores a 5% em alguns grupos específicos como os utilizadores de drogas
injectáveis e os reclusos (Coordenação Nacional para a Infecção VIH/sida,
2007). A informação sobre a infecção VIH nos homens que têm sexo com homens é
escassa. No entanto, dados recentes estimam que Portugal é o terceiro país
europeu com maior número de novos casos diagnosticados atribuídos a transmissão
sexual entre homens, a seguir à Inglaterra e à Holanda e a par da Bélgica
(ECDC/WHO, 2010), e que esta via de transmissão representa cerca de 21% do
total de novos casos diagnosticados em 2010 (INSA, 2011).
Neste contexto, os homens que têm sexo com homens têm vindo a ser considerados
particularmente vulneráveis à infecção pelo VIH, constituindo‑se como um dos
alvos prioritários de intervenção no âmbito do Programa Nacional de Prevenção e
Controlo da Infecção VIH/sida 2007‑2010 (Coordenação Nacional para a Infecção
VIH/sida, 2007).
Diversos factores têm sido associados a uma maior vulnerabilidade dos homens
que têm sexo com homens à infecção pelo VIH (AMFAR, 2006). À partida existe uma
vulnerabilidade biológica na medida em que o sexo anal (homossexual ou
heterossexual) desprotegido implica maior risco de transmissão do que o sexo
vaginal (UNAIDS, 2009a).
A nível comportamental, estudos indicam que persistem práticas sexuais
desprotegidas (Chen et al., 2002; Koblin et al., 2006) que envolvem um elevado
risco de transmissão de VIH devido à elevada concentração epidemiológica
(AMFAR, 2008).
Adicionalmente, factores sociais e estruturais, como a discriminação, a
marginalização e a homofobia, presentes em maior ou menor medida na
generalidade dos países, e muitas vezes manifestados pela existência de leis
que criminalizam comportamentos homossexuais (ainda existentes em 76 países)
(Ottosson, 2010), têm sido associados a um maior risco de infecção pelo VIH
(Mayer et al., 2008; Valdisserri, 2002). Num contexto social de discriminação
com base na orientação sexual, pessoas com identidades sexuais ou de género
estigmatizadas tendem a apresentar elevadas prevalências de experiências de
violência, de distúrbios de ansiedade e depressão, e de consumo de substâncias
psicoactivas como estratégia de coping (Koblin et al., 2006; Mayer et al.,
2008; Meyer, 2003; Reisner et al., 2009; Stall et al., 2003, Wolitski &
Fenton, 2011). Nestas situações, os indivíduos podem ter limitada capacidade e
motivação para adoptar medidas protectoras da infecção, como o uso consistente
do preservativo (Hatzenbuehler et al., 2011).
Por outro lado, o estigma e a discriminação dificultam o acesso à informação
específica em saúde, à prevenção (por exemplo, à obtenção de preservativos ou
gel lubrificante), ao tratamento e aos cuidados de saúde (WHO, 2009).
Efectivamente, estudos indicam que as populações LGBT, como os homens
homossexuais e bissexuais, tendem a nem sempre utilizar os serviços disponíveis
como consequência de experiências negativas vivenciadas nos serviços de saúde,
associadas a estigmatização e dupla discriminação, quer com base na orientação
sexual, quer associada ao VIH/sida, e por não se sentirem confortáveis para
revelar a sua orientação sexual aos profissionais de saúde (Eliason &
Schope, 2001; Mimiaga et al., 2009; Schuster et al., 2005; Stein & Bonuck,
2001).
De forma global, a utilização dos serviços de saúde é reconhecida como uma
importante condição para a obtenção de ganhos em saúde (WHO, 2007). No que diz
respeito ao VIH/sida, o acesso à informação, rastreio e cuidados de saúde é
fundamental para garantir o acesso atempado a tratamentos que permitam o
controlo de uma doença mortal e reduzir o número de novas transmissões (Heymer
& Wilson, 2011; UNAIDS, 2010a; WHO, 2011). De forma a desenvolver e
implementar intervenções adequadas torna‑se necessário delinear estratégias de
acção adaptadas à diversidade sexual, às especificidades e às necessidades em
saúde desta população. Neste sentido é crucial alargar o conhecimento sobre a
procura de cuidados de saúde e a utilização dos serviços por parte dos homens
gays em Portugal, e em especial no contexto do VIH/sida. Apesar da escassa
investigação em Portugal na área do VIH/sida com estas populações, um maior
conhecimento desta temática pode contribuir para a definição de estratégias de
intervenção no quadro da promoção da utilização dos serviços de saúde, que
visem reduzir a vulnerabilidade destes grupos (Bakker et al., 2006; Dowshen et
al., 2009).
O presente estudo tem como objectivo descrever a utilização de serviços de
saúde para informação, prevenção e teste do VIH por parte de homens gays em
Portugal, bem como identificar factores associados ao ter efectuado o teste VIH
em diferentes serviços. Desta forma pretende‑se que o conhecimento adquirido
possa contribuir para o desenvolvimento de estratégias e políticas de prevenção
adequadas às necessidades específicas das populações.
Métodos
No âmbito de um projecto para caracterizar os conhecimentos, atitudes e
práticas relacionadas com o VIH/sida em homens que têm sexo com homens foi
aplicado um inquérito por questionário a homens que reportaram já ter tido
relações sexuais com outros homens independentemente de como se identificavam
quanto à sua orientação sexual. O presente artigo incide nos dados referentes
aos participantes que reportaram ser homossexuais ou bissexuais na resposta à
pergunta Como descreve a sua orientação sexual?, tendo sido excluídos os
participantes que indicaram ser heterossexuais.
Participantes
Um total de 1046 homens homossexuais e bissexuais responderam ao questionário.
A recolha de dados decorreu entre Dezembro de 2009 e Agosto de 2010 em locais
de socialização, associações LGBT e eventos gay de várias regiões do país
(Grande Porto, Grande Lisboa, Centro e Sul do país).
O estudo foi desenvolvido com base numa abordagem participativa, tendo sido
estabelecidas parcerias com associações e organizações da sociedade civil que
trabalham com as populações LGBT, bem como com elementos da população
homossexual masculina e outros homens que têm sexo com homens, no sentido de
envolver os diversos membros da comunidade nas diferentes etapas do projecto.
Mais especificamente, os vários parceiros participaram activamente na concepção
e delineamento do projecto, na elaboração dos instrumentos de recolha de dados,
no recrutamento e treino de inquiridores, na organização e execução do trabalho
de terreno e na interpretação e divulgação dos resultados. Em termos
operacionais, de forma a envolver os parceiros no planeamento e implementação
das várias actividades foi constituído um Conselho Consultivo da Sociedade
Civil e das Comunidades HSH, composto por colectivos LGBT e líderes/activistas.
Neste estudo utilizou‑se o método de amostragem por bola de neve. Numa
primeira fase recorreu‑se aos contactos disponibilizados da rede social das
organizações comunitárias parceiras para identificar potenciais participantes,
atendendo aos critérios de inclusão no estudo: ter idade igual ou superior a 18
anos e reportar ter tido pelo menos uma relação sexual com outro homem nos
últimos 12 meses. Aos participantes que responderam ao questionário foi‑lhes
proposto convidar outros homens das suas redes sociais virtuais e não virtuais
para participarem no estudo que, por sua vez, recrutaram outros homens, num
processo semelhante a uma bola de neve (Wasserman et al., 2005). Este método de
amostragem, apesar de não aleatório, tem sido reconhecido como eficaz no estudo
de populações de difícil acesso, como as populações LGBT (Faugier &
Sargeant, 1997; Morrison, 1988). A utilização desta técnica permite que se
obtenha um grupo de participantes suficientemente numeroso e diversificado num
período de tempo reduzido. Outra vantagem desta técnica é a confiança que se
estabelece entre os potenciais participantes, o que pode aumentar a adesão dos
indivíduos do grupo à participação no estudo (Sadler et al., 2010).
Instrumento
O instrumento de recolha de dados foi construído em colaboração com os
parceiros do estudo, com base nos indicadores desenvolvidos pela Sessão
Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre VIH/sida (UNGASS),
Organização Mundial de Saúde (OMS) e Centro Europeu para a Prevenção e Controlo
das Doenças (ECDC). Estes indicadores, alguns dos quais específicos para
determinadas populações como os homens gays e outros homens que têm sexo com
homens, foram desenvolvidos de forma a criar dados comparáveis a nível
internacional (UNAIDS, 2009b). O questionário desenvolvido para este estudo
incluiu questões de resposta fechada sobre características sociodemográficas
(especificamente idade, habilitações literárias, rendimento mensal do agregado
familiar, nacionalidade e situação administrativa), orientação sexual,
conhecimentos e atitudes face ao VIH, práticas sexuais, consumo de substâncias
psicoactivas, teste do VIH e acesso e utilização de serviços de saúde. Neste
artigo são apresentados os resultados sobre a utilização dos serviços de saúde
para informação, prevenção e teste do VIH.
Procedimentos
Os questionários foram aplicados por entrevista individual por inquiridores
treinados. Neste sentido, numa fase inicial, as organizações parceiras no
projecto indicaram indivíduos, geralmente pares do grupo em estudo, a fim de
desempenharem a função de inquiridor. Posteriormente, os indivíduos
seleccionados receberam formação específica sobre técnicas gerais de aplicação
e preenchimento do questionário e sobre o procedimento de recolha de dados. A
opção pela aplicação do questionário por inquiridores visou garantir a
uniformidade de procedimentos do processo de recolha de dados, assegurar uma
maior qualidade da informação recolhida e permitir incluir participantes com
potenciais dificuldades ao nível da compreensão escrita.
O consentimento informado oral dos participantes foi obtido e, de forma a
manter o seu anonimato, foi assinado pelos inquiridores, atestando a
autorização e a confidencialidade da participação no estudo (Ordem dos
Psicólogos Portugueses, 2011).
Análise de dados
Os questionários preenchidos foram submetidos a um processo de leitura óptica.
Posteriormente, os dados foram inseridos numa base de dados do programa
estatístico IBM SPSS 19. Para a análise dos dados utilizou‑se o teste
Qui‑quadrado de Pearson (com um nível de significância de .05), de forma a
analisar a associação entre características sociodemográficas e o ter realizado
o teste do VIH no SNS, num serviço de saúde privado e numa ONG.
Resultados
Caracterização sociodemográfica
Do total de participantes, 42.9% tem idade entre 21 e 30 anos e 30.8% entre 31
e 40 anos (Tabela_1). Os níveis de escolaridade mais frequentes são o ensino
superior (licenciatura, pós‑licenciatura, mestrado ou doutoramento) (39.6% dos
inquiridos) e o ensino secundário (39.3%). A maior parte dos participantes
declara que o rendimento mensal do agregado familiar é de entre 501 e 2000
(1001‑2000: 37.8%; 501‑1000: 33.3%). A grande maioria dos inquiridos tem
nacionalidade portuguesa (90.3%). Dos participantes com nacionalidade
estrangeira (9.7%), a maior parte encontra‑se em situação regular em Portugal
(87.5%).
Utilização dos serviços saúde para informação e prevenção do VIH
Do total de participantes, 55.7% (n=574) declara ter recorrido ao Serviço
Nacional de Saúde (SNS) há menos de 6 meses, 25.1% (n=258) recorreu há mais de
6 meses e menos de um ano e 19% (n=195) há mais de um ano (dados não
apresentados em tabela). Cerca de 38% dos participantes considera o atendimento
no SNS como aceitável, 37.5% como bom, 12.3% como muito bom e 12.2% como mau
(dados não apresentados em tabela).
Aproximadamente 32% dos participantes reporta nunca ter recorrido a um serviço
para obter informação sobre VIH/sida. Dos que reportam já ter recorrido, cerca
de 27% recorreu a Centros de Aconselhamento e Detecção (CAD), 17.6% a um
hospital público e 16.7% a um centro de saúde para obter esse tipo de
informação (Tabela_2).
A principal fonte a que os participantes recorrem para obter informação sobre
VIH/sida é a Internet (52%), seguido dos médicos e profissionais de saúde
(20.5%), e da comunicação social (11.2%) (Tabela_2). Apenas 2.3% dos inquiridos
refere nunca ter tentado obter informação sobre VIH/sida e 1.2% considera não
necessitar desse tipo de informação.
Mais de metade dos participantes (61.4%, n=626) afirma não ter sido abrangido
por nenhuma campanha de prevenção do VIH/sida nos últimos 12 meses (Tabela_2).
Cerca de 83% (n=862) dos inquiridos refere ter recebido gratuitamente
preservativos no mesmo período (Tabela_2).
Na eventualidade de poderem estar infectados, os inquiridos referem que
recorreriam principalmente ao CAD (44.7%), a um hospital público (36.3%) e ao
centro de saúde (28.1%) (Tabela_3). Apenas 3.1% dos inquiridos reporta não
saber o que fazer nessa situação. No caso dos inquiridos que já suspeitaram
estar infectados, 27.2% refere que recorreu ao CAD, 16.6% recorreu ao hospital
público e 13.3% ao centro de saúde.
Teste do VIH
Do total de participantes, 95.7% (n=999) sabe que o teste do VIH pode ser
efectuado de forma gratuita e confidencial (Tabela_4). A maioria (88%) afirma
ter realizado o teste VIH pelo menos uma vez na vida e 69.9% nos últimos 12
meses. Aproximadamente 74% dos participantes reportou já ter efectuado o teste
no SNS, 22.5% numa clínica, laboratório ou hospital privado e 6.5% numa
organização não‑governamental (ONG) ou unidade móvel.
Na Tabela_5 apresentam‑se os resultados relativos à realização do teste VIH
pelo menos uma vez na vida nos diferentes locais de acordo com as
características sociodemográficas dos inquiridos.
Os participantes que realizaram o teste VIH no SNS reportam mais frequentemente
ter escolaridade equivalente ou inferior ao ensino secundário (χ2 = 25.609, gl
= 3, p < .001), e um rendimento mensal inferior a 1000 (χ2 = 13.254, gl = 3,
p= .004), em comparação com os que não efectuaram o teste no SNS.
Entre os inquiridos que efectuaram o teste em serviços privados (clínica,
laboratório ou hospital privado), uma maior proporção tem mais de 31 anos (χ2 =
13.091, gl = 4, p= .011), tem escolaridade de nível superior (χ2 = 33.093, gl =
3, p < .001) e declara ter um rendimento mensal superior a 1000 (χ2 = 23.938,
gl = 3, p < .001), comparativamente aos participantes que reportam nunca ter
realizado o teste VIH num serviço de saúde privado.
Dos participantes que realizaram o teste VIH numa ONG ou unidade móvel, uma
maior proporção tem menos de 31 anos e mais de 51 anos de idade (χ2 = 9.512, gl
= 4, p= .050), tem escolaridade igual ou inferior ao 3º ciclo (χ2 = 19.596, gl
= 3, p< .001) e tem nacionalidade estrangeira (χ2 = 5.315, gl = 1, p= .021),
quando comparado com os participantes que reportam nunca ter feito o teste VIH
numa ONG.
Discussão
Neste estudo pretendeu‑se descrever a utilização de serviços de saúde para
informação, prevenção e teste do VIH por parte de homens gays em Portugal. Dada
a limitada informação existente sobre a temática em Portugal, este estudo pode
contribuir para um conhecimento que será pertinente para o desenvolvimento de
estratégias que possam tornar os serviços de saúde mais adequados às
necessidades das diversas populações e eficazes em termos de prevenção do VIH/
sida.
No que respeita à procura de informação sobre VIH/sida, a maior parte dos
participantes já recorreu a serviços de saúde, nomeadamente ao CAD, ao hospital
público ou ao centro de saúde. Não obstante, dado que cerca de um terço dos
participantes reportou nunca ter procurado obter informação sobre VIH/sida em
qualquer tipo de serviço, apesar de poder dever‑se a diferentes razões,
pode‑se especular sobre a existência de potenciais dificuldades no acesso aos
serviços de saúde por uma parte desta população. No presente estudo não se
obteve informação que permitisse averiguar a adequação da informação veiculada
pelos serviços gerais às necessidades específicas de pessoas com práticas
sexuais minoritárias. Também não foram exploradas as questões sobre as
barreiras no acesso e utilização dos serviços de saúde, pelo que futuras
investigações nestas áreas seriam pertinentes. No entanto, várias investigações
apontam no sentido de que grupos LGBT experienciam muitas vezes dificuldades em
recorrer aos serviços associadas a estigma e discriminação (Clark et al., 2001;
Melendez & Pinto, 2009; Schuster et al., 2005). Neste contexto, os
indivíduos podem optar por utilizar outros meios de informação alternativos
para obtenção de informação sobre VIH/sida, o que de facto é sugerido pelos
dados do presente estudo, que indicam que para mais de metade da população
inquirida a internet é a principal fonte de informação sobre VIH/sida a que
recorrem. Além da redução de potenciais barreiras no acesso aos serviços de
saúde e da promoção da sua utilização, pode ser pertinente desenvolver
programas de informação sobre VIH/sida com recurso aos meios de comunicação
virtual.
A grande maioria dos inquiridos afirmou que recebeu preservativos gratuitos no
último ano. Estes resultados são interessantes pois podem indicar que os
esforços até agora desenvolvidos para a distribuição generalizada dos
preservativos e a promoção do seu uso têm sido positivos. As iniciativas e
acções de prevenção devem alcançar um número elevado de indivíduos dos vários
grupos a que se destinam. O facto de uma minoria dos participantes referir ter
sido abrangida por campanhas de prevenção leva a reflectir sobre a percepção
dos indivíduos face ao conceito de campanha de prevenção e a questionar se uma
campanha ou instrumento de prevenção deve ser entendido como tal pela
população‑alvo, ou simplesmente ser funcional e eficiente. Este aspecto
torna‑se essencial na monitorização e avaliação de campanhas, processos que
são fundamentais para a adequação e eficácia dos esforços desenvolvidos para
promover o acesso aos serviços de prevenção.
Mais de dois terços dos participantes reportaram já ter efectuado o teste do
VIH. Este é um resultado positivo na medida em que, como vários estudos
demonstram, o conhecimento do estatuto serológico positivo para o VIH pode
resultar numa diminuição significativa de comportamentos sexuais de risco
(Marks et al., 2005; Schwarcz et al., 2006). Os dados da UNAIDS, de 2010,
referentes a Portugal estimam que 17.5% da população nacional com idade entre
15 e 49 anos realizou o teste do VIH no último ano. Apesar de as idades não
serem concordantes e não se poder fazer uma comparação linear, verifica‑se que
a proporção de realização do teste reportada pelos homens gays no presente
estudo é muito superior (UNAIDS, 2010b). A taxa de realização do teste na
população inquirida pode significar que esta está consciencializada para
questões relacionadas com a infecção pelo VIH. Efectivamente, neste estudo os
participantes revelaram um elevado nível de conhecimento sobre o facto de o
teste VIH poder ser efectuado de forma gratuita e confidencial. No entanto, num
estudo online europeu sobre homossexualidade, comportamento homossexual e
infecções sexualmente transmissíveis entre homens que têm sexo com homens, os
dados referentes a Portugal indicam que 45.9% dos participantes realizaram o
teste no último ano, proporção inferior à observada no presente estudo (EMIS,
2010). O método de amostragem utilizado pode em parte explicar esta
discrepância. O facto de neste estudo os participantes terem sido recrutados
com base nas redes sociais e contactos das organizações comunitárias parceiras
pode ter tido impacto na composição da amostra ao potencialmente reunir
indivíduos com maior acesso a informação e prevenção, o que pode ter produzido
vieses nos resultados obtidos, nomeadamente uma sobrestimação no que respeita à
realização do teste VIH.
De acordo com os resultados obtidos, um grupo de participantes (cerca de 12%)
reportou nunca ter feito o teste do VIH, o que reforça a necessidade de
desenvolver esforços contínuos para a consciencialização da importância de
realizar o teste e de conhecer o estatuto serológico, dado o papel determinante
do diagnóstico precoce no acesso atempado a tratamentos e no aumento de
comportamentos de prevenção da transmissão (Marks et al., 2006; Quinn et al.,
2000). Os dados apontam também no sentido de que é importante reconhecer que as
questões da prevenção da infecção pelo VIH são extremamente complexas e
influenciadas por uma multiplicidade de factores, o que torna pertinente o
desenvolvimento de estratégias integradas e abrangentes atendendo às
especificidades das diversas populações.
Os resultados sobre a escolha do local de realização do teste estar relacionada
com o nível socioeconómico deixa em aberto se a decisão se baseia na
comodidade, confidencialidade ou qualidade do atendimento, entre outros
factores. No entanto, estudos indicam que os serviços que atendem homens gays e
outros homens que têm sexo com homens em questões relacionadas com o VIH, de
uma forma geral, não valorizam a necessidade de disponibilizar informação
específica sobre práticas preventivas no contexto das relações sexuais entre
homens e sobre a frequência do rastreio (Johnson et al., 2009; Makadon et al.,
2006; Mimiaga et al., 2007; Mimiaga et al., 2009), estabelecida para diferentes
populações em orientações internacionalmente reconhecidas (CDC, 2010).
Os resultados revelam ainda que os participantes com nacionalidade estrangeira
mais frequentemente efectuaram o teste numa ONG, o que indica que as
associações e organizações na comunidade são fundamentais para aceder a grupos
minoritários, como as populações LGBT imigrantes e actuar ao nível da prevenção
e promoção da realização do teste nestes grupos.
Os dados apresentados devem ser analisados tendo em conta algumas limitações
inerentes ao estudo. No que respeita ao método de amostragem utilizado, o
processo de bola de neve leva a que a composição da amostra seja fortemente
influenciada pela escolha dos participantes iniciais. O recrutamento
não‑aleatório dos participantes através das suas redes sociais pode resultar
num enviesamento da amostra ao reunir inquiridos com características
sociodemográficas e comportamentais semelhantes. Efectivamente, a amostra deste
estudo caracteriza‑se, de forma geral, por ser jovem e ter elevados níveis de
escolaridade e rendimentos. Também o recrutamento dos participantes iniciais
com base na rede de contactos das organizações comunitárias pode ter
contribuído para um enviesamento na composição da amostra, como já referido num
ponto anterior da discussão. No entanto, este método de amostragem tem sido
reconhecido como eficaz no alcance de populações de difícil acesso (Faugier
& Sargeant, 1997; Morrison, 1988), o que é visível no elevado número de
homens gays que participaram neste estudo. Por outro lado, a recolha de dados
decorreu em diversas regiões do país no sentido de aceder a uma maior
diversidade de participantes. Outra limitação prende‑se com o facto de a
aplicação dos questionários ter sido realizada por inquiridores. Algumas
implicações podem advir da utilização desta técnica, nomeadamente relacionadas
com o facto de o questionário incidir sobre questões íntimas e sensíveis e de a
sua aplicação por um inquiridor poder ser factor de inibição e condicionamento
das respostas, em detrimento da resposta aos questionários por
autopreenchimento. O treino dos inquiridores, em que nomeadamente se instruiu
para não aplicarem questionários a pessoas que conhecessem pessoalmente, e os
procedimentos de recolha de dados definidos, como a garantia do anonimato dos
participantes e da confidencialidade da sua participação, contribuíram para
minimizar potenciais constrangimentos associados à utilização desta técnica. Em
contrapartida, a aplicação do questionário por inquiridores permitiu garantir a
uniformidade de procedimentos do processo de recolha de dados (por exemplo, ao
nível da leitura e interpretação das perguntas), maximizar o número de
perguntas respondidas (e evitar as não respostas) garantindo assim uma maior
qualidade da informação recolhida, e assegurar a inclusão de participantes com
menores competências de compreensão escrita (por exemplo, com baixa
escolaridade ou estrangeiros).
Apesar das limitações, este é um dos poucos estudos realizados em Portugal com
homens gays e com a inclusão de um elevado número de participantes. Este estudo
realça um conjunto de temáticas que deverão ser aprofundadas em futuras
investigações, como as questões relacionadas com a procura e utilização de
serviços de saúde no contexto do VIH/sida por parte das populações LGBT,
nomeadamente as percepções e experiências relativas aos serviços e
profissionais de saúde, as potenciais barreiras na sua utilização e a
frequência e motivos de realização do teste atendendo às diferenças
demográficas, socioeconómicas e culturais nesta população.
Os serviços de saúde desempenham um papel crucial ao nível da informação,
prevenção e promoção do teste VIH, em especial em grupos mais vulneráveis (WHO,
2009). Neste sentido é importante adequar a prestação de cuidados de saúde no
contexto da diversidade sexual bem como promover o acesso e a utilização dos
serviços por parte das populações LGBT, em especial os grupos em maior
desvantagem social e económica, trabalhando em proximidade com as comunidades e
conhecendo as suas necessidades de saúde específicas (Mimiaga et al., 2009).