Género e Ciências Sociais
Neves, Sofia (coordenadora) (2011) Género e Ciências Sociais, Maia, Edições
ISMAI, 234 páginas.
Lígia Amâncio
ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, Portugal
Este livro é mais um importante contributo para a história da difícil relação
das ciências sociais com o conceito de género, reflexo da relação ainda mais
difícil das ciências sociais com o pensamento crítico feminista e a subversão
da ordem de género dominante e heterossexual. Resultado do Seminário
Interdisciplinar Género e Ciências Sociais, organizado no ISMAI, pela
coordenadora, em 2009, esta publicação inscreve-se no lento progresso do debate
em torno de uma área de reflexão e estudo que tem permanecido nas margens das
ciências sociais, mas não tem parado de crescer e se afirmar, nos últimos anos.
Merece destaque a importância da colaboração entre Portugal e o Brasil, neste
domínio, também presente nesta publicação através da participação de
investigadoras brasileiras.
Organizado em duas partes, a I Parte, intitulada Aproximações teóricas e
epistemológicas ao Género, reúne contributos para a compreensão das
resistências ao género e ao feminismo (Capítulos 1 e 2) e para os
desenvolvimentos que o género, enquanto projeto político, proporcionou e
permitiu reconhecer (Capítulos 3, 4, e 5), no plano epistemológico, mas também
no plano metodológico e político. Intimamente associado a uma rutura
epistemológica nas ciências sociais não deixa de surpreender a força com que as
diversas disciplinas têm resistido a este seu novo habitante e às novas
dinâmicas reflexivas que ele traz.
Na II Parte, intitulada Entre o fazer e o ser feito/a pelo Género, apresentam-
se vários estudos, bem ilustrativos, na sua diversidade e envolvimento social e
político, do potencial analítico e crítico, aberto pelo conceito de género,
quando se abandona o sentido neutro e binário com que o conceito se vulgarizou
mesmo nas ciências sociais, como se diz na I Parte: a reprodução do duplo-
padrão nos modelos de relacionamento de adolescentes (Capítulo 6), a relação do
direito com o universo LGBT (Capítulo 7), homens e masculinidades (Capítulo 8),
condições de vulnerabilidade ao HIV/SIDA (Capítulo 9), preconceitos em relação
à homossexualidade (Capítulo 10), a presença feminina na delinquência juvenil
(Capítulo 11) e o lugar das mulheres na migração (Capítulo 12).
Pondo em perspetiva o contexto português, este livro mostra que esta área de
estudos evoluiu, como nos outros países, começando por contaminar o conceito de
género com a visão binária do sexos, e confundir o seu projeto político com as
mulheres, para depois se alargar à contestação de uma ordem social baseada na
norma da heterossexualidade, ao mesmo tempo que se desenvolvia a reflexão
crítica sobre as potencialidades do conceito no seu cruzamento com outras
pertenças sociais que contribuem para a diversidade e a complexidade dos
contextos sociais onde a ordem dominante se constrói e reproduz. As
especificidades do contexto português prendem-se sem dúvida com o início tardio
deste caminho e com uma notável recuperação do atraso inicial. Do ponto de
vista das ciências sociais, por outro lado, encontramos os efeitos da chegada
de um novo conceito para um velho problema, durante tanto tempo excluído das
interrogações da ciência dominante, ou colocado numa posição subalterna dentro
da hierarquia das desigualdades sociais quando já não era possível excluí-lo.
Daí a permanente exigência de definição, explicação, reflexão a que os estudos
desta área estão sujeitos, apesar dos modos de ser mulher (ou homem) já serem
definidos como um processo de construção, há 50 anos atrás, por Simone de
Beauvoir. E, no entanto, ainda é preciso lembrá-lo.
Ainda bem que este livro nos lembra, mais uma vez, este esforço permanente de
reflexão que só é possível numa perspetiva crítica e politicamente envolvida e
nos traz os contributos de muitos/as investigadores/as cujo trabalho tem
marcado esse caminho na sociedade portuguesa.