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EuPTHUHu0874-55602009000100010

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variedadeEu
ano2009
fonteScielo

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Mulheres & Blogosfera: contributo para o estudo da presença feminina na "rede"

1. Mulheres e media A representação das mulheres nos meios de comunicação social tem sido largamente debatida pelos académicos, por diversos organismos internacionais e pelas várias correntes do movimento feminista. No entanto, foi sobretudo a partir das décadas de 60 e 70 do século XX que se começou a perceber o poder que os media têm como agentes de produção das representações e práticas que definem o género (van Zoonen, 2004). É consensual que os meios de comunicação social são vistos como a instituição central da actual configuração do sistema social, ou seja, como mediadores entre os cidadãos e a realidade social. Neste sentido, assumem um papel fulcral enquanto formadores da opinião pública, sendo que a forma como eles constroem e veiculam ideologias é marcante na definição social do feminino.

A palavra, como instrumento de poder e de troca, foi negada durante séculos às mulheres e elas ainda continuam a não ter acesso ao discurso da mesma forma que os homens. Como refere Lakoff (1982: 45), «a marginalidade e a falta de poder das mulheres reflecte-se não nos modos como se espera que as mulheres falem, mas também nos modos como se fala das mulheres». No que se refere ao campo mediático, o discurso continua a difundir mensagens estereotipadas e pouco representativas das mulheres na sociedade (e.g. Barreno, 1976; Gallagher, 1981; Farré et al., 1998; Monteiro & Policarpo; 2002; van Zoonen, 2004; Silveirinha, 2004; Díez, 2005; Mota-Ribeiro, 2005; Cerqueira, 2008).

Actualmente, este discurso veicula um «sexismo inibido» (Rojo & Gallego, 1997: 313), bem presente nos mais variados meios de comunicação. Além disso, «as notícias e programas da actualidade reflectem uma hierarquia de valores em que os temas que dizem respeito às mulheres têm uma prioridade baixa, quando são incluídos» (Gallagher, 2004: 87). Quando os temas são rotulados de interesse feminino assumem menor importância. Isto quer dizer que as mulheres continuam a ser «simbolicamente aniquiladas» (Tuchman, 2004), o que era discutido nos anos 70 do século passado, embora os estereótipos actuais sejam mais subtis.

A emancipação das mulheres é uma realidade, sendo que os progressos são visíveis em diversas áreas. Elas passaram da esfera privada para o domínio público, embora ainda continue a existir uma divisão entre o homem público e a mulher privada 1 . De acordo com Pissarra Esteves (2003: 93), no que se refere ao espaço público, os media têm um «enraizamento paradoxal na experiência simbólica», uma vez que podem servir como «dispositivos de administração e controlo» ou como «meios de resistência social». No caso das mulheres, os media convencionais continuam a silenciar, secundarizar e excluir as suas vozes. Porém, estas podem usá-los numa tentativa de se expressar enquanto grupo e de conseguir ganhar visibilidade no espaço público. Podemos, assim, referir que muitas vezes são representadas como um grupo homogéneo, não existindo o reconhecimento da singularidade e distintitividade enquanto pessoas (Cabecinhas, 2007).

As tecnologias da informação e comunicação são vistas como uma mais-valia para estes grupos que, tradicionalmente, sofrem uma «dominação simbólica » (Bourdieu, 1999; Amâncio & Oliveira, 2006). O efeito desta dominação

(seja de etnia, de género, de cultura, de língua, etc.) exerce-se não na lógica pura das consciências cognoscentes, mas através dos esquemas de percepção, de apreciação e de acção que são constitutivos dos habitus e que fundam, aquém das decisões da consciência e dos controlos da vontade, uma relação de conhecimento profundamente obscura de si própria (Bourdieu, 1999: 32).

Pierre Bourdieu (1999: 8-9) sustenta que a «força da ordem masculina deixa-se ver pelo facto de dispensar justificação, a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não precisa de se enunciar em discursos visando legitimá-la. A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica tendendo a ratificar a dominação masculina em que assenta». Aliás,

o mundo social funciona (em diferentes graus segundo os campos) como um mercado dos bens simbólicos dominado pela visão masculina: ser, quando se trata das mulheres, é, como vimos, ser percebido, e percebido pelo olhar masculino ou por um olhar habitado pelas categorias masculinas ' as que se aplicam, sem que seja possível enunciá-las de modo explícito, quando se elogia uma obra de mulher porque feminina ou, pelo contrário, nada feminina. Ser feminina é essencialmente evitar todas as propriedades e práticas que podem funcionar como signos de virilidade, e dizer de uma mulher de poder que é muito feminina não é senão uma maneira particularmente subtil de se lhe denegar o direito a esse atributo propriamente masculino que é o poder (Bourdieu, 1999: 86).

O meio digital tem facilitado o acesso das mulheres à esfera pública, pois oferece inúmeras possibilidades de participação (formatos específicos, sistemas interactivos, conteúdos multimédia, etc.). Porém, elas continuam numa posição assimétrica no que se refere especificamente à sua representação na imprensa digital (Cabo et al., 2007). Em paralelo, existem obstáculos, entre os quais se destacam o acesso desigual aos computadores e o facto de a informática ser um domínio tradicionalmente masculino, aspectos que inibem a entrada das mulheres no ciberespaço (SpenderinGallagher, 2004). Rosemary Wright (inFerreira, 2007: 381) fala mesmo de uma «masculinidade profissional no campo da informática, identificada por um conjunto de características (comportamentos, identidades, experiências, relações, práticas e aparência) e estratégias discursivas próprias (terminologia, universo linguístico, etc.)». É nesta perspectiva que Virgínia Ferreira (2007: 381) refere que a relação das mulheres com este meio é «um produto histórico e cultural da construção da tecnologia como masculina».

Juliet Webster (1995) fornece uma visão geral da investigação feminista sobre as tecnologias da informação desde que foram introduzidas no mercado de trabalho, na década de 70 do século passado, sustentando que a tecnologia tem impacto diferente nos homens e mulheres. A autora (1995: 330) refere que a divisão sexual do trabalho tem raízes históricas que estão associadas aos papéis sociais de homens e mulheres e que fornece algumas explicações sobre as razões pelas quais a introdução de tecnologias teve impactos diferentes entre eles nos postos de trabalho e também na vivência quotidiana.

Van Zoonen (2002) realizou um estudo a partir de entrevistas a 24 famílias, no qual revela as diferenças relativas aos padrões de utilização entre os membros masculinos e femininos, sem que se possa concluir que no decurso de apropriação da Internet resulte automaticamente o domínio masculino na esfera familiar. A autora (2002: 5) sugere que «o género e Internet constituem-se como conceitos multidimensionais que se articulam de forma complexa e contraditória». Assim, explicita as três abordagens que existem sobre esta problemática. A primeira que encara a tecnologia como sendo do domínio masculino, assenta no facto de a maioria dos actores no design e produção serem homens, assim como os textos, representações e práticas comunicativas serem masculinas (género como dimensão social). Em simultâneo, a posição que encara a tecnologia como feminina baseia- se nos aspectos da comunicação e da construção de comunidade que são encarados pelas feministas e pelos marketeers como sendo constitutivos da identidade feminina (género como identidade). Finalmente, o ciberfeminismo opera num espaço que visa escapar da dicotomia de género e das fronteiras do corpo físico (género como representação).

A questão do acesso dos elementos femininos ao meio digital tem sido uma das prioridades de actores políticos globais como a UNESCO, que consideram que se trata de uma ferramenta crucial para o empoderamento das mulheres. No que concerne à representação mediática, são apontadas algumas alternativas, sendo que as ferramentas de auto-edição, como é o caso dos blogues, surgem como uma proposta. Estes são apresentados como um meio com um potencial inovador e de interactividade, que permite que homens e mulheres apresentem e modelem as suas identidades no ciberespaço. Segundo Spender (in Gallagher, 2004), a Internet é «intrinsecamente igual, não-hierárquica e até libertadora».

2. A identidade no ciberespaço A questão da identidade é fulcral quando falamos da Internet e da era pós- moderna. «O self na idade moderna é débil, quebradiço, fracturado, fragmentado» (Giddens, 1994: 156), exige uma multiplicidade de contextos, situações, papéis, estatutos, de valores, de sentimentos e emoções (Serra, 2005). Na mesma linha, Manuel Castells (2003) a identidade como um processo de construção de sentido, através de um conjunto de atributos culturais, que têm prioridade sobre as outras fontes. Assim, um indivíduo ou um actor colectivo podem assumir várias identidades em função do contexto. Segundo Castells (2002), este desafio da modernidade é bem visível nesta sociedade em rede que oscila entre o local e o global, o universal e o particular, a humanidade e o eu.

Com as tecnologias, como a Internet, abrem-se novas possibilidade para o feminismo (van Doorn & van Zoonen, 2008). O ciberfeminismo é, na perspectiva de Donna Haraway, um movimento que utiliza as novas tecnologias como forma de libertação das mulheres, pois possibilita uma construção em que elas estão livres do corpo. «O ciberfeminismo tudo tem a ver com a afirmação e o acesso ao poder (o empowerment) da parte das mulheres, a redefinição da sua identidade e a coexistência de identidades múltiplas e alternativas, a existência de várias vozes» (Macedo, 2007: 255). Neste domínio, Calvo e Fernandéz (2008) fazem mesmo referência a uma espécie de terceiro sexo virtual, o cyborg, que classificam como a «a perfeita união entre o indivíduo e a tecnologia, assexuado e inteiramente funcional».

Paula Puhl e Adriana Amaral (2008) debruçam-se sobre a «percepção da feminilidade e da masculinidade no processo das transformações tecnológicas».

«O cyborg apresenta-se então como um híbrido entre homem-máquina2 tanto quanto um híbrido entre masculino e feminino, mudando o eixo nas relações de poder de género do dualismo para uma relação dialética». Na perspectiva destas autoras, que se baseiam em Haraway e Braidotti, o cyborg questiona os dualismos inscritos na cultura ocidental, transgredindo as fronteiras do corpo.

Van Doorn e van Zoonen (2008) fazem uma síntese dos trabalhos sobre género e identidade na era da Internet. Uma das correntes é a da «diferença», cujos estudos concluem que a Internet não altera as tradicionais relações de dominação entre homens e mulheres e entre feminilidade e masculinidade. os estudos de «experimentação» vêem a Internet como a chave para uma comunicação sem corpo, permitindo, assim, que os indivíduos ultrapassem as tradicionais barreiras de género. Outra linha destaca a adaptação mútua, uma vez que o género molda e é moldado pela tecnologia, olhando para a intersecção entre género e tecnologia em diferentes níveis: estrutural, simbólico e de identidade.

João Carlos Correia argumenta que

dentro destas formas de expressão pressente-se uma concepção não essencialista da identidade e, por isso mesmo, a introdução de elementos de contingência que contribuem para o seu questionamento. Neste sentido, pode-se admitir a possibilidade de se estar perante formas de expressão particularmente sensíveis à questão da identidade, designadamente em termos de temas que dizem respeito quer ao género quer à orientação sexual(Correia, 2005: 207-208).

3. Instrumentos de participação Os blogues surgiram em 1997, tendo sido Jorn Barger, autor do Robot Wisdom, que inicialmente os baptizou como weblogs, diários escritos na Web. Dois anos depois, Peter Merholz fixou que a palavra se pronunciava wee-blog, sendo a abreviatura blog e o autor designado como blogger (Blood, 2000).

O blogue é definido como «uma página de Internet, actualizada com muita regularidade, organizada cronologicamente» (Barbosa & Granado, 2004: 12).

Eles estão dispostos sobre a forma de posts e permitem combinar texto, imagem e som, podendo ser usados nas mais diversas áreas, desde o diário íntimo à divulgação científica. Para além dos links para outros locais na Internet, podem ter um blogroll ' lista de blogues que o autor segue ', que serve como «afirmação da tribo» à qual o blogger deseja pertencer (Blood, 2000).

A possibilidade de participação externa é assegurada pela existência de caixas de comentários, através das quais os leitores podem dar a sua opinião sobre o post (Hookway, 2008: 92), podendo este contributo ser ou não ser moderado pelos autores dos blogues. Robert MacDougall (2005: 589) diz que as pessoas participam nos blogues de forma a interagir com um público invisível e que os bloggers respondem aos comentários como se estivessem numa situação de interacção social real. Com a Internet e com os blogues passa a existir «uma esfera social que é simultaneamente invisível, largamente desconhecida e para todos os efeitos infinita» (MacDougall, 2005: 590).

No início, muitos dos blogues «versavam a tecnologia informática e os seus autores eram, na grande maioria, programadores e especialistas na área» (Barbosa & Granado, 2004: 14). Mas o fenómeno alargou-se, muito devido ao facto de não ser preciso ter conhecimentos de programação para ter um blogue e ao destaque dado pelos meios de comunicação tradicionais a este fenómeno e muito especificamente a um grupo restrito de bloggers incluídos na designada «A-list» (Hookway, 2008: 93; van Doorn, van Zoonen & Wyatt, 2007: 143-144).

Com os blogues registou-se o «regresso da subjectividade opinativa (regresso da opinião e do eu que escreve), que se tinha perdido com a industrialização do jornalismo» (Rodrigues, 2006: 4). A par de blogues como «diários íntimos» (Rodrigues, 2006: 114 a 116) ou de revelação de identidades pessoais (Rodrigues, 2006: 101 a 114), surgem outros que se preocupam com a discussão acerca da Polis (Ribeiro, 2008). Os blogues revelaram-se um instrumento capaz de proporcionar mudanças na cultura, na comunicação, no jornalismo e nas relações sociais, tal como mostra o livro We've got blog: how weblogs are changing our culture (2002), coordenado por John Rodzvilla.

Os blogues abriram, pois, o caminho à «democratização do acesso à palavra, ao espaço público, ao enriquecimento da conversação social» (Pinto in Barbosa & Granado, 2004: 6). Guiseppe Granieri (2006: 121) defende que, «inserido num espaço público, em que a sua opinião é ouvida e portanto tem sentido, o cidadão tende a alinhar-se, a exprimir-se». Todos os bloggers podem escrever livremente sobre temas do seu interesse e comentar a informação que se encontra disponível. Esta possibilidade pode ser encarada como uma mais-valia para elas, frequentemente excluídas das notícias de actualidade e de outros formatos informativos e de opinião (Lopes, 2006), que assim podem ter uma postura pró- activa e utilizar estas ferramentas para fazer ouvir as suas vozes. Pedro Andrade (2007) narra, por exemplo, o caso do blogue Baghdad Burning: Girl Blog From Iraq, escrito por uma jovem iraquiana de 25 anos, em 2003, aquando da intervenção militar no Iraque. Esta blogger, que utilizava um pseudónimo para não ser atacada, alcançou uma grande notoriedade. Conseguiu publicar dois livros e foi aclamada a nível mundial. Além disso, recebeu um importante prémio de jornalismo na secção da reportagem literária, o Lettre Ulysse Award for the Art of Literary Reportage.

Um dos primeiros livros a abordar o fenómeno da blogosfera foi, aliás, escrito por uma mulher, Rebecca Blood. A sua obra The Weblog Handbook, editada em 2002, explicava o funcionamento dos blogues, numa época em que se davam os primeiros passos nesta ferramenta da Web 2.0. Esta autora acredita no «poder dos blogues para transformar os escritores e os leitores de audiência em público e de consumidores em criadores», numa alusão a Greg Ruggiero, que define a audiência como «passiva» e o público como «participativo». Rebecca Blood (2000) sustenta que «os blogues não são a panaceia para os efeitos incapacitantes de uma cultura saturada de media», mas acredita que «são um dos antídotos».

Robert MacDougall (2005: 575) refere que os blogues representam um passo revolucionário para os processos democráticos. Na sua perspectiva, «os blogues, como nenhuma outra forma de comunicação, diluem a distinção entre o que é público e privado, entre o individual e o grupal, entre o facto e a ficção».

Este autor também se refere às forças e fragilidades da blogosfera no que concerne à questão das identidades, sustentando que se tendem a criar comunidades homogéneas.

Nesta era da informação (Castells, 2003), os blogues têm mesmo sido apontados como «novos guardiões da democracia» (Hookway, 2008: 91) e «novo fórum» (van Doorn, van Zoonen, Wyatt, 2007: 144), pois possibilitam às mulheres um espaço de expressão que, historicamente, nem sempre esteve disponível. A viagem pela blogosfera cria a ilusão de um espaço aberto, democrático, multicultural, onde se pode ser simultaneamente emissor e receptor. Num espaço sem rosto e sem corpo físico procura-se interagir com o mundo. Muitos aproveitam o ciberespaço para assumir um novo eu, ou seja, adoptam uma nova identidade (Rodrigues, 2006). Alguns autores de blogues utilizam alcunhas ou nomes fictícios, omitindo informações, de forma a criar personagens e construir imaginários. Reid (in van Doorn & van Zoonen, 2008) refere que os nicks são usados no IRC para construir a identidade de género, podendo expressar masculinidade, feminilidade ou ambiguidade. A propósito, Catarina Rodrigues (2006) diz que muitas vezes os blogues assumem-se como alternativas às ideias dominantes. Uma perspectiva partilhada por Calvo e Fernandéz (2008), que mencionam que na Internet convivem as ideologias dominantes e marginais3.

Paulo Serra (2005) refere que existem duas posições antagónicas em relação à identidade no âmbito da Comunicação Mediada por Computador (CMC): de um lado encontram-se aqueles que consideram que a simulação é um problema crucial, uma vez que coloca em causa a credibilidade. Do outro lado estão os que afirmam que pode ser a solução para os problemas de identidade que afectam muitas pessoas nas sociedades contemporâneas, pois permitem, nas palavras de Slater, «desconstruir no seu todo a noção de autenticidade, particularmente na medida em que ela envolve a fixação da realidade das identidades através da sua corporalização (uma manobra que é fundamental a essencialismos como o racismo e o sexismo)» (in Serra, 2005: 131).

Assim, casos em que os leitores desconhecem a identidade de quem está ao teclado, uma vez que à Internet anda inevitavelmente associada a magia ou a maldição do anonimato (Boczkowski in Castanheira, 2004: 21), mas isso acontece nos blogues e mesmo nas caixas de comentários dos sites dos meios de comunicação4. Uma vez que, segundo Rosa Oliveira (2006), os blogues assinados por mulheres têm assumido uma carga pejorativa, tal como aconteceu durante séculos com a escrita feminina, o anonimato e a criação de um novo eu acaba por ser uma forma de contornar os preconceitos, que continuam a ser os mesmos que antes da existência da Internet. Estes diários difundidos pelas mulheres na Internet são considerados superficiais e insuficientes. Aliás, na perspectiva desta autora, os diários que estão associados a produções femininas são marginalizados porque reflectem o estatuto social e os papéis desempenhados por elas ao longo dos tempos. Contrariamente, quando são escritos por homens são vistos de outra forma, uma vez que tradicionalmente eles exercem funções «mais voltadas tradicionalmente para a acção», como é o caso da política ou de assuntos relacionados com viagens. Nesta acepção, Turkle (1997) chegou à conclusão que existe uma permeabilidade da fronteira entre o real e o virtual, para sustentar que em muitos casos a simulação produz um resultado contrário ao desejável, ou seja, o reforço e a hiperbolização das identidades reais. Vários autores chamam, aliás, a atenção para o facto de a Internet não ser a solução mágica para acabar com as desigualdades (e. g. Isgro, 2003; Munshi, 2003; Lengel, 2003; Kwan, 2003).

Um estudo de van Doorn et al. (2007: 143) acerca da apresentação online do género mostra que «os autores dos blogues tendem a usar narrativas do dia-a- dia, que permanecem muito próximas do sistema binário de género. Contudo, a presença da masculinidade e feminilidade é mais difusa e heterogénea que algumas teorias na área do género e comunicação mediada por computador suporiam». Por outro lado, «o acto de escrever um diário nos blogues pode ser entendido como desafiando a conotação masculina dos blogues como tecnologia da informação e comunicação, demonstrando que o uso da tecnologia é central para moldar a forma como as tecnologias são concebidas como masculinas ou femininas». Os trabalhos de Herring et al. (2004) e Sorapure (2003) (in van Doorn et al., 2007: 147) mostram que a maior parte dos lifeblogs ' blogues de cariz muito pessoal ' é mantida por mulheres.

4. Igual visibilidade? O primeiro blogue português terá sido o Macacos Sem Galho, criado a 30 de Março de 1999, embora a grande explosão da blogosfera nacional tenha ocorrido em 2003 (Canavilhas, 2004; Santos, 2004). Os blogues têm vindo, desde então, «a multiplicar-se de forma explosiva, constituindo hoje um dos fenómenos mais marcantes não da Internet como daquilo a que, para simplificar, poderíamos chamar a esfera mediática» (Serra, 2006).

Não obstante, constituem «um espaço onde qualquer pessoa (que tenha acesso à Internet) pode dizer o que pensa sobre um determinado assunto, um espaço que proporciona a troca de conhecimento e muitas vezes impulsiona o debate» (Rodrigues, 2004: 29). Segundo dados publicados no Flash Report do Obercom intitulado Bloguers e Blogosfera.pt5 (Cheta, 2008: 17), em 2006, ainda existia um «relativo desconhecimento da existência da blogosfera e da actividade de blogging», com apenas um quinto das pessoas saber o que é um blogue (20%) (Cheta, 2008: 8), sendo que 62,5% dos bloggers eram do sexo masculino e 37,5% do sexo feminino6 (Cheta, 2008: 12).

O Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias de 2008 refere que, no que diz respeito ao perfil dos utilizadores de computador, 50,1% de homens e 41,9% de mulheres, verificando-se um hiato semelhante entre os utilizadores de Internet. Esta é uma tendência que se verifica na maioria dos países, com excepção dos Estados Unidos, país em que pela primeira vez a percentagem de mulheres utilizadoras de Internet ultrapassou o número de homens (USC Annenberg School Center for the Digital Future, 2007, in Cruz, 2008). Por seu turno, o Inquérito Sociedade em Rede 2008 (Veira, 2009: 4-5) indica que 41% dos inquiridos são utilizadores de Internet.

Entre os homens 41% de utilizadores e entre as mulheres 39%.

A nível internacional, a desigualdade em função do sexo em pleno processo de «blogalização» (Lever, 2008) também é visível7. O relatório State of Blogosphere 2008, elaborado por David Sifry, da Technorati, indica que dois terços dos bloggers são homens (66% de homens e 34% de mulheres). De acordo com o referido relatório, no que diz respeito ao tipo de blogue, 83% dos produzidos por mulheres e 76% dos produzidos por homens são pessoais, enquanto 38% dos femininos e 50% dos masculinos são profissionais (Sifry, 2008). No capítulo dos jornalistas-bloggers, o anuário Medios de Comunicación: El Escenario Iberoamericano ' Tendencias'07, que se debruça sobre 20 países iberoamericanos, mostra que «um em cada quatro blogues é elaborado por uma jornalista» (29,5%).

Em Portugal, dos 14 jornalistas com blogues contemplados no estudo, 4 são mulheres (28,57%) (Torres, 2007: 217 e 218).

Apesar destas diferenças, Barbara Kaye lembra que autores que referem que o panorama tende a alterar-se.

Vários estudos indicam que os utilizadores de blogues são jovens, com elevado nível de formação, homens com elevados rendimentos, que são veteranos no uso da Internet (Greenspan, 2003; Rainie, Fox & Follows, 2003). Dados mais recentes apontam, contudo, para um crescimento acima da média (Rainie, 2005) do uso da blogosfera pelas mulheres, minorias e indivíduos entre os 30 e os 49 anos(Kaye, 2007: 128).

Segundo estudos norte-americanos, como o relatório da Perseus Development Corporation, de 2003, as mulheres são responsáveis por mais de metade dos blogues, sendo que os elementos do sexo feminino escrevem mais e asseguram uma maior longevidade destes espaços. A blogosfera parece assumir uma atitude sexista, sendo que alguns autores referem que os blogues assinados por mulheres nunca terão a mesma popularidade que os que são mantidos por homens. Os blogues com maior influência são mantidos por veteranos da Internet, que tendem a ser homens americanos caucasianos (Pedersen & Macafee, 2007: 1473).

Neste domínio, Cindy Royal (2007: 152) argumenta que «considerando simplesmente o acesso, não se realça outro tipo de divisões que podem existir entre sexos, nomeadamente a frequência e a qualidade da utilização, os diferentes modos e objectivos com que a tecnologia é utilizada, e a maneira como se representa o uso de tecnologia por parte das mulheres». A autora recorre aos estudos de van Zoonen, que realçou que várias publicações identificaram a ausência de mulheres na invenção, criação e design das novas tecnologias, mas que o seu papel de consumidoras de certos tipos de tecnologia está também bem documentado. Em paralelo, Consalvo debruçou-se sobre a forma como as mulheres e a tecnologia foram representados nos media entre 1990 e 1998. Descobriu que durante esse tempo « a Internet foi por vezes descrita como um local hostil para as mulheres, onde poucas eram bem-vindas e onde, de facto, um reduzido número passava o seu tempo» (in Royal, 2007: 113). Concluiu que «enquanto as mulheres tomam o seu lugar de parceiras igualitárias no uso do ciberespaço, o papel delas na sua produção ou manutenção continua ainda bastante pequeno» (Royal, 2007: 113). Além disso, Clancy Ratliff (2007) sustenta que «as mulheres podem ser bem sucedidas na blogosfera sem mostrarem fotografia ou falarem de sexo, mas se elas forem atraentes terão mais visitas se publicarem a foto. E se estão inclinadas a falar de sexo, porque não? atrairão mais visitantes».

Estes indicadores levantam a questão de saber se efectivamente pouca presença feminina na blogosfera ou se se trata de um problema de falta de visibilidade do seu trabalho. O estudo de Herring et al. (2004, in van Doorn et al., 2007: 146) indica que os blogues são discursivamente construídos pelos media como adultos e masculinos, excluindo as mulheres e os jovens do discurso sobre a blogosfera e marginalizando as suas actividades como bloggers. Os tradicionais estereótipos acerca da masculinidade e feminilidade combinam-se com a atenção desproporcionada dos mass media para a forma «masculina» de blogging, daí resultando um discurso enviesado.

Assim, poderá a Internet fornecer um espaço alternativo às imagens dos media tradicionais?

Fazendo notar que as pretensões utópicas da Internet são lugares-comuns, Seiter (2003) advertiu que os discursos relacionados com a tecnologia informática podem servir para alimentar em vez de derrubar as hierarquias relacionadas com o sexo, a raça e a classe.

Utilizando a etnografia para analisar as diferenças de género no uso dos computadores em casa e as maneiras com que a tecnologia se manifesta no trabalho das mulheres, Seiter exalta que uma das funções da investigação feminista deve ser moderar o entusiasmo pelas novas tecnologias (in Royal, 2008: 154-155).

Na óptica de Royal (2008: 154), a ideia da construção social da tecnologia, frequentemente defendida por Raymond Williams, demonstra que são os processos e relações de poder da sociedade que modelam a tecnologia (Lister, Dovey, Giddings, Grant & Kelly, 2003). Kline e Pinch construíram o conceito de grupos sociais relevantes, demonstrando que a exclusão social de certos grupos, nomeadamente a baseada no sexo ou etnia, pode impedi-los de serem medidos empiricamente no que respeita ao seu impacto na tecnologia. Contudo, estes grupos podem ter, e têm de facto, impacto no desenvolvimento e utilização da tecnologia (Mackenzie & Wajcman, 2002)».

5. Considerações finais A Internet possui inegáveis potencialidades para a afirmação das vozes femininas, contudo não pode ser encarada de forma linear como a solução para o problema persistente da desigualdade de género. Alguns dos factores que ao longo dos anos perpetuaram esta realidade estão a manter-se em relação a esta nova possibilidade tecnológica. A Internet «confirma as diferenças existentes entre homens e mulheres, mas ao mesmo tempo também permite transgressões aos códigos de feminilidade e masculinidade» (van Doorn & van Zoonen, 2008).

Os blogues apresentam características particularmente interessantes para a participação feminina na rede. Contudo, apesar de serem um mecanismo de auto- edição, dados que apontam, contudo, para a repetição na blogosfera da desigualdade de género. Quais os motivos que estão, então, na origem do aparente baixo nível de participação das mulheres na blogosfera? Será que as mulheres estão afastadas da blogosfera ou blogues assinados por homens que conseguem maior destaque, mesmo nos meios de comunicação tradicionais, criando a ideia de que elas são menos activas no ciberespaço? Será que os blogues de mulheres se concentram, de facto, em determinadas áreas tradicionalmente conotadas com a esfera feminina ou são os espaços dedicados a outras temáticas que não são (re)conhecidos? Será correcto falar de blogues femininos e masculinos? Porque é que muitas escondem a sua verdadeira identidade sob a capa de nicknames? O que é que motiva a participação? Será que a blogosfera está a funcionar como um mecanismo de reprodução dos estereótipos que foram sedimentados durante séculos? Ou poderemos encarar os blogues como ferramentas que estão a promover a mudança social? Que instrumentos metodológicos se apresentam como os mais adequados para estudar este fenómeno? Se no caso da análise dos media tradicionais metodologias consolidadas, no campo da Internet ainda um longo caminho a percorrer, uma vez que a investigação sobre blogues está na fase inicial de desenvolvimento (na «infância», segundo Herring et al., 2004 in Doorn, 2007: 146). Nesse sentido, um estudo sobre a presença das mulheres neste campo também terá de incluir o aperfeiçoamento dos procedimentos, de forma a obter uma amostra representativa do universo em análise e conseguir lidar com questões como a possibilidade do anonimato (Hookway, 2008) ou a volatilidade do meio.

É, então, imprescindível caracterizar quem participa, quais as modalidades dessa participação, quais as motivações e quais as condições culturais, sociais e económicas que lhe são subjacentes, através de entrevistas, grupos focais e inquéritos. Num meio tão heterogéneo, importa também fazer uma análise qualitativa do conteúdo dos contributos, de forma a definir se traços de identificação das vozes que se perfilam nas diferentes áreas. As questões que se colocam são muitas e precisam de respostas urgentes.


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