Adaptação para uma população de estudantes universitários portugueses da escala
de auto-estima de estado de Heatherton e Polivy
A auto-estima é um conceito central para a Psicologia. Uma procura pela palavra
auto-estima no motor de busca da ISI Web of Knowledge revela um total de
aproximadamente cinquenta mil artigos publicados. Estes artigos abrangem um
grande leque de áreas em psicologia como por exemplo estudos de aculturação
(Berry & Sabatier, 2010), comportamento de risco (Backer-Fulghum, Patock-
Peckham, King, Roufa, & Hagen, 2012) ou métodos de acompanhamento
psicológico (Morton, Roach, Reid, & Stewart, 2012). De facto, a partir de
finais dos anos 70 registou-se um crescimento de trabalho científico a
investigar a forma como as pessoas se vêem a si mesmas. Foi com artigos como os
publicados por Kuiper e Rogers (1979) ou Markus (1977) que a auto-estima
começou a ser considerada como um constructo fundamental para o estudo da
personalidade (para um resumo ver, Swann & Seyle, 2005).
Esta evolução foi naturalmente acompanhada por avanços na forma de medir a
auto-estima. Apesar da existência de diversas escalas e métodos, hoje em dia
uma das medidas mais utilizadas é a escala de auto-estima geral de Rosenberg
(1979). Esta escala tem sido utilizada sistematicamente em mais de 45 mil
artigos segundo a ISI Web of Knowledge, abrangendo diversas áreas e tendo como
objectivo medir a auto-estima enquanto traço de personalidade. No entanto, uma
outra linha de investigação defende que o auto-conceito2 tem características
estáveis (e portanto medidas através da escala de Rosenberg) mas também outras
características maleáveis e adaptativas (Markus & Kunda, 1986) às quais as
escalas de auto-estima geral não são sensíveis. De certa forma, o auto-conceito
pode sofrer alterações momentâneas como por exemplo acontece quando um
indivíduo se compara com alguém extremamente bem-sucedido. Nestes casos é
possível sentir-se um certo contraste que inevitavelmente se traduz numa
redução da auto-estima (Tesser, 1988).
Foi com a ideia de medir estas flutuações na auto-estima que Heatherton e
Polivy (1991) desenvolveram uma medida de auto-estima de estado (SSES, State
Self-Esteem Scale). Esta medida tem sido bastante usada em psicologia
especificamente para situações em laboratório com o objectivo de estudar os
efeitos de diferentes condições experimentais na auto-estima (ver por exemplo,
Leary, Tambor, Terdal, & Downs, 1995; Melwani & Barsade, 2011; Twenge,
Baumeister, DeWall, Ciarocco, & Bartels, 2007). Na investigação em
português, diversos estudos têm medido a auto-estima usando adaptações da
escala de Rosenberg (por exemplo, Pedro & Peixoto, 2006; Santos & Maia,
2003) mas até ao momento não tem havido trabalhos a usar uma escala que seja
sensível à fluidez e flutuações do auto-conceito. Por até agora não existir uma
escala adaptada para português que capture estas características da auto-estima
e, também, por ser uma escala fundamental para estudos experimentais, o
presente artigo apresenta uma adaptação para uma população de estudantes
universitários portugueses da SSES de Heatherton e Polivy (1991).
A Auto-Estima de Estado
De acordo com Heatherton e Polivy (1991), a ideia de que a auto-estima está
sujeita a flutuações momentâneas vem desde as primeiras reflexões em
psicologia. James (1890), definiu a auto-estima como um conceito estável e
independente de resultados que possam contrariar o auto-conceito. No entanto,
este autor também reconhece que a auto-estima possa ser flexível e susceptível
a mudanças conforme os objectivos e as experiências vividas pelas pessoas.
Portanto, a auto-estima pode ser considerada como um traço de personalidade
estável mas que ao mesmo tempo é maleável de acordo com mudanças contextuais.
A ideia de que a auto-estima é maleável e sujeita a diferenças momentâneas é
suportada por uma série de estudos em psicologia. Por exemplo, Savin-Williams e
Demo (1983) demonstraram que a auto-estima flutua em torno de um auto-conceito
mais estável. Ou seja, a auto-estima é um conceito estável em torno do qual se
registam mudanças momentâneas impulsionadas por variáveis contextuais. Esta
ideia é suportada por diversos estudos mostrando que a forma como um indivíduo
se avalia a si mesmo pode mudar em função do contexto (Crocker & Major,
1989; Markus & Kunda, 1986; Rosenberg, 1986). De forma geral, apesar de não
se esperarem mudanças extremas na auto-estima, a literatura mostra que a auto-
estima pode ser momentaneamente alterada em relação ao seu estado habitual e
mais estável.
Foi com o intuito de formar uma escala que fosse sensível a pequenas flutuações
na auto-estima que Heatherton e Polivy desenvolveram a SSES. Para gerar os
itens da sua escala, os autores basearam-se na Janis and Field Scale (JFS;
Janis & Field, 1959). A JFS tem como objectivo medir a auto-estima de uma
forma multidimensional focando-se em específico nos componentes de auto-
avaliação, capacidade académica, e confiança a nível social. Como a JFS mede
uma auto-estima estável e mais ligada à personalidade, foram também
acrescentados alguns itens de versões modificadas da JFS de Pliner, Chaiken, e
Flett (1990) e Fleming e Courtney (1984).
No total, a SSES é constituída por vinte itens focando-se em três subescalas da
auto-estima (performance, social, e aparência) que estão associadas a
diferentes conceitos. Por exemplo, a subescala de performance mede até que
ponto os indivíduos consideram que a sua performance é desejável. Heatherton e
Polivy (1991) mostraram que a auto-estima de performance foi sensível a uma
manipulação dos resultados de uma tarefa em laboratório. Ou seja, os
participantes que foram induzidos a pensar que tinham falhado a tarefa tiveram
resultados significativamente mais baixos do que os restantes. Por outro lado,
a subescala de auto-estima social está correlacionada com consciência e
ansiedade social, medindo até que ponto as pessoas se sentem mais preocupadas
com a sua imagem. Por fim, a aparência está ligada a uma auto-avaliação sobre
as características físicas do indivíduo. Nos estudos originais de Heartherton e
Polivy (1991) as escalas de aparência e auto-estima social foram sensíveis a um
programa de âmbito clínico com o objectivo de melhorar a forma como os
indivíduos vêem a sua aparência física e competência social (ver Estudo 5). Os
resultados foram no sentido de que os indivíduos que participaram no programa
tiveram valores mais elevados nestas duas subescalas da auto-estima quando
comparados com um grupo de controlo. Em suma, Heatherton e Polivy (1991)
mostraram que as três subescalas são sensíveis a flutuações na auto-estima
tanto em tarefas de laboratório como em contexto natural.
De especial importância foi o facto de que as três subescalas terem sido
afectadas por diferentes situações, o que salienta a relevância de se usar as
subescalas de acordo com diversos problemas e condições experimentais. Os
autores recomendam que a subescala de performance seja mais indicada para a
realização de tarefas e respectivo feedback em laboratório. A subescala de
auto-estima social poderá ter uma maior utilidade em estudos sobre imagem ou
como uma pessoa se apresenta diante dos outros. Por último, a subescala da
auto-estima de aparência poderá ser mais útil em estudos centrados no aspecto
físico como, por exemplo, a obesidade.
O Presente Estudo
Esta investigação centrou-se na escala de Heatherton e Polivy (1991), por
diversas razões. Primeiro, como inicialmente foi referido, a auto-estima de
estado é de extrema relevância para estudos realizados em laboratório ou mesmo
em contexto natural em que se introduzam condições experimentais. Só através de
uma escala sensível a flutuações momentâneas da auto-estima será possível
detectar efeitos das manipulações experimentais. Segundo, a SSES tem a vantagem
de ser uma medida multidimensional em que diversas subescalas podem ser usadas
consoante os objectivos do investigador. As três subescalas abordam diferentes
componentes da auto-estima que podem ser manuseados de forma a servir melhor os
objectivos e problemas de investigação. Por fim, é uma escala que desde a sua
publicação tem sido revalidada e utilizada em inúmeros tópicos e estudos em
psicologia.
Método
Participantes
Este estudo inclui uma amostra com 999 participantes. A amostra foi composta
por 572 estudantes universitários do sexo masculino e 426 do sexo feminino (1
foi não identificado). A sua idade variou entre os 17 e os 60 anos (M = 22.04,
SD = 5.19). Os participantes voluntariaram-se para este estudo e foram
informados de que poderiam desistir a qualquer momento caso desejassem. Foram,
também, informados sobre o anonimato e confidencialidade do mesmo.
Material
Três investigadores com conhecimentos das duas línguas realizaram traduções
independentes da escala de inglês para português. As traduções foram comparadas
e resultaram na versão final apresentada neste artigo (ver em Anexo). Um item
que foi de difícil tradução por introduzir um conceito que não existe em
português foi o item original I feel self-conscious que foi traduzido para
Sinto-me preocupado com o facto dos outros poderem estar a pensar "mal" de
mim. Apesar de não transmitir exactamente a mesma ideia do item em inglês, na
versão traduzida manteve-se o carácter de preocupação sobre o meio social que é
característico do original e também da subescala da dimensão social na qual
está incluído.
Procedimento
A versão traduzida da SSES foi aplicada em questionários de papel-e-lápis e
também online. No início da folha do questionário, os participantes leram uma
introdução traduzida do original Abaixo estão uma série de frases sobre o que
está a pensar neste momento. Responda, por favor, de acordo com o que é
correcto para si neste preciso momento. Os participantes responderam em
escalas entre 1 discordo completamente e 7 concordo completamente, sendo
que um valor mais alto indica um maior grau de auto-estima3.
Resultados
Análise Descritiva e Fidelidade
A tabela_1 indica os alfas de Cronbach, médias, desvios-padrão e correlações
entre as várias subescalas. Em relação à fidelidade, uma análise dos alfas de
Cronbach indica que todas as subescalas tiveram uma elevada consistência
interna, variando entre .78 (performance) e .85 (social). Em relação às médias,
a performance foi a componente com valores mais altos (M= 5.33), enquanto a
social foi a que teve um valor mais baixo (M = 4.49). Tal como na escala
original, as correlações entre as subescalas são positivas e significativas
(valores entre .46 e .54; ps < .001).
Análise Factorial
Para a análise factorial foram seguidos os procedimentos recomendados por
Tabachnik e Fidell (2001) e o critério usado para eliminar itens na análise foi
o seguinte: (i) itens com um peso factorial abaixo de 0.32; (ii) itens com um
peso factorial entre .32 e .39 tendo um peso factorial de > .20 noutro(s)
factor(es); (iii) itens com um peso factorial entre .40 e .49 tendo um peso
factorial de > .30 noutro(s) factor(es); e (iv) itens que não fazem sentido
teórico dentro do seu factor.
Procedeu-se a uma análise factorial dos eixos principais com rotação oblíqua
(ver tabela_2). Foi usada uma rotação oblíqua porque em termos teóricos (e
práticos também) as três subescalas estão fortemente correlacionadas. Esta
análise mostrou três factores que explicam 55% da variância total.
O Factor 1 (auto-estima de performance) explicou 34.49% da variância e inclui
itens como: Sinto-me confiante sobre as minhas capacidades. O Factor 2 (auto-
estima social) explicou 12.84% da variância e incluiu itens como: Sinto-me
descontente comigo mesmo(a) (recodificado). Por fim, o Factor 3 (auto-estima de
aparência) explicou 8.21% da variância e inclui itens como: Sinto-me
satisfeito(a) com o aspecto do meu corpo. Em termos gerais, todos os itens
tiveram pesos factoriais de acordo com os factores da escala original tirando
os itens da auto-estima social Sinto-me inferior às outras pessoas neste
momento e Sinto-me descontente comigo mesmo(a) e o item da auto-estima de
aparência Sinto que sou respeitado(a) e admirado(a) pelos outros que tiveram
um elevado peso factorial no Factor 1 (performance). Ao se apagar os três itens
fica-se com uma estrutura factorial idêntica à da escala original e mantêm-se
os elevados níveis de fidelidade para a subescala de auto-estima social (a=
.84) e aparência (a= .82).
Discussão
O trabalho de investigação realizado em Portugal tem estudado e incluído
escalas de auto-estima que analisam este conceito enquanto traço de
personalidade. O problema destas escalas é que são pouco sensíveis a flutuações
momentâneas como as verificadas em estudos de laboratório ou experimentais. De
forma a colmatar esta lacuna, o estudo presente teve como objectivo adaptar a
escala de auto-estima de estado de Heatherton e Polivy (1991) para a língua
portuguesa.
Os resultados obtidos no presente estudo foram consistentes com os dos autores
da escala original. A análise factorial dos itens traduzidos para português
confirmou a estrutura factorial de Heartherton e Polivy (1991). Desta forma,
verificou-se que dos 20 itens originais, 17 tiveram um peso factorial de acordo
com o suposto teórico nas subescalas de auto-estima de performance, social, e
aparência. Estes resultados foram acompanhados por coeficientes de fidelidade
elevados para as três subescalas, assim como correlações altas entre estas.
Um item de difícil tradução foi o item I feel self-conscious que se traduziu
por Sinto-me preocupado com o facto dos outros poderem estar a pensar "mal" de
mim. Apesar de transmitir uma ideia um pouco diferente do original, neste item
manteve-se o carácter de preocupação sobre os outros e a envolvente social.
Apesar destas diferenças, a estrutura factorial apresentada neste estudo
demonstrou que o item em português manteve as características da subescala de
auto-estima social à semelhança do original.
A tradução apresentada neste artigo apresenta várias vantagens para
investigadores que planeiem realizar estudos em português. Primeiro, a tradução
da SSES contribui para uma maior consciencialização das diferenças entre
medidas de auto-estima e apresenta uma solução mais indicada para trabalhos de
laboratório ou de campo que introduzam manipulações. Outra vantagem importante
é o facto de a SSES estar dividida em três subescalas explorando diferentes
componentes da auto-estima. A disponibilidade de se medir a auto-estima ligada
à performance, componente social, ou aparência é uma ferramenta importante para
investigadores que queiram formular hipóteses mais específicas e testar efeitos
centrados em aspectos particulares da auto-estima.
No entanto, apesar das vantagens apontadas, este estudo contém três limitações
importantes. A primeira prende-se com o facto de não se ter conseguido replicar
a estrutura factorial na íntegra devido a três itens terem pesos factoriais em
factores diferentes dos esperados na escala original. Os itens Sinto-me
inferior às outras pessoas neste momento e Sinto-me descontente comigo mesmo
(a) da auto-estima social foram os únicos itens desta subescala a serem
eliminados. Uma das possíveis razões relaciona-se com o facto de serem os
únicos itens da sua subescala que não mencionam uma preocupação sobre os outros
e o meio social. Talvez devido aos contextos em que foi aplicado o presente
estudo, sentir-se inferior ou descontente tenha sido interpretado do ponto
de vista da performance (factor em que estes itens tiveram um peso factorial
elevado). Uma explicação semelhante também pode ser avançada para o único item
a ser eliminado da subescala de aparência Sinto que sou respeitado(a) e
admirado(a) pelos outros. Este é o único item da sua subescala que não
salienta aspectos físicos e, como tal, pode também ter sido entendido em termos
de performance, tal como indicou a análise factorial. Uma segunda limitação
está ligada ao facto de se ter inserido a SSES em estudos com outros objectivos
e variáveis que podem ter afectado as respostas à escala. Por fim, a tradução
foi aplicada a uma amostra de estudantes universitários o que traz algumas
limitações ao nível da generalização dos resultados do estudo. Apesar destas
três limitações, a tradução deste artigo oferece uma escala com 17 itens e
coeficientes de fidelidade elevados para as três subescalas. Apesar também de a
amostra ser composta unicamente por estudantes universitários, os itens
replicaram a estrutura factorial original obtida com amostras que incluíam
diversos grupos sociais e faixas etárias.
Em termos de investigação futura, seria interessante usar a escala aqui
apresentada conjuntamente com outras teoricamente associadas à auto-estima de
forma a se poder testar as suas correlações e a validade convergente-
discriminante.
Conclusão
Apresentou-se neste estudo uma versão traduzida para português da escala de
auto-estima de estado de Heatherton e Polivy (1991). Os resultados foram
consistentes com os dos autores da escala permitindo uma validação para o
contexto de investigação em português. Acredita-se que este contributo possa
ter importantes implicações não só teóricas mas também na forma como são
colocados os problemas de investigação. Por fim, acredita-se, também, que esta
investigação possa contribuir para um maior foco sobre o que significa a auto-
estima e sobre diversos métodos de a medir.