Memórias de Maria Veleda: Feminista republicana, escritora e conferencista.
Introdução e notas de Natividade Monteiro
Monteiro, Natividade (2011), Memórias de Maria Veleda. Feminista republicana,
escritora e conferencista. Introdução e notas de Natividade Monteiro, Leiria,
Imagens e Letras, 166 páginas.
Teresa Pinto
CEMRI ' Universidade Aberta, Portugal
Pela mão da historiadora Natividade Monteiro, as Memórias de Maria Veleda,
iniciadas em 1943 e publicadas em 1950 no jornal República, ganham justamente
estatuto de obra editada, homenageando uma figura ímpar do feminismo e do
republicanismo em Portugal. O alcance destas Memórias alarga-se, nas palavras
de apresentação de Maria José Guerreiro da Franca e Silva Miranda, bisneta de
Maria Veleda, pelo facto de darem, não só "testemunho, em tempo de
ditadura, de um passado recente [o da 1.ª República], [mas também por
transmitirem] a mensagem de que a intervenção e a defesa de ideais são sempre
possíveis " (p. 3). Acresce que estas foram as únicas memórias publicadas
no conjunto de mulheres do movimento feminista e republicano português de
inícios do século XX. A obra é enriquecida com algumas fotografias originais de
Maria Veleda que, no entanto, mereciam melhor qualidade de reprodução e em
alguns casos de um tratamento gráfico mais cuidado, numa editora que dá por
nome "Imagens e Letras".
Natividade Monteiro, tendo encetado a sua investigação sobre Maria Velda há
mais de dez anos, no âmbito de uma dissertação de mestrado ' Maria Veleda
(1871-1955), uma professora feminista, republicana e livre-pensadora, (2004) '
continuou a reconstruir o percurso de Maria Veleda e a trabalhar na preservação
do espólio familiar daquela "cidadã insubmissa de percurso invulgar que
muito batalhou pela República" (p. 5), como regista João Esteves no
Prefácio desta obra.
Na introdução às Memórias de Maria Veleda, Natividade Monteiro não se limita a
contextualizar os textos publicados e a apresentar-nos a autora, função em si
mesma suficientemente meritória. O acesso aos manuscritos permitiu a comparação
com os textos publicados no jornal República entre 26 de fevereiro e 11 de
abril de 1950 e a identificação, não só dos cortes feitos pela censura, como os
próprios "acertos de linguagem numa atitude de autocensura, própria de
quem escrevia e publicava coartado por um regime ditatorial que tudo vigiava,
censurava e reprimia" (p. 9). Relembramos que Maria Veleda, professora,
republicana, maçónica e livre-pensadora, foi uma lutadora incansável pela
liberdade e pela igualdade, pautando por esses ideais, com uma coerência
inquestionável, a sua própria vida pessoal.
Sublinhando o contributo das memórias individuais na produção historiográfica,
em particular nos estudos sobre as mulheres, para uma reinterpretação do
passado em função "da experiência social de mulheres e homens na teia das
múltiplas relações estabelecidas nas esferas da vida pública e privada"
(p. 17), Natividade Monteiro adentra-nos, em seguida, no percurso feminista e
republicano de Maria Carolina Frederico Crispin, nascida em Faro (1871). Foi
precisamente no jornal O Distrito de Faro que se estreou como colaboradora,
assinando os seus textos com o psedónimo de Maria Veleda (entre outros), o qual
se converteria no nome usado na atividade profissional e política e na vida
familiar.
Servindo de antecâmara às Memórias de Maria Veleda, Natividade Monteiro reuniu
onze testemunhos sobre a feminista, publicados entre 1902 e 1955, em diversos
periódicos, como A Crónica (1902), Sociedade Futura (1904), O País (1908), A
República (1909), A Semeadora (1917), Diário de Lisboa (1948) e República
(1951, 1952, 1955).
A publicação no jornal República das Memórias, divididas em vinte e dois
trechos, iniciou-se num domingo, dia 26 de fevereiro de 1950, data do
septuagésimo nono aniversário da autora, e prolongou-se por pouco mais de um
mês. O jornal República anunciava a obra, em 24 de fevereiro, sublinhando que
nela se reuniam "capítulos sensacionais da história do regime" e
"um repositório de enternecidas recordações ' a história da vida de uma
mulher, abnegada, heroica e gentil, que fica como exemplo das mais nobres
virtudes, de amor pelo ideal, em defesa das causas justas e das supremas
aspirações dos humildes" (p. 62).
Cabe-nos, agora, percorrer as cerca de noventa páginas de memórias e usufruir
da sua leitura.