Mas porquê? Um estudo multiteórico dos preditores da infidelidade
Apesar de posta em causa por novos modelos relacionais (Klesse, 2006) a
fidelidade parece continuar a ser um aspeto muito valorizado na conjugalidade
contemporânea (Treas & Giesen, 2000), Não obstante esta valorização, a
prática clínica e a investigação no campo das relações de casal têm evidenciado
que a infidelidade ocorre com elevada prevalência (De Stefano & Oala, 2008;
Duba, Kindsvatter & Lara, 2008; Goldenberg, 2013; Treas & Giesen,
2000), Partindo desta constatação, Goldenberg (2008) introduziu o conceito de
"fidelidade paradoxal" para ilustrar a aparente importância da
fidelidade, mesmo quando ocorre infidelidade: a primeira surgiria assim como um
objetivo, mesmo quando há envolvimento em comportamentos extrarrelacionais.
Parece, portanto, existir uma larga discrepância entre as normas sociais
adotadas pela generalidade dos indivíduos e os seus comportamentos. Esta
discrepância não poderá senão derivar de importantes mecanismos motivacionais
que conduzam o comportamento em direções discrepantes com os valores assumidos,
mecanismos esses que a psicologia deverá, obviamente, tentar estudar e
explicar, até pelas importantes consequências negativas que a infidelidade tem
para os casais e as famílias (De Stefano & Oala, 2008; Foster & Misra,
2013; Hall & Fincham, 2006).
São várias as teorias que tentam fornecer uma leitura explicativa da ocorrência
de infidelidade. Assim, o objetivo deste estudo foi o de confrontar a
capacidade que cada uma delas tem para prever a ocorrência de comportamentos de
infidelidade, a partir das variáveis antecedentes que postula. Este confronto
poderá permitir-nos aquilatar do valor relativo das diferentes teorias nesta
previsão, assim como as suas eventuais confluências ou domínios específicos de
aplicabilidade. Deste modo, poderá ser melhor avaliada a importância e
utilidade que cada uma destas perspetivas teóricas, muitas vezes envolvidas em
polémicas entre si (Confer, Easton, Fleischman, Goetz, Lewis, Perilloux, &
Buss, 2010; Eastwick, Luchies, Finkel, & Hunt, 2014; Gilding, 2009; Hazan
& Diamond, 2000; Smiler, 2011), poderá ter na compreensão do fenómeno da
infidelidade e na intervenção sobre ele.
A psicologia evolutiva, que tem por base o conceito de evolução no seu sentido
biológico, proposto nos seus fundamentos por Darwin (Buss, 2005, 2008), sugere
que os mecanismos psicológicos resultam de processos de seleção natural. Ao
longo de muitas gerações, os genes que dão origem a predisposições psicológicas
associadas a um maior sucesso em termos reprodutivos deverão tornar-se
predominantes na população humana. As preferências percetivas, motivacionais e
comportamentais observadas nos seres humanos atuais refletiriam, deste modo, os
problemas adaptativos com que a espécie se defrontou no passado: para além das
necessidades de sobrevivência, a obtenção de parceiros reprodutivos e o
assegurar da sobrevivência e sucesso reprodutivo dos descendentes (Buss, 2008).
Ora, neste propósito de maximização do sucesso reprodutivo, os problemas
confrontados por homens e mulheres são bastante diferentes. Esta discrepância
deriva, sobretudo, das diferenças no investimento parental, inevitavelmente
superior nas mulheres, quer a nível do tempo, quer dos riscos, quer dos
recursos despendidos (gravidez, lactação). Assim, prevê-se que diferenças de
género nos mecanismos psicológicos ligados ao acasalamento e reprodução surjam
nos domínios em que os dois sexos enfrentaram recorrentemente diferentes
problemas adaptativos, ao longo da história evolutiva (Buss, 2008). Sendo o
investimento parental mínimo muito reduzido, no caso dos homens, estes terão
vantagem em tentar assegurar o maior número possível de descendentes, reduzindo
o seu nível de investimento parental. Nas mulheres, cujo número máximo de
descendentes é muito limitado, a maior preocupação será com a sobrevivência e o
sucesso competitivo destes, o que deverá levar a um maior investimento
parental, procurando um companheiro que seja também cuidador dos filhos. Por
isso, as mulheres tenderão a adotar uma orientação mais emocional e
interpessoal para a sexualidade, com foco nos fatores interpessoais, enquanto
os homens terão uma postura mais recreativa, enfatizando a necessidade de
exprimir os seus desejos sexuais, com as suas fantasias a tenderem a ser mais
explícitas, com desejo de variedade e gratificação física (Ellis & Symons,
1990).
Buss e Schmitt (1993) introduziram o conceito de estratégias sexuais a curto e
a longo prazo para ilustrar esta diferença entre os sexos. No entanto, embora a
estratégia a curto prazo (baseada na quantidade) seja mais saliente nos homens
e a estratégia a longo prazo (baseada na qualidade) seja mais saliente nas
mulheres, diferenças de grau na utilização destas estratégias existem mesmo
dentro de cada sexo. O facto de o comportamento dos indivíduos refletir a
ponderação relativa destas duas estratégias resulta com certeza de a sua
eficácia depender de variáveis contextuais. Assim, por exemplo, uma estratégia
a longo prazo, com um forte investimento numa relação de casal duradoura e nos
cuidados parentais a um número reduzido de descendentes, poderá ser
desvantajosa se estas relações estiverem sujeitas a um elevado risco, seja por
efeito de uma elevada taxa de mortalidade, seja pela falta de confiança na
reciprocidade do investimento por parte do parceiro. Pelo contrário, num
contexto de baixa mortalidade, onde a competição intraespecífica prevalece
sobre a sobrevivência, o investimento parental intenso pode ser essencial para
habilitar a descendência para essa competição (Belsky, 1999; Kirkpatrick,
1998).
A teoria das estratégias sexuais propõe-se explicar também as diferenças
encontradas entre homens e mulheres no que concerne à infidelidade. Assim,
indivíduos que utilizem em maior grau uma estratégia a curto prazo, tendendo a
procurar maior número e variedade de parceiros sexuais, terão maior
probabilidade de ser infiéis, de expressar esse desejo e ter maior apetência
para um envolvimento sexual. Esta situação deverá ser, portanto, mais comum
entre os homens. Pelo contrário, aqueles que seguem uma estratégia a longo
prazo terão menor propensão para a infidelidade e, se esta acontecer, tenderá a
caracterizar-se por um maior envolvimento emocional e a ser em maior grau
determinada pela procura de um parceiro mais capaz ou mais disposto a investir
recursos. Esta tendência deverá ser mais saliente entre as mulheres (Barta
& Kiene, 2005; De Stefano & Oala, 2008).
A teoria da vinculação (Hazan & Diamond, 2000; Hazan & Shaver, 1994) é
outra abordagem potencialmente útil na explicação das diferenças individuais na
sexualidade. A teoria postula que os seres humanos possuem uma predisposição
inata, desde a infância, para estabelecer relações significativas que lhes
proporcionem segurança. Na idade adulta, essa função é predominantemente
desempenhada pelas relações de casal, nas quais os sistemas de vinculação,
prestação de cuidados e acasalamento se interligam, funcionando em conjunto e
influenciando-se mutuamente (Hazan & Diamond, 2000). Assim, embora o
sistema de vinculação e o sistema sexual sejam distintos, com funções
diferentes, as diferenças individuais no estilo de vinculação têm uma
importante influência no comportamento sexual (Fisher, Aron, Mashek, Li, &
Brown, 2002).
O estilo seguro é caraterístico de indivíduos confiantes no seu parceiro e na
sua responsividade, que sentem prazer com a proximidade do outro e com o
desenvolvimento de atividade sexual no contexto de uma relação longa. As suas
relações tendem a ser bem-sucedidas e com menor probabilidade de dissolução. O
estilo de vinculação ansioso/ambivalente ou preocupado configura um padrão em
que coexistem um forte desejo de proximidade e uma falta de confiança na
resposta do parceiro, resultando em necessidades de vinculação excessivas e em
sentimentos contraditórios, não só durante episódios negativos mas também
durante aqueles que supostamente seriam positivos. Uma expectativa negativa
generalizada em relação à responsividade emocional por parte dos outros resulta
no estilo evitante, com aversão pelo contacto emocional íntimo, um menosprezo
pelo investimento nas relações e uma maior valorização da independência e da
autossuficiência (Mikulincer & Shaver, 2005; Zeifman & Hazan, 1997).
Estes estilos de vinculação têm implicações para o comportamento sexual,
eventualmente diferenciadas em função do género (Hazan & Diamond, 2000;
Hazan & Shaver, 1994). De facto, o sexo tem o potencial de motivar
experiências intensas e prazerosas, promovendo ligações significativas entre
parceiros românticos, mas pode também ser uma das causas do afastamento entre
esses mesmos parceiros: pode ser propiciador de validação ou de baixa
autoestima (Birnbaum, Mikulincer, Szepsenwol, Shaver & Mizrahi, 2014).
Indivíduos ansiosos/ambivalentes tenderão a usar o sexo como forma de tentar
preencher as suas necessidades de vinculação, relacionadas com segurança e
amor. A literatura mostra, com efeito, que as mulheres ansiosas/ambivalentes
têm tendência a manter uma atividade sexual intensa e comportamentos de risco,
enquanto os homens com o mesmo estilo terão uma expressão sexual mais restrita
(Stefanou & McCabe, 2012). Por outro lado, a atividade sexual, envolvendo
intimidade física e emocional, pode criar desconforto em pessoas com um estilo
de vinculação evitante, que habitualmente mantêm certa distância física e
emocional do parceiro. Não surpreende, portanto, que a investigação tenha
encontrado nestas pessoas uma tendência para a aversão ao contacto emocional
íntimo, como beijos e carícias, e preferência por contacto sexual puro,
vaginal, oral e anal (Zeifman & Hazan, 1997), em relações menos duradouras
e com menor compromisso (Stefanou & McCabe, 2012).
Nesta perspetiva, as diferenças individuais no funcionamento do sistema sexual
podem ser entendidas em termos de hiperativação ansiosa ou desativação evitante
do sistema de vinculação (Birnbaum et al., 2014). Em qualquer caso, os dados
disponíveis sugerem que os estilos de vinculação inseguros parecem estar
associados a um conjunto de comportamentos (maior número de parceiros, mais
relações ocasionais) que configuram uma estratégia sexual a curto prazo,
enquanto o estilo de vinculação seguro estará interligado com comportamentos
que se podem associar a uma estratégia de longo prazo (maior investimento numa
relação estável; Stefanou & McCabe, 2012). Outro conjunto de dados associa
diferentes estilos de vinculação à qualidade da relação de casal, com o estilo
evitante associado a maior insatisfação e maior probabilidade de divórcio
(Mikulincer, Florian, Cowan & Cowan, 2002; Moreira et al., 2006). É
plausível que estes efeitos sejam produto das diferentes estratégias sexuais
associadas aos estilos de vinculação.
A presença destas relações, entretanto, e sabendo-se como o estilo de
vinculação nos adultos é o reflexo das experiências de infância com os
prestadores de cuidados (Hazan & Shaver, 1994), permite levantar a hipótese
de que o estilo de vinculação funcione como mediador na relação entre as
experiências precoces e as estratégias sexuais (Belsky, Steinberg, &
Draper, 1991; Kirkpatrick, 1998; Leal, 2009). Pressupondo que as estratégias
sexuais serão adaptativas, no sentido evolutivo, por constituírem uma resposta
ao ambiente ecológico (Schmitt, 2005a), seria plausível pensar que o estilo de
vinculação consiste num mecanismo ontogenético de adaptação ao ambiente social
expectável.
Esta hipótese foi já apoiada por alguns dados, que se procurarão aprofundar e
confirmar nesta investigação. Por exemplo, Moreira (2009) evidenciou que a
aceitação pelos pais na infância, assim como, nos homens, o encorajamento da
sua independência, se relacionam de modo negativo com a dimensão evitação do
estilo de vinculação adulta. Por seu turno, a evitação está associada a uma
maior disponibilidade para a utilização de estratégias de curto prazo, enquanto
a preocupação se associa negativamente a esta estratégia sexual.
Outra literatura (Belsky, 1999; Belsky, Steinberg & Draper, 1991; Ellis,
Bates, Dodge, Fergusson, Horwood, Pettit & Woodward, 2003; Schmitt, 2005b;
Simpson & Gangestad, 1991; Vigil & Geary, 2006) sugere uma relação
entre as experiências familiares precoces e as estratégias sexuais, mas não
parecem totalmente esclarecidos quais os fatores das primeiras que atuam como
determinantes das segundas. Belsky, Steinberg e Draper (1991) verificaram que
as experiências familiares negativas na pré-puberdade aceleram o aparecimento
da puberdade, favorecem uma sexualidade mais precoce e a formação de laços
menos sólidos nas relações de casal. Draper e Harpending (1982) alertam para a
influência determinante da ausência do pai durante a infância, com efeitos
diferentes consoante o género dos filhos. Assim, os rapazes adotariam
comportamentos exageradamente masculinos e estereotipados na infância, e as
mulheres tenderiam a exibir comportamentos de promiscuidade sexual na
adolescência. Leal (2009) concluiu que, nas mulheres, o stress familiar é a
variável das experiências de infância que se destaca, causando dois efeitos
aparentemente opostos: um aumento do compromisso, através do aumento da
preocupação, e uma diminuição do compromisso através de um aumento das
estratégias de curto prazo, que por sua vez vão diminuir a satisfação. Foram
encontrados efeitos diferentes no homem, sendo neste caso a qualidade da
relação com a mãe que assume um papel preponderante nas experiências de
infância, fazendo diminuir a evitação e, com ela, o uso das estratégias de
curto prazo. Numa perspetiva psicanalítica, Josephs (2006) defende que a
infidelidade pode ser uma consequência de temáticas edipianas mal resolvidas,
em que o progenitor desejado, do sexo oposto, é visto como cometendo uma
infidelidade com o progenitor do mesmo sexo. Se não for adequadamente
resolvida, esta ferida narcísica vai resultar em comportamentos de infidelidade
na vida adulta, sentidos como uma vingança pela infidelidade atribuída ao
objeto amado primordial. Entretanto, Poulsen, Holman, Busby e Carrol (2013)
concluíram que quer a atração física quer os estilos de vinculação desempenham
um papel importante no início de uma relação amorosa. Assim, defendem que ambas
as teorias (estratégias sexuais e vinculação) serão importantes na escolha de
um parceiro e na manutenção de uma relação, donde se pode deduzir que ambas
desempenharão um papel na origem dos comportamentos de infidelidade.
Muitos outros fatores, no entanto, poderiam ser apontados como influenciando a
probabilidade de envolvimento em comportamentos extrarrelacionais. Por exemplo,
Brooks e Monaco (2013) sugerem que as diferenças entre homens e mulheres
estarão relacionadas com diferentes objetivos associados à reprodução e à
descendência. Estes autores defendem que uma relação estável com um parceiro
primário com caraterísticas semelhantes à do próprio diminui a probabilidade de
envolvimento extraconjugal. Por outro lado, concluíram que estar empregado e
manter uma relação conjugal com alguém que não trabalha aumenta a probabilidade
de envolvimento sexual extraconjugal para ambos os géneros. Elmslie e Tebaldi
(2008) reforçam a ideia que os fatores económicos interagem com os aspetos
biológicos do comportamento humano. Assim, homens e mulheres avaliarão de modo
diferente o custo/benefício da infidelidade, com a classe social de pertença, o
grau de religiosidade, a dimensão da localidade e a educação a terem impacto no
comportamento da mulher, e a educação, a felicidade e a área rural/urbana de
habitação, assim como o estatuto social relativo ao emprego, a influenciar o
homem. Por outro lado, e ainda segundo os mesmo autores, o comportamento
extraconjugal dos homens parece ser determinado pelas suas próprias
caraterísticas e não pelas da parceira, contrariamente ao que parece verificar-
se para as mulheres, em que a infidelidade está associada às caraterísticas da
relação primária e do parceiro. Finalmente, nas mulheres, a probabilidade de
envolvimento extraconjugal parece aumentar com a fertilidade, decrescendo os
benefícios do primeiro quando a segunda diminui.
Outro fator suscetível de influenciar o envolvimento em comportamentos
extrarrelacionais é a atitude dos indivíduos em relação a estes. Considerou-se
importante incluir a avaliação da atitude face à infidelidade, dado que a
literatura indica não só que as atitudes podem ser um importante preditor do
comportamento neste domínio, como também que apresentam diferenças
significativas entre sexos (Afonso, 2011; Glass & Wright, 1992; Wilson,
Mattingly, Clark, Weidler & Bequette, 2011), podendo ajudar a explicar as
eventuais diferenças no comportamento extrarrelacional de homens e mulheres.
Para além dos fatores que poderão predispor em diferente grau os indivíduos
para a infidelidade, parece importante também olhar para o lado positivo e para
os fatores que predispõem para a fidelidade. Diferentes tipos de motivações
para a fidelidade poderão ter impactos diferentes nos comportamentos
extrarrelacionais. Nomeadamente, a motivação intrínseca está associada a
comportamentos iniciados pelo prazer e satisfação que proporcionam, que têm um
carácter voluntário e não estão dependentes de uma recompensa material,
enquanto a motivação extrínseca engloba comportamentos iniciados por razões
instrumentais, como receber uma recompensa ou evitar uma punição (Pelletier,
Tuson, Haddad, 1997). De acordo com a teoria da autodeterminação (Deci &
Ryan, 2008), as motivações diferenciam-se num contínuo entre a motivação
regulada mais externamente (extrínseca) e mais internamente (intrínseca).
Assim, a regulação externa corresponde aos comportamentos controlados por
fontes externas, como recompensa material ou constrangimento imposto por outra
pessoa. A regulação introjetada verifica-se quando a fonte externa de motivação
já foi parcialmente internalizada e já não é necessária a sua presença para a
pessoa iniciar o comportamento. Este será reforçado por pressões internas como
a culpa, a ansiedade e emoções relacionadas com a autoestima. Na regulação
identificada, o comportamento é iniciado porque é congruente com valores e
objetivos pessoais. Por fim, na regulação integrada, o comportamento é
valorizado pelo seu significado e por ser consistente com a identidade do
indivíduo. Esta última será a motivação mais autodeterminada dentro deste grupo
de motivações que, em todos os casos, mantêm um componente de regulação
extrínseca. Acima deles, a motivação intrínseca corresponde ao mais elevado
grau de regulação interna. Fora deste contínuo, a ausência de motivação
(amotivação) surgirá quando o sujeito não percebe a relação entre o
comportamento e os resultados do mesmo, e experimenta sentimentos de
incompetência e ausência de controlo, iniciando uma atividade sem ter um
entendimento sobre as razões pelas quais o está a fazer (Deci & Ryan,
2008).
Hipotetiza-se que a presença de uma motivação internalizada terá consequências
positivas para a relação amorosa (Leak & Cooney, 2001). Esta, porém, parece
ser específica em face do contexto, ou seja, um indivíduo pode ter um
determinado tipo de motivação para se manter numa relação, mas a motivação para
a realização de diversas atividades com o parceiro pode ser diferente. De
facto, Gaine e La Guardia (2009), na sua investigação, concluíram que é
fundamental avaliar não só a motivação para que alguém permaneça numa relação,
mas também a motivação para a realização de várias atividades com o parceiro,
dado que estas também se afiguram importantes para que a relação funcione.
Assim, o estudo das motivações para a fidelidade parece poder constituir um
objetivo importante para a investigação nesta área.
O presente estudo tem, assim, como objetivo contribuir para um melhor
conhecimento sobre os preditores da infidelidade. Persegue esse objetivo
colocando em confronto, no mesmo estudo, um conjunto de variáveis propostas por
diferentes perspetivas teóricas. Dado que essas perspetivas teóricas se
apresentam como candidatas alternativas à predição e explicação dos
comportamentos extrarrelacionais, importa perceber qual o contributo que cada
uma é efetivamente capaz de dar, em confronto competitivo com outras. Não é
também de excluir a possibilidade de o possível contributo de algumas delas
poder afinal ser esvaziado pelo poder preditivo, e talvez explicativo, de
outras. O confronto empírico é essencial para dirimir entre explicações
teóricas rivais, e o presente estudo procura justamente provocar e analisar
esse confronto.
MÉTODO
Participantes
Participaram neste estudo 545 indivíduos, 149 homens (27.5%) e 396 mulheres
(72.5%). A média de idades dos participantes no primeiro momento de recolha de
dados foi de 30.01 anos (DP = 10.06), com idades compreendidas entre os 18 e os
70 anos. No que concerne à escolaridade, 69% possuíam habilitações ao nível do
ensino superior e 28% do ensino secundário. Somente dois participantes tinham
escolaridade até 6 anos. Havia 25% de sujeitos casados, 1% estavam noivos, 15%
viviam em união estável, 31% estavam numa relação de namoro, 22% não estavam
envolvidos em nenhuma relação e 4 % estavam divorciados ou separados. A duração
média da relação foi de 8.71 anos (DP = 7.47). Uma percentagem elevada (71%)
declarou não ter tido casamentos ou uniões anteriores, 18% terá tido uma
relação ou união anterior. No que diz respeito à classe socioeconómica atual,
59% consideraram -se inseridos na classe média, 14% na classe média alta e 24%
na classe média baixa, sendo as respostas semelhantes quando perguntado acerca
da classe socioeconómica em que cresceram. Os católicos eram 52%, enquanto 37%
afirmaram não ter nenhuma religião. Quanto ao grau de religiosidade, 78%
situavam-se entre o nada religioso e um nível moderado de religiosidade. Dentro
da orientação política, 60% dos participantes considerava-se de direita, 17%
ligeiramente à direita, 17% de centro e 6% de esquerda. Na segunda fase do
estudo participaram 53 pessoas, 7 homens (13.2%) e 46 mulheres (86.8%).
Instrumentos
Infidelidade
Foi utilizado o "Questionário Multidimensional de Comportamentos Extra-
Relacionais" (QMCER), desenvolvido no âmbito desta investigação, com o
objetivo de caraterizar múltiplos aspetos como comportamentos, motivações e
contextos da ocorrência de infidelidade. Este instrumento é descrito em detalhe
em Viegas e Moreira (2014). No presente estudo foram utilizadas as suas secções
C, D e F.
Na secção C são apresentados diversos comportamentos, com o intuito de avaliar
se o sujeito realizou alguns deles com pessoas que não o seu parceiro, numa
altura em que estava envolvido numa relação amorosa com compromisso de
exclusividade, atual ou passada. Procurou-se, na elaboração desta secção,
incluir uma variedade de comportamentos concretos e específicos, passíveis de
ocorrer numa situação de infidelidade e que representassem diferentes tipos e
graus de envolvimento físico, emocional e sexual. No aspeto que vai ser
utilizado neste estudo, os 10 itens eram respondidos em termos de (a) "Não
aconteceu" / (b) "Aconteceu". Na secção D são apresentados de
modo hipotético os mesmos itens da secção C. Esta secção destina-se apenas aos
indivíduos que responderam nunca ter estado envolvidos numa relação amorosa com
compromisso de exclusividade. Para todos os outros, esta secção é omitida.
Optou-se por agregar, na análise, as secções C e D, dado que o número de
sujeitos que responderam à secção D era muito reduzido (n = 32) e a análise
apenas da secção C fornecia resultados praticamente idênticos.
Foi efetuada uma análise em componentes principais ao nível dos itens das
secções C e D, com os dados do primeiro momento de recolha de dados, uma vez
que o número de participantes no segundo momento foi muito mais reduzido. Foi
utilizado o scree plot (Moreira, 2004) como critério para a determinação do
número de fatores, e uma rotação do tipo Varimax. O índice de Kaiser-Meyer-
Olkin e o teste de esfericidade de Bartlett foram calculados e mostraram
resultados adequados em todos os casos, não sendo aqui apresentados em detalhe
por razões de espaço. Os três fatores encontrados pareciam estar associados ao
envolvimento físico (Fator 1; item exemplo: "Manter relações sexuais com
outra pessoa"), ao envolvimento afetivo (Fator 2: "Dizer âamo-te' a
outra pessoa") e ao desejo sexual (Fator 3: "Sentir-se sexualmente
atraído por outra pessoa"). Foram derivadas destes fatores escalas
compostas pelos itens com saturações superiores a .50 na matriz após rotação.
Este valor, utilizado de forma sistemática nas diferentes escalas, permitiu
alcançar um bom compromisso em termos da especificidade do conteúdo das escalas
e dos valores do alfa de Cronbach. A escala de Envolvimento Físico, composta
por quatro itens, obteve um alfa de Cronbach de ,88, a de Envolvimento Afetivo,
também com quatro itens, um alfa de ,78 e a de Desejo sexual, com dois itens,
um alfa de .81.
A secção F (13 itens) pretende avaliar as diferentes motivações para o não
envolvimento em comportamentos extrarrelacionais, ou seja, as motivações para a
fidelidade. A escala vai de 1, "nada verdadeira" a 7,
"completamente verdadeira". É preenchida por todos os participantes.
A análise em componentes principais, realizada de modo semelhante ao
anteriormente descrito, conduziu à identificação de quatro fatores. O Fator 1
parece corresponder à motivação intrínseca para o não envolvimento
extrarrelacional (item exemplo, "Amar o seu parceiro"), o Fator 2 à
motivação introjectada ("Condenar a traição"), o Fator 3 à motivação
extrínseca (âTer medo de ser descoberto"), e o fator 4 à amotivação
("Não conhecer ninguém que lhe desperte interesse"). A escala de
Motivação Intrínseca (3 itens) obteve um alfa de Cronbach de .83, a de
Motivação Introjectada (4 itens) de .97, a de Motivação Extrínseca (3 itens) de
.70 e a de Amotivação (2 itens) de .50. Apesar do valor insuficiente do
coeficiente alfa de Cronbach para o último fator, optámos por mantê-lo, dado
que corresponde a uma dimensão frequentemente encontrada em análises fatoriais
de questionários de motivação e poderá ser alvo de futuros desenvolvimentos,
com a adição de novos itens que aumentem a sua precisão. Na forma atual do
questionário, não havia mais itens disponíveis que ajudassem a atingir este
objetivo.
Atitudes em relação à Infidelidade
Foi utilizada a Escala de Atitudes em Relação à Infidelidade desenvolvida por
Afonso (2011). Efetuou-se uma reanálise dos dados do estudo de Afonso (2011),
tendo sido selecionados os quatro itens com maior saturação, por forma a obter
uma versão breve da escala (exemplo de item: "A infidelidade é um modo de
vida normal que não tem nada de reprovável"). É pedido aos participantes
que indiquem o seu grau de concordância com as frases, numa escala de 1,
"discordo fortemente" a 5, "concordo fortemente". O alfa de
Cronbach obtido foi de .73.
Satisfação Conjugal
Foi utilizada uma versão reduzida da Relationship Rating Form (RRF), versão
portuguesa de Lind (2008), com os 33 itens mais representativos dos fatores
identificados nesta versão. Neste questionário é pedido aos sujeitos que
classifiquem cada um dos itens numa escala de 9 pontos, de 1 ("nada")
a 9 ("completamente ou extremamente"). Optou-se pela realização de
uma análise em componentes principais para confirmar a estrutura fatorial da
escala, utilizando as mesmas técnicas já descritas anteriormente. Assim,
podemos dizer que o Fator 1 corresponde à Confiança (item exemplo: "Esta
pessoa pode contar consigo para a ajudar quando precisar?"), o Fator 2 à
Paixão (item exemplo: "Dá-lhe prazer, só de observar ou olhar para esta
pessoa?") e o Fator 3 ao Conflito (item exemplo: "Você briga e
discute com esta pessoa?") No presente estudo, o alfa obtido foi de .94 na
escala de Confiança, de .93 na escala de Paixão e de .89 na escala de Conflito.
Cada escala era constituída por 9 itens.
Estilo de Vinculação Adulta
O questionário "Experiências em Relações Próximas (ERP)" é aversão
portuguesa do "Experiences in Close Relatioships" (Brennan, Clark
& Shaver, 1998), traduzido e adaptado por Moreira et al. (2006). Procura
avaliar as duas dimensões básicas das diferenças individuais no estilo de
vinculação dos adultos: a Evitação e a Preocupação. A forma reduzida utilizada
neste estudo é composta por 12 itens, com uma escala de avaliação de sete
pontos que vai de 1, "discordo totalmente" a 7, "concordo
fortemente", dos quais seis medem a Evitação (item exemplo: "Não me
sinto confortável ao 'abrir-me' com o meu parceiro/a") e 6 a Preocupação
(item exemplo: "Fico ressentido/a quando o meu parceiro/a passa tempo
longe de mim"). Foi efetuada uma análise em componentes principais ao
nível dos itens, que confirmou a sua distribuição pelos dois fatores, tendo a
escala de Evitação obtido um alfa de .75 e a de Preocupação um alfa de .78.
Estratégias Sexuais
O Questionário de Estratégias Sexuais (QES), desenvolvido por Moreira (2009), é
constituído por um total de 12 itens, divididos por duas escalas que pretendem
medir a utilização das estratégias a longo prazo e da estratégia a curto prazo.
Em função dos resultados obtidos em versões anteriores, foi decidido elaborar
uma nova versão do QES, que se distingue da anterior por separar as referências
à dedicação ao companheiro/a e aos filhos em itens diferentes. Assim, o QES-II
ficou constituído por 13 itens, que pretendem medir a utilização de estratégias
a curto e a longo prazo, sendo que na segunda se procura agora diferenciar
entre o investimento no companheiro/a e nos filhos. Os sujeitos deverão indicar
o grau em que cada um dos itens corresponde aos seus comportamentos,
sentimentos e atitudes, através de uma escala de Likert de 7 pontos que vai de
1, "Não tem a ver comigo" a 7, "tem totalmente a ver
comigo".
Uma análise em componentes principais permitiu a identificação de três fatores.
Podemos dizer que o Fator 1 (5 itens) corresponde à estratégia a curto prazo
(item exemplo: "Sou infiel por natureza"), o Fator 2 (5 itens) à
estratégia a longo prazo com investimento no parceiro (item exemplo:
"Quero que o meu marido/esposa ou companheiro/a seja o aspeto central da
minha vida") e o Fator 3 (3 itens) à estratégia a longo prazo com
investimento nos filhos (item exemplo: 'Tenho a intenção de investir muito
tempo e esforço na relação com os meus filhos"). Refira-se que os itens 7
e 11, ambos referentes à família em geral, saturaram predominantemente no fator
correspondente à estratégia a longo prazo com investimento no parceiro. O alfa
obtido foi de .84 para a escala Estratégia a Curto Prazo; de .77 para a escala
Estratégia a Longo Prazo com Investimento no Parceiro e de .78 para a
Estratégia a Longo Prazo com Investimento nos Filhos.
Orientação Sociosexual
O Inventário de Orientação Sociosexual (IOSS; Simpson & Gangestad, 1991)
foi construído tendo como objetivo fornecer uma medida global da predisposição
dos indivíduos para se envolverem em relações sexuais casuais, sem compromisso.
A versão portuguesa utilizada neste estudo foi elaborada pela equipa que
recolheu em Portugal os dados para o International Sexuality Description Study
(Moreira, Mata, Veríssimo, Mata & Moreira, 2003). É composto por sete
itens, dos quais quatro se referem a comportamentos sexuais envolvendo
diferentes parceiros: dois referem-se a comportamentos passados (número de
parceiros sexuais no último ano e número de parceiros com quem teve relações
sexuais uma única vez), um a expectativas de comportamentos futuros (número de
parceiros sexuais esperados nos próximos cinco anos) e outro a fantasias
sexuais (frequência, numa escala não linear). Os restantes três itens referem-
se a atitudes relativas ao sexo casual, avaliadas em escalas de concordância
com nove pontos. A análise em componentes principais (seguindo o procedimento
já descrito) permitiu verificar que os itens relativos a comportamentos e os
relativos a atitudes se separavam claramente em dois fatores distintos. Em
virtude dos diferentes formatos de resposta, foi necessário proceder à
padronização dos itens para se poder efetuar o cálculo do alfa de Cronbach.
Neste cálculo, verificou-se que os itens referentes a expectativas de
comportamentos futuros e a fantasias eram indicadores fracos do fator de
Comportamentos. A sua eliminação permitiu aumentar o valor do coeficiente alfa
para este fator. Assim, os valores finais do coeficiente alfa foram de .88 para
a escala de Comportamentos e de .80 para a escala de Atitudes.
Experiências Precoces
Foi utilizado o Questionário de Experiências de Infância, QEI (Leal, 2009), que
foi elaborado com o objetivo de permitir uma avaliação das experiências de
infância. Este questionário é composto por uma primeira parte que avalia o
número de anos de presença da mãe, do pai, de uma madrasta e de um padrasto nos
primeiros dezasseis anos de vida e por duas secções com itens bipolares
avaliando o nível de stress na vida familiar na infância e na adolescência
(dois itens, e.g., "stressante vs. tranquila") e a qualidade da
relação entre os pais (dois itens, e.g., "muito infeliz vs muito
feliz"). Foram também utilizados 6 itens da Mother-Father-Peer-Scale
(MFPS), versão portuguesa de Lopes dos Santos, Silva e Sousa (1995), que avalia
a qualidade das relações com os pais na infância; 3 dos itens são relativos à
relação com a mãe e 3 à relação com o pai. O alfa de Cronbach foi de .92 para a
escala da relação com a mãe, de .91 para a escala da relação com o pai, de .84
para a escala de qualidade na vida familiar e de .84 para a escala da relação
entre os pais.
Procedimentos
O estudo combinou análises de caráter transversal e longitudinal, tendo sido
recolhidos dados em dois momentos no tempo. No primeiro momento, foram
recolhidos dados para todas as variáveis. No segundo momento, um ano depois, os
participantes foram novamente contatados, tendo sido avaliada a ocorrência de
infidelidade, a satisfação e a estabilidade do casal (se este permanece junto).
As análises longitudinais apresentadas visaram perceber os efeitos das
variáveis experiências precoces, vinculação e estratégias sexuais sobre as
mudanças ocorridas no nível de envolvimento extrarrelacional entre um momento e
outro. O intervalo de tempo de um ano entre os dois momentos de recolha de
dados justifica-se com a necessidade de um período temporal suficiente, que
permita verificar efeitos da situação de infidelidade na qualidade da relação
de casal, mas não demasiado longo, o que permitiria que outros fatores atuassem
de forma mais evidente na relação.
Os dados foram recolhidos na Internet, tendo os questionários sido divulgados
nas redes sociais, em sites e blogues na área da psicologia, seguindo depois
por amostragem "bola de neve". A participação dos sujeitos foi
voluntária, tendo os mesmos sido informados do teor dos questionários a
preencher, duração prevista da participação, confidencialidade dos dados e
obrigatoriedade de ter 18 anos ou mais para poder participar. Era explicitado
que, ao clicarem para prosseguir, davam o seu consentimento e garantiam que
eram maiores de 18 anos. Os participantes que declararam nunca ter estado
envolvidos numa relação com compromisso de exclusividade, não respondiam à RRF,
nem à ERP.
O método de recolha de dados do segundo momento foi idêntico ao primeiro, tendo
o questionário sido enviado por email aos participantes que, no primeiro
momento, tinham sinalizado a sua disponibilidade para voltar a participar.
Infelizmente, o número de participantes sofreu uma grande redução do primeiro
para o segundo momento. O caráter sensível da informação recolhida e a
necessidade de solicitar informação que permitisse associar os dados dos dois
momentos, ainda que sem pôr em causa o anonimato (e.g., aniversário da mãe),
impediu que se apresentasse à partida o estudo como envolvendo dois momentos. O
segundo momento foi apresentado como uma participação adicional voluntária, o
que terá contribuído para a elevada perda de participantes e limitou as
possibilidades da análise longitudinal. A questão da confidencialidade assumiu
particular importância, dada a temática em questão e os potenciais riscos para
os participantes, pelo que foi garantido aos mesmos que as respostas aos
questionários seriam confidenciais e que seria preservado o seu anonimato, não
existindo forma de relacionar um participante com as respostas fornecidas. A
investigação teve a aprovação da Comissão de Deontologia da Faculdade de
Psicologia da Universidade de Lisboa.
A análise dos resultados foi organizada em três partes. Na primeira, utilizando
a amostra, mais numerosa, de participantes no primeiro momento, foi realizada
uma análise exploratória, com o objetivo de pré-organizar as variáveis
potencialmente preditoras da infidelidade, reduzindo o número de preditores
para as análises de regressão subsequentes e a sua multicolinearidade. Na
segunda parte, ainda recorrendo apenas aos dados do primeiro momento, foram
realizadas análises de regressão multivariadas prevendo as diversas facetas dos
comportamentos de infidelidade a partir dos preditores previamente definidos.
Na terceira parte, utilizaram -se os dados dos dois momentos para analisar a
questão dos preditores das mudanças nos comportamentos de infidelidade, do
primeiro para o segundo momento.
RESULTADOS
Análise em Componentes Principais dos Potenciais Preditores
Optou-se por efetuar uma análise em componentes principais das variáveis
potencialmente preditivas da ocorrência da infidelidade, à luz das diferentes
teorias mencionadas. A conveniência desta análise resultou de se terem
verificado correlações importantes entre algumas delas, bem como do seu número
elevado, que iria tornar a análise demasiado complexa. Foi utilizado o scree
plot como critério para a determinação do número de fatores, e uma rotação do
tipo Varimax. O scree plot indicou cinco fatores, sendo a lista das variáveis
com a respetiva saturação em cada fator na matriz rodada apresentada no Quadro
1.
O primeiro fator parece remeter para a qualidade e investimento na relação
primária, estando associado de modo positivo à confiança, à paixão, a uma
motivação autónoma para a fidelidade e a um investimento no parceiro a longo
prazo, assim como a uma orientação política mais à direita. Está também
associado, mas de modo negativo, ao conflito e à evitação. O segundo fator
parece refletir sobretudo as atitudes em relação à infidelidade e a estratégia
a curto prazo, estando associado a uma atitude positiva relativamente ao sexo
casual e à infidelidade, assim como à utilização de uma estratégia de curto
prazo. Parece estar também relacionado, de modo negativo, com a motivação
controlada para a fidelidade, o que é coerente com a associação a atitudes
contrárias a esta. O Fator 3 está relacionado com a perceção da qualidade das
relações na família de origem (com a mãe e com o pai, entre os pais, qualidade
da vida familiar e presença do pai). O Fator 4 parece remeter sobretudo para o
estilo de vinculação preocupado, apresentando também associações com o
investimento parental e no parceiro a longo prazo. O Fator 5 está associado à
idade e à duração da relação primária.
Foram utilizados como preditores, nas análises de regressão subsequentes,
resultados derivados para os fatores. Estes resultados agregam informação de
todas as variáveis, ponderadas de acordo com a sua saturação no fator
correspondente. Apresentam a importante vantagem de, para além de utilizarem o
máximo de informação disponível, facilitarem a agregação de variáveis medidas
em escalas muito diferentes. O seu processo de cálculo, no entanto, não
possibilita o uso do coeficiente alfa de Cronbach.
Preditores dos comportamentos extrarrelacionais no primeiro momento
Efetuaram-se análises de regressão utilizando como variáveis dependentes os
fatores da secção CD do QMCER, referentes à tipologia de comportamentos de
infidelidade reportados pelos participantes, com o objetivo de perceber quais
os melhores preditores destes comportamentos. A análise de regressão (Quadros_2
e 3) revelou, para o Envolvimento Sexual, uma capacidade de predição altamente
significativa, quer para as mulheres, F(5, 244) = 14.10; p < .001, quer para os
homens, F(5, 87) = 9.72; p < .001. A variância explicada é considerável, sendo
maior para os homens (36 %) do que para as mulheres (24 %). Tanto para as
mulheres como para os homens, os únicos preditores significativos são os
correspondentes ao investimento e qualidade na relação primária e ao uso de uma
estratégia a curto prazo. Constata-se ainda que, entre as mulheres, estes dois
fatores parecem dar um contributo equivalente enquanto, entre os homens, a
maior orientação para uma estratégia a curto prazo parece ter mais peso do que
o investimento na relação.
Os resultados para o fator de Envolvimento Afetivo surgem semelhantes aos do
anterior, mas com algumas diferenças que importa salientar. O modelo de
regressão linear obtido é altamente significativo, tanto para as mulheres, F(5,
244) = 15,29; p < .001, como para os homens, F(5, 87) = 4,49; p < .001. A
variância explicada é semelhante nos dois sexos, sendo de 24 % para as mulheres
e 21 % para os homens.
Constata-se, tal como já tinha sido encontrado para o fator de Envolvimento
Sexual, que os únicos preditores significativos, tanto entre os homens como
entre as mulheres, são o investimento e qualidade na relação primária e o uso
de uma estratégia a curto prazo, com atitudes favoráveis em relação à
infidelidade. Verifica-se, no entanto, que, na predição do Envolvimento
Afetivo, o investimento e qualidade na relação primária têm um peso
relativamente maior do que na predição do Envolvimento Sexual. Assim, deixa de
se verificar, entre os homens, uma preponderância das estratégias a curto prazo
sobre a qualidade da relação primária, tendo agora os dois preditores igual
peso. Pelo contrário, entre as mulheres, esse equilíbrio desfaz-se, passando a
qualidade da relação primária a mostrar um peso mais acentuado como preditor.
Para o fator de Desejo Sexual, o modelo de regressão linear surgiu de novo como
altamente significativo, quer para as mulheres, F(5, 244) = 22.66; p < .001,
quer para os homens, F(5, 87) = 4.36; p < .001. A variância explicada foi de 32
% para as mulheres e 20 % para os homens. Os coeficientes de regressão permitem
concluir que, em ambos os sexos, o uso de uma estratégia a curto prazo, com
atitudes favoráveis em relação à infidelidade, constitui o preditor mais forte.
Porém, enquanto nos homens este é o único preditor significativo, nas mulheres
também uma baixa qualidade e investimento na relação primária e uma baixa
qualidade da experiência de infância surgem como significativas.
Preditores dos comportamentos extrarrelacionais no segundo momento
Ao analisarmos os resultados referentes ao segundo momento de recolha de dados,
o nosso objetivo foi o de investigar quais os preditores que permitem prever se
aumentaram, diminuíram ou se se mantiveram os comportamentos de infidelidade
reportados no primeiro momento, ou seja, prever qual o nível de envolvimento no
segundo momento, controlando a mesma variável no primeiro momento. Para isso,
foram de novo utilizados modelos de regressão linear (Quadro_4), mas desta vez
num procedimento hierárquico em dois passos. No primeiro passo, foi introduzido
como preditor o nível de envolvimento extrarrelacional no primeiro momento. No
segundo, foram adicionados os cinco preditores já usados nas análises
correspondentes ao primeiro momento, testando-se a significância da sua
contribuição, em conjunto, para a predição das mudanças ocorridas no nível de
envolvimento de um momento para o outro. Dado o número reduzido da amostra no
segundo momento, nomeadamente no que concerne aos homens, não foi possível
fazer a análise separadamente por sexos. No conjunto, porém, o número de casos
disponíveis para esta análise, apesar de reduzido (n = 53), não é
excessivamente problemático. Tendo em conta a magnitude dos efeitos esperados e
aplicando os critérios propostos por Green (1991), verifica-se que este número
de casos será suficiente para detetar correlações parciais entre 0.20 e 0.30, o
que nos parece adequado. Esta convicção foi confirmada pelos resultados
encontrados, que não revelam problemas de poder de teste (os valores de β a
partir de 0.27 são significativos).
Assim, relativamente ao fator de Envolvimento Sexual, verificou-se que a
entrada dos preditores adicionais no segundo passo, apesar de permitir aumentar
a percentagem de variância explicada, de 66% para 75%, não atingiu a
significância estatística, F(5, 22) = 1.45; p = .25. Ainda assim, e dado que a
ausência de significância estatística poderá ser efeito da escassa dimensão da
amostra, prosseguimos a análise, obtendo os coeficientes apresentados no Quadro
4. Constata-se que o único preditor significativo é o fator correspondente à
idade, o que parece sugerir que as pessoas mais velhas e com relações primárias
mais duradouras terão mais tendência para aumentar (em termos relativos) o seu
nível de envolvimento sexual, do primeiro para o segundo momento de recolha de
dados, enquanto as pessoas mais jovens e com relações de menor duração terão
tendência para o diminuir. Embora não atingindo o valor convencional da
significância estatística, o contributo do fator correspondente ao investimento
e qualidade da relação aproxima-se desse valor e tê-lo-ia atingido, caso fosse
usado um teste unilateral, o que até se justificaria neste caso. Assim, este
resultado sugere que o investimento e qualidade da relação primária tende a
fazer diminuir o envolvimento sexual.
Para o Fator de Envolvimento Afetivo, os preditores introduzidos no segundo
momento permitem aumentar de modo significativo, de 36% para 67%, a variância
explicada, F(5, 22) = 4.14; p = .01, o que significa que, no seu conjunto,
contribuem significativamente para explicar o aumento ou diminuição do
envolvimento afetivo extrarrelacional. Examinando os preditores
individualmente, o único que se mostra significativo é a perceção de qualidade
na família de origem: os participantes que reportam uma maior qualidade na sua
experiência de infância, mostram uma maior tendência para aumentar, do primeiro
para o segundo momento de avaliação e em termos relativos, o seu nível de
envolvimento emocional extrarrelacional.
Relativamente ao Fator de Desejo Sexual, o contributo dos fatores introduzidos
no segundo momento voltou a não se mostrar significativo, F(5, 22) = 0.95; p =
.47, o mesmo acontecendo para os preditores individuais.
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo afiguram-se como um avanço importante no estudo da
infidelidade, dado que foi possível a identificação de preditores
significativos dos comportamentos de infidelidade, quer no primeiro momento de
recolha de dados, quer no segundo. O caráter longitudinal deste estudo
constitui também uma mais-valia, pela escassez de estudos que avaliam esta
temática em dois momentos no tempo e também porque foi possível identificar
alguns preditores que parecem induzir mudanças nos comportamentos de
infidelidade com o decorrer do tempo. Finalmente, o uso de um questionário que
avalia separadamente as estratégias reprodutivas a curto e longo prazo ajuda a
clarificar o contributo que este construto da psicologia evolutiva poderá
trazer.
Relativamente à análise fatorial realizada aos preditores, apresentou a
importante vantagem de reduzir o número de preditores e as suas
intercorrelações, aumentando a validade das análises de regressão com um mínimo
de perda da informação contida nas variáveis iniciais. Para além disso,
permitiu clarificar a estrutura das variáveis presentes, associando, por
exemplo, o estilo de vinculação evitante ao escasso investimento na relação
primária e o estilo preocupado à estratégia a longo prazo, mas deixando claro
que nenhum destes estilos de vinculação se relaciona de forma estreita com a
estratégia reprodutiva a curto prazo ou com a qualidade da experiência de
infância. Este resultado parece indicar que, ao contrário do defendido por
alguns autores (e.g., Belsky, 1999), o contributo do estilo de vinculação
evitante para o comportamento amoroso/sexual nos adultos não se confunde com o
contributo das estratégias sexuais, enfatizadas pela psicologia evolutiva. Este
resultado sugere, portanto, que estas duas teorias contribuem de forma paralela
e independente para a predição dos comportamentos, neste caso, de infidelidade.
Noutros casos, a análise indicou, pelo contrário, que as variáveis postuladas
por diferentes teorias não cumprem critérios de validade discriminante,
apresentando correlações entre si que permitem, em nome da parcimónia, reduzir
drasticamente o número de preditores. É o caso das atitudes em relação ao sexo
casual e à infidelidade, que se associam à estratégia reprodutiva a curto prazo
(a primazia dada a uma ou outra variável na interpretação do fator tem,
naturalmente, muito de arbitrário, mas a questão transcende o tema deste
estudo). Esta análise terá, portanto, contribuído para amenizar uma certa
proliferação teórica, visível na introdução deste artigo.
Em termos de preditores dos comportamentos de infidelidade, verificou-se um
forte predomínio de dois deles: (a) a baixa qualidade e investimento na relação
primária, associadas a um estilo de vinculação evitante, a uma maior motivação
autónoma para a fidelidade e a uma orientação política mais conservadora, e (b)
o uso de uma estratégia reprodutiva a curto prazo, associada a atitudes
favoráveis em relação à infidelidade e à motivação controlada para a
fidelidade. De facto, e com apenas uma exceção, estes surgem sempre como os
mais fortes preditores, e os únicos significativos, das variadas facetas da
infidelidade. Igualmente se confirma a ideia de que o primeiro estaria mais
relacionado com o envolvimento afetivo e com o sexo feminino, e o segundo com o
envolvimento sexual e o sexo masculino, embora estas diferenças apenas se
verifiquem em termos de grau. De facto, embora estes preditores pareçam ter uma
maior influência nos contextos apontados, ambos têm um efeito significativo na
predição de ambos os tipos de envolvimento extrarrelacional e em ambos os
sexos. Nomeadamente, parecem ter um peso quase igual na predição do
envolvimento sexual por parte das mulheres e do envolvimento afetivo por parte
dos homens. Apenas na predição do envolvimento afetivo por parte das mulheres e
do envolvimento sexual por parte dos homens se verifica o predomínio de um
deles, e ainda assim mantendo-se o outro como significativo. Em termos
teóricos, estes resultados implicam que tanto a perspetiva da vinculação (Hazan
& Diamond, 2000; Hazan & Shaver, 1994) como a da psicologia evolutiva
(Buss, 2008; Buss e Schmitt, 1993) apresentam contributos relevantes para a
explicação dos comportamentos extrarrelacionais. O papel de destaque encontrado
para estas teorias contrasta com o de outras que, ou não surgiram de forma
autónoma na análise fatorial dos preditores potenciais, ou pouca importância
assumiram na predição dos comportamentos (caso da estratégia a longo prazo,
associada ao estilo de vinculação preocupado).
Para além destes, apenas um outro preditor se revela significativo, e mesmo
assim por estreita margem: uma experiência de infância mais negativa predispõe
as mulheres para maior incidência de desejo sexual extrarelacional, mas esse
desejo não parece depois traduzir-se em envolvimento sexual ou afetivo. Este
resultado pode ser associado ao encontrado por Leal (2009), que encontrou um
efeito direto da experiência de infância sobre o compromisso relacional, entre
as mulheres apenas, e não mediado por variáveis da vinculação ou do
investimento relacional. Parece assim confirmar-se um efeito de regulação do
comportamento relacional adulto a partir da experiência de infância, mas
limitado apenas às mulheres e com mecanismos de transmissão que investigações
posteriores terão de ajudar a esclarecer. Este resultado parece, apesar de
tudo, compatível com a formulação de Belsky (1999) que, apesar de mencionar o
possível papel do estilo de vinculação como mediador, nunca comprovou
empiricamente esse papel.
No que concerne às análises envolvendo o segundo momento de recolha de dados,
importa sublinhar que não se apresentam como redundantes com as anteriores. Por
outras palavras, os preditores da ocorrência de envolvimento não são os mesmos
que permitem predizer a continuidade desse envolvimento passado um ano. A
idade, associada a um maior tempo de relação, parece estar associada a um
aumento relativo do envolvimento sexual do primeiro para o segundo momento. As
possíveis explicações para este resultado não são evidentes, mas diversas
hipóteses poderão ser levantadas. É possível que as pessoas mais velhas tenham
tendência para envolvimentos sexuais mais duradouros, o que significaria que,
quando esse envolvimento sexual surge, tende a aprofundar-se, enquanto nas
pessoas mais jovens e com menor tempo de relação esses envolvimentos poderão
ser mais transitórios e portanto não mostrar uma tendência clara.
Já o envolvimento afetivo parece ser sobretudo associado à família de origem,
num efeito positivo, ou seja, quanto melhor a qualidade da relação na família
de origem mais o envolvimento afetivo tenderá a manter-se ou a aumentar do
primeiro para o segundo momento de recolha de dados. Mais uma vez, este efeito
não se apresenta fácil de explicar, mas é plausível pensar que uma experiência
de infância mais positiva leve a uma maior disponibilidade para o envolvimento
emocional duradouro e que essa tendência se verifique mesmo em relações
paralelas à principal.
Pensamos que a elevada escolaridade da amostra poderá ter influenciado os
resultados, constituindo uma limitação, dado que há investigações que comprovam
que esta variável tem influência nas práticas sexuais e no número de parceiros
das mulheres (Alvarez & Nogueira, 2008), e pode aumentar as oportunidades
para o envolvimento em relações extraconjugais (Drigotas & Barta, 2001). O
facto de termos utilizado exclusivamente instrumentos de autorrelato também
pode ter causado enviesamentos nos resultados, conduzindo a um decréscimo dos
comportamentos de infidelidade assinalados, fruto do efeito de desejabilidade
social. A elevada perda de participantes do primeiro para o segundo momento é
também uma limitação importante, que condicionou muito as análises
longitudinais realizadas. Outro aspeto tem a ver com a forma como foi
operacionalizada a infidelidade no nosso estudo, baseando-se apenas na
ocorrência de comportamentos previamente definidos, de envolvimento ou desejo
sexual e afetivo, com pessoas que não o parceiro primário. Deste modo, não
estão incluídas considerações, por exemplo, a respeito de existir ou não
consentimento por parte do parceiro para esse envolvimento, ou sequer a opinião
do autor ou autora dos comportamentos acerca de se eles constituem uma
infidelidade. Espera-se que estudos futuros ajudem a esclarecer estes e outros
aspetos, por exemplo recorrendo a uma metodologia mista, com métodos
quantitativos e qualitativos, que permita uma maior exploração de uma variedade
de outros tópicos.
CONCLUSÃO
Este estudo traz contributos relevantes para o estudo da infidelidade, ao
colocar em confronto direto, no mesmo estudo, uma variedade de perspetivas
teóricas, que muitas vezes se assumem como alternativas ou concorrentes na
explicação dos comportamentos de infidelidade. A identificação da convergência
de resultados entre algumas delas, mas também do contributo independente de
outras, traz um enriquecimento do corpo teórico mas também da prática clínica,
ao apontar o investimento e a qualidade da relação primária, assim como a
utilização de uma estratégia de curto prazo, como principais preditores da
infidelidade, atuando em simultâneo e de forma aditiva em diferentes contextos.
O conhecimento destes preditores indicia ao terapeuta a necessidade de ter em
conta ambos os tipos de variáveis, de forma independente, na compreensão e
intervenção sobre o comportamento problemático, diferenciando o peso desta
consideração em função do género do autor dos comportamentos e do tipo destes
(envolvimento sexual e/ou afetivo), mas não deixando de ter em atenção os
fatores que neste estudo surgiram como responsáveis pela manutenção ou aumento
dos comportamentos (idade e duração da relação, para o envolvimento sexual, e
experiências positivas na família de origem, para o envolvimento afetivo).