Representações sociais do «Envelhecer no masculino» e do «Envelhecer no
feminino»
Introdução
A forma como envelhecemos e a "categoria social" das pessoas idosas
são extremamente heterogéneas, diversas e eivadas de assimetrias várias. No
entanto, nos discursos públicos, mediáticos, políticos e até mesmo no domínio
das ciências tal heterogeneidade é geralmente ocultada por assunções
homogeneizadoras que retratam este processo e este grupo como um mesmo e só. Em
resultado desenvolvem- se visões distópicas da velhice (Daniel, 2006a). Alguns
estudos críticos denunciam as excessivas generalizações da "categoria
social idosos", lembrando que a "velhice" é uma categoria
diversa que esconde diferenças e desigualdades (Paúl, 1997). Indicam também a
plasticidade e a diversidade como características fundamentais da forma como as
pessoas envelhecem; enfatizam a importância das políticas e condições
socioeconómicas na manutenção dos indivíduos de idades avançadas, e mostram que
as diferenças (étnicas, etárias, sexuais e socioeconómicas) tornam as
experiências de envelhecimento muito distintas.
As especificidades relacionadas com o género, aquando do envelhecimento e da
categoria social de "pessoa idosa", têm sido invisibilizadas (Alber
e Ginn, 1996; Goldani, 1999; Miller e Simeth, 2007; Wheeler, 1997). Esta
invisibilização terá impactos não só no desenho das políticas societais, como
também ao nível das interações sociais inter e intracategoriais, e ainda ao
nível das cognições dos sujeitos sociais acerca do fenómeno e das categorias de
pessoa idosa1 (Doise, 1985; Moscovici, 1988).
O presente trabalho pretende ser um contributo para a sexualização2 das
análises sobre o envelhecimento e sobre essa categoria social distopicamente
apontada como neutra. Fá-lo, refletindo sobre os elementos de género que
enformam o fenómeno, apresentando a evolução das narrativas públicas sobre
estereotipia idadista e apresentando um estudo sobre as representações sociais
do envelhecimento masculino e do envelhecimento feminino num contexto
institucional específico. Em linha com a proposta de Serge Moscovici, adotamos
a definição de Jodelet de representação social como "uma modalidade de
conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático e
contribuindo para a construção de uma realidade comum a um conjunto
social" (apud Vala e Monteiro, 1993: 354). Mais concretamente,
articulamos esta proposta com a dos estudos da identidade social (Tajfel, 1972,
1982), centrando-nos no tipo de representações que respeitam a atributos
personológicos e características estereotípicas que definem os membros de um
determinado grupo de pessoas, constituído como categoria. Mobilizaremos
conceitos como estereotipia de género e papéis sexuais (Amâncio, 1998) de forma
a compreender as representações associadas ao envelhecimento no masculino e no
feminino.
Em termos da sua estruturação, o artigo engloba três partes. Num primeiro
momento são apontados alguns dados e reflexões que consideramos necessárias a
uma leitura sexualizada do processo. Num segundo momento, expomos a viragem
paradigmática no tratamento social do envelhecimento, designadamente o combate
à estereotipia idadista negativa. Finalmente apresenta-se um estudo sobre as
representações sociais de "envelhecer no masculino" e
"envelhecer no feminino", junto de vinte e duas mulheres diretoras
técnicas de Instituições Particulares de Solidariedade Social (doravante IPSS)
com valências de apoio a população idosa.
1. Envelhecer no masculino e no feminino: sexualizando o fenómeno
Estudos críticos denunciam que a especificidade das mulheres idosas e de meia-
idade tem sido invisibilizada (Goldani, 1999), até mesmo pelas análises
feministas (Alber e Ginn, 1996; Miller e Simeth, 2007; Wheeler, 1997).
Investigações realizadas, a partir por exemplo de estudos de coorte, têm
analisado as diferenças entre os homens e as mulheres, chamando a atenção para
a ausência de visibilidade das mulheres idosas e das suas desvantagens
cumulativas (Goldani, 1999). Outros estudos apontam os impactos diferenciadores
das vivências de género sobre a geração mais velha, que:
experimentou, por maior espaço temporal, relações de poder e também
naturalizou, mais intensamente, noções sobre papéis masculino/
feminino calcadas num modelo tradicional de relações de género, em
que havia o exercício da autoridade dos homens sobre as mulheres e os
filhos no seio das famílias, ou seja, vivenciou uma assimetria
relacional, o que pode influenciar, também de modo diferencial, o
modo do idoso perceber e vivenciar a sua velhice, conforme a marca do
seu género (Fernandes, 2009: 706).
Toni Calasanti (2009), por exemplo, é apologista e defensora de uma
gerontologia feminista, entendendo que só ela fornece um enfoque nas
desigualdades interseccionais, elemento crítico das experiências de
envelhecimento. Não obstante, e apesar destes esforços analíticos sensíveis ao
género, os discursos políticos e científicos produzem conceitos e visões de
envelhecimento e de pessoa idosa, muitas vezes, neutros, ao passo que os dados
demográficos apontam uma clara feminização deste fenómeno. A feminização da
velhice tem atraído pouco a atenção da ciência e da política, secundarizando o
facto de a fragilidade das idosas estar marcada por desigualdades de género
que, somadas às desigualdades estruturais da sociedade, colocam a feminização
da velhice como um elemento fundamental das futuras políticas sociais e desafia
os contratos de género e intergeracionais vigentes.
A falta de reconhecimento das relações sociais de género como característica
fundamental da hierarquia social, tem atuado como barreira à equidade entre
homens e mulheres, principalmente na velhice (Snyder e Wong, 2007; CEDAW,
2010). O nível de bem-estar das mulheres e dos homens resulta das diferentes
trajetórias de vida, determinadas pelo contexto social, económico e
institucional que as/os rodeia. Desta forma, homens e mulheres, aquando da
velhice, encontram estados de vulnerabilidade de acordo com os seus papéis
sociais, culturais e o nível de proteção institucional que a sociedade lhes
proporciona (Figueiredo et al., 2007). No que diz respeito à mortalidade as
mulheres tendem a sobreviver aos homens mas isso não significa que estas
mulheres gozem de melhor saúde. A mortalidade diferenciada não espelha as
profundas variações que se registam no estado de bem-estar daquelas que
sobrevivem: "as mulheres mostram uma maior taxa de morbilidade do que os
homens em termos de saúde atribuída a si própria " (Paúl e Fonseca, 2001:
53). De facto, não só as mulheres vivem mais tempo, como vivem mais sós3 e com
mais doença (Monge, 2006; Nunes, 2005). Tal facto deve-se à circunstância de
estas viverem mais anos e de não voltarem, com a mesma representatividade, que
os seus congéneres masculinos, a constituir família depois da primeira viuvez,
separação ou divórcio. As mulheres também predominam nas instituições de
acolhimento de pessoas idosas (Daniel, 2006b). Em termos de saúde, as mulheres
quando comparadas com os seus congéneres tendem a desenvolver mais doenças
crónicas não fatais, incapacidades e limitações funcionais. Devido ao seu papel
reprodutivo e à pressão associada ao seu papel de cuidadoras, colocam-se numa
plataforma epidemiológica diferente da dos homens (Snyder e Wong, 2007). As
mulheres apresentam uma maior taxa de morbilidade, maior número de visitas e
utilização dos serviços de saúde. A sua tradicional condição de cuidadora,
primeiro das crianças, depois dos/as progenitores/ as e muitas vezes dos
maridos, favorece uma relação estreita com os serviços de saúde (Snyder e Wong,
2007). São, por isso, e também elas, as mais afetadas pelas políticas de
proteção social, saúde e de terceira idade. Por outro lado, sabe-se que o
impacto das desigualdades de género ao longo da vida é exacerbado na velhice
(CEDAW, 2010), sendo as mulheres mais afetadas pela pobreza do que os homens,
especialmente nesta fase4. A discriminação que as mulheres mais velhas
experienciam é muitas vezes resultado da desigual alocação de recursos e acesso
limitado a serviços básicos. A desigualdade e discriminação de género no
emprego durante toda a sua vida têm um impacto cumulativo na idade avançada,
auferindo as mulheres mais velhas pensões mais baixas (57% da pensão média dos
homens, em 2011) (CIG, 2010). As possibilidades e liberdade abertas
supostamente pela reforma são vividas de forma diferente pelas mulheres. Como
refere Toni Calasanti, a "capacidade dos maridos de terem boas carreiras
e segurança financeira na idade avançada ou a possibilidade de escolherem o que
querem fazer na reforma assenta no trabalho doméstico das suas esposas"
(2009: 473). Também os estereótipos de género e práticas tradicionais e
habituais podem ter impactos negativos em todas as áreas da vida das mulheres
idosas (nos papéis de cuidadoras na família, papéis na comunidade, na sua
representação nos meios de comunicação, nas atitudes das entidades
empregadoras, de trabalhadores/as de saúde e outros/as prestadores/as de
serviços) podem resultar em violência e abuso psicológico, verbal e financeiro
(CEDAW, 2010). As mulheres idosas congregam na sua identidade os efeitos
interseccionais da estereotipia de género com a estereotipia idadista sobre a
qual tem recaído, nas últimas décadas, todo um esforço de desconstrução, como
veremos no ponto que se segue.
2. A promoção de representações sociais positivas de envelhecimento e de pessoa
idosa
O envelhecimento emergiu nos tempos recentes como um dos principais desafios
colocados às sociedades contemporâneas. Surge ancorado a uma multiplicidade de
implicações que perpassam a esfera micro dos indivíduos (suas identidades e
situações sociais concretas), a esfera meso na forma como os diversos
subsistemas lhe respondem (laboral, familiar, de proteção social, fiscal,
científico, entre outros), e a esfera macro ao nível da sustentabilidade
socioeconómica dos países e regiões mundiais.
Prova do carácter socialmente construído do fenómeno do envelhecimento (Debert,
1999) é a recente tentativa de "requalificação" discursiva do
envelhecimento ao surgir associado a uma pluralidade terminológica cujos
adjetivos "produtivo ", "saudável", "bem-
sucedido", "positivo" e "ativo" são a mais cabal
ilustração. O objetivo destas novas terminologias públicas tem sido, desde a
década de 1980, nos EUA, (AARP, 2010) e a década de 1990, na Europa, o de
afastar a imagem e representação social negativa que pesa no conceito de
envelhecimento, produto da estereotipia idadista negativa, denunciada pela
documentação/legislação soft emanada por várias instâncias internacionais.
Falamos, por exemplo, da Primeira Assembleia Mundial do Envelhecimento (Viena,
1982); dos Princípios das Nações Unidas (NU) a favor das pessoas idosas
(Resolução 46/91 das NU); da Proclamação das Nações Unidas sobre o
Envelhecimento (Resolução 47/5 das NU); do Ano Internacional das Pessoas Idosas
(1999); da Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento (2002, Madrid), da
Declaração Política e do Plano Internacional de Ação de Madrid sobre
Envelhecimento.
O Plano Internacional de Ação de Madrid sobre o Envelhecimento (ONU, 2002)
destaca-se pela sua importância paradigmática e programática. É nele que se
preconiza a necessidade de mudança da imagem social das pessoas velhas, da
velhice e do envelhecimento; é nele também que se visibiliza a diferença entre
homens e mulheres e as implicações das relações sociais de género no
envelhecimento. Mas já antes deste Plano, em 1997, a Organização Mundial de
Saúde, inspirada pelos Princípios das Nações Unidas a favor das pessoas idosas
(Resolução 46/91 das NU) apresentava o conceito de envelhecimento ativo
definido como "o processo de otimização das oportunidades de saúde,
participação e segurança de forma a aumentar a qualidade de vida das pessoas à
medida que envelhecem" (WHO, 2002: 12, tradução nossa). Também a União
Europeia assumiu a retórica do envelhecimento ativo, estabelecendo metas até
2010 com vista a aumentar os níveis de emprego das pessoas mais velhas e
retardar a saída do mercado de trabalho (Conselho Europeu de Estocolmo de 2001
e Conselho Europeu de Barcelona de 2002). Declarou inclusivamente o ano de 2012
como o Ano Europeu do Envelhecimento Ativo.
Com o objetivo de promover uma representação positiva de envelhecimento, em
1999, a ONU denunciou alguns dos "mitos" comummente associados às
pessoas idosas: 1) as pessoas idosas concentram-se nos países desenvolvidos; 2)
a população idosa é homogénea; 3) homens e mulheres envelhecem de forma igual;
4) todas as pessoas idosas são física e biologicamente frágeis; 5) inexistência
ou baixo contributo social por parte das pessoas idosas (não reconhecimento do
valor do trabalho não pago), subavaliação do seu papel, sobrevalorização do
trabalho pago; e 6) as pessoas idosas são um peso para as economias e
sociedades.
Afirmando esta revalorização do envelhecimento, numa lógica de direitos humanos
(e não de necessidades), reivindica-se um olhar diferente para o fenómeno e,
espera-se, novas abordagens e soluções políticas em sociedades que valorizam o
produtivo, a juventude e a autonomia. Estes são, aliás, alguns dos fatores que,
segundo Anthony Traxler (1980), produzem uma imagem negativa de velhice, ou
seja, o temor da morte e da velhice; a ênfase e valorização da juventude; a
ênfase na produtividade; o viés nas investigações realizadas com pessoas idosas
que focam a dependência e o declínio por estudarem essencialmente idosos/as
institucionalizados/as (Traxler, 1980). Este combate é também um combate à
estereotipia produtora de idadismo negativo (Butler, 1969; Palmore, 1999,
2005). O idadismo, ou seja, a discriminação baseada no preconceito de um grupo
etário contra outros grupos etários, no caso das pessoas idosas, integra três
elementos: i) as atitudes preconceituosas para com os/as idosos/as, tanto das
pessoas de outros grupos etários, como das próprias pessoas idosas; ii) as
práticas discriminatórias nos diferentes papéis sociais, especialmente a nível
laboral; iii) as políticas e práticas institucionais que perpetuam crenças
sobre a velhice (Butler, 1980; Palmore, 1999, 2005). Podendo direcionar-se a
todos os grupos etários, ele é particularmente incidente na velhice e suas
representações, associando a velhice, a dependência, decadência, doença,
pobreza, incapacidade, inutilidade, degradação física e estética. A própria
medicina anti-idade é uma forma de idadismo, que vê o envelhecimento como
doença, empolando a sua depreciação (Palmore, 1999).
Associados aos impactos da estereotipia idadista, os efeitos da
institucionalização das pessoas idosas vêm agravar o quadro representacional e
as relações sociais que se têm com elas, uma vez que a institucionalização não
só significa mudança, mas também um corte no estilo de vida e nas identidades
da pessoa idosa (Daniel, 2006a), determinando novas formas de reconhecimento e
de relacionamento. Tem-se inclusivamente alertado para o facto de estas
relações encobrirem, muitas vezes, formas de violência simbólica (Bazo, 2006),
como a infantilização ou bebeísmo (Martins, 2004). Alguns estudos (Martins,
2004; Serra, 2010) apontam os estereótipos associados à falta de capacidade
funcional que se transformam em violência na forma de tratamento da pessoa
idosa como uma criança, infantilizando as formas de interação. Estas formas de
violência simbólica, dificilmente percebidas e reconhecidas como tal, persistem
porque são praticadas em nome do carinho e do bem cuidar. Assentam num leque de
estereótipos idadistas negativos, que acentuam a dependência, o corte com os
papéis sociais (e sexuais) passados, a falta de autonomia, a demência, etc. O
combate a este tipo de estereotipia negativa tem feito um caminho considerável,
requisitando na atualidade uma nova racionalidade social sobre o fenómeno e
esta categoria social, como veremos no ponto seguinte. Estudar e conhecer as
representações sociais das pessoas que trabalham nas instituições de cuidados a
idosos e idosas afigura-se, por isso, fundamental, sendo espectável que, tal
como a análise de Anthony Traxler (1980) alerta, estas pessoas enfatizem a
estereotipia negativa, expressa numa visão de pessoa idosa ligada à
institucionalização e despersonalização.
3. Estudo sobre as representações sociais de idosos e idosas
institucionalizados/ as por parte do pessoal técnico
Conscientes das ausências da análise de género nos estudos sobre velhice, e, em
particular, nos estudos sobre representações sociais do fenómeno, procuramos,
através do estudo aqui apresentado, contribuir para um olhar sexualizado do
fenómeno. Assim, procurou-se analisar as representações sociais sobre o
envelhecimento com um grupo de profissionais específico, entendendo que as
"ideias" que se têm sobre determinados grupos determinam a forma
como com eles se (inter)age (Doise, 1985; Moscovici, 1988). Mas também que as
representações que temos de uma categoria ou grupo variam segundo a situação de
evocação ou o quadro de referência no qual os discursos são produzidos (Doise,
1990). Por isso, partimos da hipótese central de que as representações destes/
as profissionais apresentam uma visão particularmente marcada pela estereotipia
negativa, assente nas ideias de dependência. Inquirimos profissionais com
funções de Direção Técnica em IPSS com respostas sociais dirigidas a idosos/as
nos concelhos de Alcobaça e Porto de Mós. Inquirimos, em 2010, 22 diretoras
técnicas que exercem as suas funções em 26 IPSS, das quais 19 no concelho de
Alcobaça e 7 no concelho de Porto de Mós. Todas as inquiridas são do sexo
feminino e têm formação académica de base nas áreas de Serviço Social, Política
Social, Psicologia e Sociologia.
O estudo procurou conhecer as representações sociais sobre idosos e idosas de
pessoas que com elas interagem em contexto de institucionalização, e a forma
como este tipo de situações influencia as representações que profissionais
apresentam destes dois grupos. As questões norteadoras desta investigação são
as seguintes: Quais são as representações sociais das/os técnicas/os sobre
homens e mulheres velhos/as? Quais os efeitos desse ponto de vista situado (a
institucionalização) nessas representações? Que diferenças de género se
destacam? As evocações assinalarão estereótipos e preconceitos (idadismo)
comuns à categoria idoso/a institucionalizado/a, mas que diferenças de género?
3.1. Instrumentos
Com o objetivo de acedermos às representações, foi utilizada a Técnica de
Associação Livre de Palavras. De acordo com esta técnica basta a partir de um
estímulo indutor "verbalizar o mais rápido possível as primeiras palavras
que lhe vêm à mente" (Nóbrega e Coutinho, 2003, p. 59), realçando
conteúdos não filtrados pela censura. Foram apresentados às participantes dois
estímulos indutores: "Envelhecer no masculino faz-me lembrar " e
"Envelhecer no feminino faz-me lembrar ", solicitando-se que
associassem prontamente três evocações. Reforçou-se a ideia da utilização de
uma expressão e não a utilização de frases.
3.2. Estratégia analítica
Na organização das evocações dos estímulos indutores "Envelhecer no
masculino faz-me lembrar " e "Envelhecer no feminino faz-me
lembrar " efetuámos, em primeiro lugar, a contabilização das evocações
apresentadas. As evocações referidas livremente pelas participantes foram
submetidas a alguns agrupamentos. Convertemos todas as evocações que emergiram
sob a forma de expressão verbal a um substantivo, sempre que esse procedimento
se mostrou exequível. Relativamente àqueles dois estímulos indutores,
procedemos ainda à organização das evocações, atribuindo-lhes uma valoração
positiva e negativa. Utilizámos previamente o software Excel para a elencagem
das evocações e a sua organização. Após este tratamento inicial exportámos para
o software SPSS os dados no sentido de realizar o o tratamento descritivo das
evocações.
3.3. Resultados
Convertemos as expressões obtidas a partir dos dois estímulos indutores
"Envelhecer no masculino faz-me lembrar " e "Envelhecer no
feminino faz-me lembrar " em cento e trinta e duas frequências.
A tabela 1 reporta-se às evocações mais mencionadas nos dois dicionários. No
que concerne ao dicionário Envelhecer no masculino faz-me lembrar as evocações
modais são a "experiência" (16,7%), uma evocação positiva com uma
identidade social ligada à maturidade, e "dependência" uma evocação
negativa ligada à ausência de autonomia, à perda de funcionalidade. No
dicionário Envelhecer no Feminino faz-me lembrar as maiores percentagens, ex
aequo, são obtidas com as evocações "rugas", "solidão",
"experiência" e "vida" (10%). As evocações mencionadas
como modais referem-se a aspetos negativos, de características físicas (rugas)
e isolamento e perda de rede (solidão) e a aspetos positivos como a
"experiência" (mencionada também como modal no dicionário
Envelhecer no masculino faz-me lembrar ) e a "vida", de conteúdo
tributário de uma positividade ambivalente, simultaneamente de trajetória,
realização, mas também de fardo ou mesmo fado/destino.
Tabela 1
Evocações com maior representatividade por dicionário (%)
A tabela 2 apresenta as evocações comuns aos dicionários. O conteúdo partilhado
pelos estímulos "Envelhecer no feminino faz-me lembrar " e
"Envelhecer no masculino faz-me lembrar " que surge com a mesma
proporção em ambos os dicionários são "família",
"lazer" e "vida", com 6,3%, 6,3% e 9,4%,
respetivamente. A representação do envelhecimento feminino e masculino ancora
numa raiz familialista e numa ideação associada ao tempo livre e corte com os
tempos do trabalho. No que concerne às evocações com maior percentagem, a
evocação "experiência" surge em ambos os dicionários como evocação
modal, contudo no dicionário Envelhecer no masculino ela emerge juntamente
com "dependência" enquanto no dicionário Envelhecer no feminino
faz-me lembrar ela surge concomitantemente com outras evocações modais como
"solidão" e "vida".
Tabela 2
Evocações comuns aos dicionários (%)
Os atributos exclusivos dos dicionários Envelhecer no masculino faz-me lembrar
e Envelhecer no feminino faz-me lembrar fazem ressaltar as especificidades
representacionais (tabela 3). Se, por um lado, no dicionário Envelhecer no
masculino faz-me lembrar , emerge a "perda", a
"proteção", a "resignação" e a "teimosia ",
isto é, valências associativas de cariz negativo do processo de envelhecimento;
na representação "Envelhecer no feminino faz-me lembrar " emergem
evocações mistas como "resistência", "ternura",
"degradação" e "cuidados". É importante salientar que,
nas evocações "Envelhecer no feminino faz-me lembrar ", continuam a
surgir elementos relacionados com o aspeto físico ("rugas") e com
os papéis sociais e familiares desempenhados ("avó").
Tabela 3
Evocações exclusivas aos dicionários (%)
A partir das 132 evocações dos dois dicionários, identificámos 122 evocações
que referiam aspetos positivos e negativos. Podemos constatar que a
representação do envelhecer no feminino é mais homogénea quando são analisadas
as ocorrências negativas (existe maior partilha nas evocações negativas). Pelo
contrário, a representação do envelhecer no masculino é mais homogénea quando
são analisados os estímulos positivos, como se pode verificar pela leitura do
gráfico 1.
Gráfico 1
Total de ocorrências positivas e negativas
Conclusões
Com este estudo identificámos as representações sociais sobre o envelhecer no
masculino e no feminino, das diretoras técnicas de 26 IPSS, um contexto
institucional que marca as imagens representacionais das categorias de idoso e
idosa, explorando diferenças na estereotipia de género associada à estereotipia
idadista. Pudemos verificar a hipótese central de associação da categoria à
estereotipia negativa, de onde se destaca a "dependência" como
traço comum e homogeneizante de pessoa idosa, quer se trate de uma mulher ou de
um homem. Comprova- se assim o efeito da situação de evocação, emergindo a
institucionalização como produtora de uma visão de pessoa idosa centrada na
dependência, perda de autonomia (Traxler, 1980). A institucionalização provoca
uma espécie de libertação das rígidas expetativas dos papéis sexuais, fruto das
características das pessoas idosas institucionalizadas. A
"dependência" impõe-se como marca identitária destas pessoas que
deixaram a "idade ativa", e as funções de provisão de recursos
(geralmente associada ao masculino) e de cuidado de terceiras pessoas
(geralmente associada ao feminino), e passam a depender dos cuidados
institucionalizados. A prevalência desta ideia será como uma marca da ideologia
da fragilidade física e da dependência económica das pessoas idosas, como
refere Calasanti (2009).
Porém, e não obstante este poderoso efeito homogeneizador da
institucionalização sobre as representações, foi possível constatar a força da
estereotipia de género. Para estas profissionais "o envelhecer no
masculino" não é igual ao "envelhecer no feminino". O
envelhecimento no masculino ancora tanto na "dependência" como na
"experiência". Existem atributos relacionados com a perda de
funcionalidade e de autonomia, dominantes na estereotipia associada ao
masculino (Amâncio, 1998) e com uma identidade social ligada à maturidade e
acumulação de competências; o positivo e o negativo emergem como evocações
modais, portanto. No envelhecer no feminino a ideia de
"dependência" não emerge com evocação modal. Os aspetos negativos
realçados remetem para perdas em dimensões estereotipicamente valorizados no
feminino, a beleza física ou ideal estético ("rugas") e o domínio
relacional e familiar ("solidão"). A decadência biológica é
empolada quando se pensa no envelhecimento das mulheres, sinal da centralidade
do corpo e da beleza na identidade feminina valorizada. Há no entanto que
destacar os atributos positivos realçados no envelhecimento feminino, como a
"resistência", "ternura" e "dedicação" a
par de atributos relacionados com papéis de género "avó". Note-se
que não surgiu nenhuma evocação do masculino associado à palavra avô. A palavra
"avó", "rugas", "saudade" e a
"ternura" aparecem assim como exclusivos do "envelhecer no
feminino".
Concluímos com a persistência de estereotipia idadista, mas esta é atravessada
pela estereotipia de género na definição de imagens sobre os idosos e idosas.
Pesarão essas diferenças na nova retórica política que revaloriza o
envelhecimento ativo, produtivo? Terão os homens idosos e as mulheres idosas os
mesmos recursos estatutários para responder a essa nova retórica do
envelhecimento ativo? Que expressão têm os indutores de mudança (políticas
públicas, novas terminologias) que destacámos acima e que perspetivamos
analiticamente centrais na compreensão da representação deste fenómeno sobre a
mudança no consenso social implícito nos contratos de género e o combate à
representação e estereotipia negativa de envelhecimento? São algumas questões
que deixamos em aberto com este trabalho. Esperamos com ele ter contribuído
para o que Calasanti (2010) afirma como o potencial de análises que focando a
desigualdade proporcionem novas e mais efetivas pesquisas, práticas e políticas
para as pessoas, homens e mulheres, de idade avançada.
Assumimos que existe uma tensão, e até mesmo uma certa dislexia pública em
torno do fenómeno do envelhecimento e da velhice ' por um lado a prevalência de
estereótipos idadistas negativos visíveis nos pictogramas que representam as
pessoas idosas maioritariamente com a solidão, doença, dependência, tristeza e
institucionalização (Daniel, Antunes e Amaral, 2012; Oliveira et al., 2011).
Por outro lado, existe um discurso político internacional e nacional que induz
a estereotipia positiva, plasmada no conceito de envelhecimento ativo, que quer
manter os/as idosos/as na participação cívica, política e económica, o mais
possível. Ora esta tensão aportará, certamente, desafios à forma como idosos e
idosas passarão a ser representados relativamente ao ideal normativo de
"envelhecimento ativo".