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EuPTHUHu0874-55602013000100002

EuPTHUHu0874-55602013000100002

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0874-5560
ano2013
Issue0001
Article number00002

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Introdução: Políticas Feministas nas Artes Visuais e Performativas Introdução. Políticas Feministas nas Artes Visuais e Performativas Cristiana Pena*1, João Manuel de Oliveira*2 e Teresa Furtado*3 CEMRI da Universidade Aberta, Portugal; Goldsmiths, Universidade de Londres, RU / CP da Universidade do Porto, Portugal / CHAIA da Universidade de Évora, Portugal

A última década foi bastante importante para o reconhecimento da influência dos feminismos na arte contemporânea que alguns dos museus com maior notoriedade ' MoMa (Nova Iorque), Centro Pompidou (Paris), Museu de Arte Contemporânea (Los Angeles), entre outros ' albergaram exposições dedicadas a esta temática e o mesmo aconteceu com algumas das principais revistas da especialidade e com publicações de editoras especializadas. Apesar de terem passado mais de 40 anos sobre o início duma vaga de artistas ' Judy Chicago, Mary Kelly, Suzanne Lacy, Catherine Opie, Valie Export, Barbara Kruger, etc. ' que produziu intencionalmente trabalho influenciado pelas políticas dos movimentos feministas que invadiam as ruas e se instalavam na academia, nunca antes lhes havia sido concedido espaço onde as suas obras pudessem ser vistas pela generalidade dos públicos.

O feminismo pós-estruturalista e queer privilegiou muitas vezes as artes visuais e performativas como meio para representar as problemáticas relacionadas com a mulheres e com os feminismos. Como sugere Peggy Phelan (2001), as artes visuais e performativas passam a significar uma forma de ação e o feminismo uma forma de linguagem, ou seja, de atos de linguagem através dos quais se colocam questões e se procede a uma revisão de questões quer políticas quer pessoais.

Durante os anos 1990 o feminismo iniciou uma fase de políticas de aliança porque outros projetos políticos, para além do combate contra o patriarcado e a opressão sexista, foram inseridos na agenda feminista. Devido à crise da SIDA que estigmatizou brutalmente as comunidades LGBT em todo o mundo, as feministas viram-se confrontadas com novas realidades que contribuíram para problematizar as políticas de género de uma forma mais complexa enriquecendo o debate feminista. Para além das questões relacionadas com a sexualidade e o género, autoras feministas negras, latino-americanas e asiáticas ajudaram igualmente a reconfigurar o discurso feminista trazendo para o debate uma perspetiva pós- colonial que denunciava a hegemonia branca e ocidental do movimento. Durante este período o corpo sexualizado e racializado passava a ser o lugar a partir do qual, artistas e ativistas, excluídas pelas feministas heterossexuais brancas, passavam a falar.

É importante mencionar também a relevância da teoria queer, em particular a publicação da obra de Judith Butler (1990) que marcou toda uma linha de pensamento pelas suas propostas de reposicionamento conceptual do género como performatividade e pelas implicações desta posição para pensar as questões ligadas à sexualidade, a partir de uma perspetiva crítica, simultaneamente feminista e queer.

A teoria queer e os estudos de género trouxeram determinados grupos marginais para o centro da academia criando uma fonte de material discursivo extremamente útil para que artistas, ativistas e audiências possam, ainda hoje, falar sobre si mesmos na sua própria linguagem. Um dos vocabulários utilizados por ativistas feministas e queer para reclamar direitos e visibilizar grupos excluídos das representações e dos discursos dominantes foram denominados por Butler de "enraged public queerness happenings" que poderíamos traduzir como "happenings públicos queers enraivecidos" (Butler, 1993: 23).

Dando continuidade ao debate iniciado nos anos 1970, por feministas e artistas norte-americanas e inglesas sobre o "sexo", a sexualidade, o género, a "raça"/etnia, classe, público/privado e reconhecendo a sua atualidade decidimos organizar este dossier para que as práticas artísticas, as teorias feministas, os estudos queer e de género continuem a ser um espaço de questionamento, de ação política e de reflexão pessoal. Sendo assim, neste número, para além do habitual pedido de submissão de artigos lançámos também o desafio a artistas ' Carla Cruz e Miguel Bonneville (Portugal), Emilie Jouvet (França), Kathryn Fisher (Alemanha/ EUA) e Sophia Wallace (EUA) ' que consideramos importantes por representarem uma nova geração que integra as políticas feministas e queer no seu trabalho artístico.

As artes influenciadas pelos feminismos e pelas posições queer aparecem assim como espaços de ação onde a intenção de intervir para transformar a sociedade patriarcal, sexista, classista, racista e homofóbica são um dos objetivos que artistas e coletivos têm quando criam ou exibem as suas obras. Uma das contribuições mais relevantes do feminismo foi precisamente a elaboração de instrumentos conceptuais críticos e de uma prática social ativista, partindo de um modo não dualista de pensar corpo e mente, como entidades inter- relacionadas, uma vez que os sujeitos pensam e experienciam a vida através dos seus corpos. Sendo assim, nas artes visuais, inúmeras mulheres utilizaram os seus corpos como condutores de mensagens políticas, críticas e reivindicativas, rompendo e questionando os discursos sociais onde se constrói a diferença, a hierarquia e a dominação entre os indivíduos.

O recente caso das Pussy Riot é perfeito para ilustrar como as políticas feministas, as artes visuais e performativas podem desestabilizar as estruturas de poder instituídas (ver http://freepussyriot.org/). Este coletivo feminista russo que usa a performance pública como meio e a cultura punk/riot grrrl como forma conseguiu em 2012 criar não uma ato de protesto contra a reeleição fraudulenta de Vladimir Putin, a relação do Estado com a igreja Ortodoxa e a detenção de vários/as ativistas políticos como também projetar internacionalmente o feminismo como forma de ação política rebelde, determinada e inconformada que consegue estremecer uma das menos democráticas democracias do hemisfério norte.

Neste dossier interessa-nos sobretudo debater a relação entre artes feministas ou queer e a transformação social, política e cultural, operada ao nível das representações de género, dos corpos e das sexualidades na atualidade por considerarmos que existem determinadas práticas artísticas subversivas que são estigmatizadas como "abjetas" no quadro heteronormativo e consequentemente silenciadas. Os efeitos, os modos de ver, e as subjetividades facultadas aos espectadores pelas imagens, nas narrativas, nos olhares e nos espaços da composição produzem masculinidades, feminilidades e outras sexualidades que se constituem como lugares de resistência e desafio ao sistema escópico dominante e à própria hierarquia de género da ordem patriarcal (ver anexo_Carla_Cruz).

Pretendemos destacar reflexões e obras que proponham novas formas de sensibilidade e afeto; refletir sobre as categorias de masculinidade e feminilidade através de representações onde a plasticidade tecnológica do género possibilita a constituição de multitudes de corpos que questionam os limites discursivos do sexo e da sexualidade (ver anexo_Miguel_Bonneville).

As representações criadas sobre e por estas subculturas feministas e queer revelam o que Beatriz Preciado (2002, 2004) denominou como hipermodernidade punk, visto que denunciam os processos técnicos, culturais e políticos através dos quais o corpo visto como objeto atinge o seu estatuto natural. Através de imagens e performances podemos não observar como os géneros são tecnologicamente produzidos e reconhecidos como corpos e simultaneamente perceber o modo artistas feministas e queer criticam a domesticação dos corpos e a ficção somato-política do binarismo hegemónico de género. A criação de obras conscientemente críticas e conceptualmente informadas pela teoria feminista e pela teoria queer constroem outras representações com as quais públicos habitualmente excluídos conseguem estabelecer relações de identificação e empatia.

J. Jack Halberstam (2005, 2011) introduz novas formas de pensarmos as temporalidades e geografias queer tal como nos convida a refletir sobre o papel da tecnologia na transformação das representações ao nível dos discursos visuais sobre o corpo, o género e a sexualidade (ver anexo_Kathryn_Fisher). Se considerarmos os desenvolvimentos ocorridos na última década ao nível dos meios de comunicação, em particular das redes sociais, poderemos compreender melhor as transformações nas relações entre as práticas artísticas, as políticas feministas e queer, a constituição de diversos públicos e o aparecimento de subculturas que se vêm representadas em discursos visuais reconfigurados.

Os textos deste dossier consubstanciam uma relevante contribuição para esta área, mostrando a forma como as políticas radicais do pensamento feminista polinizaram as artes contemporâneas e nos proporcionaram outras legibilidades para compreender a própria teoria feminista. Este dossier apresenta quatro contributos vindos de vários países ' Portugal, Reino Unido, Espanha e França ' mostrando que esta investigação sobre estes objetos de estudo ainda é incipiente no nosso país. É, contudo, importante salientar que estes contributos têm em comum uma aplicação das teorias e movimentos feministas numa lógica política de questionamento radical e de crítica que muito nos satisfaz.

No texto de Armando Pinho e João Manuel de Oliveira são traçadas algumas das principais coordenadas teóricas da relação entre teorias feministas e a performance artística autobiográfica. Um texto de síntese que mostra como determinados aspetos de uma política radical feminista são incorporadas na performance. Este trabalho articula as várias mudanças dentro deste diálogo com o trabalho da performer Carlota Lagido, analisando o modo como a autora recorre à sua autobiografia como manancial criativo para o seu trabalho. Igualmente este texto é uma referência importante por traçar a história deste diálogo, mostrando o efeito de diferentes correntes feministas na análise que é feita da performance e nas próprias práticas artísticas.

No artigo de Giulia Casalini, a autora convoca o trabalho da artista guatemalteca Regina José Galindo para entender o modo como a performance recorre ao trauma e ao silêncio como forma de dar testemunho da violência política. Através do recurso a obras muito significativas, quer da teoria feminista, quer da teoria crítica, a autora constrói um texto que analisa o modo como o silêncio é utilizado como uma importante arma no trabalho de Galindo, evidenciando o modo como a performance permite uma visibilidade ao que é inaudível ou dificilmente expresso por palavras. Assim, Regina José Galindo faz da sua performance um modo de suscitar reações no público, pela via do silêncio, como maneira de ativar determinadas memórias traumáticas que assim podem ser partilhadas.

O trabalho de Veronica Perales procede a um reposicionamento do conceito de amor. Tentando pensar o amor para da sua aceção romântica, a autora analisa o conceito em diversas fontes, aproximando-se do objeto de estudo através do ecofeminismo e da crítica ao antropocentrismo. A autora percorre uma série de obras e de artistas, cujo trabalho é relevante para proceder a uma abertura deste conceito, reposicionando-o. Assim, esse trajeto que o texto percorre permite revisitar outras maneiras, mais livres, de pensar o amor fora dos limites impostos pelas ideologias de género e do antropocentrismo hegemónico.

O texto de Marie-Emilie Lorenzi foca um happening feminista queer em Lille, na França, que envolveu a estátua equestre de Joana d'Arc. A autora procede a uma análise do modo como este happening permite detetar linhas de fratura entre ativismos mais tradicionais LGBT e ativismos queer, enunciando como este happening pode ser lido a partir de diferentes posicionamentos militantes.

Particularmente, a cor rosa com que a estátua foi pintada é alvo de uma análise que evidencia as diferentes apropriações desta cor por parte dos movimentos LGBT e queer. Esta análise aborda também a formação de um Pink Bloc, que recorrendo a pressupostos feministas queer, baseia a sua intervenção política na performance de rua e happenings.

Este dossier reforça a importância da investigação na área da arte contemporânea sob influência das políticas feministas. Estes artigos permitem traçar alguns desses percursos e entender os modos de incorporação dessas influências.


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